RESUMO: O presente plano de trabalho analisa a ação civil pública, instrumento jurídico-processual como melhor via de tutelar os direitos difusos e coletivos, em meio à imprescindibilidade da livre concorrência e do consumo racional de bens ambientais, garantias da perpetuação da espécie humana globalizada e manipulada. Para isso, há avaliação de caso concreto – acompanhamento de decisão judicial – a partir de ação civil pública ajuizada, que visa combater a promoção de uma cultura extremamente liberalista, que suscita o surgimento de clientes hiperconsumeristas. Verificou-se que os bens ambientais têm como titularidade a humanidade, e que os interesses do sistema ecológico, assim como os dos consumidores, têm natureza difusa. Assim sendo, diante do Direito Civil Constitucional (provocando a nova teoria contratualista social), em que a Constituição é o novo eixo do sistema jurídico privado, percebe-se que a questão da tutela ambiental é reflexo do tratamento protetivo do Código de Defesa do Consumidor. Logo, o consumidor deve ser um cidadão consciente dos seus direitos e obrigações para com os fornecedores e a sociedade onde vive, mantendo um equilibrado sistema econômico brasileiro, e também, clamando aos órgãos legitimados, como o Ministério Público, o uso da ação civil pública para que os anseios do mercado caminhem prol do bem comum.
Palavras chave: Ação civil pública. Meio ambiente. Nova teoria contratual. Direito Civil Constitucional.
INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro apresenta uma vasta gama de leis sobre inimagináveis matérias, que por vezes se agrupam no mesmo contexto, e em outras são apenas pontos normativos inseridos de forma esparsa no mundo legal, na tentativa de suprir lacunas deixadas pelo conjunto legislativo específico ao qual se relaciona, ou para impor vontades minoritárias indesejáveis pela sociedade de modo silente.
De qualquer forma, diante deste mundo capitalista, em que empreendedores e legisladores se relacionam ou se confundem, o enorme número de normas que tentam regular os passos da humanidade surge em uma abordagem mais específica no que tange aos contratos firmados pelo homem. Independente de leis esparsas ou não, ainda que editem leis diretas sobre determinado contrato, elas não serão a última palavra sobre eles.
Se observarmos o Código Civil de 1916, por exemplo, constataremos que tal agrupamento legislativo visava beneficiar apenas a classe comerciária do país, que caminhava sobre as ideias liberalistas, proporcionando uma liberdade individual e uma igualdade apenas sobre os papéis. A realidade pós-industrial hodierna, por sua vez, preferindo dar lugar à “função social que os institutos privados devem cumprir”, retira a posição do código civilista como norma orientadora do Estado, e exige que valores constitucionais, hierarquicamente superiores, sejam trazidos à tona.
Entretanto, tais valores, sejam em relação a negócios jurídicos ou a políticas de consumo, por vezes são deixados à margem, em lugar às diversas legislações extravagantes e específicas, de modo que os empreendedores se servirão delas sobre os seus negócios e demais cláusulas contratuais, deixando os princípios constitucionais à margem, para que sejam utilizados apenas diante de lacunas legais.
Ora, esse “estilhaçamento” do Direito, como assim intitula Cláudia Lima Marques[1], promovendo diversos conceitos jurídico-leais específicos sobre o mesmo tema, que poderiam ser aproveitados de várias maneiras pelas classes empresariais, não deve se sobrepor aos princípios constitucionais sobre os diversos ramos civilistas. Aliás, como bem afirma o ilustre doutrinador Gustavo Tepedino, referência no Direito Civil Constitucional, atualmente “(...) a Constituição define a tábua axiológica que condiciona a interpretação de cada um dos setores do direito civil”[2].
É a partir dessa ideia, ou seja, do estudo da nova Teoria Contratual, que é pautado na Constituição como referência ao Direito Civil e à teoria geral dos contratos, que segue o desenvolvimento deste texto. Isso porque é a partir daí que será demonstrado que os antigos posicionamentos de que cláusulas contratuais são como mandamentos ditatoriais não podem mais persistir.
Os grandes empreendedores utilizam-se do meio ambiente de forma inconsequente, gerando seus lucros a partir da atração de uma sociedade cada vez mais hiperconsumerista e pouco preocupada com a degradação de praias, restingas, animais marinhos, etc. Então, caberá aos órgãos legitimamente capazes, como o Ministério Público e a Defensoria Pública (naquilo que lhe for pertinente), utilizarem-se de meios judiciais para combater esse antigo pensamento, tutelando o sistema ecológico ante a posição individualista dos fornecedores e empresários, e por conseguinte, proporcionando à futura geração de consumidores uma vida mais saudável. Afinal, a qualidade dos bens de consumo criados e a saúde dos indivíduos estão intimamente relacionados com as matérias-primas utilizadas e os meios em que vivem. A futura escassez de elemento natural ou a sua transformação em componente ameaçador ao bem estar – como animais que se alimentam de bens ambientais altamente tóxicos – demonstram a necessidade de se manter um sistema econômico-jurídico equilibrado, de modo a fazer com que os interesses ambientais-consumeristas, ambos difusos, sejam tutelados através da ação civil pública.
Constataremos, assim, quais os resultados jurisprudenciais obtidos com o ajuizamento de ações civis públicas que versam sobre o meio ambiente, e como isso pode afetar os interesses do consumidor. Nesse sentido, será necessário demonstrar a importância do Código de Defesa do Consumidor na tutela dos interesses difusos e coletivos, além da utilização dos seus dispositivos como forma de proporcionar maior força legitimadora e legal ao instrumento processual em comento. Assim, trataremos a fundo a necessidade de sempre manter a relação desses ramos do Direito interligados, de maneira que os bens ambientais sejam explorados e consumidos de forma racionalizada e sustentável, respeitando-se os direitos fundamentais valorizados pelo nossa Constituição Federal.
I – A CONSTITUIÇÃO E A RELAÇÃO CONSUMERISTA-AMBIENTAL: O RESGUARDO DOS INTERESSES DIFUSOS À LUZ DA NOVA TEORIA CONTRATUAL
A Constituição é o eixo axiológico a ser seguido por todas as vertentes do Direito. Deve ser observada e respeitada não apenas como fonte de princípios que surgem para cobrirem lacunas na legislação brasileira, mas como a diretriz normativa de todo ordenamento jurídico. Trata-se do fenômeno da filtragem constitucional, através da qual há “a preeminência normativa da Constituição, projetando-a para uma específica concepção da Constituição enquanto sistema aberto de regras e princípios, que permite pensar o Direito Constitucional em sua perspectiva jurídico-normativa em diálogo com as realidades social, política e econômica”[3]. Assim, a Constituição passa a ser o primeiro ponto a validar não apenas as normas que estão abaixo de sua hierarquia, mas também as próprias relações entre os indivíduos.
Toda norma constitucional, aliás, tem seus efeitos imediatos, ainda que mínimos, vez que podem reger sozinhas ou em consonância com outros dispositivos de mesma hierarquia, comportamentos ligados ao princípio que expõe, criando situações jurídicas de vantagem ou de vínculo. Desta forma, partindo ao que interessa à pesquisa, dentro de uma classificação doutrinária, normas ditas como programáticas também devem exercer seu poder sobre as demais, gerando situações subjetivas de vínculo, e precisam ser respeitadas. Nesse sentido, como bem leciona José Afonso da Silva:
“(...) as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes:
I – estabelecem um dever para o legislador ordinário;
II – condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;
III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum.
IV – constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas;
V – condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário;
VI – criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de desvantagem (...)”[4].
Assim, não é à toa que a Carta Magna impõe diante de seus quatro primeiros artigos os preceitos desta República, dentre eles, especialmente, a necessidade de o país ter como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e os valores sociais da livre iniciativa (art. 1º, IV), como objetivo a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II) e o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II). Logo, nada mais correto que buscar o vínculo desses valores aos comportamentos humanos, principalmente no que diz respeito ao meio ambiente, ao uso de seus bens diante do mundo capitalista e consumerista.
Resta evidente que não é necessário ao legislador formar uma “bagunça” legislativa, criando leis especiais às diversas atividades no campo civil. Tal fato, inclusive, pode ser tentativa de se sobrepor aos ditames constitucionais, e favorecer classes empresariais, que estão – majoritariamente – relacionadas de forma íntima com os parlamentares. Afinal, o Congresso não é capaz de prever todos os atos negociáveis do homem, em meio ao dinamismo dos dias atuais. Nessa esteira afirma Gustavo Tepedino:
“(...) a necessidade de se dar efetividade plena às cláusulas gerais faz-se tanto mais urgente na medida em que se afigura praticamente impossível ao direito regular o conjunto de situações negociais que floresce na vida contemporânea, cujos avanços tecnológicos surpreendem até mesmo o legislador mais frenético e obcecado pela atualidade. Trata-se de constatação indiscutível, que impõe ao intérprete uma mudança de atitude, sob pena de sucumbir à realidade social, perplexo e inerte à espera de uma mítica intervenção legislativa, encerrado em abstrações concernentes a um modelo ideal de sociedade.”[5]
Por isso, no que se concerne aos contratos, em meio ao tratamento sobre os seus diversos tipos que podem surgir entre os indivíduos, utiliza-se concomitantemente a criação de normas gerais. Estas estarão acompanhadas dos princípios presentes na Constituição, que sempre terá a virtude de bastante contemporânea e imperiosa para se fazer valer sobre quaisquer fatos jurídicos, de modo que permite a proteção bens ambientais e aos interesses do consumidor, essenciais ao futuro sustentável do planeta. Ademais, a natureza normativa dos direitos fundamentais impede o cerceamento advindo do caráter restritivo de numerus clausus quanto à interpretação decorrente desses negócios jurídicos que abordam, diretamente ou de forma reflexa, sobre bens ecológicos e interesses do consumidor.
É dessa maneira que é observada a Nova Teoria Contratual, ou seja, o Direito Civilista será construído, no que versa sobre os contratos, perante uma aplicabilidade voltada ao interesse coletivo, trazendo os valores fundamentais da Constituição em detrimento da autonomia da vontade absoluta, entre eles: a) função social do contrato – o contratante não é mais senhor absoluto de sua vontade, mas detentor de obrigações em benefício comum a toda sociedade –; b) a boa-fé objetiva – onde a conduta da parte no contrato se coaduna objetivamente com deveres anexos de cuidado ou proteção, sigilo ou confidencialidade, cooperação ou lealdade, informação, publicidade e transparência, permitindo a proteção da confiança inerente ao negócio e proibindo qualquer ato contraditório –; e c) a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, flexibilizando a força obrigatória dos contratos. Logo, esta teoria trará a questão do contrato tendo uma de suas finalidades o bem comum social como norma cogente, enobrecendo os ditames da Magna Carta. Desta feita, como afirma Felippe Peixoto Braga Netto, “o contrato, nessa nova visão, passa a ser operacionalmente permeável à incidência de valores éticos, culturais e sociais, ensejando, assim, uma saudável dialeticidade entre os conteúdos contratuais e os valores sociais”[6], e assim, conclui-se que:
“Vive-se, no cenário jurídico-doutrinário, uma reanálise dos pontos de partida. Uma teoria contratual, renovadas em seus valores, deve ter a Constituição como referência, e as demais normas como técnicas de operacionalização das opções valorativas básicas da Constituição. Não deixa de ser uma violência, simbolicamente grave, desprezar, em termos normativos, os valores fundamentais delineados, de forma clara, pela Constituição (CF, arts. 1º a 4º )”[7].
Desta feita, constatamos a mudança na ideia de que os Códigos são conjuntos de leis com ligações centralizantes, de maneira que haverá um permuta maior entre os sentidos teleológicos das normas do ordenamento. O que não se admite é que sua matéria se sobreponha às citadas normas hierarquicamente superiores, criando uma nova ordem de valores. Logo, um Código poderá proporcionar soluções a diversos outros ramos do Direito. Isso, enfatize-se, é bem visto com a posição do Código de Defesa do Consumidor, pois trata de direitos difusos e coletivos e a forma processual de como tutelá-los, possibilitando o uso da Ação Civil Pública para combater interesses relativos ao Direito Ambiental, por exemplo. Nessa esteira, vejamos de onde pode surgir essa relação ambiental-consumerista sustentável e qual a sua importância para a humanidade, principalmente para princípios constitucionais como a garantia do desenvolvimento nacional, a livre iniciativa e a prevalência dos direitos humanos, ante os negócios jurídicos firmados pelo homem.
I.1. Os Contratos (O Direito do Consumidor) e a Questão Ambiental: Responsabilidade de Todos por uma Economia Sustentável
A questão ambiental vem, cada vez mais, ganhando espaço no Estado Democrático de Direito contemporâneo, que prioriza o bem-estar social e condena – ao menos teoricamente – ações inconsequentes e individualistas daqueles que compõem o mercado capitalista.
Priorizar pela proteção do meio ambiente e seus bens componentes deve fazer parte de todas as decisões políticas, econômicas e jurídicas no país. Tal necessidade restou evidenciada com os preceitos da nossa Lei Maior, que não apenas institui a defesa do meio ambiente como princípio a fundar a Ordem Econômica (art. 170, VI, CF), mas também o insere como direito fundamental inerente a toda humanidade em seu art. 225, caput, ao dispor que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Desse modo, restou à doutrina discutir a importância do meio ambiente como direito fundamental de quarta geração, sendo este grupo, como explica José Adércio Leite Sampaio:
“(...) os direitos integracionais a uma vida saudável ou a um ambiente equilibrado, como se afirmou na Carta da Terra ou Declaração do Rio de 1992, repetindo-se no Manifesto de Tenerife e, incluindo-se ao lado da proteção da cultura, na cláusula 9 do Documento Final do Encontro de Ministros da Cultura do Movimento dos Países Não-alinhados, realizado em Medelin, na Colômbia, entre 3 e 5 de setembro de 1997. Reconhece-se os direitos à vida das gerações futuras; a uma vida saudável e em harmonia com a natureza e ao desenvolvimento sustentável”[8].
Assim, analisando que a degradação ambiental representará uma violação a direito fundamental – de quarta geração, enfatize-se –, sendo a sua defesa um direito inerente a toda sociedade, sem exceção, temos que a natureza de um bem ambiental é difusa, ou seja, encontramos “uma terceira categoria de bem, que é a dos bens difusos, cuja titularidade difere daquela própria do bem público”[9]. Desse modo, os bens ambientais têm como característica a transindividualidade, de natureza indivisível, dos que sejam titulares pessoas indeterminadas, tal como assevera o nosso Código de Defesa do Consumidor (art. 81, I), e aqui, já começamos a observar claramente o envolvimento deste dispositivo consumerista e os interesses desta classe com o sistema ecológico.
Ora, decerto o bem ambiental não terá natureza privada. Já no que diz respeito ao enquadramento de bem público, a Constituição Federal distingue tais naturezas, vez que em seu art. 5º, LXXIII, aponta tanto o ato lesivo contra o meio ambiente como, diferentemente, o ato contra o patrimônio público como objetos de uma ação popular[10]. Ainda, em seu art. 129, também elenca estes mesmos componentes como diferentes objetos de uma ação civil pública – ou inquérito civil público – a ser promovida pelo Ministério Público. Ou seja, meio ambiente e patrimônio público não se confundem, um não está contido no outro. Não bastasse isso, frise-se que os civilistas atuais evitam discutir qual a natureza dos bens ambientais, restringindo-se aos públicos e privados, haja vista que apenas sobre eles trata o Código Civil atual. Ademais, a visão do Direito Civil Constitucional (em que o Direito Civil deixa de ser o centro do universo legal) não permitiria tal feitio[11].
Desta feita, percebe-se que o meio ambiente, ou seus bens, tem como titular toda a humanidade. Peças da natureza como a praia ou a restinga, não possuem a simples denominação de bens de uso comum do povo (art. 225, CF/88) como se fossem da Administração Pública e pudessem ser usufruídos pela sociedade. Não. Eles realmente pertencem ao povo e, por isso, devem ser “usados” de modo irrestrito, porém sem degradações, visto que proporcionam saúde ao indivíduo. Estado e particulares, quando muito, são apenas meros detentores dos bens ambientais, devendo o seu direito de guarda ser respeitado.
Contudo, qual seria a importância da noção da natureza jurídica de um bem ambiental?
A distinção entre bem público e bem ambiental, demonstrando a natureza difusa deste tem alta relevância sobre a responsabilização dos agentes degradadores. Ainda que não pertença à Administração, esta poderá responder solidariamente ao desrespeito permitido sobre o meio ambiente sob seu domínio – no sentido de responsabilidade, conforme art. 225 da CF/88, e não de propriedade literal, em razão da natureza difusa –, e pelo qual deveria realizar atos e políticas de preservação. Por certo essa responsabilidade surgirá quando ela agir por culpa grave ou o seu agente público, por dolo.
Destarte, contratos realizados entre a Administração Pública e empresários que resultem na degradação do meio ambiente devem ser anulados e estes contratantes devem ser responsabilizados civilmente por meio das vias processuais. Ora, o contrato público ou civil, seja ele qual for, deve seguir a ideologia da nova teoria contratual, de modo que é preciso estar em consonância com os valores e princípios constitucionais.
Os consumidores, aliás, devem entender que não se pode apoiar empreendedores que destroem a fonte da qualidade de vida das futuras gerações, de seus descendentes. Prova disso é que, como será demonstrado da melhor forma mais adiante, os bares do bairro do Bessa, na cidade de João Pessoa, na Paraíba, receberam a determinação judicial para serem destruídos, em prol do bens ambientais que ali se encontram. O ser humano não pode olvidar que o lazer ou a exploração de alimentos devem ser de forma sustentável. Ademais, como já foi afirmado, os dispositivos da Carta Magna são vinculantes, de modo que a autonomia da vontade é bastante limitada e voltada ao interesse social. Em suma, os contratos estão comprometidos com as concepções sociais.
Pois bem, percebe-se que a questão ambiental é um assunto inerente à humanidade, e por isso mesmo, deve fazer parte dos conceitos do novo mercado capitalista, o que nos mostra a necessidade de ser este um ponto indissociável à efetiva proteção ao consumidor. Logo, a matéria ecológica também surge como reflexo do tratamento de tutela consumerista. Se por um lado, ao protegermos a utilização sustentável de bens ambientais estamos reflexamente proporcionando o resguardo de interesses dos consumidores, no que tange à demanda de qualidade – por continuarem existindo matéria natural em larga escala e não tóxica, por exemplo -, por outro, quando tutelamos os interesses dos consumidores também resguardamos interesses ecológicos, por tratarem do mesmo interesse difuso. Exemplo evidente disso é a disposição presente no art. 51, XIV, do nosso CDC, determinando a anulabilidade de cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que possibilitem a violação de normas ambientais.
Destarte, se o contrato em sua integridade é voltado a um mercado em que consumidores obtenham produtos em meio a degradação de bens ecológicos, então ele deverá ser desfeito totalmente. É assim que percebemos a importância das ações do Ministério Público em meio a tentativas de retirar o comércio de bares, a venda de alimentos e demais produtos ou serviços em praias e restingas, de modo que afetam indubitavelmente o equilíbrio do meio ambiente.
Sendo assim, observando que a degradação do bem ambiental viola interesse difuso e direito fundamental, verificamos que a Ação Civil Pública é o instrumento essencial à tutela desse bem e dos interesses da coletividade, promovendo o outrora citado vetor constitucional da garantia ao desenvolvimento da Nação associado ao valor social da livre iniciativa e ao princípio da dignidade humana. Vejamos então como essa via processual agirá.
II – A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO ESSENCIAL AO RESGUARDO DOS BENS AMBIENTAIS
O processo coletivo é necessário nas relações do mundo contemporâneo por se tratar de “litigação de interesse público”, e, em se tratando do abordado nesta pesquisa, concerne-se às demandas judiciais que envolvam interesses difusos ou coletivos, preservando valores sociais constitucionalmente garantidos. Assim, nos dizeres de Didier e Zaneti Jr., nele “se postula um direito coletivo lato sensu ou se postula um direito em face de um titular de um direito coletivo lato sensu, com o fito de obter um provimento jurisdicional que atingirá uma coletividade, um grupo ou um determinado número de pessoas”[12].
A existência desse modo processual advém de dois fundamentos: a) o político, pautado à luz do princípio da economia processual, visto que em apenas uma ação é obtida a tutela referente a direito de uma coletividade ou de número indeterminado de pessoas; b) e o sociológico, haja vista que o mundo globalizado mantém relações complexas, entre diversos indivíduos, e, assim, apenas ações coletivas poderiam ser efetivas no alcance aos direitos estabelecidos entre essas relações.
Nesse viés, surge a Ação Civil Pública regida pela Lei nº 7.347/85, um mecanismo processual de defesa, através do processo coletivo, que será usada para a proteção do meio ambiente e do consumidor, como assevera nos dois primeiros incisos de seu inaugural artigo. Além do mais, trata-se de um instrumento processual constitucionalmente garantido pela Constituição no art. 129, referente ao Ministério Público, atribuindo-lhe o papel como um dos legitimados a propô-la – a lei específica do mecanismo confira a existência de outros –, defendendo os interesses primários da sociedade.
Assim, demonstrando o que se expõe em lei, a ação civil pública possui como objeto: o meio ambiente; o consumidor; os bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; outros direitos metaindividuais; a ordem econômica; a ordem urbanística; a honra e a dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; o patrimônio público e social; e a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º da Lei 7.347/85). Não obstante encontremos esse rol legal, frise-se que a ACP pode ter por objeto qualquer tipo de provimento jurisdicional, isto é, qualquer tipo de medida judicial adequada a proteger os interesses por ela veiculados. Isso porque, como o trâmite processual a ser observado pela referida ação será aquele presente no CDC (art. 21 da Lei 7347/85), constatamos o pacificado entendimento da possibilidade da utilização de provimentos jurisdicionais de qualquer natureza a partir do art. 83 do Código Consumerista.
Assim, ao ter como um de seus objetos o meio ambiente, ressalte-se que este se subdivide em meio ambiente natural, artificial e cultural. O natural trata da parcela do meio ambiente construído sem a intervenção humana, como a fauna, a flora, a terra, praias, mar, rios, dentre tantos outros. Já o artificial é edificado através da atividade humana, sendo a própria ordem urbanística. E, por fim, o meio ambiente cultural são todos os valores históricos e culturais que integram a cultura de um povo.
Portanto, ao passo que a ação civil pública defende essas três dimensões citadas, torna-se desnecessária a previsão legal dos bens de valor histórico-cultural e da ordem urbanística como objetos da ação em comento, pois estes já se encontram abrangidos por uma ou algumas das esferas de valores componentes do conceito de meio ambiente.
Desta feita, resta ao Ministério Público se utilizar desse instrumento para resguardar os mencionados bens ecológicos, inseridos, principalmente no conceito de meio ambiente natural, haja vista que esta – não mais paulatinamente, mas em ritmo célere preocupante – vem se deteriorando diante da ação humana não sustentável. Logo, como já observado, os interesses difusos, relativos a titularidade de toda humanidade, devem ser tutelados pelo Parquet. Afinal, quando diante de violação ao sistema ecológico, estamos verificando as três principais situações assinaladas pela doutrina como casos em que a atuação do Ministério Público na defesa dos direitos metaindividuais é legítima: 1. quando os direitos forem indisponíveis; 2. quando houver interesse social relevante envolvido; e, 3. quando houver relevância social na tutela coletiva[13].
III – JURISPRUDÊNCIA: A UTILIZAÇÃO DA ACP COMO MECANISMO DE DEFESA DO CONSUMO SUSTENTÁVEL NO CASO CONCRETO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Observando esse entendimento, e, verificando um caso concreto, o Ministério Público Federal na Paraíba e o Ministério Público desse Estado vêm se utilizando desse meio para combater o citado caso em que empreendedores se utilizam bares e restaurantes em meios às praias do bairro do Bessa; terrenos de marinha e abrigos de centenas de animais marítimos frágeis, principalmente tartarugas marinhas sofrem com tal ato. Nesse caso, os empresários, valendo-se de acordos e contratos indevidamente firmados com o município de João Pessoa, por não terem observado o respeito ao meio ambiente do local, firmaram um mercado de consumo que degrada diversos bens ambientais, promovendo o desaparecimento de animais marinhos do local, bem como a poluição do mar com os dejetos e lixos provenientes dos serviços realizados no lugar (venda de alimentos, bebidas, e demais bens de consumo).
Para evitar a continuação desse modo de consumo não sustentável, alimentado pelo mercado e permitido pela Administração Municipal, o MPE da Paraíba, inicialmente, ajuizou ação civil pública perante a Justiça Estadual. Todavia, com competência declinada para a Justiça Federal por, dentre outros motivos, tratar-se de terreno de marinha (pertence à União, muito embora seja administrado pelo Município), a ACP de nº 0007765-55.1998.4.05.8200 recebeu decisão do Juízo da 3ª Vara Federal que julgou procedente o pedido para determinar aos réus a retirada das barracas/bares/restaurantes na praia do referido bairro, restituindo à União a área indevidamente ocupada. Outrossim, concedeu-se a antecipação parcial dos efeitos da tutela (de acordo com o CPC/73), determinando-se a interdição dos estabelecimentos.
Essa ilustre decisão, muito embora tenha sido de 1ª instância, vindo posteriormente a ser apelada, merece ter seus trechos transcritos nessa pesquisa, uma vez que é a consolidação prática da observação teórica até agora exposta pela determinação judicial que incide no mundo fático e põe fim a dúvidas e embates entre as categorias empresariais e o MP, titular, nesse sentido, do uso da ACP como defesa aos interesses do povo.
De fato. A área de praia ocupada pelos mencionados estabelecimentos configura bem de uso comum do povo, cuja apropriação, por particular, é expressamente vedada pelo ordenamento jurídico, a teor do artigo 10, da Lei 7.661/88, verbis:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
(...)
Conforme mencionado pelo Representante da DPU em expediente emitido em 1999, não é possível regularizar construções particulares realizadas em área de uso comum do povo, devendo ser resguardado à população o livre usufruto das praias. Tal impedimento vem sendo proclamado pelo e. TRF da 5ª Região.
(...)
Caso fosse possível regularizar a ocupação de bem de uso comum do povo, a autorização de uso somente poderia ser concedida mediante licenciamento ambiental dos empreendimentos, o que se mostra inviável no caso vertente, conforme demonstrado a seguir:
A Constituição Federal, ao tempo em que assegura à coletividade o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impõe-lhe, como também ao Poder Público, o dever de defendê-lo e preservá-lo para a presente e futuras gerações (art. 225).
No afã de assegurar a efetividade desse direito, a Constituição, no inciso III, do § 1º, do citado art. 225, incumbiu o Poder Público de definir espaços territoriais, bem assim os seus componentes, que mereçam a especial proteção com vistas ao equilíbrio ambiental.
O Código Florestal, instituído pela Lei 4.771, de 15.09.1965, com início de vigência anterior à Lei Maior, mas com ela se harmonizando, estabelece como área de preservação permanente, dentre outras, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.
O referido Código Florestal também institui como área de preservação permanente, quando assim declarada pelo Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção.
(...)
A despeito de toda essa normatização protetora e proibitiva, é certo que qualquer empreendimento capaz de causar atividade degradadora ao meio ambiente, por mais modesto que seja, necessita da autorização dos órgãos ambientais competentes, a teor do art. 10 da Lei 6.938/817, sendo certo que os estabelecimentos referidos na inicial não a possuem.
A não observância do licenciamento comporta ilegalidade, pois atinge diretamente o princípio da supremacia do interesse público, que não admite interesses particulares se superpondo para degradar o meio ambiente em detrimento da coletividade.
(...)
Conforme se colhe do laudo técnico elaborado pelo IBAMA, tanto a área onde os bares funcionam atualmente como aquela para a qual seriam realocados por força do projeto de arquitetura elaborado pela Associação dos Proprietários das Barracas do Bessa, está situada na zona costeira e marinha, patrimônio da União.
Segundo aquele laudo, ditos empreendimentos estão edificados sobre vegetação fixadora de dunas e restinga bastante degradada, concorrendo diretamente com o espaço de nidificação das tartarugas marinhas, situação que o mencionado projeto não alteraria.
O laudo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, por sua vez, enumera inúmeros danos causados ao meio ambiente por aqueles estabelecimentos, prejuízos que se perpetuariam com a implantação do projeto de realocação e padronização daquelas barracas.
Registro que não se chegou a cogitar que as construções não se situam em área de restinga, considerada de proteção ambiental. Tampouco os demandados negaram que seus estabelecimentos causam os impactos ambientais apontados nos laudos do IBAMA e da SEMAM.
Diante disso, conclui-se que a regularização da ocupação dos bares/restaurantes junto à Secretaria do Patrimônio da União é expressamente vedada, nos termos do inciso II, do artigo 9º, da Lei 9.636/98, reproduzido à fl. 18 desta sentença, impondo-se a retirada deles daquele local.
(...)
Registre-se que o Município de João Pessa/PB tem o poder-dever de agir diante da situação elencada nos autos, coibindo a ação degradadora ao meio ambiente, não permitindo, através da indispensável ação fiscalizadora prevista no parágrafo único do art. 22 da Lei 4.771/659, a construção, por mais modesta que seja, em área de preservação ambiental.
Frize-se que as determinações contidas no art. 3º da Lei 6.766/79, já reproduzido nesta sentença, consistem em um dever-poder do Município, pois, consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República, compete-lhe "promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano".
Igualmente, conforme informado pelo DPU no expediente de fl. 369 (2º Volume), apesar da área ocupada pelos réus privados pertencer à União, sua administração é de responsabilidade da Prefeitura Municipal de João Pessoa, nos termos da Resolução nº 01, de 21.11.1990, da Comissão Interministerial para Recursos do Mar, que aprovou o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC - DOU de 27.11.1990. Não obstante, por longo período, o Município se omitiu, dando ensejo à construção das barracas em pauta.
Por todo o exposto, nada resta a esta julgadora senão julgar procedente a demanda, para determinar a retirada das "barracas" dos réus da Praia do Bessa, devolvendo-se à União a área indevidamente ocupada.
Sobre a demolição de construções irregulares em área de praia, o Decreto 2.398/87 estabelece o seguinte:
Art. 6o A realização de aterro, construção ou obra e, bem assim, a instalação de equipamentos no mar, lagos, rios e quaisquer correntes de água, inclusive em áreas de praias, mangues e vazantes, ou em outros bens de uso comum, de domínio da União, sem a prévia autorização do Ministério da Fazenda, importará:
I - na remoção do aterro, da construção, obra e dos equipamentos instalados, inclusive na demolição das benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado; e
II - a automática aplicação de multa mensal em valor equivalente a R$ 30,00 (trinta reais), atualizados anualmente em 1o de janeiro de cada ano, mediante portaria do Ministério da Fazenda, para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas, ou em que forem realizadas obras ou instalados equipamentos, que será cobrada em dobro após trinta dias da notificação, pessoal, pelo correio ou por edital, se o infrator não tiver removido o aterro e demolido as benfeitorias efetuadas.
Houve negligência do Município quanto aos atos fiscalizatórios, o que permitiu a ocupação clandestina da Praia do Bessa. Diante disso, entendo que essa edilidade deve responder solidariamente com os réus privados pela demolição das barracas.
(...).” [Decisão da Juíza Federal CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ, 3ª Vara, na Ação Civil Pública de nº 0007765-55.1998.4.05.8200 (98.0007765-0), em 30.07.2010] – grifos acrescidos.
Ainda sobre a conclusão prática do que fora analisado, outras ações civis públicas ajuizadas pelos Ministérios Públicos possibilitaram a defesa de demais bens ambientais, sendo solidificado o entendimento de que tais bens comuns e de titularidade do povo (e não da Administração Pública) devem ser resguardados para que assim também sejam tutelados interesses difusos dos consumidores, que prezam por uma demanda de qualidade (fato que não será possível ao longo dos anos com a escassez de matéria-prima, natural, com as violações ao sistema ecológico). Nesse sentido, vejamos jurisprudência:
EMENTA: ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. BARRACA DE PRAIA. OCUPAÇÃO CARENTE DE AUTORIZAÇÃO DE ÓRGÃO COMPETENTE. INVIABILIDADE DE SUA REGULARIZAÇÃO. DEMOLIÇÃO DA CONSTRUÇÃO IRREGULAR E REINTEGRAÇÃO DA ÁREA À POSSE DA UNIÃO. CONDENAÇÃO À INDENIZAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Barraca que explora atividade de restaurante e bar em área de praia, mesmo a pretexto de autorizações supostamente concedidas por órgãos incompetentes, constitui ocupação indevida de área de uso comum do povo, portanto insuscetível de regularização.
2. A demolição da construção irregular, a expensas de quem a fez, e a condenação dos responsáveis a indenizar a União - porquanto cientes, eis que notificados pelo SPU - pela ocupação indevida, além da reintegração da área à posse desta são medidas que se impõem.
3. Sentença incensurável. Inúmeros precedentes deste Tribunal e desta Turma.
4. Apelação a que se nega provimento.
(TRF 5ª Região, AC 200280000013781/AL, Rel. Des. Federal Marcelo Navarro, DJ 03/12/2007)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ZONA DE RESTINGA, ESPECIALMENTE PROTEGIDA. 1. Conclui-se pela análise dos autos que a obra ora impugnada foi realizada em zona costeira, sob proteção especial. Ademais, foi construída e ocupada sem habite-se e alvará sanitário, havendo, também, a colocação de barracas na praia e corte e supressa da vegetação. 2. Zonas de restinga são expressamente protegidas por legislação específica frente às suas especialidades. No caso em comento, trata-se de zona de preservação permanente, com o que a supressão da vegetação somente pode se dar em casos excepcionais mediante expressa autorização. 3. Demolição da obra realizada implica na restauração da área a situação desejada pela norma e, gera efeito preventivo geral demonstrando aos demais empreendedores a necessidade de estudar-se a área a ser construída preocupando-se em zelar pelo meio ambiente. 4. Sentença mantida. Negado provimento ao apelo.
(TRF 4ª Região, AC 200472080018476, Rel. Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 07/05/2007).
Frise-se, no entanto, que o desfecho do caso concreto retrocitado chegou à extinção do processo sem análise do mérito, em face da perda de objeto superveniente à propositura da ação, na Sessão Ordinária realizada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sendo relatora a Desembargadora Federal convocada Cíntia Brunetta – em 23 de agosto de 2012 –, haja vista a Procuradoria-Geral do Município de João Pessoa, em atendimento a requisição do MPF, ter apresentado acordo firmado em 02/12/2011, entre o Município de João Pessoa/PB e os responsáveis pelos bares da Praia do Bessa[14].
Entretanto, foi por meio da ação civil pública ajuizada que finalmente chegou-se a esse fim. Ora, a ACP foi realmente utilizada como mecanismo de defesa para que os empreendedores-comerciantes, bem como os consumidores, entendam que os bens ambientais devem ser respeitados, pois é através deles que mantemos os valores inerentes a um Estado Democrático de Bem-Estar, ou seja, um Estado que garanta a livre concorrência e o desenvolvimento nacional sob o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, que por sua vez, só persistirá com o respeito ao meio ambiente.
Enfim, a decisão de primeira instância no caso concreto foi imprescindível para demonstrar a importância desses bens à humanidade. Muito embora tenha sofrido os efeitos da suspensão pela apelação posterior, a prova de que o epílogo dessa história seria pela determinação da retirada dos bares nas instâncias seguintes é que a Administração Municipal – e, lembre-se que esta poderia ser responsabilizada solidariamente por não exercer a fiscalização e prevenção devidas aos bens ecológicos – e os ditos “proprietários” firmaram acordo homologado judicialmente, pondo fim ao litígio, para que os envolvidos pudessem alcançar satisfatoriamente a pacificação social do litígio. Assim, houve a remoção de todas as barracas irregularmente instaladas na Praia do Bessa que eram objeto do presente procedimento. Ademais, o local anteriormente degradado foi recuperado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa.
CONCLUSÃO
Partindo do embate doutrinário-pragmático, isso porque de nada restaria a análise doutrinária sem a observância das decisões judiciais sobre o assunto em casos concretos, constatamos que no mundo globalizado hodierno, que possui a mundialização do capital e do consumo como características marcantes, obter um sistema jurídico que proporcione meios de defesa aos bens ambientais é de extrema importância.
Nesse contexto, a Ação Civil Pública é instrumento essencial na busca da responsabilização do particular e da Administração Pública quando da violação ao meio ambiente, e, por conseguinte, a interesses difusos dos quais são titulares o povo como um todo. A utilização desse mecanismo por meio do Ministério Público – um dos legitimados a propô-la – de modo enfático se mostrou diante da feliz oportunidade do estudante em estagiar no órgão. Demonstrou-se, assim, que esse meio também é a forma de conscientizar, com igual severidade – vez que a degradação da ecologia é ato muito brutal – os empresários e consumidores que os apoiam, que não se pode tolerar o maltrato ambiental, pois este, paulatinamente, acaba com saúde do homem, por meio da impossibilidade da natureza proporcionar matérias de qualidade, por exemplo – aliás, os próprios consumidores têm interesse direto, visto que o CDC preza pela “demanda de qualidade”.
Dessa forma, a Ação Civil Pública é uma ferramenta que, mediante os resquícios ideais de um passado Estado Liberal, em que o mercado apenas se importa com o lucro e o individualismo, impõe ao ser humano, seja ele empreendedor ou consumidor, a qualidade de cidadão. Afinal, como bem afirma Fernando Costa de Azevedo:
“(...), o exercício da cidadania (CF, art. 1º, II) na dinâmica das relações de consumo está vinculado ao exercício de práticas políticas de dimensão coletiva (a cidadania coletiva), típicas da civilização contemporânea, como aquelas vinculadas à idéia do consumo sustentável para a preservação do meio ambiente (CF, art. 225; CDC, art. 51, XIV) e as que estão relacionadas ao boicote do consumo de certos produtos e serviços em razão da má qualidade, de preços abusivos ou ainda outras questões correlatas de maior alcance social”[15].
Portanto, conclui-se que para que o Estado contemporâneo seja “de Direito” necessita, dentre outros fatores, de um ordenamento jurídico e políticas públicas voltadas à sustentabilidade ambiental. A ordem jurídica brasileira é voltada nesse sentido, de forma que, como os contratos devem ter como luz primordial a Constituição – Nova Teoria Contratual –, as partes contratantes, sejam pessoas privadas ou públicas, devem respeitar todos os bens ambientais, principalmente os naturais. Nessa esteira, ignorando a linha constitucional vigente, o Ministério Público será um dos principais agentes na defesa dos interesses de toda humanidade (difusos e coletivos) por meio da Ação Civil Pública, que, indubitavelmente, responsabilizará os aludidos ofensores pela decisão de procedência de qualquer pedido de reparação da ofensa, realizada pelos magistrados.
Esta ação civil, por fim, é aparelho educador e impositivo para que o homem perceba a necessidade de realizar atos “civis”, ou seja, que respeitem o ambiente pelo qual subsiste e a civilidade com a qual convive.
REFERÊNCIAS:
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BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 9º Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997.
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[1] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 512.
[2]TEPEDINO, Gustavo. As Relações de Consumo e a Nova Teoria Contratual. Disponível em: http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/biblioteca6.pdf. Acesso em 17 mar. 2016. Texto originariamente publicado em TEPEDINO, G. J. M. . As Relações de Consumo e a Nova Teoria Contratual. Quaestio Iuris, Revista dos alunos da Faculdade de Direito da UERJ, n. 2, Rio de Janeiro, 1997.
[3] SCHIER, Paulo Ricardo. Novos Desafios da Filtragem Constitucional no Momento do Neoconstitucionalismo. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado. Instituto de Direito Público da Bahia, nº 4, outubro/novembro/dezembro, Salvador, 2005. p. 2 Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rede-4-outubro-2005-paulo%20schier.pdf.> Acesso em 17 mar. de 2016.
[4] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 164
[5] TEPEDINO, Gustavo. Ob. Cit. p. 5.
[6] NETTO, Felipe Peixoto Braga. A responsabilidade civil e a hermenêutica contemporânea: uma nova teoria contratual? Disponível em: http://www2.prmg.mpf.gov.br/producao/artigos/Dr%20Felipe/A%20responsabilidade%20civil%20e%20a%20hermeneutica%20contemporanea.pdf. Acessado em 17 mar. de 2016. p. 14
[7] NETTO, Felipe Peixoto Braga. Ob. Cit. p. 22
[8] SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 298
[9] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 94
[10] Art. 5º, LXXIII, CF - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
[11] Ressalte-se que o art. 98, caput, do CC (Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem) não teve uma descrição constitucional. Prova disso são os dispositivos constitucionais – hierarquicamente superiores – já citados que provam a diferenciação entre bens públicos, particulares e ambientais.
[12] JUNIOR, Fredie Didier e JUNIOR, Hermes Zaneti. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. 2ª Ed. Vol. 4. Bahia: Jus Podivm, 2007. p. 44.
[13] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 9º Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 234.
[14] Pelos termos do acordo, os estabelecimentos foram desocupados e demolidos mediante o pagamento de indenização a cada um dos “proprietários”, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que de fato ocorreu.
[15] AZEVEDO, Fernando Costa de. O direito do consumidor e a questão ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 68, set 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6592&revista_caderno=10>. Nota de rodapé nº 6. Acesso em 17 mar. 2016.
Advogado. Graduado em Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-graduado na Fundação Escola Superior do Ministério Público (FESMIP/PB) em Direito Penal e Processual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, Alexander Diniz da Mota. A Ação Civil Pública como instrumento garantidor do consumo sustentável de bens ambientais: aspectos sob a ótica do Processo Coletivo e do Direito Civil Constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46483/a-acao-civil-publica-como-instrumento-garantidor-do-consumo-sustentavel-de-bens-ambientais-aspectos-sob-a-otica-do-processo-coletivo-e-do-direito-civil-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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