Palavras-chave: reserva legal; Código Florestal Brasileiro; pagamentos por serviços ambientais.
A questão ambiental é de relevante importância para a humanidade, e cada vez mais faz-se necessário discutir sobre a conservação e preservação do meio ambiente, tanto local como globalmente. O Brasil dedicou todo um capítulo referente ao meio ambiente na Constituição Federal da República de 1988 - capítulo VI: artigo 225. Nesse sentido, para cumprimento da norma programática estabelecida na CF é necessário medidas de proteção ao meio ambiente, dentre elas a criação dos espaços legalmente protegidos. E nesse contexto, encontram-se as reservas legais, que fora disciplina na legislação infraconstitucional, qual seja: o Código Florestal.
O objetivo geral deste estudo é analisar criticamente a questão da reserva legal à luz do novo Código Florestal. Os objetivos específicos visam a definir reserva legal florestal; verificar sua importância ecológica; abordar a previsão para compensação e pagamentos pelos serviços ambientais prestados pela reserva legal, além de abordar como é tratado o tema no novo Código Florestal. O tema ora estudado é considerado direito difuso, afetando toda a sociedade e sobre o assunto há carência de pesquisas científicas.
2 A QUESTÃO AMBIENTAL
Nos dias de hoje a questão ambiental é complexa e polêmica por haver grande demanda por matérias-primas e pressão econômica sobre os recursos naturais, devido à necessidade não só da expansão das civilizações, como também para atender ao consumismo de países desenvolvidos. O que se pode observar é o avanço de fronteiras agropecuárias e urbanização desenfreada, sem planejamento e consideração da capacidade de suporte do meio ambiente, acarretando, assim, na degradação ambiental e afetando a qualidade de vida dos seres vivos em geral.
A questão ambiental é discutida mundialmente e pode-se citar que o primeiro momento desses debates seria a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo, na Suécia. Esta conferência trouxe o reconhecimento da problemática ambiental por parte dos governos ao redor do mundo; nascem os primeiros partidos verdes e as primeiras agências governamentais voltadas para a regulação ambiental. Dessa Conferência saiu um importante documento: Declaração de Estocolmo, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). A importância dessa Declaração de Estocolmo foi que ela colocou o meio ambiente no rol dos Direitos Humanos, passando, então, a ser considerado Direito Fundamental.
Em 1987, ocorreu o lançamento do relatório denominado "Nosso Futuro Comum". que trouxe o conceito de desenvolvimento sustentável, que é aquele que atende as necessidades da presente geração sem comprometer as necessidades das gerações futuras.
Em 1992, o Brasil sediou no Rio de Janeiro a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO 92 ou Rio 92. Foi a maior Conferência da história, com a presença de vários chefes de Estado. Os quatro principais instrumentos foram a Declaração do Rio, que trata de uma declaração de princípios de direito fundamental; a Agenda 21, que é um documento programático, um plano de ação com uma série de instrumentos e iniciativas para a proteção do ambiente no âmbito internacional, nacional, regional e local, integrando sociedade civil e governos; a Convenção sobre mudanças do clima – conhecido como Protocolo de Kyoto, que tem o objetivo de reduzir a emissão de gás carbônico, gerador do efeito estufa e aumento da temperatura da Terra; e a Convenção sobre diversidade biológica ou Biodiversidade (CDO), que objetiva proteger a diversidade biológica.
Em 2002 aconteceu a Convenção Rio+10, em Johanesburgo, na África do Sul. Discutiram-se os resultados das Conferências anteriores, como também a questão da pobreza. Muitos documentos foram elaborados visando um desenvolvimento sustentável.
Em 2012, o Brasil sediou a Rio+20, uma das maiores conferências convocadas pela ONU. Iniciou-se uma nova era para implementar o desenvolvimento sustentável, no entanto, sem muito sucesso.
Paralelamente aos grandes debates mundial acerca da questão ambiental, muitas pesquisas científicas são realizadas. Surgiram novas áreas da ciência como Engenharia Genética e Biologia Molecular que trouxeram à tona a importância da biodiversidade, bem como maior discussão sobre os efeitos no bem-estar das sociedades no tocante à perda da biodiversidade. Trata-se de um importante serviço ambiental fornecido pelas florestas, seja pelo sequestro de carbono, seja pela proteção do solo, alimentos, regulação climática ou proteção dos recursos hídricos.
3 CONCEITO DE RESERVA LEGAL
O Art. 225, parágrafo 1º, inciso III do texto da nossa Carta Magna, faz referência à necessidade de ação do poder público, pelos diversos entes federados, de mapear as áreas que devem ser protegidas no sentido de assegurar a efetividade do direito ecologicamente equilibrado, in verbis:
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Para o mestre José Afonso da Silva (2009) os espaços territoriais protegidos podem ser entendidos como:
Áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e a proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e a proteção dos recursos naturais (SILVA, 2009, p. 233)
A legislação brasileira dispõe importantes modalidades de espaços naturais protegidos, dentre eles as Reservas Legais (RL), que ocorrem em áreas rurais. De acordo com o Novo Código Florestal (NCF), em seu inciso III, entende-se por RL:
[…] área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, [...], com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa [...]
Por estar expressa na legislação brasileira, pode-se dizer que a preservação de florestas em forma de RL é compulsória, pois é imposta a todos proprietários rurais e podem estar localizadas em quaisquer regiões fitogeográficas do país. O tamanho da RL pode variar de acordo com o bioma. Na amazônia o índice de preservação para a RL pode variar de 80% a 20%, nos demais biomas a área de RL deve ser no mínimo 20%. Pode haver exploração econômica, desde que se tenha plano de manejo florestal aprovado pelo órgão ambiental competente e a RL pode ser composta com espécies exóticas - eucalipto, por exemplo. Salienta-se, entretanto, que não é permitido o uso de atividade de monocultura extensiva mecanizada. Caso a área de RL esteja degradada, cabe ao proprietário recuperá-la ou promover condições para que haja a regeneração natural, cercando-a, por exemplo, evitando-se o pisoteio de animais.
Infelizmente, com todo esse arcabouço jurídico, há carência de dados que traduzem a real situação do país quanto ao cumprimento de criação da RL nas propriedades rurais, conforme salienta Bacha:
Não há dados sistemáticos sobre o número de imóveis rurais e a proporção deles que mantêm reserva legal. Os únicos dados disponíveis são os cadastros de imóveis rurais do INCRA, que são informações prestadas diretamente pelos proprietários rurais. Esses cadastros apresentam o problema de os proprietários não terem informado, em um ano-base, todos os dados sobre sua propriedade, bem como poderem excluir informações que os comprometam. (BACHA, 2005, p. 3 ).
Nesse sentido, visando o controle e fiscalização, o art. 29 do novo Código Florestal trouxe uma novidade - o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Trata-se de um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.” Com a implantação do CAR as propriedades rurais poderão ser identificadas com as coordenadas geográficas, bem como a demarcação e o estado de conservação da RL. O órgão ambiental dos Estados e/ou municípios poderão alimentar o sistema do CAR, e somente com esse cadastro o proprietário do imóvel ficará com sua situação regularizada para fazer qualquer intervenção em sua propriedade, seja manejo florestal ou obter financiamentos. O proprietário fica dispensado, após a inscrição no CAR, de fazer a averbação da RL à margem do registro de imóveis.
De acordo com as regras em vigor, os agricultores têm até maio de 2016 para fazer a inscrição obrigatória no CAR. O cadastro foi implantado em maio de 2014 e, inicialmente, os agricultores tiveram um ano para o cadastramento. A baixa adesão, no entanto, levou o governo a conceder mais um ano para que o proprietário rural realiza-se o cadastro O relator na Comissão de Agricultura, Acir Gurgacz (PDT-RO), afirma que apenas um terço dos imóveis rurais foram cadastrados no prazo inicial estipulado, e aponta dificuldades regionais no acesso ao CAR.
Entretanto, importa salientar que, de acordo com a Agência Senado, o prazo para inscrição das propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) poderá ser prorrogado até maio de 2018, caso o Código Florestal – Lei 12.651/12 - seja modificado como previsto em projeto (PLS 287/2015) de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), ou seja, alterar o § 3º do art. 29 da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), passando de 1 ano para 3 anos o prazo de inscrição das propriedades e posses rurais no Cadastro Ambiental Rural.
4 A IMPORTÂNCIA DA RESERVA LEGAL
Schaffer e Medeiros esclarecem que a RL não tem apenas a função de prover o uso sustentável dos recursos naturais na propriedade ou posse rural, mas possui também:
[...] a função de conservar e reabilitar os processos ecológicos, conservar a biodiversidade e servir de abrigo e proteção da fauna e flora nativas. Desta forma, a norma geral de caráter nacional concilia o necessário uso sustentável de recursos naturais para a propriedade, ou posse rural, com as funções ambientais e o provimento de serviços ambientais de retenção de água, conservação do solo, manutenção de grupos de polinizadores e fixação de biomassa, entre outros, os quais são importantes e necessários ao cumprimento da função socioambiental dos imóveis ou propriedades rurais. (SCHAFFER E MEDEIROS, 2009 apud BET, 2010, p.37)
Não resta dúvida de que tal instrumento é de relevante importância para a conservação ambiental, pois as funções ambientais da RL representam uma alternativa para viabilizar a renovação de ecossistemas, por meio do fluxo gênico na paisagem. Nesse sentido, como a RL presta importantes serviços ambientais para a toda sociedade, seria justo a criação de mecanismos financeiros para o pagamento ou indenização aos proprietários que conservassem suas RL, - o denominado princípio provedor-recebedor.
4.1 Pagamento pelos serviços ecológicos ou serviços ambientais (PSA)
Como citado anteriormente, o proprietário do imóvel rural presta um serviço ambiental a toda sociedade por meio da preservação de sua RL, no entanto, não tem retorno financeiro, conforme se observa no fragmento de texto abaixo:
Apesar dessa importância ecológica das áreas florestais (como a de reservas legais) para muitos agricultores, as áreas de reserva legal representam uma penalização ao produtor rural, que presta um serviço a toda a sociedade sem ter o devido retorno. Por um lado, a renúncia ao lucro, proporcionado por uma eventual atividade econômica a ser exercida na área de reserva legal, caracteriza o prejuízo do agricultor e do pecuarista. No Brasil, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos, o produtor não recebe compensação pelo fato de ser obrigado a preservar áreas dentro de sua propriedade. Tal fato, que gera encargos exclusivamente privados e benefícios sociais, tem sido questionado até por alguns juristas (BIOTECNOLOGIA..., 2001; SANTOS, 2002 apud OLIVEIRA & BACHA, 2003 ).
Quanto ao pagamento pelos serviços ambientais, Altmann cita a carta de São Paulo, documento síntese do 11º Congresso Internacional de Direito Ambiental, e destaca a finalidade e a importância do sistema de pagamento pelos serviços ecológicos:
1. O pagamento pelos serviços ecológicos ou serviços ambientais consiste, sucintamente, na instituição e distribuição de benefícios econômicos como meio de compelir/incentivar as pessoas a promoverem ações em prol da preservação da qualidade ambiental, dentre elas o manejo sustentável dos recursos naturais e a criação de Reservas Legais.
2. Um dos principais estímulos à conservação da cobertura vegetal é a atribuição de valor econômico à floresta nativa existente em espaços privados, como forma de contrapor as atividades agropecuárias, as quais são as maiores responsáveis pela supressão da mata.
3. O pagamento de serviços ambientais possui duas finalidades:
(a) conscientizar a sociedade da importância dos serviços ambientais prestados pela própria natureza, demonstrando os custos de sua substituição por tecnologias criadas pelo homem; e
(b) conscientizar grandes empresas poluidoras e proprietários rurais que a proteção ambiental também pode ser um aspecto relativamente lucrativo de seus negócios. (ALTMANN, 2008, p. 15)
Entende-se, portanto, que deve haver pagamentos por serviços ambientais às comunidades e aos indivíduos cujas atividades comprovadamente contribuam para a preservação ambiental. Embora a estratégia do governo brasileiro de impor, por meio do instrumento Lei, a conservação de florestas, essa atitude pode resultar, sem dúvida, em ganhos ambientais. No entanto, deve ser considerado que há uma perda considerável na liberdade dos proprietários de terra no tocante à utilização de área para a produção.
Oliveira e Bacha (2003) no artigo intitulado Avaliação do cumprimento da reserva legal no Brasil, concluíram que “No Brasil, menos de 10% dos imóveis rurais vêm mantendo, desde a década de 1970, reserva legal, e os que a mantêm não respeitam os limites mínimos fixados em lei.” Diante de tal consideração, o que se pode perceber é que há falta de fiscalização e incentivos financeiros, então, os proprietários rurais não cumprem a lei.
A criação e legalização de RL não é tão simples, pois mesmo que o proprietário da terra possa escolher o local em que será constituída sua RL, deve haver aprovação pelo órgão ambiental competente e alguns critérios devem ser observados como, por exemplo, obedecer o plano de manejo da bacia hidrográfica, seguir o estabelecido pelo zoneamento ecológico-econômico (ZEE), escolher áreas que facilitem a criação de corredores ecológicos, dentre outros.
Quando o proprietário de imóvel tiver a RL devidamente regularizada, inscrita no CAR, e possuir área conservada superior ao percentual mínimo exigido pela Lei, poderá utilizar o excedente para fins de constituição de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental (CRA), e essas cotas podem ser comercializadas na bolsa de valores.
Infelizmente, frente à tanta exigência legal, o proprietário acaba não cumprindo a legislação. Por isso seria importante uma intervenção governamental no sentido de incentivar o pagamento de serviços ambientais (PSA) e, assim, facilitar a criação dessas áreas que são tão importantes para o equilíbrio ecológico e ainda proporcionam inúmeros outros benefícios para toda a sociedade.
5 LEGISLAÇÃO REFERENTE À RESERVA LEGAL
Somente na Constituição Federal de 1988, em seu art 225 trouxe o conceito do meio ambiente ecologicamente equilibrado para presente e futuras gerações, bem como o conceito da função social da propriedade – art. 186. Sendo assim, o proprietário pode explorar economicamente sua propriedade, em conformidade art. 5º da CF, mas de modo a respeitar tanto a função social da propriedade, como também o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O primeiro Código Florestal, datado de 1934, instituiu a reserva legal, mas o objetivo naquela época era apenas uma reserva de madeira para a própria propriedade, não se tinha o intuito de preservação ambiental como nos dias de hoje. Sergio Ahrens (2007), em seu estudo intitulado “Sobre a reserva legal: origens históricas e fundamentos técnico-conceituais” a criação de espaços para reposição de madeira originou-se nas recomendações de José Bonifácio de Andrada e Silva, elaborado em 1821. Segundo Carneiro (1972), em 1821, em pleno movimento emancipador, José Bonifácio, recomendou que a transferência das terras públicas aos particulares fosse condicionada à manutenção, com florestas, da sexta parte do terreno e que não poderia ser derrubada, nem queimada, sem que se fizessem novas plantações de florestas, com o intuito de que nunca faltassem lenhas e madeiras. (CARNEIRO, 1972 apud AHRENS, 2007).
Posteriormente houve a lei 4.771/64, substituída pela lei 12.651/12 (novo código florestal), que dentre seus dispositivos, trata sobre a questão da reserva legal.
6 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O DIREITO DE PROPRIEDADE
O artigo 225 da CF/88 declara que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito e dever de todos. Nesse sentido, pelos benefícios que os serviços ambientais prestados pela RL preservada podem proporcionar à coletividade, bem como pela contribuição à conservação da biodiversidade, controle hídrico, influência na qualidade do ar, desempenha, assim, importante função social.
Sabe-se que a RL sempre foi alvo de intensos conflitos, pois, de um lado há aqueles que desejam a maximização do uso produtivo da terra, os ruralistas, que desejam o uso econômico irrestrito; e de outro, os ambientalistas, aqueles que levam em consideração a preservação dos recursos naturais nas atividades produtivas. (AHRES, 2008 apud CUNHA, 2013). Para evitar a devastação de florestas, normas legais cerceiam o direito de propriedade.
Nesse sentido, sob o ponto de vista jurídico, a RL influencia o pleno direito de propriedade, uma vez que há imposição de proteção pelo poder público, sem, no entanto, haver uma indenização ao proprietário.
Segundo Antunes:
Efetivamente, a reserva legal é uma característica da propriedade florestal que se assemelha a um ônus real que recai sobre o imóvel e que obriga o proprietário e todos aqueles que venham a adquirir tal condição, quaisquer que sejam as circunstâncias. Trata-se de uma obrigação “[...] “propter rem”, ou seja uma obrigação real [...]. (ANTUNES, 2011 apud PACHECO, 2012).
Importa salientar que o Código Civil Brasileiro bem como a CF/88 explicita que o direito à propriedade não é absoluto e que a função social da propriedade deve ser respeitada, in verbis:
Art. 1228. [...]
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas
Assim, para minimizar a insatisfação de proprietários rurais e evitar a degradação, a partir de 1988 o Código Florestal começou a permitir a averbação da RL fora dos limites do imóvel, o denominado mecanismo de compensação da reserva legal. Nesse sentido, o proprietário pode utilizar toda a área produtiva de sua propriedade e compensar a RL em outra propriedade.
7 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA RESERVA LEGAL NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL – LEI 12.651/12
Uma das alterações mais significativas do novo código florestal - Lei Federal nº 12.651/12, em seu parágrafo 6º, 7º e 8º, do art. 12, passa a dispensar a existência de RL em empreendimentos para abastecimento de água, para tratamento de esgoto, para reservatórios de água para geração de energia, para linhas de transmissão e subestações de energia, para instalação e ampliação de rodovias e ferrovias.
Outra modificação é que será admitido o cômputo das áreas de preservação permanente (APP's) no cálculo do percentual de RL (art. 15), aplicando-se a todas as modalidades de cumprimento da RL, abrangendo a regeneração, a recomposição e a compensação.
Quanto à regularização da RL agora é possível compensá-las em outra bacia hidrográfica ou Estado, desde que no mesmo bioma (art. 66, §§ 3° e 5°). Na lei antiga (4.771/64) podia compensar a RL por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, mas desde que pertencesse ao mesmo ecossistema e estivesse localizada na mesma microbacia[1].
Ocorre que microbacia hidrográfica era realmente uma unidade muito pequena, e, diga-se de passagem, que a fauna não respeita os limites de bacia hidrográfica. Portanto, fazia-se necessário uma revisão na legislação. No entanto, essa mudança expandiu demais a área; agora leva-se em consideração o bioma. A extensão de um determinado bioma pode ser muito grande. Somente a título de exemplo, se for considerado o bioma Mata Atlântica, este estende-se por quinze estados brasileiros. Dessa forma, a compensação pode ocorrer em qualquer um dos estados da federação que ocorre o bioma Mata Atlântica. Ao mesmo tempo que melhorou - ampliando a área para a compensação da RL, por outro lado, essa ampliação poderá dificultar a fiscalização do cumprimento da compensação ambiental.
O pequeno proprietário rural - imóveis de até 04 Módulos Fiscais[2], será dispensado de recuperação de Reserva Legal degradada, o que na prática acarretará uma perda no tamanho de áreas a serem recuperadas. Nesse caso, a RL ficará sendo o percentual de vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008. Basta que esses proprietários mantenham a vegetação existente na data retromencionada, não sendo necessário cumprir o percentual exigido pela legislação. Segundo a Procuradora Sandra Cureau, com relação a essa data, alega que é absolutamente desprovida de fundamento a adoção de tal marco temporal como referência, pois corresponde à data na qual entrou em vigor o Decreto nº 6.514, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. Segundo a Procuradora retromencionada “[...] as disposições do mencionado Decreto não traduzem qualquer elemento capaz de justificar tratamento diferenciado aos danos ambientais perpetrados antes ou após sua entrada em vigor”.
No tocante à recomposição da RL – art 66, parágrafo 3º, agora é permitido o plantio consorciado de espécies nativas com exóticas, desde que a área recomposta com espécies exóticas não ultrapasse o percentual de 50% (cinquenta por cento) da área total a ser recuperada. A introdução desse parágrafo pode acarretar na descaracterização da vegetação nativa, gerando um efeito negativo para a questão da conservação da biodiversidade.
Quanto à anistia de infrações ambientais, Pablo Luiz Pereira Fernandes - Técnico Jurídico do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de Goias, afirma que os parágrafos 4º e 5º, do art. 59 da lei 12.651/12, preveem que no período entre a publicação da referida lei e a implantação do Plano de Recuperação Ambiental (PRA), após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o acordo, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas na respectiva propriedade antes de 22 de julho de 2008, relativos aos desmatamentos não autorizados da RL, ficando, portanto, as multas já aplicadas, suspensas. Além da anistia, considerado uma alteração negativa do NCF, o proprietário que desmatou antes de 2008 poderá ser beneficiado com dedução do imposto de renda com gastos de custeio para recomposição da RL e, ainda, receber recursos financeiros de fundos públicos, conforme art. 41, parágrafo 1º, incisos II e III.
As inovações do novo código florestal geraram muitas polêmicas e discussões; de um lado a bancada ruralista e de outros os ambientalistas. No entanto, após aprovação dessa lei, pode-se observar que houve uma premiação àqueles que não cumpriram a legislação anterior (4.771/64), conforme se pode observar na redação do Art. 60 da Lei nº 12.651/12: se o proprietário assinar um de termo de compromisso com regras para a regularização de sua propriedade rural perante o órgão ambiental competente, ficará suspenso da punibilidade dos crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei nº 9.605/98 – lei de crimes ambientais, desde que o acordo seja cumprido. Mas fica a pergunta, será que haverá fiscalização para verificar se esses acordos estão sendo cumpridos? Além disso, na prática o que se terá é a redução no número e tamanho de áreas legalmente protegidas.
Diante de tantas impropriedades, foi proposta no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4901), pela Procuradora-Geral da República em exercício, Sandra Cureau. Nesse documento, que ainda aguarda julgamento, está sendo alegado que “a previsão normativa contida em diversos dispositivos impugnados representam flagrante retrocesso na legislação ambiental, excluindo a proteção de um número incalculável de espaços territoriais especialmente protegidos.” E ainda, considera que “há clara violação do dever geral de não degradar o meio ambiente, bem como ao dever fundamental de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, bem como ao princípio da vedação do retrocesso em matéria socioambiental.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, no tocante a análise da Reserva Legal e das modificações introduzidas no novo código florestal pode-se concluir que houve uma diminuição do padrão de proteção ambiental. A modificação da Lei 12.651/12 fragilizou a proteção do meio ambiente, diminuindo o padrão de proteção ambiental proporcionado pelo código florestal anterior - Lei Federal nº 4.771/65, uma vez que permitiu que alguns tipos de empreendimentos não sejam obrigados a constituir a reserva legal, dentre eles: empreendimentos para abastecimento de água, para tratamento de esgoto, para reservatórios de água para geração de energia, para linhas de transmissão e subestações de energia, para instalação e ampliação de rodovias e ferrovias, e deu anistia a crimes ambientais, favorecendo aquele que desrespeitou a legislação que estava vigente à época. Sem dúvida, essas modificações, a médio e longo prazo poderão colocar em risco não somente o equilíbrio ambiental, como também o bem estar da população, principalmente daquela parcela desprovida dos mais diversos recursos, seja financeiro, de infraestrutura, dentre outros.
A sociedade espera que sejam criadas normas mais protetivas, bem como adotadas políticas públicas mais eficazes no tocante à questão ambiental, e que possam compensar o proprietário rural que respeita as leis ambientais, por meio de pagamento por serviços ambientais e não premiar aqueles que descumprem a legislação.
6 REFERÊNCIAS
AHRENS, S. Sobre a Reserva Legal: origens históricas e fundamentos técnico-conceituais. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL. São Paulo. Meio ambiente e acesso à justiça: "ora, reserva legal e APP. [São Paulo]: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2007.
BACHA, C.J.C. Eficácia da Política de Reserva Legal no Brasil. In: Workshop sobre Reserva Legal, Legislação, Uso Econômico e Importância Ambiental. Anais do 2º... ESALQ/USP. v. 13 n. 25. Piracicaba-SP, 2005.
BET, Vanderleia. Indenização da reserva legal. Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Comunitária da região de Chapecó -
Chapecó (SC), 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998.
______. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 10 jan. 2016.
______.Lei nº 9.605/98, Lei de crimes ambientais. Presidência da República, Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
______. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12651compilado.htm. Acesso em 03 mar. 2016.
______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em 20 fev. 2016.
CUNHA, Paulo Roberto. O Código Florestal e os processos de formulação do mecanismo de compensação da reserva legal (1996-2012): ambiente político e política ambiental. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, 2013. 255 f.
FONSECA, Jaquiel Robimson Hammes da. A exigência da manutenção da área de reserva legal na transformação da propriedade rural em urbana. Marília: Unimar, 2011, Dissertação de Mestrado em Direito – Curso de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2011. 165p. Disponível em: http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/646A6DD7696EF805910A23952CAE330C.pdf. Acesso em 20 mar. 2016.
OLIVEIRA, S.J.M.; BACHA, C.J.C. Avaliação do cumprimento da reserva legal no Brasil. Revista de Economia e Agronegócio, Viçosa, volume 1, nº 2, p. 177-203, Abr./Jun. de 2003.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros. 2009.
SIQUEIRA, Ciro Fernando Assis. NOGUEIRA, Jorge Madeira. O Novo Código Florestal e a Reserva Legal: do preservacionismo desumano ao conservacionismo politicamente correto. Disponível em: http://www.sober.org.br/palestra/12/08O387.pdf. Acesso em 20 jan. 2016.
[1] Microbacia hidrográfica pode ser entendida como a área geográfica de captação de água (de chuva), composta por pequenos canais de confluência e delimitada por divisores naturais, considerando-se a menor unidade territorial. Uma bacia hidrográfica – a área de drenagem de um rio com seus afluentes – é composta, portanto, por inúmeras microbacias. Disponível em:http://www.klickeducacao.com.br/bcoresp/bcoresp_mostra/0,6674,POR-969-7014,00.html. Acesso em 02 abr. 2014.
[2] Módulo Fiscal: unidade de medida agrária criada pela Lei 6746/79. A extensão é definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) por Instrução Especial, para cada município.
Mestre em ciências ambientais pela universidade federal fluminense. Graduada em direito pela universidade Salgado de Oliveira - Juiz de Fora - MG<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RINCO, Rosemay Martins. Reserva Legal à luz do Novo Código Florestal (lei federal nº 12.651/12) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46493/reserva-legal-a-luz-do-novo-codigo-florestal-lei-federal-no-12-651-12. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
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Por: Magalice Cruz de Oliveira
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