RESUMO: Este trabalho busca compreender, precipuamente, como se dá a tutela da improbidade administrativa no Brasil, com maior enfoque nos atos de improbidade praticados por ocasião de contratações diretas feitas mediante indevidas dispensas e inexigibilidades de licitação. Ao longo do presente trabalho, é analisado de que maneira o Direito Administrativo, por meio da Constituição Federal e das legislações específicas infraconstitucionais, busca controlar, prevenir e punir os atos ímprobos nas licitações. Além disso, se discorre acerca do importante papel do Ministério Público no combate à corrupção, notadamente no que tange aos atos de improbidade administrativa no âmbito das licitações públicas. Para isso, se faz um apanhado sobre os princípios do Direito Administrativo e aqueles específicos das Licitações. Por fim, apontam-se os aspectos legais, as controvérsias doutrinárias e as jurisprudências atinentes à tutela específica do controle dos atos de improbidade administrativa em geral.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Licitação. Dispensa. Inexigibilidade. Improbidade administrativa.
INTRODUÇÃO
Atualmente, vivencia-se no Brasil, um momento em que são veiculados na imprensa e nas redes sociais, diuturnamente, episódios de corrupção, desvios de verbas públicas, superfaturamento de obras públicas, muitas vezes realizadas mediante fraudes ou irregularidades em licitações, o que despertou um maior interesse em relação ao assunto, mormente pela indignação como desleixo dos governantes para como dinheiro dos cofres públicos. Tal indignação, muitas vezes, leva à indagação.
Este trabalho realiza análise doutrinária acerca do tema em foco, tendo a finalidade de demonstrar brevemente como se da a fiscalização e como são os limites aos contratos celebrados pela administração pública, a fim de demonstrar como se pode evitar que atos de improbidade ocorra de forma desarrazoada e descarada.
A pesquisa percorreu seu caminho desde a origem do Direito Administrativo, haja vista a importância desse ramo do Direito para esta pesquisa, pois o Direito Administrativo, em sua essência, tem como objeto a regulação da Administração e de seus atos. Tendo em vista que a expressão “Corrupção” é um tanto ampla e complexa, se busca, nesta pesquisa, restringir o alcance daquela expressão aos atos de improbidade administrativa realizados no âmbito das contratações diretas feitas pela Administração Pública, quando seus gestores, em conluio, ou não, com terceiros particulares, se valem, indevidamente, dos institutos da dispensa e da inexigibilidade de licitação além das hipóteses previstas na Lei.
Por fim, buscou-se explicitar como quais os princípios administrativos e constitucionais aplicados para melhor combater a corrupção nos contratos licitatórios e quais as formas de controle legal previstas na lei e na própria constituição.
1 AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS E OS LIMITES IMPOSTOS PELO ORDENAMENTO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Direito Administrativo é um ramo do Direito Público, que goza, atualmente, de autonomia em relação aos demais ramos do Direito, apesar de manter relações com aqueles, principalmente com o Direito Constitucional, pois é na Constituição Federal onde estão previstas as principais normas atinentes ao Direito Administrativo.
Inobstante ser autônomo e possuir princípios próprios, o Direito Administrativo não possui codificação, pois seus princípios essenciais estão expressamente previstos na Constituição Federal de 1988, a qual reservou seu Capítulo VII para tratar "Da Administração Pública". Portanto, nossa Carta Maior é o diploma que rege, prioritariamente, a disciplina do Direito Administrativo, que também é regulado por diversas Leis Específicas, como a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), a Lei 9.784/99 (Regula o Processo Administrativo Federal), dentre outras.
O Direito Administrativo tem, como uma das principais funções, regular e limitar a atividade administrativa, ou seja, a atuação do Estado em todas suas relações internas e externas, de forma a evitar ou reprimir os atos de improbidade praticados pelos gestores públicos. Para tanto, os agentes públicos têm de observar aqueles princípios administrativos constitucionais, agindo de acordo com a legalidade, moralidade administrativa, impessoalidade, publicidade e eficiência, princípios esses que serão estudados ao longo deste capítulo.
Ocorre que, como bem ensina Di Pietro, "onde quer que exista o Estado, existem órgãos encarregados do exercício de funções administrativas" (2014, p. 1), assim como existem os agentes que compõem tais órgãos, pelo que eles, antes de todos, têm o dever de obedecer aos princípios e normas administrativos.Porém, muitas vezes isso não ocorre, causando, a depender do caso, danos graves ao erário e enriquecimento ilícito por parte do agente ímprobo e/ou do particular.
O Direito Administrativo, por meio de seus princípios e legislações infraconstitucionais, como é o caso da Lei de Improbidade Administrativa, objeto do estudo neste trabalho, busca, por meio dos órgãos legitimados e competentes para a defesa do patrimônio público, notadamente o Ministério Público, encarregado constitucionalmente da defesa dos direitos difusos e coletivos, garantir o fiel cumprimento das disposições constitucionais e infraconstitucionais atinentes ao Direito Administrativo como limitador da improbidade administrativa.
Nos ensinamentos de Renato Alessi (apud Pazzaglini Filho, 1999, p. 24), "a sujeição da atividade administrativa à legislação existe porque a Administração só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriz. Sobressai das palavras do referido autor que a atividade administrativa é limitada pelas leis, uma vez que está submetida ao Princípio da legalidade estrita. Portanto, verifica-se que o Direito Administrativo, por meio de normas-princípios ou normas-regras, impõe limites aos atos dos agentes públicos, sob pena de serem caracterizados atos de improbidade e sofrerem as sanções previstas em lei.
1.1 A ORIGEM DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Discorrer acerca da origem do Direito Administrativo é imprescindível, haja vista ter sido no período da Idade Média, época em que surgiram, nas palavras de Di Pietro, os "germes" do atual Direito Administrativo (2014, p. 2). Naquele contexto histórico, predominavam na Europa as monarquias absolutistas, com seus soberanos e servos que àqueles eram subordinados, surgindo, portanto, a necessidade de normas que limitassem os atos dos soberanos, face à irresponsabilidade do Estado e dos seus agentes em relação aos seus atos.
Na realidade, quem tinha o poder de dirimir conflitos entre os particulares ou entre o Estado e os servos era o próprio rei, portanto desenvolveu-se a idéia de que o rei não errava, pelo que surgiu a expressão the king can do no wron. Em decorrência desse poder ilimitado que os soberanos da Idade Média detinham, foram desencadeando-se, em alguns países da Europa, sobretudo na França, revoluções que objetivavam a mudança do regime monárquico para o democrático, por meio da instituição, em um primeiro momento, da separação dos poderes. Foi assim que, já na Idade Moderna, o Direito Administrativo deu seus primeiros passos.
Foi na França que essa repartição de poderes foi mais evidente, tendo em vista a criação jurisprudencial do órgão chamado de Conselho de Estado, único competente para dirimir as questões envolvendo a Administração Pública e os particulares, excluindo, assim, da competência do Poder Judiciário a apreciação de quaisquer questões de âmbito administrativo, isto é, envolvendo a Administração Pública. Isso se dava porque não se admitia a idéia de submissão da Administração ao Poder Judiciário, o que era tido como afronta ao princípio da separação dos poderes.
Desse modo, criou-se um sistema de Dualidade de Jurisdição ou Contencioso Administrativo, pelo que as causas apreciadas pelas instâncias administrativas não poderiam ser reexaminadas pelo Poder Judiciário. A partir daí, entende-se que nasceu a autonomia do Direito Administrativo em relação aos outros ramos do Direito.
Em contrapartida, no Direito Anglo-Americano, adepto ao sistema commom law, prevaleceu a idéia de Jurisdição Una, isto é, apenas o Poder Judiciário possui jurisdição, pelo que as lides envolvendo a Administração Pública podem, a qualquer tempo, serem submetidas ao crivo do Judiciário.
No Brasil, como bem explica Di Pietro, o Direito Administrativo, assim como na Europa Continental, não nasceu como Direito Autônomo durante o período colonial, visto que os donatários e, posteriormente, o governador-geral, detinham em suas mãos todos os poderes, os quais somente vieram a ter uma separação com a chegada do Império, quando surgiu, além dos três poderes, quais sejam, Legislativo, Executivo e Judiciário, o Poder Moderador, também exercido pelo Imperador (2014, p. 20).
Apenas com a instauração da República no Brasil foi que o Direito Administrativo iniciou a desvencilhar-se do Direito Privado, surgindo, na doutrina, como um ramo autônomo do Direito. Apesar de ter sofrido grande influência do Direito da Europa Continental, sobretudo do Direito Francês, o Brasil aderiu ao sistema Anglo-Americano de jurisdição, isto é, ao sistema da Jurisdição Una, no qual as demandas envolvendo a Administração Pública podem ser submetidas ao Poder Judiciário, único a exercer jurisdição no país.
Superados os breves comentários históricos acerca do Direito Administrativo, passemos a analisar seu conceito e objeto. O Direito Administrativo é um ramo do Direito Público que visa proteger os interesses da sociedade como um todo, regulando as relações entre a Administração Pública e os Administrados, bem como as relações dos entes da Administração Pública Direta e Indireta entre si, sempre buscando, prioritariamente, a defesa do interesse público.
O conceito de Direito Administrativo é, ainda, bastante controverso para a doutrina brasileira, em virtude das mudanças naturais na sociedade, surgindo novos anseios, novas necessidades, demandando uma maior ou menor atuação do Estado em determinados pontos. Além disso, a própria máquina estatal está em constante mudança, exemplo disso é o crescimento exponencial da corrupção no país, sobretudo nas licitações públicas, pelo que surge a necessidade de novas estratégias a fim de lidar com esse atual problema, como é o caso da elaboração da Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas, Lei 12.846/2013.
Alexandrino, baseado nos conceitos apresentados por diversos administrativistas de reconhecimento nacional, elabora o seguinte conceito de Direito Administrativo:
Conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento das pessoas e órgãos integrantes da administração pública, às relações entre esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especialmente às relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse público. (2012, p. 3).
Não obstante a diversidade de conceitos encontrados, na literatura nacional e internacional, é certo que o Direito Administrativo é um ramo autônomo do Direito, com princípios e institutos autônomos, sem, contudo, possuir uma codificação no Brasil, tendo raízes principalmente constitucionais, mas também possui regulamentação em leis infraconstitucionais e, até mesmo, em regulamentos, portarias etc.
O Direito Administrativo, portanto, é a área do Direito que está presente na maioria das relações, jurídicas ou não, envolvendo a Administração Pública ou seus funcionários, empregados ou servidores, conforme o caso. Só não estará presente em todas as relações porque, em algumas situações, por exemplo, quando a Administração celebra contrato de locação na condição de locatária, aplicar-se-á o Direito Privado. No entanto, mesmo nessas situações, o Direito Público, notadamente o Direito Administrativo também estará implicitamente presente, visto que a Administração sempre deve agir em observância a princípios como o da probidade administrativa, publicidade, dentre outros.
O Direito Administrativo, por meio desses princípios, busca, no decorrer das supracitadas relações envolvendo a Administração, preservar e defender, acima de tudo, o interesse da coletividade, o interesse e o patrimônio públicos. Por esse motivo é que os atos de improbidade merecem completo repúdio, uma vez que divergem do interesse público, ferem a moralidade administrativa que todos esperam dos agentes públicos, afastando-se, portanto, do objeto principal do Direito Administrativo.
Nesse mesmo sentido, leciona Carvalho Filho, ao conceituar o Direito Administrativo como "o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir". (2013, p. 8).
As palavras do supramencionado autor refletem um dos principais objetivos da Administração Pública, qual seja, servir a sociedade, a coletividade, pois os agentes públicos, aí incluídos os agentes políticos, servidores públicos, funcionários públicos, isto é, todos aqueles que lidam com a coisa pública, exercem sua função em prol do povo, titular de todos os poderes democráticos, e não almejando seus próprios interesses.
1.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO ADMINISTRATIVO E DAS LICITAÇÕES
Como visto no tópico anterior, o Direito Administrativo é, atualmente, um ramo autônomo do Direito nacional, possuindo princípios e normas próprias, sem, contudo, possuir uma codificação específica. Os princípios são normas gerais e abstratas que possuem funções importantes, as quais auxiliam e norteiam o aplicador do Direito, bem como os agentes da Administração no desempenho de suas atividades, com a função interpretativa, a função integrativa e a função fundamentadora.
A principal raiz do Direito Administrativo está fincada na Constituição Federal de 1988, a qual traz, no seu art. 37, cinco princípios atinentes à atuação da Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Dessa forma, esses princípios previstos no art. 37 da Carta Magna são tidos como princípios expressos. Todavia, existem vários outros princípios administrativos previstos em diversos diplomas legais, que têm a função de orientar a Administração Pública e o aplicador do direito em geral, na interpretação das regras estabelecidas para determinada situação com a qual se deparem, inclusive nos procedimentos licitatórios, que são objetos de estudo deste trabalho.
A verdade é que, estando ou não previstos na Lei Maior, inúmeras leis de teor administrativista prevêem vários princípios administrativos, os quais são aplicados à Administração Pública no geral. Exemplificando, no âmbito do Processo Administrativo Federal, bem como em relação à função atípica dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, a Lei 9.784 de 1999, no seu art. 2º, estabelece que “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
A Lei 8.666/93, conhecida por Lei de Licitações tem estrita relação com este trabalho, visto que grande parte dos atos de corrupção está correlacionada com aquele diploma legal, visto que ele regula os procedimentos internos e externos dos certames licitatórios, bem como os crimes praticados no decorrer de tais atos. Portanto, como visto anteriormente, a Lei de Licitações é outro exemplo de norma infraconstitucional onde estão previstos princípios reguladores da atividade administrativa, mas, no caso específico, regulam os atos praticados durante os procedimentos licitatórios.
O art. 3º da supracitada Lei de licitações faz referência aos mesmos princípios previsto no art. 37 da Constituição Federal, determinando que a licitação deverá ser processada e julgada com fundamento nesses princípios, de forma a atingir sempre o melhor interesse para o patrimônio e a moralidade pública. Vejamos:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. [grifo nosso]
Portanto, abordaremos os princípios gerais do Direito Administrativo, que, como visto no dispositivo acima, têm incidência direta na Lei de Licitações Públicas, visto que delimitam as atividades dos gestores do patrimônio público, prova disso se faz presente no art. 11 da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), o qual estabelece como ato de improbidade administrativa aquele que atenta contra os princípios administrativos, ao prever que constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
1.2.1 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
O Princípio da Impessoalidade ocupa posição de extrema importância, visto que prega que a Administração deverá tratar, de igual para igual, todos os administrados que estejam em situações semelhantes, sem que haja qualquer favorecimento pessoal ou corporativo para com determinado particular, como se observa em inúmeros certames de licitações públicas, quando os gestores públicos contratam pessoas ou empresas indevidamente, a fim de favorecimento pessoal ou de terceiros, dando caráter pessoal à escolha dos colaboradores particulares da Administração Pública.
Quando a Administração Pública, por meio dos seus gestores, responsáveis, por exemplo, pela realização de Licitações em determinados órgãos, contrata de maneira a favorecer empresa ou grupo de empresas com as quais tenha uma ligação pessoal, seja por parentesco seja por interesses econômicos, estará escolhendo não a proposta mais vantajosa, mas sim a que melhor atende aos interesses individuais dos gestores e, conforme o caso, dos proprietários das empresas contratadas, em detrimento do interesse público.
Ainda sobre o princípio da impessoalidade, insta salientar que a doutrina e jurisprudência modernas vêm entendendo que o Princípio da Impessoalidade possui dois enfoques, isto é, deve ser interpretado ora em relação ao administrado, ao particular, ora em relação ao agente público.
Do ponto de vista do administrado, a idéia que se tem é a de não discriminação, consoante o explicitado anteriormente, ou seja, não importa, com base na supremacia do interesse público, quem a Administração está contratando ou quem é o servidor público que integrará o quadro de funcionários de determinado órgão. Os critérios a serem avaliados para tanto deverão ser de caráter objetivo, com o mínimo de subjetividade possível.
No âmbito das licitações, por exemplo, as empresas candidatas deverão preencher todos os requisitos exigidos e cumprir as obrigações previstas na Lei para se habilitarem no certame. Empós, deverão oferecer suas propostas, devendo ser escolhida a melhor delas para que se escolha o vencedor, ou seja, os critérios analisados devem ser todos objetivos, sem quaisquer discriminações, obedecendo, portanto, o Princípio da Impessoalidade. Todavia, percebe-se que essa objetividade é, constantemente, desrespeitada, visto que os que estão no poder, no controle da máquina estatal, criam alianças, fazem promessas e trocas de favores de seu interesse, pelo que nem sempre a situação mais vantajosa para o interesse público prevalece.
Portanto, fica evidente que fere o princípio da impessoalidade esse tratamento diferenciado, tendencioso e pessoal que os agentes públicos oferecem a determinados licitantes, que se aproveitam das necessidades e interesses sociais para obter vantagens econômicas ou ascensão política, pelo que o interesse público é desrespeitado eventualmente pelos nossos governantes.
Por outro turno, em relação ao agente público, o Princípio da Impessoalidade diz respeito à não promoção pessoal do agente, isto é, o agente público, ao praticar um ato administrativo qualquer, mas principalmente aqueles de maior notoriedade, não pode se autopromover, visto que ele está apenas executando um ato que, na verdade, está sendo praticado pela Administração Pública, que lhe delegou aquela função. É o que se chama de teoria do órgão ou teoria da imputação, ou seja, não pode ser imputada ao agente público que praticou o ato o mérito pela construção de uma escola ou pela realização de um conserto musical gratuito na festa de virada do ano, por exemplo.
Na verdade, quem está realizando aquele ato é a União, o Estado, o Município, e não o gestor público, que não pode se beneficiar pessoalmente, como muitas vezes ocorre, principalmente com o objetivo de angariar simpatizantes para eleições futuras. Por essa razão é que é proibido qualquer símbolo, escrito ou imagem que atribuam determinado ato administrativo, bem como obras e serviços prestados à sociedade, aos gestores públicos. Inobstante, não raras vezes os chefes dos poderes executivos municipais e estaduais ficam com suas imagens vinculadas à realização de determinadas obras, o que facilita suas reeleições.
1.2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Como já dito anteriormente, os agentes públicos, ou seja, os integrantes da Administração Pública estão sujeitos ao Princípio da Legalidade Administrativa ou Legalidade Estrita, que difere da Legalidade do Direito Privado porque estabelece que o gestor apenas atuará ou deixará de atuar quando a lei assim o determinar, diferente do que ocorre na seara privada, na qual o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, o que chamamos de Legalidade Ampla.
O Princípio da Legalidade é talvez, a base de todos os outros Princípios inerentes ao Direito Administrativo e está estampado nos arts. 3º e 4º da Lei 8.666/93. Por Princípio da Legalidade, entende-se que todos os atos da Administração Pública devem obedecer ao estabelecido na Lei. Neste momento, é importante diferenciarmos fundamentadamente os conceitos de Legalidade Ampla e de Legalidade Estrita.
A primeira, isto é, Legalidade Ampla, é aplicada às relações de Direito Privado, tendo em vista o disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Isto significa que o particular poderá fazer tudo o que a Lei não proíbe.
Em contrapartida, a Legalidade Estrita, à qual se sujeita a Administração Pública e seus agentes, estatui que a Administração Pública somente poderá agir de acordo com o que a lei autoriza ou determina, ou seja, os agentes públicos deverão, sempre, observar, antes de praticar qualquer ato, o estabelecido em Lei a respeito disso, atentando para as condições e limites impostos pelo diploma legal aplicável caso a caso.
1.2.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE
O presente princípio, por sua vez, prega que os Agentes Públicos devem agir sempre com ética, com a chamada “moral administrativa”, que difere da moral comum, haja vista ter previsão legal e possibilitar a invalidação dos atos que forem praticados com inobservância desse princípio. A moral administrativa, portanto, se relaciona com a idéia de probidade e de boa-fé, sendo nulos os atos contrários àquela. (ALEXANDRINO, 2012, p. 193-194).
Scartezzini leciona que:
A moralidade Administrativa, conceito que não se confunde com a moral comum, implica em administrar no sentido rigorosamente técnico no trato da coisa pública, que torna imperioso o exame de cada caso concreto, sob pena de, quando inobservada, tornar nula e inaproveitável a atividade do agente público. (SCARTEZZINI, 2012, p.47-60)
Os atos avessos à moralidade administrativa, notadamente no âmbito das licitações, praticados pela Administração Pública, são tidos como atos de improbidade administrativa. Verifica-se, portanto, que o Princípio da Moralidade Administrativa em muito se assemelha ao Princípio da Probidade Administrativa em se tratando de Licitações, pelo que concluímos que esse é um corolário daquele.
Na visão de Bandeira de Mello, no seu tradicional manual, este leciona que de acordo com o Princípio da Moralidade Administrativa "A Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que as sujeita a conduta viciada à invalidação". Bandeira de Mello preceitua, ainda, que os princípios da lealdade e da boa-fé objetiva são decorrências lógicas do Princípio da Moralidade Administrativa. (2012, p. 122)
A moralidade administrativa é, inclusive, protegida pela Constituição Federal, que no seu artigo 5?, inciso LXXIII prevê:
Art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Urbano de Carvalho expõe uma aplicação do Princípio da Moralidade especificamente às Licitações, o que é de extrema relevância para este trabalho. Para ela "sob o prisma do agente que conduz o certame licitatório, a moralidade impõe fidelidade aos interesses superiores do Estado" (URBANO DE CARVALHO, 2012, p. 417-444). Isto implica dizer, como vem sendo amplamente debatido, que a atuação dos agentes no âmbito das licitações, assim como nos demais atos administrativos, deve ser inspirada na busca pelo Interesse Público, pois, afinal, eles estão naquela posição exatamente com esse fito.
Ainda sob os ensinamentos da supracitada autora:
Infringe a moralidade, assim, qualquer agente que, ignorando os ditames do ordenamento, afaste-se do zelo profissional que lhe é imposto ao atuar na licitação, para incorrer em dolo, fraude ou qualquer outro procedimento desonesto. A moralidade administrativa requer a virtude da ponderação fundada no senso geral e na finalidade pública condutora de qualquer ação estatal. (2012, p. 417-444).
A realidade é que, muitas vezes, ocorrem absurdas irregularidades e fraudes em Licitações Públicas, onde os agentes, que deveriam atuar com seriedade e zelo pelo patrimônio público, agem em prol dos seus interesses, deixando de lado os interesses da sociedade e comprometendo a moralidade administrativa.
Além disso, insta salientar que, não só os agentes que praticam os referidos atos imorais devem responder por eles, mas também as pessoas que se relacionam com o Estado, seja ela pessoa física seja pessoa jurídica, pelo que ficam sujeitas às sanções penais e administrativas, respectivamente. Uma novidade, que apesar de ainda sem grande concretização prática, se mostra interessante e bem-vinda ao nosso ordenamento jurídico, qual seja, a Lei 12.846/2013, a qual dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
1.2.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
Esse princípio, não menos importante que os demais já estudados, também tem previsão na nossa Carta Magna, assim como nos diversos dispositivos legais atinentes ao tema deste estudo, notadamente na Lei 8.666/93, indica que os atos da Administração Pública devem ser dotados da máxima publicidade possível, de modo a permitir que os administrados, principais destinatários da atuação pública, tomem ciência dos atos que estão sendo praticados pelos seus representantes políticos.
No âmbito das licitações públicas, o princípio da publicidade tem imensa importância, pois determina que, uma vez alcançada a fase externa do procedimento licitatório, isto é, a publicação do edital convocatório, documento o qual delimita todas as regras que deverão ser obedecidas durante aquele certame, o maior número de pessoas, aí compreendidas tanto pessoas (físicas ou jurídicas) interessadas em participar da licitação, como cidadãos comuns, sem quaisquer vínculos com a Administração, deverão ter ciência de suas regras e condições.
Isso se dá, também, porque o Edital tem força de Lei entre os licitantes e os contratantes, portanto, presente qualquer irregularidade percebida por licitantes ou cidadãos comuns, esses poderão tomar as medidas cabíveis e previstas no nosso ordenamento jurídico para saná-las ou até mesmo anular o certame. A própria Lei de Licitações, em seu art. 21, prevê a aplicação do princípio da publicidade no Instituto das Licitações, determinando que os avisos contendo os resumos dos editais das licitações devem ser publicados, por uma vez, nos respectivos Diários oficiais a depender do ente que esteja realizando o certame, bem como em jornais de grande circulação no Estado onde será realizado a licitação.
Conforme se verifica, a publicidade das licitações são essenciais, de modo a propiciar uma maior transparência entre a Administração Pública e os particulares, visto que, muitas vezes, tem-se a impressão de que a atividade administrativa é realizada ilimitadamente, sem nenhum controle externo. Diante disso, o Princípio da Publicidade, ao menos em tese, permite que os particulares, caso tenham interesse, tenham acesso, em regra, ilimitado, aos atos da Administração. Evidentemente, esse princípio não é absoluto, comportando algumas exceções, notadamente no intuito de relevante interesse público.
1.2.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.
Finalmente, dentre os princípios administrativos constitucionais, está o princípio da eficiência, o qual foi inserido no art. 37 a partir da emenda constitucional número 19, de 1998. O princípio de eficiência estabelece o dever do agente público, ou melhor, da administração pública como um todo, de agir de maneira a atender a sociedade de forma mais clara, ágil, atenciosa e eficiente, isto é, a Administração deve se adequar às necessidades atuais da sociedade, a fim de que os serviços públicos sejam prestados de maneira mais adequada à satisfação do interesse público.
Nas palavras de Pazzaglini, em sua obra acerca dos aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, o princípio da eficiência significa que:
Assim, o administrador público, no exercício de ações administrativas, tem o dever jurídico de, ao cuidar de uma situação concreta, escolher e aplicar, dentre as soluções previstas ou autorizadas em abstrato pela lei, a medida eficiente para obter o resultado desejado pelo corpo social. (1999, p. 58)
1.2.6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS IMPLÍCITOS
Por derradeiro, é necessário tecer comentários acerca dos Princípios da Supremacia do Interesse Público e da Indisponibilidade do Interesse Público.Tais princípios decorrem da própria atividade estatal. Na verdade, a atividade do Estado não teria razão de ser, se não observasse a desigualdade que deve ser conferida entre o interesse público e o privado. Um dos papéis do Direito Administrativo é, exatamente, disciplinar como e quando poderão ocorrer essas desigualdades, mas também tem o papel de limitá-las, a fim de que não haja abusos, os quais deverão ser punidos segundo as regras de responsabilidade do Estado.
O princípio da Supremacia do Interesse Público não está previsto expressamente na Constituição Federal, porém inúmeros outros princípios e regras são decorrência lógica dele, como o princípio da função social da propriedade, o instituto da desapropriação, as modalidades de intervenção na propriedade privada, o poder de polícia, dentre outros. Em cada um dos exemplos dados acima, visualiza-se que o Estado busca priorizar a satisfação do Interesse Público em detrimento do interesse e da propriedade privada.
Exemplificando, nas hipóteses em que a União desapropria uma propriedade rural que não está cumprindo sua função social, motivada pelo interesse social e objetivando a reforma agrária, o que está previsto no art. 184 da nossa Carta Magna, o que se sobressai é que o interesse público, no caso a reforma agrária - que visa a melhor distribuição da terra - está sendo posto à frente do interesse privado, isto é, sobre a propriedade particular que foi desapropriada em razão do melhor cumprimento da função social daquela terra.
Outra ocasião em que a Administração Pública usufrui desse poder-dever de Supremacia do Interesse Público ocorre no âmbito dos contratos administrativos, em que o Estado tem o poder de alterar e/ou rescindir unilateralmente o contrato firmado com o particular com fundamentos na conveniência da situação a ser alterada, a qual deve atender à primazia do interesse público.
Por sua vez, o princípio da Indisponibilidade do Interesse Público estabelece que os bens da Administração Pública, em um sentido geral, isto é, patrimônio público, bem como os interesses genéricos e abstratos, são indisponíveis, ou seja, o agente público não pode dispor do Interesse Público. Dispor significa, ter acesso a algo, podendo dele fazer uso ou auferir proveito, utilizar-se, alienar, desfazer-se. Portanto, quem dispõe de algo precisa, necessariamente, ser “dono”, proprietário ou, pelo menos, autorização expressa para praticar algum dos atos supramencionados.
Entretanto, a Administração Pública não é proprietária dos bens públicos ou titular do patrimônio público, não podendo dispor deles de maneira indiscriminada, sem a devida autorização legal expressa, em respeito ao Princípio da Estrita Legalidade ao qual se sujeita a Administração Pública. Esta é, tão somente, a gestora dos interesses públicos, “pertencentes”, em última análise, à sociedade. Dessa forma, cabe à Administração Pública a boa gestão, sempre em observância ao que a Lei determina, dos interesses públicos, devendo, por exemplo, realizar prévia licitação à compra de bens ou contratação de serviços, sob pena de sanções administrativas, civis e penais.
1.2 ÓRGÃOS FIACALIZATÓRIOS.
Como visto até o momento, a atividade Administrativa não é absolutamente discricionária como pode-se pensar a priori, visto que a própria Constituição Federal, assim como várias Leis regedoras da atividade Estatal, impõem limites àquela atuação, seja por meio de princípios, seja por meio de regras. Exemplo claro dessa limitação é o Princípio da Legalidade Estrita, sobre o qual já transcorremos anteriormente, pelo qual a Administração Pública só poderá agir se a Lei assim o autorizar, e nos limites que lhe forem impostos.
Além dos limites abstratos, como as Leis e os Princípios que objetivam exercer um controle da atividade estatal, existem os controles externos. Em um primeiro plano, o cidadão, como legitimado para fiscalizar os atos de seus representantes, porém com a necessidade de submeter-se ao crivo do Poder Judiciário para tanto, pode valer-se de ações constitucionais como o Mandado de Segurança, a Ação Popular, o Habeas Data, além de ações ordinárias e a possibilidade de provocar os órgãos legitimados para propor Ação Civil Pública, por exemplo.
De outro lado, o controle externo das atividades da Administração Pública pode ser exercido pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Judiciário, e ainda pelo próprio Poder Executivo, por meio do chamado Autocontrole ou Autotutela, sendo, nesta hipótese, controle interno. Tem-se que a Administração Pública, de ofício mediante provocação, poderá anular seus próprios atos, caso estejam maculados com ilegalidades, ou revogá-los, observados, neste último caso, critérios de conveniência e oportunidade da Administração em retirar aquele ato de sua vigência. A autotutela é vista hoje como um princípio inerente à Administração Pública, tendo sido, inclusive, alvo de súmula do Supremo Tribunal Federal. Vejamos:
Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em qualquer caso, a apreciação judicial.
Extrai-se do enunciado jurisprudencial retro que, em obediência ao Sistema de Jurisdição Una adotado pelo Brasil, o que foi abordado no tópico 1.1 deste trabalho, apesar de a Administração Pública poder anular seus próprios atos, isto é, realizar um autocontrole deles, a via judicial não será obstada, podendo o interessado, não satisfeito com a extinção do ato, acionar o Poder Judiciário, a fim de obter um pronunciamento acerca daquele assunto. Dessa forma, o controle externo já passa a ser realizado pelo Poder Judiciário, hipótese que veremos mais adiante.
Com isso, tem-se que os próprios agentes públicos, além de serem pautados pela legalidade estrita, segundo a qual somente podem fazer aquilo que a lei autoriza, devem ser verdadeiros fiscais dos atos administrativos praticados por outros agentes públicos, tentando evitar a ocorrência de irregularidades ou, quando essas já tenham ocorrido, se espera que o agente público que tome conhecimento do vício comunique a autoridade hierarquicamente superior, para que tome as devidas providências, ou ao respectivo tribunal de contas, consoante preceitua Pazzaglini em citação acima transcrita.
1.3.1 O CONTROLE FEITO PELO JUDICIÁRIO
Por sua vez, o controle exercido pelo Poder Judiciário é de extrema relevância quando se trata de improbidade administrativa, por ser através dele que poderão ser aplicadas as sanções previstas na Lei Federal nº 8.429/92, haja vista a necessidade da observância ao princípio do devido processo legal e seus corolários, como ampla defesa e contraditório, além do já mencionado sistema de Jurisdição Una adotado pelo nosso país, em razão do qual, apenas as decisões proferidas na esfera judiciária têm caráter definitivo. Sendo assim, o Poder Judiciário realizará o controle externo dos atos de improbidade praticados pelos agentes públicos ou particulares em conluio com aqueles.
Essa atuação do Poder Judiciário não se dará de ofício, mas mediante provocação dos Órgãos competentes para intentar as medidas judiciais cabíveis, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, bem como por meio de iniciativa popular, visto que todo cidadão tem o dever e o poder de fiscalizar a atuação Estatal mediante a propositura de Ação Popular, por exemplo.
É necessário, pois, em virtude da supremacia do interesse público, assim como em respeito aos princípios antes vistos, que haja um controle eficiente e efetivo dos atos administrativos, mesmo aqueles dotados de discricionariedade por parte do administrador, como no caso das hipóteses de dispensa e/ou de inexigibilidade de Licitação, previstas nos arts. 24 e 25 da Lei 8.666/93, pelo qual o agente terá a faculdade de optar pela realização do Processo Licitatório ou não. Trata-se de um rol taxativo, pelo qual o legislador conferiu autorização ao agente público, desde que obedecidos os requisitos legais, de não realizar o procedimento licitatório antes de firmar contratos. Destarte, mesmo os atos discricionários devem ser submetidos ao controle judicial, visto que mesmo os atos dotados de discricionariedade se sujeitam às exigências da Lei, devendo, sempre, atingir sua finalidade nos limites do interesse público.
Não obstante a existência de legitimidade do cidadão para a defesa do interesse e do patrimônio públicos, não se constata com frequência o exercício desta iniciativa, ainda muito penosa ao cidadão comum, visto que as demandas judiciais para tanto demandam certo conhecimento técnico das leis. Portanto, uma das principais instituições fiscalizadoras dos atos de improbidade administrativa no Brasil é o Ministério Público, o qual recebeu da Carta Magna a função de guardião dos interesse individuais, coletivos e difusos.
O art. 127 da Constituição Federal estabeleceu a missão institucional do Ministério Público, ao prever que "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Mais adiante, a Carta Magna ainda incumbe ao Ministério Público a defesa do patrimônio público, estabelecendo, no art. 129, inciso III, que:
Art. 129: São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
III. promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
Vê-se que o constituinte entendeu que cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses coletivos, do patrimônio público e demais interesses difusos e coletivos, isto é, interesses metaindividuais, como Meio Ambiente, Educação, Consumo, dentre outros. A função atribuída pelo art. 129, inciso III retrata a legitimação daquele órgão no combate à corrupção, isto é, à improbidade administrativa. Para tanto, a Constituição previu dois instrumentos pelos quais deve ser perseguida a responsabilização dos agentes públicos que praticarem atos contrários ao interesse público ou aos princípios constitucionais vistos no início deste trabalho, quais sejam, a Ação Civil Pública e o Inquérito Civil, que serão estudados oportunamente.
Nessa missão de defensor e garantidor dos direitos individuais indisponíveis e coletivos, o Ministério Público tem como premissa, principalmente, o Princípio da Legalidade, não abdicando, porém da aplicação dos demais Princípios norteadores da atividade estatal. Insta salientar que, apesar de exercer importante papel na defesa dos interesses públicos, o Ministério Público não pode exercer controle de mérito sobre os atos da Administração Pública, sob pena de infringir o Princípio Constitucional da Separação dos Poderes, um dos fundamentos basilares do Direito Administrativo Brasileiro.
O que deve ser observado pelo "fiscal da lei", como é apelidado o Ministério Público, é, fundamentalmente, a legalidade daquele ato impugnado, como forma de limitar a discricionariedade atinente ao Poder Público. Nesta linha, Pazzaglini diz que a probidade administrativa está vinculada à razoabilidade, concluindo pela necessidade do estabelecimento de medidas ao exercício do poder discricionário, o que implica a sintonia com o atendimento do interesse público. (1999, p. 26).
1.3.2. O CONTROLE FEITO PELO LEGISLATIVO
A Constituição Federal reservou a Seção IX para disciplinar sobre a Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária. Para exercer tal fiscalização, no âmbito do controle externo dos órgãos, o constituinte encarregou o Congresso Nacional, conforme determina o art. 70. Entretanto, no seu art. 71, a Carta Maior delegou essa função para os Tribunais de Contas, órgãos auxiliares do Poder Legislativo, porém, assim como o Ministério Público, os Tribunais de Contas são instituições autônomas, não fazendo parte, na sua essência, de nenhum dos três poderes, visto que não existe uma hierarquia ou subordinação entre o Tribunal de Contas e a casa legislativa à qual ele auxilia.
Nos Tribunais de contas, as decisões são de mérito e atendem a um caráter objetivo de julgamento, mas não funciona como uma última decisão definitiva, visto que suas decisões não estão abraçadas pela coisa julgada material, fazendo coisa julgada apenas no âmbito administrativo, visto que não há previsão de recurso administrativo para instância superior. Como bem lembra Maia Filho, a decisão da Corte de Contas exerce reflexo direto no pedido contido na Ação de Improbidade Administrativa, a qual pode ser oferecida pelo Ministério Público, por exemplo, visto que a rejeição das contas dos gestores públicos corporifica indícios suficientes da existência de ato de improbidade administrativa, o que justifica a propositura da competente Ação de Improbidade Administrativa perante o Poder Judiciário (2011, p. 87).
Acerca da natureza jurídica dos Tribunais de Contas é um ponto divergente na doutrina, visto que alguns entendem que se trata de um órgão jurisdicional, isto é, incumbidos de jurisdição, porém esse posicionamento é minoritário, pois a Constituição Federal não inclui o Tribunal de Contas no rol de órgãos integrantes do Poder Judiciário, não obstante a existência de disposição constitucional que estabelece as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos aos membros do Tribunal de Contas dos membros do Poder Judiciário. Entretanto, a posicionamento mais aceito atualmente, apesar de toda divergência inerente ao tema, é que os Tribunais de Contas não fazem parte do Poder Judiciário nem tampouco ao Poder Legislativo, sendo, portanto, um Tribunal Administrativo independente e autônomo, que possui importante função no combate à improbidade administrativa.
A Constituição Federal, no seu art. 73, disciplina a organização e composição interna do Tribunal de Contas da União, cujos membros são chamados e Ministros e são nomeados pelo Presidente da República. Junto aos Ministros do Tribunal de Contas da União atuarão o Ministério Público Especializado, o qual, como bem ensina Novelino, não se confunde com o Ministério Público da União, mas que também exige aprovação em concurso de provas e títulos, tendo a função de manifestar-se na maioria dos processos apreciados pelo TCU. (2011, p. 693)
Acerca dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, o texto maior estabeleceu, no art. 75, que as disposições estabelecidas para a composição e funcionamento do Tribunal de Contas da União aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Portanto, no âmbito estadual ou municipal, o Poder Legislativo (Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal) terá os Tribunais de Contas locais como auxiliares no exercício do controle financeiro e orçamentário da Administração Pública. Insta salientar que a Constituição vedou, no art. 31, § 4º, a criação de Tribunais de Contas municipais, ressalva feita àqueles que já eram constituídos antes de 1988, como é o caso das capitais Rio de Janeiro e São Paulo.
Não obstante a exceção existente nas capitais dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a regra geral é que cada Estado possui um Tribunal de Contas responsável pela fiscalização das contas estaduais e municipais. Em outros Estados, está presente o Tribunal de Contas do Estado e o Tribunal de Contas dos Municípios, este unicamente responsável pelas contas de todos os municípios daquela unidade federativa, como é o caso do Estado do Ceará, onde o Tribunal de Contas foi definitivamente implantado em 1993, por meio da edição da Lei Orgânica do Tribunal de Contas dos Municípios (Lei nº 12. 160).
Finalmente, foi conferida aos Tribunais de Contas, pela Constituição Federal, a competência para realizar o controle externo da Administração Pública direta e indireta, fiscalizando as contas dos agentes e das entidades da Administração, em seus respectivos níveis da federação, devendo fazer, assim como faz o Ministério Público no controle Judicial, uma fiscalização com base nos Princípios da Administração Pública, principalmente o princípio da legalidade, de maneira a avaliar se os recursos públicos foram utilizados da maneira correta e, principalmente, se atingiram a finalidade do interesse público em questão. O art. 71, inciso II, CF/88, traz a competência dos Tribunais de Contas em relação aos maus gastos do dinheiro público pelos agentes públicos, o que se coaduna perfeitamente com o tema deste trabalho. Vejamos:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
Dessa maneira, por meio das inspetorias internas, os Tribunais de Contas fiscalizam as contas públicas, o que, não raramente, auxilia não só o Poder Legislativo, ao representar-lhe no caso de houver irregularidades na contas avaliadas, mas também o próprio Ministério Público na propositura de eventual Ação Civil Pública, valendo-se dos relatórios expedidos pelo Tribunal de Contas acerca da regularidade ou não dos gastos em determinado ato administrativo, como é o exemplo dos gastos em licitações públicas, onde serão analisados, por exemplo, a pesquisa de preços e avaliação de mercado, a fim de aquilatar-se se a proposta escolhida era, realmente, a mais vantajosa.
Segundo Novelino, os Tribunais de Contas além da função fiscalizadora, possuem ainda, outras cinco funções, quais sejam, judicante, sancionatória, consultiva, informativa e corretiva (2011, p. 695). Neste momento, abordaremos tão somente as funções fiscalizadora, judicante e sancionatória.
A função fiscalizadora já foi anteriormente estudada, mas, aqui, vale ressaltar que ela se aproxima da competência judicante, visto que essa decorre daquela, pois, ao exercer sua função fiscalizadora, os Tribunais de Contas poderão realizar o julgamento das contas anuais dos administradores e demais responsáveis pelo patrimônio público em geral, como bem determina o art. 71, inciso II, que fora transcrito acima. É pacífico na doutrina que deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa aos fiscalizados.
A função sancionatória dos Tribunais de Contas consiste na possibilidade de aplicação de sanções, como imputação de débito e multas compensadoras do dano ao erário, aos agentes públicos julgados pelos seus gastos irregulares, em decorrência de um ato de improbidade administrativa, por exemplo. O art. 71, incido VIII da Constituição Brasileira dispõe acerca da referida competência, que se restringe à aplicação das sanções, pois os Tribunais de Contas não possuem competência para executar suas próprias decisões. Senão vejamos:
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.
Conclui-se que, desrespeitando o agente público os princípios e regras administrativas quando do exercício da atividade estatal, frustrando o atendimento ao interesse público, resultará num ato de improbidade, que deverá ser apurado e julgado pelos órgãos competentes. Entretanto, antes da propositura de ações que visem à repressão desses atos, cabe aos órgãos fiscalizadores da atividade estatal atuar preventivamente, assim como a própria administração, por meio do seu poder de autotutela, tudo com o intuito de melhor atender a finalidade pública sem que haja dano ao erário, ofensa aos princípios administrativos ou enriquecimento ilícito por parte dos agentes públicos e seus comparsas.
CONCLUSÃO
Buscou-se durante o trabalho demonstrar, de forma sucinta, qual a relevância jurídica do controle e fiscalização dos atos administrativos a fim de se evitar fraude nas licitações publicas.
Dessa forma, foi demonstrado a principio a origem e o objeto do direito administrativo, a fim de contextualizar e enfatizar o ordenamento jurídico brasileiro e suas entrelinhas no cenário de contratação pela administração publica.
Em seguida, foi explicitado quais os princípios albergados constitucional e infraconstitucionalmente para garantir a probidade nas licitações publicas, destacando-se qual a função de cada principio no cenário jurídico brasileiro.
Por fim, de forma sintética foram abordados os órgãos fiscalizatórios capazes de, na teoria, efetivar a aplicação desses princípios e as formas de controle legal da administração publica na garantia da probidade administrativa.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NATáLIA SILVA CORRêA, . Limites constitucionais e infraconstitucionais ao poder de licitar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46474/limites-constitucionais-e-infraconstitucionais-ao-poder-de-licitar. Acesso em: 22 nov 2024.
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