Resumo: O presente artigo busca analisar o papel do Poder Judiciário no controle das políticas públicas ambientais, a partir da nova leitura que é dada à clássica divisão de poderes e do papel ativo dos juízes na vida institucional brasileira. Enfatiza-se a importância do uso das tutelas de urgência no controle das políticas públicas ambientais, ressaltando-se o dever de prevenção que deve existir na busca da preservação ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Palavras-chave: Meio ambiente. Ativismo judicial. Prevenção.
1 - Introdução
Na definição clássica de separação dos poderes elaborada por Montesquieu, em Do Espírito das Leis, o Poder Judiciário não passava de um mero executor de leis. Os juízes seriam apenas "a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar sua força, nem seu rigor" (MONTESQUIEU, 2001, p. 78), sendo aptos apenas a trazer respostas aos litígios existentes, aplicando ao caso concreto as soluções encontradas no sistema jurídico vigente.
Através da divisão proposta pelo autor iluminista[1], acreditava-se que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer autonomia e limites para cada poder. Para tanto, fez a seguinte divisão dos poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário. O poder Legislativo teria a função típica de legislar e fiscalizar; o Executivo, administrar a coisa pública; o Judiciário, julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 cuidou logo no seu art. 2º de estabelecer a separação dos poderes, nos moldes propostos por Montesquieu, e a forma de atuação entre eles, quando declara que são “independentes e harmônicos entre si”.
Essa ‘independência entre os poderes’ significa que a investidura, a permanência e o desenvolvimento das ações pelos membros e servidores dos órgãos não depende da vontade dos outros, nem deles sofrerá interferência, cabendo a cada poder uma atuação livre, dentro dos limites constitucionais e legais. Por outro lado, a expressão ‘harmonia entre os poderes’ é sugestiva de um respeito mútuo na atuação de cada poder, principalmente no que toca às faculdades e prerrogativas constitucionalmente estabelecidas de cada um. Através dessa expressão, o legislador constituinte pretendeu prestigiar o equilíbrio entre eles no desenvolvimento de suas ações, sempre em busca de concretização dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º da Constituição Federal).
Como se percebe, a divisão dos poderes fundamenta-se em duas grandes dimensões: a) a especialização funcional, no sentido de que cada órgão é especializado no exercício prioritário de cada uma das funções; b) independência orgânica, a exigir que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência dos meios de subordinação. Hoje, no entanto, o princípio da separação de poderes já não mais configura aquela divisão estanque de antes. As ampliações das atividades do Estado Contemporâneo impuseram uma nova visão da teoria da separação dos poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos Legislativo e Executivo e entre estes e o Judiciário, tanto que atualmente é preferível falar em colaboração de poderes. (SILVA, 2006, p. 110).
Nessa perspectiva, é natural se concluir que o Poder Judiciário não possui mais unicamente a função de julgar, de apenas resolver os problemas que lhes são postos e apresentar a solução legal, pondo fim ao litígio.
2 - O Poder Judiciário no controle das políticas públicas ambientais
O papel do Judiciário tem sido bastante questionado, em especial diante da crescente demanda por uma atuação mais eficaz no que concerne à concretização dos direitos insculpidos na Constituição, muito em razão de um relativo descrédito na efetividade da atuação parlamentar. Sobretudo no Brasil, fala-se hoje em um ativismo judicial, a partir da escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance. Isto é, abandona-se a ideia de que o Judiciário é um poder de mera solução de conflito, para, dentro desse prognóstico de solução, atribuir-lhe também a prerrogativa de concretizar os dizeres normativos da Constituição, quando eventual inércia questionada surja inserida de ofensa aos direitos fundamentais.
Não se pode esquecer que o chamado Estado Democrático de Direito nasce na busca de uma maior participação de sua população nas decisões e direções que o Estado deveria seguir, dando um sentido concreto aos direitos humanos a serem alcançados. A imagem que se estruturou nesse modelo, portanto, está umbilicalmente ligada à noção de conservação dos direitos fundamentais que se construiu ao longo dos anos, dentre os quais se encontra o direito ao meio ambiente equilibrado.
Dessa forma, o ativismo judicial ergue-se principalmente ligado aos direitos fundamentais de segunda geração (econômicos, sociais e políticos), aqueles que ordenam uma conduta positiva do Estado. A ausência de regulação de tais direitos não impede o julgador de reconhecê-los e, se for o caso, de determinar a autoridade de tais preceitos, sempre à luz da dignidade da pessoa humana.
Ou seja, outrora a perspectiva predominante sugeriria uma neutralidade do Poder Judiciário, tendo sua atuação limitada apenas a solucionar conflitos de interesses entre indivíduos, pelo que a tarefa do juiz consistiria em uma atividade de conhecimento e descrição, sem envolver decisão e criação. Nesse sentido, Campilongo (2002, p. 49) fala em uma justiça distributiva, principalmente no campo social. Ele salienta que o modelo liberal de Estado atribuiu ao Judiciário a tarefa de conferir eficácia aos direitos individuais, ao solucionar conflitos. Posteriormente, o modelo social acrescentou, àquela incumbência do Judiciário, a de fiscalizar o respeito aos direitos sociais e impelir o Estado a uma atividade compensatória e distributiva, de modo a contribuir para a atuação das escolhas públicas.
A partir da certeza de que concretização de direitos sociais pressupõe a promoção de políticas públicas pelo Estado (comportamento ativo visando a implementação das garantias constitucionais), demandas judiciais envolvendo direitos dessa natureza estimulam os juízes a tomar decisões que interferem nessas políticas.
Se os juízes passam a determinar a realização de despesas para custeio de políticas sociais, muitas vezes acompanhadas de ameaças de sanções penais, civis e administrativas aos agentes descumpridores, inegavelmente afetam o orçamento público e terminam por alterar a organização do programa de ações realizado pelo Poder Executivo, à luz das normas criadas pelo Poder Legislativo. Dessa forma, o Judiciário começa a ser provocado para solucionar litígios que não são sobre direitos individuais, ultrapassando o campo no qual seu papel é tido como bem demarcado, para além dos interesses e das consequências individuais das partes envolvidas no litígio.
Quanto às questões ambientais, é inevitável reconhecer que já existe um compromisso constitucional e uma normatividade ampla voltada para a proteção do ambiente e salvaguarda da sadia qualidade de vida. Uma simples leitura da Constituição Federal já denota o prestígio concedido à proteção ambiental, com bases fincadas no artigo 5º e artigo 225. Aliás, como bem lembra HERMAN BENJAMIN, um dos benefícios da constitucionalização do ambiente é a sua proteção como direito fundamental. Através da via constitucional, o meio ambiente é alçado ao ponto máximo do ordenamento, passando a ter status de direito fundamental.
Por sua vez, o próprio Supremo Tribunal Federal já afirmou a existência de um direito fundamental ao meio ambiente como de terceira dimensão, entendimento consolidado no julgamento do Mandado de Segurança n. 22.164 - SP/1995, Relator Ministro Celso de Mello:
[…] A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito de terceira geração - princípio da solidariedade - o direito a integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.
Entretanto, ao mesmo tempo, é deveras deficiente a implementação de políticas públicas nessa área, seja porque os órgãos estatais estão insuficientemente equipados ou diante das dificuldades da realidade político-administrativa ou de interesses econômicos que terminam prevalecendo.
No cenário ambiental, é visível o descompasso existente entre os avanços exigidos pelas novas demandas da sociedade e a forma e o resultado das prestações estatais, sobretudo no que toca ao desenvolvimento de políticas públicas,
Logo, o perfil transformador da jurisdição ambiental, pautado na necessidade de atribuição de deveres fundamentais e no princípio da solidariedade, não pode ficar refém da inércia governamental, muito menos atado aos caprichos políticos que gravitam na chefia do Executivo, devendo nortear a implementação das normas ambientais e imputar as responsabilidades próprias do Poder Público.
Esse papel do Poder Público deve estar preferencialmente circunstanciado na prevenção ao dano, na certeza de que os desgastes ambientais normalmente são irreversíveis, tendo como norte o princípio da precaução e da prevenção. Daí porque o uso da tutela provisional de urgência, com relevante destaque conferido pelo artigo 9º do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), ganha especial importância nas ações de natureza ambiental, em que os riscos envolvidos exigem do Judiciário o enfrentamento rápido de questões urgentes, muitas vezes antes mesmos que o contraditório tenha se formado no processo.
De fato, diversos são os danos causados ao meio ambiente que o Poder Público, por ação ou omissão, possa direta ou indiretamente contribuir, muitas vezes em razão da ineficácia ou completa ausência de elaboração e implementação de políticas públicas na área ambiental, a exemplo: a) a poluição de rios e mares pelo lançamento de esgotos urbanos e industriais sem o devido tratamento; b) o descaso com a proteção das espécimes vegetais e animais, principalmente aquelas que estejam em extinção; c) o abandono de bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro, c) a degradação de ecossistemas e áreas naturais de relevância ecológica; d) o depósito e a destinação final inadequados de lixo urbano, entre outros.
Essa realidade precisa, portanto, ser combatida de frente e sem medos pelo Poder Judiciário, face sua nova perspectiva transformadora. Não se tem dúvidas que esse novo cenário é instável e ainda inspira bastante cautela, requerendo uma atuação estratégica à luz dos preceitos ambientais constitucionais. Todavia, não é compatível com a acomodação e com a omissão. Assim como acontece os direitos sociais, o dever de preservação do meio ambiente também passa por uma mudança cultural e comportamental da postura dos juízes, a impor-lhes um especial cuidado com as políticas públicas, seja para frear aquelas com consequências duvidosas, seja principalmente para adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los operantes.
3 – Conclusão
Com essas considerações não se está defendendo uma atuação substitutiva da Administração Pública, a quem compete efetivamente a escolha dos métodos necessários à implementação de políticas ambientais (juízo de discricionariedade), tendo como balizas a projeção constitucional-normativa do tema, as necessidades sociais e as limitações orçamentárias. Todavia, não se pode esquecer que o controle jurisdicional da realização e fiscalização da execução das políticas públicas ambientais é também um dever do Poder Judiciário, a ser exercido mais em uma perspectiva intervencionista e transformadora, protetora dos preceitos constitucionais e concretizadora de uma justiça social.
4 – Referências
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002.
BENJAMIM, Antonio Herman de V. A principiologia do estudo prévio de impacto ambiental e o controle da discricionariedade administrativa: estudo prévio de impacto ambiental. São Paulo: RT, 1993.
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
[1] Segundo SILVA (2006, p.110), o princípio da separação dos poderes já se encontra sugerido Aristóteles, John Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina de separação dos poderes, que, afinal, em termos diversos, veio a ser definida ao final por Montesquieu.
Assessora Jurídica da 1ª Circunscrição Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Aline Pecorelli da Cunha. O papel do Poder Judiciário no controle das políticas públicas ambientais e sua contribuição no desenvolvimento sustentável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46340/o-papel-do-poder-judiciario-no-controle-das-politicas-publicas-ambientais-e-sua-contribuicao-no-desenvolvimento-sustentavel. Acesso em: 22 nov 2024.
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