Resumo: Aborda-se a necessidade de demonstração de omissões específicas do Estado na prestação de seus serviços como requisito para responsabilizá-lo civilmente por danos daí advindos a terceiros. Para tanto, imperioso comprovar-se que o Estado desatendeu a um dever legal de agir, que tanto pode se expresso quanto implícito ou presumido.
Palavras-chave: Reponsabilidade civil do Estado. Teoria da responsabilidade objetiva. Teoria da responsabilidade subjetiva. Omissão específica. Dever legal de agir. Dever de indenizar terceiros.
Introdução
O presente artigo se presta a tecer breves apontamentos sobre o entendimento doutrinário e jurisprudencial corrente a respeito da necessidade de comprovação do “dever legal de agir” para fins de responsabilização civil patrimonial do Estado por suas condutas omissivas que geram danos a terceiros. Com este intuito, far-se-á breves considerações iniciais sobre as principais modalidades e teorias de responsabilização civil existentes, para, em seguida, enfrentar-se à problemática propriamente dita, trazendo à baila posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais recentes a respeito, sem pretensões de esgotamento de tão complexo tema.
Desenvolvimento
1. Teorias aplicáveis à modalidade objetiva de responsabilização: Risco Administrativo e Risco Integral
A depender da teoria que seja adotada, pode-se admitir ou não causas excludentes da responsabilidade objetiva do Estado por atos comissivos (ações). Existem duas principais teorias invocadas pela maior parte da doutrina e jurisprudência para esta análise: a do Risco Administrativo, que admite algumas hipóteses de exclusão de responsabilidade, e a do Risco Integral, que rejeita esta possibilidade. Esta última é, pois, mais rigorosa para o Estado, e, de outra bandam mais vantajosa a eventuais vítimas de danos.
De acordo com a Teoria o Risco Administrativo, o Estado pode eximir-se do dever de indenizar quando o dano adveio da ocorrência de força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, sendo adotada como regra pelo ordenamento brasileiro.
Caso se adote a Teoria do Risco Integral, não se admitem tais excludentes de responsabilidade. Deste modo, ainda que o Estado comprove que o evento decorreu de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, não será passível de condenação indenizatória.
É certo que, excepcionalmente, a doutrina tem admitido e a jurisprudência tem aplicado a Teoria do Risco Integral no Direito brasileiro para alguns casos especiais. Dentre esses, pode-se citar: acidentes de trabalho (infortunística), indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT), atentados terroristas em aeronaves, dano ambiental, dano nuclear.
Imperioso, por fim, fazer-se uma ponderação quanto às hipóteses de culpa concorrente (concausas do evento danoso), em que naturalmente tanto o Estado como o terceiro arcarão com o prejuízo na medida de sua culpabilidade na ocorrência do evento de dano. Assim, como há de se aferir o grau de culpa das partes envolvidas no fato, a doutrina, em sua expressiva maioria, aduz que se deve proceder com a aferição das responsabilidades à luz da teoria subjetiva. Nesse sentido, a culpa concorrente não se tornaria um fator excludente da responsabilidade, mas tão somente mitigadora desta, com repercussões no quantum indenizatório a pagar à vitima por cada uma das partes condenadas.
2. Tipos de responsabilidade em caso de omissão estatal
Como enfatizado, em regra, aplica-se, para fins de responsabilização civil do Estado, a modalidade objetiva, segundo a teoria do risco administrativo, que preconiza que o ente público pode invocar causas excludentes da responsabilidade, e que, excepcionalmente, em alguns casos específicos, a doutrina e jurisprudência tem acolhido a chamada teoria do risco integral.
No caso de responsabilização por condutas omissivas do Estado, não se tem prestado o mesmo tratamento jurídico, e a questão ganha novos contornos. Há ainda significativa polêmica a circundar o tema, ao que muitos atribuem à variação da modalidade de responsabilização a aplicar-se para estes casos, se objetiva ou subjetiva. No entanto, veremos que o ponto fulcral da questão está mais em se constatar a presença ou não, anterior à omissão ocorrida, de um dever legal explícito ou implícito (presumido) de agir por parte do Estado para o impedimento ou atenuação do evento danoso. Em se constatando a existência deste dever, independentemente da teoria aplicada, redundar-se-á na mesma obrigação jurídica de indenizar o terceiro prejudicado.
2.1. Da pouca relevância real da definição da teoria aplicável (se responsabilidade objetiva ou subjetiva) às hipóteses omissivas para fins de caraterização do dever Estatal de indenizar
Antes de adentrar propriamente ao tema, imprescindível trazer à baila Maria Sylvia Zanella de Pietro quando esta enfatiza lhe parecer pouco relevante a discussão da teoria aplicável às omissões danosas, dado que ambas geram para o ente público o mesmo dever de indenizar. Copiamos excerto desta importante advertência por parte da autora:
Existe controve?rsia a respeito da aplicac?a?o ou na?o do artigo 37, § 6º, da Cons tituic?a?o a?s hipo?teses de omissa?o do Poder Pu?blico, e a respeito da aplicabilidade, nesse caso, da teoria da responsabilidade objetiva. Segundo alguns, a norma e? a mesma para a conduta e a omissa?o do Poder Pu?blico; segundo outros, aplica-se, em caso de omissa?o, a teoria da responsabilidade subjetiva, na modalidade da teoria da culpa do servic?o pu?blico . Na realidade, a diferenc?a entre as duas teorias e? ta?o pequena que a discussa?o perde um pouco do interesse, ate? porque ambas geram para o ente pu?blico o dever de indenizar.
Alguns, provavelmente preocupados com as dificuldades, para o terceiro pre judicado, de obter ressarcimento na hipo?tese de se discutir o elemento subjetivo, entendem que o dispositivo constitucional abarca os atos comissivos e omissivos do agente pu?blico. Desse modo, basta demonstrar que o prejui?zo sofrido teve um nexo de causa e efeito com o ato comissivo ou com a omissa?o. Na?o haveria que se cogitar de culpa ou dolo, mesmo no caso de omissa?o.
Para outros, a responsabilidade, no caso de omissa?o, e? subjetiva, aplicando -se a teoria da culpa do servic?o pu?blico ou da culpa ano?nima do servic?o pu?blico (porque e? indiferente saber quem e? o agente pu?blico responsa?vel) . Segundo essa teoria, o Estado responde desde que o servic?o pu?blico (a) na?o funcione, quando deveria funcionar; (b) funcione atrasado; ou (c) funcione mal. Nas duas primeiras hipo?teses, tem-se a omissa?o danosa.[1]
(destacamos)
2.2. Teorias aplicáveis (subjetiva ou objetiva). Divergências.
2.2.1. Aplicação da Teoria da Responsabilidade Subjetiva (maior parte da doutrina e STJ)
A doutrina aparentemente majoritária na atualidade tem entendido que a responsabilidade, nos casos de omissão do Estado, é subjetiva, baseada na culpa administrativa ou anônima. Desta forma, haveria a necessidade do terceiro prejudicado provar a conduta omissiva estatal, o dano, o nexo causal entre estes, e a culpa administrativa, evidenciando que o serviço não funcionou (quando deveria funcionar), ou funcionou mal ou mesmo tardiamente.
Alexandre Mazza retrata esse posicionamento doutrinário majoritário atual, a partir de superação da doutrina tradicional, citando, como um dos expoentes do novo pensamento, Celso Antônio Bandeira de Mello, o que, pela bem-vinda síntese do texto para os fins breves deste artigo, ora reproduzimos:
A doutrina tradicional sempre entendeu que nos danos por omissão a indenização é devida se a vítima comprovar que a omissão produziu o prejuízo, aplicandose a teoria objetiva. Ocorre que a teoria convencional da responsabilidade do Estado não parece aplicarse bem aos danos por omissão, especialmente diante da impossibilidade de afirmarse que a omissão “causa” o prejuízo. A omissão estatal é um nada, e o nada não produz materialmente resultado algum.
Na esteira dessa inaplicabilidade, aos danos por omissão, da forma tradicional de pensar a responsabilidade estatal, Celso Antônio Bandeira de Mello vem sustentando há vários anos que os danos por omissão submetem-se à teoria subjetiva. Atualmente, é também o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 179.147) e pela doutrina majoritária. [...]
Em linhas gerais, sustenta-se que o Estado só pode ser condenado a ressarcir prejuízos atribuídos à sua omissão quando a legislação considera obrigatória a prática da conduta omitida. Assim, a omissão que gera responsabilidade é aquela violadora de um dever de agir. Em outras palavras, os danos por omissão são indenizáveis somente quando configurada omissão dolosa ou omissão culposa. Na omissão dolosa, o agente público encarregado de praticar a conduta decide omitir-se e, por isso, não evita o prejuízo. Já na omissão culposa, a falta de ação do agente público não decorre de sua intenção deliberada em omitir-se, mas deriva da negligência na forma de exercer a função administrativa. Exemplo: policial militar que adormece em serviço e, por isso, não consegue evitar furto a banco privado. [...]
Aplicandose a teoria subjetiva, a vítima tem o ônus de provar a ocorrência de culpa ou dolo, além da demonstração dos demais requisitos: omissão, dano e nexo causal. [...]
Entretanto, a partir da hipossuficiência decorrente da posição de inferioridade da vítima diante do Estado, deve ser observada a inversão no ônus da prova relativa à culpa ou dolo, presumindo-se a responsabilidade estatal nas omissões ensejadoras de comprovado prejuízo ao particular, de modo a restar ao Estado, para afastar tal presunção, realizar a comprovação de que não agiu com culpa ou dolo.[2]
Nesse sentido também, Maria Sylvia Zanella de Pietro:
Por essa raza?o, acolhemos a lic?a?o daqueles que aceitam a tese da responsabilidade subjetiva nos casos de omissa?o do Poder Pu?blico. Com Celso Anto?nio Bandeira de Mello (2008:996), entendemos que, nessa hipo?tese, existe uma presunc?a?o de culpa do Poder Pu?blico. O lesado na?o precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou dolo. Ao Estado e? que cabe demonstrar que agiu com dilige?ncia, que utilizou os meios adequados e disponi?veis e que, se na?o agiu, e? porque a sua atuac?a?o estaria acima do que seria razoa?vel exigir; se fizer essa demonstrac?a?o, na?o incidira? a responsabilidade. [3]
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), parece ser esse também o entendimento majoritário mais atual, do que colacionamos um julgado ilustrativo:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CULPA OU NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida.
II. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos" (STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013.
III. Tendo o Tribunal de origem concluído que, no caso, "analisando os documentos trazidos nos autos, estes não demonstram qualquer culpa ou negligência por parte da UFRGS, muito pelo contrário, pois existem várias licenças médicas para tratamento de saúde e procedimento de readaptação deferidos à servidora", entender de forma contrária demandaria o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
IV. Agravo Regimental improvido.
(destacamos)
(AgRg no REsp 1345620/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 02/12/2015)
2.2.2. Teoria da Teoria da Responsabilidade Objetiva (STF recentemente)
No Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, tem-se presenciado um movimento contemporâneo que entende, mesmo com temperamentos (sobre os quais mais à frente esmiuçaremos), pela responsabilização objetiva ainda que em face de condutas omissivas por parte do Estado:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Responsabilidade civil do Estado. Juiz de Paz. Remuneração. Ausência de regulamentação. Danos materiais. Elementos da responsabilidade civil estatal não demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. O Plenário da Corte, no exame da ADI nº 1.051/SC, Relator o Ministro Maurício Corrêa, entendeu que a remuneração dos Juízes de Paz somente pode ser fixada em lei de iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça do Estado-membro. 4. Agravo regimental não provido.
(destacamos)
(ARE 897890 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 22/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-208 DIVULG 16-10-2015 PUBLIC 19-10-2015)
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público. Precedentes. 3. Impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório. Enunciado 279 da Súmula do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 5. Agravo regimental a que se nega provimento
(destacamos)
(RE 677283 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 17/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 07-05-2012 PUBLIC 08-05-2012)
Conforme já antecipamos, esse atual posicionamento do STF é, não obstante o rigor, aparentemente interpretado por ele de forma mais temperada. Isso porque a Corte, muito embora tenha vincado a responsabilidade objetiva mesmo em face de condutas omissivas, relativiza essa imputação, na medida em que só a aplica para aqueles casos em que o Poder Público tinha o “dever legal específico de agir” para evitar ou impedir que o evento danoso acontecesse, e não o fez suficientemente. Trata-se da chamada “omissão específica” do Estado.
Assim, naqueles casos em que não se constata esse dever específico de impedir o resultado danoso, não se cogitaria da responsabilização na modalidade objetiva, mas tão somente subjetiva, devendo haver a comprovação da culpa.
Na linha do que ora falado, reproduzimos julgado do STF no qual atesta que, para que haja responsabilidade civil no caso de omissão, deverá haver uma omissão específica do Poder Público:
Agravo regimental nos embargos de divergência do agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3. Responsabilidade civil do Estado por omissão. Teoria do Risco Administrativo. Art. 37, § 6º, da Constituição. Pressupostos necessários à sua configuração. Demonstração da conduta, do dano e do nexo causal entre eles. 4. Omissão específica não demonstrada. Ausência de nexo de causalidade entre a suposta falta do serviço e o dano sofrido. Necessidade do revolvimento do conjunto fático probatório dos autos. Incidência da Súmula 279/STF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(destacamos)
(RE 677139 AgR-EDv-AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 07-12-2015 PUBLIC 09-12-2015)
2.3. Relativização das divergências entre as modalidade objetiva e subjetiva de responsabilização. Ponto em comum entre ambas as teorias: necessidade de demonstração do “dever legal de agir” (omissão específica) para gerar o dever de indenizar do Estado.
Não obstante o exposto ressalte-se, que, neste caso, como já sabiamente advertido por Maria Sylvia Zanella de Pietro em citação já reproduzida no presente artigo, pouco impacto a adoção de uma ou outra corrente tem na configuração final do “dever de indenizar” por parte do Estado, tratando-se aparentemente apenas de dois caminhos distintos que convergem para o mesmo resultado. Isso porque, ao se dizer, nesta linha moderada da responsabilização objetiva, que o Estado responderá quando for constatado sua omissão no “dever específico de agir”, inevitavelmente tal constatação demandará praticamente a mesma produção probatória que seria utilizada para a imputação da “culpa” caso adotada a corrente subjetiva. Ou seja, tal comprovação da “omissão no dever específico de agir” dificilmente não se confundiria com a própria comprovação da culpa dos agentes do Estado para fins de configuração da responsabilidade subjetiva deste.
Evidenciando esta apenas aparente problemática, podemos citar trecho de livro da lavra de José dos Santos Carvalho Filho, o qual, mesmo perfilhando posicionamento pela responsabilidade subjetiva para os casos de omissão estatal danosa, chega à mesma conclusão pela necessidade de se existir um “dever legal de agir” expresso a perfazer o nexo de causalidade entre a omissão do Estado e o dano constatado:
Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, sera? preciso distinguir se a omissa?o constitui, ou na?o, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, na?o se configurara? a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorre?ncia do dano e? que sera? responsa?vel civilmente e obrigado a reparar os prejui?zos.
A conseque?ncia, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, so? se desenhara? quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espe?cie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas.
Ha? mais um dado que merece realce na exige?ncia do elemento culpa para a responsabilizac?a?o do Estado por condutas omissivas. O art. 927, para?grafo u?nico, do Co?digo Civil, estabelece que “Havera? obrigac?a?o de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei”, o que indica que a responsabilidade objetiva, ou sem culpa, pressupo?e menc?a?o expressa em norma legal. Na?o obstante, o art. 43, do Co?digo Civil, que, como vimos, se dirige a?s pessoas juri?dicas de direito pu?blico, na?o incluiu em seu conteu?do a conduta omissiva do Estado, o mesmo, alia?s, ocorrendo com o art. 37, § 6º, da CF. Desse modo, e? de interpretar-se que citados dispositivos se aplicam apenas a comportamentos comissivos e que os omissivos so? podem ser objeto de responsabilidade estatal se houver culpa.[4]
(destacamos)
Partilha também deste entendimento do José dos Santos Carvalho Filho o reputado autor Celso Antônio Bandeira de Mello, o qual, assim como o primeiro, filie-se à corrente da responsabilização subjetiva no casos danos advindo das omissões do Poder Público. Como já evidenciado, todavia, os resultado finais entre ambas as correntes (responsabilização subjetiva ou responsabilização objetiva temperada) parecem conduzir para os mesmos efeitos práticos quando aplicados à análise dos casos concretos.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua extensa obra “Curso de Direito Administrativo”, ainda agrega um interessante argumento justificador para a necessidade de configuração do dever legal de agir por parte do Estado: seria um verdadeiro absurdo lógico-jurídico extrair-se a responsabilidade indenizatória do Estado de um dano que não causou (seja por negligência, imprudência ou imperícia), caso não houvesse o dever expresso legal de impedir o evento danoso, já que isso equivaleria a extrair a responsabilidade do Estado do “nada”, e do “nada” nenhuma coisa é extraível. Em outra palavras: do nada, nenhuma coisa se pode extrair, porque o “nada” não produz materialmente resultado algum. Vejamos:
Quando o dano foi possi?vel em decorre?ncia de uma omissa?o do Estado (o servic?o na?o funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) e? de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado na?o agiu, na?o pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se na?o foi o autor, so? cabe responsabiliza?-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto e?: so? faz sentido responsabiliza?-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.
Deveras, caso o Poder Pu?blico na?o estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria raza?o para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequ?e?ncias da lesa?o. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo e? sempre responsabilidade por comportamento ili?cito. E, sendo responsabilidade por ili?cito, e? necessariamente responsabilidade subjetiva, pois na?o ha? conduta ili?cita do Estado (embora do particular possa haver) que na?o seja proveniente de neglige?ncia, imprude?ncia ou imperi?cia (culpa) ou, enta?o, deliberado propo?sito de violar a norma que o constitui?a em dada obrigac?a?o (dolo). Culpa e dolo sa?o justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.
Na?o bastara?, enta?o, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relac?a?o entre ause?ncia do servic?o (omissa?o estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigac?a?o legal de impedir um certo evento danoso (obrigac?a?o, de resto, so? cogita?vel quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuac?a?o diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que na?o causou, pois isto equ?ivaleria a extrai?-la do nada; significaria pretender instaura?-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou juri?dico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por neglige?ncia, imprude?ncia ou imperi?cia no servic?o, ensejadoras do dano, ou enta?o o dolo, intenc?a?o de omitir-se, quando era obrigato?rio para o Estado atuar e faze?-lo segundo um certo padra?o de eficie?ncia capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: e? necessa?rio que o Estado haja incorrido em ilicitude, por na?o ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em raza?o de comportamento inferior ao padra?o legal exigi?vel.[5]
(destacamos)
E conclui, mais à frente, o reconhecido autor:
Em si?ntese: se o Estado, devendo agir, por imposic?a?o legal, na?o agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padro?es legais que normalmente deveriam caracteriza?-lo, responde por esta incu?ria, neglige?ncia ou deficie?ncia, que traduzem um ili?cito ensejador do dano na?o evitado quando, de direito, devia se?-lo. Tambe?m na?o o socorre eventual incu?ria em ajustar-se aos padro?es devidos.
Reversamente, descabe responsabiliza?-lo se, inobstante atuac?a?o compati?vel com as possibilidades de um servic?o normalmente organizado e eficiente, na?o lhe foi possi?vel impedir o evento danoso gerado por forc?a (humana ou material) alheia.[6]
Ademais, Celso Antônio ainda adverte que pensar-se o contrário seria transformar o Estado numa espécie indesejada e inviável de “segurador universal”, ao que ousamos acrescentar: seria converter o Estado numa insustentável (inclusive economicamente) condição de “indenizador universal”. Vejamos excerto sobre isso de que fala o festejado doutrinador:
Ademais, soluc?a?o diversa conduziria a absurdos. É que, em princi?pio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pu?blica, uma enchente qualquer, uma agressa?o sofrida em local pu?blico, o lesado poderia sempre arguir que o “servic?o na?o funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipo?teses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoa?vel que responda pela lesa?o patrimonial da vi?tima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram a? ocorre?ncia inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evita?-lo, omitiram-se na adoc?a?o de provide?ncias cautelares. Razoa?vel que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das a?guas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acu?mulo da a?gua. Nestas situac?o?es, sim, tera? havido descumprimento do dever legal na adoc?a?o de provide?ncias obrigato?rias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que adve?m do dolo, ou da culpa tipificada na neglige?ncia, na imprude?ncia ou na imperi?cia, na?o ha? cogitar de responsabilidade pu?blica.[7]
(destacamos)
3. Omissões lícitas e ilícitas do Estado. Quais podem gerar responsabilização patrimonial?
3.1. Dever de indenizar apenas decorrente das omissões ilícitas
Celso Antônio Bandeira de Mello, citando o prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ainda tece ponderações relativas às condutas lícitas, concordando com o referido professor no que tange à inaplicabilidade da teoria do risco-proveito às chamadas “omissões negativas”, para as quais há de incidir o raciocínio da Teoria da Culpa ou da Falta do Serviço:
Com efeito, du?vida alguma pode prosperar quanto ao cabimento da responsabilizac?a?o objetiva no caso de atos li?citos causadores de prejui?zo especial e anormal aos administrados. Assim tambe?m no caso de danos oriundos do chamado “fato das coisas”, quando as leso?es ao patrimo?nio privado decorrerem, por exemplo, de exploso?es em arsenais pu?blicos ou de modo geral em bens ou servic?os a cargo do Estado, ainda que estes sejam devidos a casos fortuitos.
De outra parte, ha? largo campo para a responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, determinando-se, enta?o, a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta do servic?o, seja porque este na?o funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.
Parece-nos que a doutrina correta, perante as disposic?o?es normativas do pai?s, e? a sustentada pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e colhida neste excerto do reputado mestre, em que, interpretando o Texto Constitucional, enuncia quando cabe responsabilidade objetiva e quando cabe responsabilidade subjetiva:
“A responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito pressussupõe sempre ac?a?o positiva do Estado, que coloca terceiro em risco, pertinente a? sua pessoa ou ao seu patrimo?nio, de ordem material, econo?mica ou social, em benefi?cio da instituic?a?o governamental ou de coletividade em geral, que o atinge individualmente, e atenta contra a igualdade de todos diante dos encargos pu?blicos, em lhe atribuindo danos anormais, acima dos comuns, inerentes a? vida em Sociedade.
“Consiste em ato comissivo, positivo do agente pu?blico, em nome do e por conta do Estado, que redunda em prejui?zo a terceiro, consequ?e?ncia de risco decorrente da sua ac?a?o, repita-se, praticado tendo em vista proveito da instituic?a?o governamental ou da coletividade em geral. Jamais de omissa?o negativa. Esta, em causando dano a terceiro, na?o se inclui na teoria do risco-proveito. A responsabilidade do Estado por omissa?o so? pode ocorrer na hipo?tese de culpa ano?nima, da organizac?a?o e funcionamento do servic?o, que na?o funcionou ou funcionou mal ou com atraso, e atinge os usua?rios do servic?o ou os nele interessados.”
Acrescentari?amos, apenas, em adendo a? opinia?o expressada e transcrita, que, ademais dos casos de comportamento comissivo (ato ou fato), deve-se incluir tambe?m entre as hipo?teses de responsabilidade objetiva a responsabilidade por quaisquer eventos lesivos que resultam do “fato das coisas”, isto e?, em que o dano proceda de coisas administrativas ou que se encontrem sob sua custo?dia. De resto, e como dantes dissemos, no caso de danos decorrentes de servic?os e instalac?o?es nucleares, a responsabilidade independe de culpa, conforme estabelece o art. 21, XXIII, “d”, da Constituic?a?o. Entendemos, ainda, que sa?o equipara?veis a? hipo?tese de comportamento comissivo aqueles casos em que o Estado cria, atrave?s de ato positivo seu, a situac?a?o da qual emerge o dano. Referimo-nos a situac?o?es equiparadas a?s do exemplo, dantes referido, do sema?foro defeituoso, por forc?a do qual dois vei?culos se chocam, e nem se pode dizer que o servic?o funcionou mal se o defeito, determinado por um raio, ocorreu segundos antes do acidente.
O certo e inquestiona?vel, demais disso, e? que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o servic?o apresentar falha, reveladora de insuficie?ncia em relac?a?o ao seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade sera? subjetiva.[8]
3.2. Parâmetros para aferição do caráter lícito ou ilícito da omissão analisada
Assentado pelos referidos doutrinadores que omissões ilícitas geram o dever de indenizar, uma questão inevitável surge: mas afinal, como aferir se uma omissão é lícita ou ilícita, quando não há uma obrigação clara e expressa definida na Lei? Quais critérios ou parâmetros utilizar para tanto, nesses casos?
Para responder essa pergunta, os consagrados autores aqui já reiteradamente invocados, Celso Antônio e Maria Sylvia, trazem propostas de solução. Tais tentativas de resolução deste impasse perpassam, como se observará, critérios de razoabilidade dentro das expectativas geradas em consonância com a chamada “Teoria da reserva do possível”, em tais hipóteses de falta de um comando legal expresso tipificador.
Nesse sentido, Maria Sylvia preleciona:
Isto significa dizer que, para a responsabilidade decorrente de omissão, tem que haver o dever de agir por parte do Estado e a possibilidade de agir para evitar o dano. A lição supratranscrita, de José Cretella Júnior, é incontestável. A culpa está embutida na ideia de omissão. Não há como falar em responsabilidade objetiva em caso de inércia do agente público que tinha o dever de agir e não agiu, sem que para isso houvesse uma razão aceitável.
A dificuldade da teoria diz respeito a? possibilidade de agir; tem que se tratar de uma conduta que seja exigi?vel da Administrac?a?o e que seja possi?vel. Essa possibilidade so? pode ser examinada diante de cada caso concreto. Tem aplicac?a?o, no caso, o princi?pio da reserva do possi?vel, que constitui aplicac?a?o do princi?pio da razoabilidade: o que seria razoa?vel exigir do Estado para impedir o dano.
A esse respeito, Juan Carlos Cassagne (citado por Fla?vio de Arau?jo Willernan 2005:122) ensina que "a chave para determinar a falta de servic?o e, consequentemente, a procede?ncia da responsabilidade estatal por um ato omissivo se encontra na configurac?a?o ou na?o de uma omissa?o antijuri?dica. Esta u?ltima se perfila so? quando seja razoa?vel esperar que o Estado atue em determinado sentido para evitar os danos a?s pessoas ou aos bens dos particulares. Pois bem, a configurac?a?o de dita omissa?o antijuri?dica requer que o Estado ou suas entidades descumpram uma obrigac?a?o legal expressa ou impli?cita (art. 1.074 do Co?d. Civil) tal corno sa?o as vinculadas com o exerci?cio da poli?cia administrativa, descumprimento que possa achar-se imposto tambe?m por outras fontes juri?dicas".
Por outras palavras, enquanto no caso de atos cornissivos a responsabilidade incide nas hipo?teses de atos li?citos ou ili?citos, a omissa?o tem que ser ili?cita para acarretar a responsabilidade do Estado.[9]
(destacamos)
Assim também, Celso Antônio:
Na?o ha? resposta a priori quanto ao que seria o padra?o normal tipificador da obrigac?a?o a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da eficie?ncia ha? de ser apurada em func?a?o do meio social, do esta?dio de desenvolvimento tecnolo?gico, cultural, econo?mico e da conjuntura da e?poca, isto e?, das possibilidades reais me?dias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso.
Como indi?cio destas possibilidades ha? que levar em conta o procedimento do Estado em casos e situac?o?es ana?logas e o ni?vel de expectativa comum da Sociedade (na?o o ni?vel de aspirac?o?es), bem como o ni?vel de expectativa do pro?prio Estado em relac?a?o ao servic?o increpado de omisso, insuficiente ou inadequado. Este u?ltimo ni?vel de expectativa e? sugerido, entre outros fatos, pelos para? metros da lei que o institui e regula, pelas normas internas que o disciplinam e ate? mesmo por outras normas das quais se possa deduzir que o Poder Pu?blico, por forc?a delas, obrigou-se, indiretamente, a um padra?o mi?nimo de aptida?o.[10]
4. Dano direto e imediato
Por fim, apenas em caráter complementar, faz-se oportuna as constatações de Maria Sylvia Zanella de Pietro quanto ao movimento de aparente superação, no âmbito do STF, que vem se percebendo na aplicação da Teoria do Dano Direto e Imediato para fins de configuração da responsabilidade patrimonial do Estado em face de suas omissões danosas.
Ensina a autora:
Ainda quanto à responsabilidade do Estado por omissão, o Supremo Tribunal Federal vinha exigindo, para a caracterização do nexo de causalidade, a teoria do dano direto e imediato. Serve como exemplo acórdão envolvendo indenização devida a vítimas de homicídios praticados por fugitivos de penitenciárias; a Corte vinha reconhecendo a responsabilidade do Estado quando não há rompimento da cadeia causal (ou seja, quando existe ligação direta entre causa e dano), mas elide tal responsabilidade quando já se tenham passado "meses" da fuga, por falta de nexo causal.[11] A teoria do dano direto e imediato, expressamente mencionada em acórdão do STF[12], citando Agostinho Alvim, "só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva . Daí dizer Agostinho Alvim: “os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis".
Esse entendimento, que vinha sendo adotado reiteradamente, parece estar se alterando, no sentido de aceitar um alargamento da responsabilidade do Estado, independentemente da aplicação da teoria do dano direto e imediato. Em dois julgados pelo menos, o Supremo Tribunal Federal deu mostras de caminhar nesse sentido.
No primeiro caso, considerou-se a omissa?o do Estado em cumprir a Lei de Execuc?a?o Penal como causa suficiente para responsabiliza?-lo pelo crime de estupro cometido por fugitivo de penitencia?ria. Nas palavras do relator, Min. Joaquim Barbosa, "tal omissa?o do Estado constituiu, na espe?cie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de doze anos de idade, justamente no peri?odo em que deveria estar recolhido a? prisa?o. Esta? configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execuc?a?o penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condic?o?es (regime aberto), e, por conseguinte, na?o teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o ba?rbaro crime de estupro"[13].
No segundo caso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a responsabilidade do Estado por danos causados em raza?o da falta de policiamento ostensivo em locais de alta periculosidade [14], deixando de lado, inclusive, o princi?pio da reserva do possi?vel que costuma ser invocado em situac?o?es semelhantes.[15]
Conclusão
Diante de toda a análise desenvolvida nas linhas precedentes, chega-se à conclusão de que a teoria tradicional da responsabilidade do Estado não parece bem se adequar às hipóteses de responsabilização por danos causados a terceiros por condutas omissivas do este público. A este entendimento se chega especialmente em virtude da constatada dificuldade prática ou, até, impossibilidade jurídica destas teorias em demonstrar o nexo causal existente entre uma omissão “simples” (ou genérica) e um determinado resultado danoso, numa relação de causa e efeito. Dentre as razões para tanto está o fato da omissão genérica, como bem pontuado por Celso Antônio Bandeira de Mello (citado anteriormente), assemelhar-se a uma espécie de “nada”, e um “nada” não seria apto a ensejar resultados materiais numa relação simples de causa e efeito, por carecer de um nexo causal físico. Assim, demanda-se comprovar a existência de um nexo causal “normativo”, a fazer as vezes do nexo causal físico faltante, e, para tanto, fundamental demonstrar-se a existência de um “dever normativo específico de agir” por parte do Estado. Esta demonstração terá o condão de perfazer essa ponte normativa causal com um determinado resultado danoso ocorrido a terceiros, e, então, possibilitar a comprovação da culpa do ente público pela falta ou deficiência do serviço que deveria prestar ou prestar satisfatoriamente.
Deste modo, são muito bem-vindas as novas teorizações sobre a necessidade de comprovação desta uma espécie que ousamos rotular de “omissão qualificada pelo dever de evitar ou minorar o resultado danoso”, nas quais o Estado tem um dever legal de agir (explícito ou implícito – presumido), a perfazer o elo jurídico-normativo de causação entre a conduta omissiva específica e o resultado danoso dela advindo, a possibilitar a devida condenação indenizatória ao terceiro prejudicado.
Referências
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27 ed rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 64 de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014.
MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo. 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014.
[1] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. - 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014. Pag. 727.
[2] Mazza, Alexandre. Manual de direito administrativo / Alexandre Mazza. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Págs. 380/381
[3] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. - 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014. Pag. 729.
[4] Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho.- 27. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2013.- São Paulo: Atlas, 2014. Pag. 589/590.
[5] Curso de Direito Administrativo / Celso Antônio Bandeira de Mello. – 27 ed rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 64 de 4.2.2010. –São Paulo: Malheiros, 2010. Página 1012.
[6] Curso de Direito Administrativo / Celso Antônio Bandeira de Mello. – 27 ed rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 64 de 4.2.2010. –São Paulo: Malheiros, 2010. Página 1014.
[7] Curso de Direito Administrativo / Celso Antônio Bandeira de Mello. – 27 ed rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 64 de 4.2.2010. –São Paulo: Malheiros, 2010. Página 1031.
[8] Curso de Direito Administrativo / Celso Antônio Bandeira de Mello. – 27 ed rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 64 de 4.2.2010. –São Paulo: Malheiros, 2010. Páginas 1032/1033.
[9] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. - 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014. Pag. 728.
[10] Curso de Direito Administrativo / Celso Antônio Bandeira de Mello. – 27 ed rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 64 de 4.2.2010. –São Paulo: Malheiros, 2010. Pag. 1030.
[11] RE-573.595-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-6-08, DJ de 15-8-08.
[12] Mencionado no Informativo 329, do STF, com citac?a?o a ensinamento de Agostinho Alvim.
[13] RE409.203,Rel. Para o aco?rda?o Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7-3-06, DJde 20-4-07.
[14] O Estado de Pernambuco foi condenado a pagar todas as despesas necessa?rias a? realizac?a?o de cirurgia de implante de Marcapasso Diafragma?tico Muscular (MDM) ao agravante. Segundo o Informativo no 502, "entendeu-se que restaria configurada uma grave omissa?o, permanente e reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por interme?dio de suas corporac?o?es militares, notadamente por parte da poli?cia militar, em prestar o adequado servic?o de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passi?veis de pra?ticas criminosas violentas, o que tambe?m ocorreria em diversos outros Estados da Federac?a?o. Em raza?o disso, o cidada?o teria o direito de exigir do Estado, o qual na?o poderia se demitir das conseque?ncias que resultariam do cumprimento do seu dever constitucional de prover seguranc?a pu?blica, a contraprestac?a?o da falta desse servic?o. Ressaltou-se que situac?o?es configuradoras de falta de servic?o podem acarretar a responsabilidade civil objetiva do Poder Pu?bli co, considerado o dever de prestac?a?o pelo Estado, a necessa?ria existe?ncia de causa e efeito, ou seja, a omissa?o administrativa e o dano sofrido pela vi?tima, e que, no caso, estariam presentes todos os elementos que compo?em a estrutura dessa responsabilidade" (STA 223-AgR, Rei. para o aco?rda?o Min. Celso de Mello, julgamento em 14-4-08)
[15] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. - 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014. Pags. 729/730.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São - PUC/SP. Especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - FESMPDFT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Marcelo Victor Amorim Gomes de. Necessidade de comprovação de "omissões específicas" como requisito para fins de responsabilização civil do Estado por condutas omissivas que causem danos a terceiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46565/necessidade-de-comprovacao-de-quot-omissoes-especificas-quot-como-requisito-para-fins-de-responsabilizacao-civil-do-estado-por-condutas-omissivas-que-causem-danos-a-terceiros. Acesso em: 22 nov 2024.
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