RESUMO: Este trabalho visa demonstrar que a função fiscalizatória desempenhada pelo Poder Legislativo, por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito, não viola o princípio da separação de poder, mais ainda, constitui importante instrumento de controle. Somando-se a isso, o presente trabalho visa expor o fundamental papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal no estabelecimento dos limites que devem ser observados no exercício da função investigatória parlamentar, trazendo, para tanto, o entendimento de diversos autores.
Palavras-chave: Separação de Poderes; Poder Legislativo; função fiscalizatória; limites; Supremo Tribunal Federal.
1. INTRODUÇÃO
O Poder Legislativo, objetivando executar a função fiscalizatória que lhe foi atribuída, instituiu as comissões parlamentares de inquérito, que encontram-se expressamente previstas no texto constitucional.
Em que pese tal previsão, a Constituição de 1988 não estabeleceu as diretrizes de desempenho da atividade fiscalizatória parlamentar. Diante dessa omissão, e das polêmicas levadas à julgamento, coube ao Supremo Tribunal Federal fixar as balizas e limites do poder investigatório das comissões de inquérito, com vistas em impedir invasão em outro Poder – Judiciário ou Executivo – pelo Poder Legislativo.
Portanto, fica claro que a Suprema Corte desempenha papel central nessa temática e que, respeitados os limites por ela definidos, não há que se falar em violação ao principio da separação de poderes; demonstrando, assim, a importância de se conhecer tais limites.
Nesse sentido, a origem, a evolução, as características, a finalidade, os limites impostos pelo Supremo Tribunal Federal e a importância das comissões de inquérito no desempenho da atividade fiscalizatória parlamentar, através de revisão bibliográfica, serão temas abaixo abordados.
2. SEPARAÇÃO DE PODERES
Alguns doutrinadores assinalam que as primeiras bases teóricas para a “tripartição de Poderes” surgiram na Antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra “Política”, no qual apontava a existência de três funções distintas exercidas pelo soberano, portanto, havia uma concentração do cumprimento das diversas funções na figura deste soberano.
Aristóteles, pois, contribuiu quando identificou as três funções estatais distintas, sendo todas elas eram desempenhadas por um único órgão, na pessoa do soberano.
Assim, seguindo uma sequência cronológica, doutrinadores atribuem a John Locke a teoria original da separação de Poderes do Estado, quando este sustentou, na obra “Two treatises of government”, surgida em 1960, os princípios de liberdade política da gloriosa revolução inglesa de 1688 e condenou o absolutismo real (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 992).
Muito tempo depois, a separação de poderes foi idealizada por Montesquieu, em sua obra “O espírito das leis”, onde inovou ao defender que essas três funções estariam estreitamente ligadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Portanto, a teoria de Montesquieu claramente contrapõe-se ao absolutismo, já que inexistiria a concentração das funções nas mãos do soberano, impulsionando diversos movimentos liberais. Montesquieu afirmou que o poder só pode ser limitado pelo próprio poder, ainda, disse que no Estado existem três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
Bem assim, Montesquieu contribuiu no sentido de, ultrapassando a ideia da divisão de funções, defender a recíproca limitação dos poderes, o que vincularia o exercício dos diferentes poderes à órgãos também distintos. Através dessa teoria tripartite[1] cada Poder exercia uma função típica, inerente à sua natureza, operando independente e autonomamente. Essa independência na realização das atividades estatais, por meio cada órgão, além de limitar o poder, deu originem ao que hoje se denomina “teoria dos freios e contrapesos”.
Nesse passo, a evolução da doutrina da separação de poderes do Estado redesenhou significativamente a teoria originalmente proposta por Montesquieu. Com vistas na criação e manutenção de certo equilíbrio entre os três Poderes; o equilíbrio natural, conferido por rigorosa e excludente separação de Poderes desempenhados pelos três diferentes órgãos, foi sendo substituído por uma complexa interação entre esses Poderes, em que todos desempenham preponderantemente sua função e de maneira secundária, as funções exercidas pelos outros órgãos.
Desse modo, a teoria nos moldes propostos por Montesquieu foi adotada por quase todos os Estados modernos, especificamente pelo Brasil, mas de forma abrandada, já que o contexto mais recente exige que os Poderes sejam diretamente interligados, o que se contrapõe com a separação pura e absoluta da teoria exposta por Montesquieu.
Todas as Constituições brasileiras adotaram o princípio da separação de poderes como um axioma fundamental, imprescindível à existência e manutenção de um Estado preocupado com os direitos fundamentais. A Constituição vigente garante a separação de poderes para a União (arts. 25 a 28), nos Estados (art. 125) e indica que o município tem dois poderes distintos (arts. 29 e 155). Mais do que isso, a separação de poderes encontra-se amplamente consagrada no texto constitucional de 1988 e a insere no rol das cláusulas pétreas (art. 4º, III).
Entretanto, como acima exposto, diante do próprio texto da Constituição de 1988 é imperioso afirmar que o exercício dos diferentes Poderes não se implementa de maneira isolada, já que além das funções típicas (predominantes), inerentes à natureza de cada órgão, este também exerce outras duas funções de maneira atípica, que, por sua vez, uma delas será típica para um dos outros dois órgãos.
Ainda, é forçoso expor a lição de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2001, p. 08/09):
Não se afigura mais possível falar em “tripartição de funções”. Esta quantificação se justifica apenas diante da separação orgânica das funções judiciárias, legislativas e administrativas, titularizadas por três “poderes”. Entretanto, a partir da possibilidade de que cada qual destes poderes exerça mais de uma única função, não há razão para dizer que elas se resumem a três. Tome-se, por exemplo, o Poder Legislativo, que tem por funções típicas a legislação e a fiscalização. Sá a partir deste exemplo já seria possível dizer que há quatro funções essenciais num Estado Democrático de Direito: a legislativa, a fiscalizatória, a judiciária e a executiva.
Nota-se, pois, que o exercício atípico das outras funções que àquele órgão não é inerente, não afronta o princípio da separação de poderes, já que tal exercício foi previsto pelo poder constituinte originário.
No contexto brasileiro, esse sistema de controle mútuo é materializado, exemplificativamente, pelo poder típico que tem o Legislativo de legislar e de fiscalização contábil, financeira e orçamentária e patrimonial do Executivo, além disso, atipicamente, exerce função de natureza executiva ao dispor sobre sua organização, provendo cargos, concedendo férias, licenças a servidores etc., ainda, atipicamente também exerce função de natureza jurisdicional, quando o Senado julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF.).
Finalmente, diante dos riscos intrínsecos à concentração dos poderes do Estado, a teoria da separação de poderes é caracterizada como mecanismo institucional central no sentido de assegurar os direitos individuais e garantir o necessário exercício de controles sobre o Estado.
3. COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO
3.1 Poder Legislativo: função fiscalizatória e Comissões Parlamentares de Inquérito
As comissões parlamentares de inquérito estão inseridas no exercício de uma das funções típicas do Poder Legislativo, qual seja fiscalizar o Executivo, para tanto, a estas comissões são conferidos poderes capazes de realizar tal atividade de maneira efetiva. Portanto, a função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo, tendo a Comissão Parlamentar de Inquérito como um dos seus instrumentos, consagra a perspectiva dos “freios e contrapesos”, abalizada na Constituição de 1988.
A própria Constituição Federal afirma, em seu art. 70, a função de investigação do Congresso Nacional:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo controle interno de cada Poder.
Nessa esteira, é imperioso transcrever o entendimento de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2001, p. 57):
Algumas funções congressuais são orientadas para a verificação da pertinência de certas atuações com a Constituição ou com as leis de regência. É assim quando o Congresso examina as contas da Presidência da República e aprecia os relatórios sobre a execução dos planos de governo (art. 49, IX), convoca Ministros para informar as atividades de suas pastas (art. 50) ou, com o auxílio do Tribunal de Contas, procede à fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da União e de suas entidades da administração direta e indireta (art. 70 e seguintes). Estas são atividades de controle. Por vezes, entretanto, há necessidade de um especial processo de obtenção de informações, a ser deliberado pelo Congresso e suas casas, sobre fatos que não são ordinariamente submetidos ao exame congressual, podendo ensejar a identificação de responsabilidades. Estas são atividades de investigação. O termo “fiscalização”, portanto, é genérico.
Conclui-se, pois, que a função típica do Poder Legislativo de fiscalizar compreende a atividade de controle e investigação.
3.2 Origem e legislação
A doutrina não é unânime quanto ao marco de surgimento das comissões parlamentares de inquérito.
Autores, como Hely Lopes Meirelles, apontam que o surgimento do instituto da comissão parlamentar de inquérito ocorreu no século XVII, quando o Parlamento Inglês, em 1969, a primeira e histórica “Select Commitee”.
Nesse mesmo sentido aponta Manoel Jorge e Silva Neto, na sua obra “Curso de Direito Constitucional” (2006, p. 280): “Foram criadas na Inglaterra, no século XVII, pela Câmara dos Comuns, na forma de órgãos compostos de um reduzido número de deputados (select commitees). No Brasil foram inicialmente positivadas no art. 36 da Constituição de 1934”.
Bem assim, para a maior parte da doutrina, a comissão parlamentar tem origem no século XVII, na Inglaterra, mais especificamente no caso concreto referente à investigação do Coronel Loundy (1689), relativa à atuação deste coronel durante a guerra da Irlanda, vale destacar que outros autores defendem diferentes marcos históricos de surgimento de tal instituto de investigação.
No panorama brasileiro, as Constituições de 1824 e 1891 silenciaram a respeito das funções de investigação do Poder Legislativo, entretanto, a história revela que nesse período foram realizadas investigações pelo Legislativo por meio das Comissões de Inquérito (CUNHA JÚNIOR, p. 1008/1009).
A Constituição brasileira de 1934, por sua vez, expressamente disciplinou tais comissões (art. 36). Em sentido contrário, a Constituição de 1937, por ser autoritária e concentradora do poder, às comissões de inquérito não fez referência.
Posteriormente, a disciplina constitucional dessas comissões foi retomada com a Constituição de 1946 (art. 53) e a Constituição de 1967 (art. 39). A Emenda Constitucional nº. 01/1969 criou uma limitação quanto ao número de comissões que poderiam funcionar ao mesmo tempo (art. 30, parágrafo único, “d”).
No que tange à legislação ordinária, em 1952, foi editada a Lei nº. 1.579, complementada pela Lei nº. 4.595, para regulamentar o art. 40 da então vigente constituição de 1946, tais normas concederam às comissões parlamentares papel de destaque, pondo fim com as divergências em torno da necessidade ou não de edição de lei específica autorizadora da instalação da CPI.
Neste passo, a Lei nº. 1.579/1952 disciplina o procedimento que deve ser obedecido para a regularidade da CPI, estabelece os poderes conferidos à tal Comissão, tipificar as condutas que afrontarem aos seus fins, além de prever a obrigatoriedade de apresentação de relatório final.
Em que pese a lei em comento ter solucionado algumas divergências, novas polêmicas surgiram com a sua edição, parcela da doutrina questionou a sua recepção pela Constituição de 1988. Atualmente, o entendimento que prevalece é o de que a Lei nº 1.579/1952 foi recepcionada, entretanto, alguns dos seus dispositivos foram afastados. Portanto, parte dessa lei foi recepcionada pelas Constituições posteriores ao seu advento e continua sendo uma referência infraconstitucional sobre o tema.
Vejamos a redação da Constituição vigente no que tange às comissões parlamentares de inquérito, art. 58, § 3º, CF/88:
Art. 58. § 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Além da supramencionada previsão constitucional, as comissões parlamentares também deverão observar os regimentos das casas legislativas federais, conforme autoriza o caput do art. 58, CF/88: "O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”.
Note-se que, o Regimento Interno do Senado Federal, por exemplo, no art. 145, disciplina o processo de criação da comissão de inquérito, determinando que o requerimento de criação deste tipo de comissão contenha o fato determinado a ser apurado, o número de seus membros, o prazo de duração e o limite das despesas a serem realizadas pela comissão. Ainda, limita o número de CPIs que cada Senador poderá integrar a duas, sendo em uma como titular, e na outra como suplente. O número de suplentes é fixado em número igual à metade do número dos titulares mais um.
Ainda no Regimento Interno do Senado, o art. 148 explicita os poderes das CPIs: poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, facultada a realização de diligências; a convocação de ministros de Estado; a tomada de depoimento de qualquer autoridade; a inquirição de testemunhas, sob compromisso; a oitiva de indiciados; a requisição de informações ou documentos a outros órgãos públicos; a requisição ao Tribunal de Contas da União da realização de inspeções e auditorias.
Em suma, as regras sobre esse tipo de comissão estão disciplinadas no art. 58, § 3º, da CF/88; na Lei nº. 1.579/1952; na Lei nº. 10.001/2000; na LC nº. 105/20001, e nos Regimentos Internos das Casas.
Pode-se concluir, então, que diante do papel cada vez mais central desempenhado pelas comissões parlamentares desde a sua origem, esta ganhou importância e amplos poderes. Bem assim, a Constituição Federal de 1988 inovou ao equiparar os poderes de investigação das comissões de inquérito aos poderes próprios das autoridades judiciais, além de exigir o encaminhamento, sendo o caso, das conclusões das investigações para o órgão do Ministério Público.
Finalmente, com seus amplos poderes, próprios de investigação das autoridades judiciais, as comissões parlamentares de inquérito têm auxiliado significamente no exercício das atividades de cunho fiscalizatórios e de representação do Parlamento.
3.3 Conceito, requisitos para criação e finalidade
As comissões parlamentares de inquérito são órgãos que instauram procedimento administrativo de feição política, de cunho meramente investigatório, semelhante ao inquérito policial e ao inquérito civil público. Diferem-se destes, no entanto, não só em virtude dos poderes de investigação de que são dotados seus membros, equiparados aos poderes de investigação dos juízes, como também pelo fato de as comissões parlamentares de inquérito não assumirem, obrigatoriamente, natureza preparatória de ações judiciais. Não se destinam a apurar crimes nem a puni-los, o que é da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se no curso de uma investigação, o Poder Legislativo, por meio dessas comissões, deparar-se com fato criminoso, ele dará ciência ao Ministério Público, para fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo como qualquer do povo.
As comissões parlamentares de inquérito não são dotadas de poderes gerais de investigação. Só podem investigar fatos precisos e determinados, mesmo que relacionados a particulares, porém desde que sejam de interesse público. Esses fatos específicos podem ter qualquer natureza, inclusive criminosa, independentemente de quem esteja envolvido.
É imperioso destacar um trecho da obra do ilustre autor José Afonso da Silva acerca do tema (2008, p. 515/516):
Comissões parlamentares de inquérito são organismos que desempenharam e desempenham papel de grande relevância na fiscalização e controle da Administração, mas que tiveram sua organização e suas tarefas consideravelmente tolhidas no regime da Constituição revogada. Era esta uma de suas marcas autoritárias. Foram bastante prestigiadas pela Constituição vigente, a ponto de receber poderes de investigação próprios nos regimentos das respectivas Casas. Não há limitação à sua criação. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, em conjunto ou separadamente, poderão criar tantas comissões parlamentares de inquérito quantas julgarem necessárias.
Para Dirley da Cunha (2011, 1009/1010), as comissões parlamentares de inquérito podem ser conceituadas como:
Comissões temporárias que podem ser criadas no âmbito do Congresso Nacional (mistas) ou em cada uma das Casas Legislativas, com o objetivo específico de investigar fato ou fatos determinados, para apuração de responsabilidades, por período certo. São órgãos que instauram um procedimento administrativo de feição política, de cunho meramente investigatório, semelhante ao inquérito policial e ao inquérito civil público.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves trata dessa matéria com precisão (2011, P.41):
São investigações que atendem a razões inerentes ao poder de representação parlamentar, não haurindo sua legitimidade da pertinência com futuras medidas processuais ou legislativas. O preço, entretanto, dessa prerrogativa, é que não possuem as CPIs qualquer instrumental jurídico que lhes permita fazer valer, por seus próprios meios, suas conclusões. Não podem eles acusar, processar, desfazer atos, responsabilizar ou julgar. Podem tão somente investigar e enviar suas conclusões para que outras instituições, aí sim, com diversa finalidade, adotem as providências cabíveis.
Portanto, estabelecido o conceito da comissão parlamento de inquérito, é imperioso conhecer mais detalhadamente seu método de criação. Como já apontado anteriormente, de acordo com o art. 58, § 3º, CF/88, as CPIs serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros.
Ademais, para a sua criação, as comissões de inquérito deverão obedecer três requisitos indispensáveis, quais sejam: requerimento subscrito por, no mínimo, um terço de Parlamentares; indicação, com precisão, de fato determinado a ser apurado na investigação parlamentar e indicação de prazo certo (temporariedade) para o desenvolvimento dos trabalhos.
Em relação ao requisito temporal da comissão parlamentar, por ser temporária, o art. 76 do Regimento Interno do Senado Federal prescreve que se extingue pela conclusão de sua tarefa, ou ao término do respectivo prazo, e ao término da sessão legislativa ordinária.
Nesse sentido, vale expor as considerações de Dirley da Cunha (2011, p. 1012):
As investigações que entabulam não podem se alongar no tempo indeterminadamente, devendo ser realizadas a termo certo, desde que já indicado quando da sua criação. Embora a Constituição não diga, é razoável sustentar-se que essas Comissões não podem durar para além da legislatura. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados fixa esse prazo em cento e vinte dias, prorrogável por até metade. (...) Já o Regimento Interno do Senado não estabeleceu um prazo máximo, possibilitando que o requerimento de criação da CPI determinasse o prazo de sua duração, que pode ser prorrogado, estando apenas limitada essa possibilidade de prorrogações à legislatura em que criada a Comissão. Evidentemente que a contínua prorrogação desse prazo, ainda que dentro da mesma legislatura, não se coaduna com o requisito constitucional do prazo certo.
Já em relação à “fato determinado”, merece destaque trecho do julgamento no âmbito da Suprema Corte:
Escusaria advertir que, se se perde CPI na investigação de fatos outros que não o determinado como seu objeto formal, configuram-se-lhe desvio e esvaziamento de finalidade, os quais inutilizam o trabalho desenvolvido, afrontando a destinação constitucional, que é a de servir de instrumento poderoso do Parlamento no exercício da alta função política de fiscalização. Nenhum parlamentar pode, sem descumprimento de dever de ofício, consentir no desvirtuamento do propósito que haja norteado a criação de CPI e na conseqüente ineficácia de suas atividades. (MS 25.885-MC, rel. min. Cezar Peluso, decisão monocrática, julgamento em 16-3-2006, DJ de 24-3-2006.) No mesmo sentido: MS 28.398-MC, rel. min. Ayres Britto, decisão monocrática, julgamento em 29-10-2009, DJE de 9-11-2009.
Ainda, de acordo com o art. 35, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, considera-se fato determinado como o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão, não podendo, portanto, essa comissão ser instaurada para apurar fato exclusivamente privado ou de caráter pessoal.
O art. 146 do Regimento Interno do Senado Federal exclui do alcance das comissões de inquérito matérias pertinentes à: Câmara dos Deputados, atribuições do Poder Judiciário e aos Estados.
Ainda, diante de um mesmo fato, pode ser criado esse tipo de comissão na Câmara dos Deputados e também no Senado Federal, ou, ainda, a investigação poderá ser conduzida pelo Judiciário, por outros órgãos ou, até, por comissões parlamentares nos outros entes federativos, se houver interesse comum, devendo cada qual atuar nos limites de sua competência. Além disso, é possível a instauração comissões parlamentares de inquérito simultâneas dentro de uma mesma Casa, sendo que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 35, §4º, estabeleceu o limite de cinco dessas comissões simultâneas.
Quanto à finalidade das comissões parlamentares de inquérito, diante do quanto exposto, pode-se afirmar que elas desempenham um papel de fiscalização e controle da Administração, portanto, executam função típica do Poder Legislativo. Como aponta Manoel Jorge (2006, p. 280), “desde o seu surgimento se caracterizam como órgãos de controle do executivo”.
Esse formato de comissão, portanto, corresponde ao papel de órgão fiscalizador da Administração Pública Federal e do Poder Público, tendo suas prerrogativas dadas pela própria Constituição. Mais ainda, alguns doutrinadores, como o professor Alexandre de Moraes, defendem que esse poder de fiscalização possui uma importância igual ao poder de elaborar normas, o que demonstra o papel fundamental desempenhado pelas comissões de inquérito para no exercício das funções inerentes ao Poder Legislativo.
4. LIMITAÇÃO DOS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
4.1 Noções Introdutórias
Na estrutura organizacional do Estado, restou à instituição legislativa a fiscalização política e administrativa dos atos da Administração, cabendo, pois, às comissões parlamentares de inquérito tal atividade estritamente investigatória, a fim de “apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação” (art. 1º, caput, da Lei 1.579/1952), que, para isso, pode, consoante o art. 2º da referida lei:
Art. 2º. (...) determinar as diligências que reportarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.
Como acima exposto, a Constituição de 1988 estabelece que as comissões parlamentares de inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das Casas Legislativas. Assim, realizam verdadeira investigação, materializada no inquérito parlamentar.
Sabe-se, no entanto, que na ordem jurídica não há poderes ilimitados, já que, onde a Constituição outorga competência ou atribuição, o faz sempre, atrelando-se a determinadas finalidades, confiando, a integrantes dos poderes da República, a persecução dos interesses da coletividade.
Compreende-se que a definição dos poderes de investigação estabelecida pela Constituição Federal de 1988 para as CPIs, como aqueles “próprios de autoridades judiciais”, deve ser analisada com cautela, pois tais poderes não outorgam a essas comissões qualquer competência para praticar atos jurisdicionais, função própria e exclusiva do Judiciário, como adiante será tratado (Reserva constitucional de jurisdição) (AGUIAR, 2012). A invasão dessa competência constitui um atentado ao princípio da separação de poderes, conforme nos ensina a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Nenhum outro Poder da República poderá desempenhar idênticas atribuições, porque existem assuntos em que os tribunais hão de ter não somente a última palavra, mas logo a primeira palavra. Eis aí o monopólio do juiz, que impede que a autoridades administrativas, legislativas, bem como aquelas que têm ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’, pratiquem atos afetos à esfera de competência material da magistratura (STF - MS n. 23.452/RJ. Relator: Min. Celso de Mello. DJ: 12/05/2000 p. 0020)
A partir dessa ideia de poderes limitados, ajustados ao Estado Democrático de Direito, compreende-se falar, portanto, em uma adequada concepção das comissões de inquérito, onde seus limites estão fixados na separação de poderes, bem como no regime jurídico dos direitos fundamentais. Por isso que as investigações parlamentares de inquérito são manifestações de poder vinculadas às finalidades constitucionais do parlamento, das quais, uma vez se desviem, tornam-se inconstitucionais. Por isso que os poderes dessas comissões, ainda que se invoque a importante busca da moralização de nossas instituições, não podem ser compreendidos como absolutos (SCHIER, 2005).
Nessa esteira, posicionou-se o Ministro Eros Grau (STF, 2006):
Os poderes de investigação atribuídos às CPIs devem ser exercidos nos termos da legalidade. A observância da legalidade é fundamental não apenas à garantia das liberdades individuais – mas à própria integridade das funções – função como dever-poder – das CPIs. Essas não detêm simples poder de investigar; antes, estão vinculadas pelo dever de fazê-lo, e de fazê-lo dentro dos parâmetros de legalidade. Vale dizer, a ordem jurídica atribui às CPIs o dever de investigar, sem contudo exceder as margens da legalidade. Em nenhum momento se justifica a afronta a ela, seja pelos investigados, seja por quem investiga. (MS 25.908, rel. min. Eros Grau, decisão monocrática, julgamento em 27-3-2006, DJ de 31-3-2006.)
Diante de algumas lacunas legislativas e da importância da matéria, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se posicionar acerca dos limites do poder investigatório conferido às comissões parlamentares de inquérito, como abaixo será demonstrado.
4.2 Quebra de sigilos: fiscal, bancário e de dados
Em razão dos poderes instrutórios conferidos às comissões parlamentares de inquérito, semelhantes aos juízos de instrução, a redação do art. 2º, da Lei 1.579/1952, como já explicitado, preleciona que, no exercício de suas atribuições, poderão as CPIs determinar as diligências que reportarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais e municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.
Na lição de Alexandre de Moraes (2002, p. 385/386):
As Comissões Parlamentares de Inquérito, portanto e em regra, terão os mesmo (sic!) poderes instrutórios que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, inclusive com a possibilidade de invasão das liberdades públicas individuais, mas deverão exercê-los dentro dos mesmos limites constitucionais impostos ao Poder Judiciário, seja em relação ao respeito aos direitos fundamentais, seja em relação à necessária fundamentação e publicidade de seus atos, seja, ainda, na necessidade de resguardo de informações confidenciais, impedindo que as investigações sejam realizadas com a finalidade de perseguição política ou de aumentar o prestígio pessoal dos investigadores, humilhando os investigados e devassando desnecessária e arbitrariamente suas intimidades e vidas privadas.
Neste passo, consoante já decidiu o STF, a comissão parlamentar de inquérito pode, por autoridade própria, ou seja, sem a necessidade de qualquer intervenção judicial, sempre por decisão fundamentada e motivada, respeitadas todas as formalidades legais, determinar a quebra dos sigilos: fiscal, bancário e de dados (com destaque para o sigilo de dados telefônicos).
Nesse sentido discorre Manoel Jorge (2006, p. 284):
Contudo, se o tem em questão se relaciona à quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, a jurisprudência do STF tem convergido para o entendimento de que a determinação será válida se houver fundamentação, e se atender-se ao princípio da colegialidade, ou seja, a circunstância de a decisão promanada de CPI ter sido legitimada por voto da maioria absoluta dos seus membros.
Quanto ao citado “princípio da colegialidade”, merece ênfase o entendimento do Ministro Celso de Mello (STF, 2006):
O princípio da colegialidade traduz diretriz de fundamental importância na regência das deliberações tomadas por qualquer comissão parlamentar de inquérito, notadamente quando esta, no desempenho de sua competência investigatória, ordena a adoção de medidas restritivas de direitos, como aquela que importa na revelação das operações financeiras ativas e passivas de qualquer pessoa. O necessário respeito ao postulado da colegialidade qualifica-se como pressuposto de validade e de legitimidade das deliberações parlamentares, especialmente quando estas – adotadas no âmbito de comissão parlamentar de inquérito – implicam ruptura, sempre excepcional, da esfera de intimidade das pessoas. A quebra do sigilo bancário, que compreende a ruptura da esfera de intimidade financeira da pessoa, quando determinada por ato de qualquer comissão parlamentar de inquérito, depende, para revestir-se de validade jurídica, da aprovação da maioria absoluta dos membros que compõem o órgão de investigação legislativa (Lei n. 4.595/64, art. 38, § 4º). (MS 23.669-MC, decisão monocrática, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-4-2000, DJ de 17-4-2000.) No mesmo sentido: MS 24.817-MC, decisão monocrática, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 6-4-2004, DJ de14-4-2004.
Pois bem, antes de discorrer sobre cada um desses poderes das CPIs, um ponto merece destaque, vejamos.
Quanto à decisão que determina a quebra do sigilo, sua fundamentação é de vital importância e esta regra deve ser indistintamente obedecida. O STF entende que esta comissão parlamentar, ao exercer a competência investigatória prevista na Carta Magna, está sujeita às mesmas limitações constitucionais que incidem sobre as autoridades judiciárias, devendo, dessa forma, fundamentar as suas decisões (CF, art. 93, IX), como se extrai do julgamento da Suprema Corte (STF, 2006):
A jurisprudência firmada pela Corte, ao propósito do alcance da norma prevista no art. 58, § 3º, da Constituição Federal, já reconheceu a qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito o poder de decretar quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, desde que o faça em ato devidamente fundamentado, relativo a fatos que, servindo de indício de atividade ilícita ou irregular, revelem a existência de causa provável, apta a legitimar a medida, que guarda manifestíssimo caráter excepcional (MS n. 23.452-RJ, Rel. Min. Celso de Mello; MS n. 23.466-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MS n. 23.619-DF, Rel. Min. Octavio Gallotti; MS n. 23.639-DF, Rel. Min. Celso de Mello; etc.). Não é lícito, pois, a nenhuma delas, como o não é sequer aos juízes mesmos (CF, art. 93, IX), afastar-se dos requisitos constitucionais que resguardam o direito humano fundamental de se opor ao arbítrio do Estado, o qual a ordem jurídica civilizada não autoriza a, sem graves razões, cuja declaração as torne suscetíveis de controle jurisdicional, devassar registros sigilosos alheios, inerentes à esfera da vida privada e da intimidade pessoal." (MS 25.966-MC, rel. min. Cezar Peluso, decisão monocrática, julgamento em 17-5-2006, DJ de 22-5-2006.)
Consoante acima demonstrado, o Supremo Tribunal Federal fixou orientação no sentido de que os sigilos bancário, fiscal e telefônico, mesmo representando projeções específicas do direito à intimidade, não se revelam oponíveis à comissão em foco, já que o ato que decreta a sua criação constitui poder inerente à competência dos órgãos de investigação parlamentar.
No que tange à quebra do sigilo de dados, a comissão de inquérito não tem atribuição para quebra do sigilo da comunicação telefônica (interceptação telefônica), no entanto, pode requerer a quebra de registros telefônicos pretéritos, ou seja, com quem o investigado falou durante determinado período pretérito. Nesse sentido, posicionou-se o Ministro Celso de Mello:
A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar. As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV). (STF -MS 23.452-1/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DF: 16/09/1999. Precedente citado: MS 23.454, de 19/08/1999).
Ainda, ressalvando os limites abaixo tratados, podem as comissões parlamentares de inquérito, no exercício das atividades de investigação, exercer todos os poderes investigatórios dos juízes, tendo, pois, o direito de:
a) Ouvir testemunhas, que estão sujeitas à condução coercitiva - as testemunhas prestarão compromisso de dizer a verdade, sob pena de falso testemunho. A elas também é assegurada a prerrogativa contra a autoincriminação, garantindo-se o direito ao silêncio, ou quando deva guardar o sigilo, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, a menos que, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (arts. 207 do CPP e 406, II do CPC);
b) Ouvir investigados ou indiciados: a comissão parlamentar, contudo, deverá respeitar, como dito, o direito ao silêncio do investigado ou indiciado, que poderá deixar de responder às perguntas que possam incriminá-lo.
Vale destacar o entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence:
Não importa que a CPI - que tem poderes de instrução, mas nenhum poder de processar nem de julgar - a rigor não haja acusados: a garantia contra a autoincriminação se estende a qualquer indagação por autoridade pública de cuja resposta possa advir a imputação ao declarante da prática de crime, ainda que em procedimento e foro diversos (STF, Pleno, HC nº. 79.244/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23/02/2000, DJ 24/03/2000).
Entretanto, a Constituição, ao estender esses poderes, também estendeu os deveres correlatos, de modo que os requisitos de forma, necessidade e utilidade de quaisquer medidas devem ser satisfeitos pelas CPIs, sob pena de serem as medidas adotadas declaradas nulas pelo Judiciário, a quem cabe, sempre e sempre, o controle posterior delas (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 1015).
4.3 Limites do poder investigatório parlamentar e o postulado de reserva constitucional de jurisdição
Muito embora o constituinte originário tenha atribuído poderes às comissões parlamentares de inquérito, restritos à investigação, referidos poderes não são absolutos, pelos motivos anteriormente tratados, devendo sempre ser respeitado o postulado da reserva constitucional de jurisdição.
Conforme definiu o Ministro Celso de Mello (STF, 2006):
A Constituição da República, ao outorgar às comissões parlamentares de inquérito “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, § 3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes, como o poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a pessoas sujeitas à investigação parlamentar. A circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal a advertir que as comissões parlamentares de inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. Paulo Brossard), nem desrespeitar o privilégio contra a autoincriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. Celso de Mello – HC 79.244-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. Celso de Mello – RDA 199/205, Rel. Min. Paulo Brossard). (MS 23.452, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1994, Plenário, DJ de 12-5-2000).
Bem assim, algumas medidas probatórias autorizadas aos magistrados penais não são extensíveis às comissões de inquérito, seria o caso, por exemplo, da busca domiciliar, da interceptação telefônica em sentido próprio (escuta) e a decretação de prisão de qualquer pessoa (salvo em flagrante delito), dentre outros, como abaixo será demonstrado.
Ressalta-se, o princípio constitucional de reserva de jurisdição não se estende ao tema de quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição, assiste competência à comissão parlamentar de inquérito, para decretar, sempre em ato obrigatoriamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas.
Ainda, não é dado a uma CPI querer controlar a regularidade ou a legalidade de atos jurisdicionais, obrigando magistrado a dar, além daquelas que constam dos autos do processo judicial, outras razões de sua prática, ou a revelar as cobertas por segredo de justiça, sob pena de violação frontal ao princípio da separação e independência dos poderes (BRASILEIRO, 2012, p. 204).
Dessa maneira, a comissão parlamentar não poderá praticar determinados atos de jurisdição destinados exclusivamente ao Poder Judiciário, em outros termos, atos propriamente jurisdicionais reservados à primeira e última palavra dos magistrados, não podendo esta comissão neles adentrar, destacando-se a impossibilidade de diligência de busca domiciliar, consoante entendimento abaixo transcrito:
As Comissões Parlamentares de Inquérito não podem determinar a busca e apreensão domiciliar, por se tratar de ato sujeito ao princípio constitucional da reserva de jurisdição, ou seja, ato cuja prática a CF atribui com exclusividade aos membros do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XI: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;"). Com base nesse entendimento, o Tribunal deferiu mandado de segurança contra ato da CPI do Narcotráfico que ordenara a busca e apreensão de documentos e computadores na residência e no escritório de advocacia do impetrante - para efeito da garantia do art. 5º, XI, da CF, o conceito de casa abrange o local reservado ao exercício de atividade profissional -, para determinar a imediata devolução dos bens apreendidos, declarando ineficaz a eventual prova decorrente dessa apreensão. Ponderou-se, ainda, que o fato de ter havido autorização judicial para a perícia dos equipamentos apreendidos não afasta a ineficácia de tais provas, devido à ilegalidade da prévia apreensão. Precedente citado: MS 23.452-RJ (DJU de 12.5.2000, v. Transcrições dos Informativos 151 e 163. MS 23.642-DF, rel. Min. Néri da Silveira, 29.11.2000. (MS-23642)
Evidencia-se também a vedação de ordem de prisão oriunda dos membros das comissões em foco, salvo no caso de flagrante delito, a exemplo da prática do crime de falso testemunho.
Dentro desse rol de impossibilidades, mais especificamente, a comissão parlamentar de inquérito não tem atribuição para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução, e a Constituição Federal só autoriza essas comissões a exercerem os poderes de investigação das autoridades judiciais, não as medidas cautelares de incumbência destas, muito menos outras que importem em processar e julgar (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 1014), consoante entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence (STF, 2006):
Incompetência da Comissão Parlamentar de Inquérito para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução – a cujo âmbito se restringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3º – mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente para proferi-la. Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de CPI – porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda outras garantias constitucionais –, há de ser adequadamente fundamentada: aplicação no exercício pela CPI dos poderes instrutórios das autoridades judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da Constituição da República. (MS 23.466, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 4-5-2000, Plenário, DJ de 6-4-01). No mesmo sentido: MS 23.471, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 10-11-1999, Plenário, DJ de 10-8-2000.
Somando-se ao acima exposto, vale destacar, também, trecho de mais um julgamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal:
Entendimento do STF segundo o qual as CPI'S não podem decretar bloqueios de bens, prisões preventivas e buscas e apreensões de documentos de pessoas físicas ou jurídicas, sem ordem judicial. Precedentes. Mandado de segurança deferido, de acordo com a jurisprudência do STF, para anular o ato da CPI, que decretou a indisponibilidade dos bens do impetrante, explicitando-se, porém, que os bens do requerente continuarão sujeitos à indisponibilidade antes decretada pelo Juiz Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo, em ação civil pública, sobre a matéria. (MS 23.455, rel. min. Néri da Silveira, julgamento em 24-11-1999, Plenário, DJ de 7-12-2000.)
Portanto, a limitação material dos poderes das comissões parlamentares de inquérito não corresponde tão somente a um freio à atuação parlamentar, como afirmam alguns doutrinadores, e tampouco é resultado de simples distribuição de funções na divisão dos poderes. Mais do que isso, essa limitação é a garantia instituída pelo ordenamento jurídico para a proteção das liberdades públicas e dos direitos fundamentais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os questionamentos acerca dos poderes conferidos ao Poder Legislativo na execução da sua função fiscalizatória, através das comissões parlamentares de inquérito, tem sido tema comum no ordenamento jurídico pátrio.
Diante do quanto exposto sobre as comissões de inquérito, quanto a origem, a evolução, as características, a finalidade, os limites impostos pelo Supremo Tribunal Federal e a importância desta, pode-se afirmar que o desempenho da função fiscalizatória parlamentar, por ser função típica do Poder Legislativo, não viola o princípio da separação de poderes, já que a própria Constituição Federal de 1988 prevê tal atividade a ser exercida pelo poder parlamentar.
Em pese a incontestável legitimidade das Comissões Parlamentares no exercício da função fiscalizatória, a Carta Magna não estabeleceu os limites e diretrizes de desempenho dessa atividade. Diante de tal silêncio constitucional e da necessidade de delimitar o campo de atuação fiscalizatória parlamentar, o Supremo Tribunal Federal, apreciando questões polêmicas envolvendo o tema, fixou balizas tendo como fundamento o respeito ao princípio da separação de poderes.
Finalmente, as comissões parlamentares de inquérito representam importante papel no controle do Poder Público, desde que observados todos os limites impostos pela Suprema Corte, e acima tratados.
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[1] Alguns doutrinadores utilizam a expressão “tripartição de Poderes”, o que é criticado por outra parcela doutrinária, estes atribuem a impropriedade da expressão ao fato de que o poder é uno e indivisível, é um só, manifesta-se, entretanto, através de órgãos que exercem funções.
Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia (2012). Pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (2013).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Renata Visco Costa de. Separação de poderes, limites investigatórios das comissões parlamentares de inquérito e o Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46549/separacao-de-poderes-limites-investigatorios-das-comissoes-parlamentares-de-inquerito-e-o-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 21 nov 2024.
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