RESUMO: O presente trabalho tem por escopo o estudo do direito ao lazer nas relações de trabalho, tendo em vista a atualidade do assunto, bem como as repercussões trazidas no mundo jurídico e social. O tema objeto de estudo foi escolhido devido à sua relevância no mundo hodierno, uma vez que envolve a relação estabelecida entre o empregado e o empregador, em que cada qual conserva direitos e deveres, devendo-se, portanto, investigar quais os limites a serem obedecidos em tal relação, para que o ordenamento jurídico seja devidamente observado e seja alcançada a harmonia no ambiente de trabalho.
Palavras chave: Direitos fundamentais. Dignidade da pessoa humana. Direito ao lazer. Ambiente laboral.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O direito ao lazer na Constituição Federal: a proteção do direito ao lazer como direito fundamental. 3. O direito ao lazer nas relações laborais como corolário da dignidade da pessoa humana. 4. Função social do direito ao lazer. 5. Meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado: desdobramentos da eficácia do direito ao lazer. 6. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
No Estado Constitucional e Democrático que vivemos a maior preocupação não é com a previsão de direitos e garantias, mas sim com a efetividade na prestação de tais de direitos, sem a qual a própria Constituição fica esvaziada.
As normas que contemplam os direitos fundamentais possuem eficácia plena, conforme o próprio texto constitucional dispõe, e isso significa que desde a entrada em vigor as normas em comento estão aptas a produzir seus efeitos.
O direito ao lazer, na condição de direito social fundamental, também possui aplicabilidade imediata no sistema não apenas perante os poderes públicos, mas também incide nas relações entre os particulares, como ocorre nas relações de emprego.
Assim, os direitos fundamentais não possui apenas sua eficácia garantida nas relações estabelecidas entre os indivíduos e o Poder Público, mas também perante particulares.
O direito ao lazer nas relações laborais é tema de bastante relevância no ordenamento pátrio, haja vista relacionar-se com o princípio da dignidade da pessoa humana, com os direitos fundamentais do obreiro, bem como com a sua própria saúde física e psíquica, demonstrando, assim, sua inquestionável importância.
Diante de tais premissas, necessária se faz a análise da proteção do direito ao lazer como direito social fundamental à luz da Constituição Federal vigente e sua aplicação na relação laboral.
2. O DIREITO AO LAZER NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A PROTEÇÃO DO DIREITO AO LAZER COMO DIREITO FUNDAMENTAL
A Constituição Federal assegura o direito ao lazer, no artigo 6º, incluindo-o como um direito social e, portanto, fundamental. O texto Constitucional é a norma de maior hierarquia do sistema jurídico, consistindo no fundamento de validade de todas as demais normas, conforme esboçado na conhecida ‘pirâmide de Kelsen’, de modo que nenhuma disposição normativa pode ter o condão de afastar os direitos previstos na Lei Maior[1].
Nas relações de trabalho não é diferente. A relação laboral deve ser vista à luz da Constituição Federal, e, nesse sentido, interpretada em conformidade com seus valores. Assim sendo, não é concebível que o trabalho desrespeite direitos mínimos do obreiro, necessários para uma vida com dignidade. O direito ao lazer está inserido nesse rol de direitos vitais mínimos.
O texto constitucional aduz, no artigo 217, parágrafo 3º que o Poder Público terá o mister de incentivar o lazer, como forma de promoção social[2]. A Constituição da República, portanto, não faz menção ao direito ao lazer apenas no Capítulo referente aos direitos fundamentais, demonstrando, assim, a importância dada ao tema, visto que retoma o tratamento da matéria em outras partes do Texto Constitucional.
A Constituição Cidadã de 1988 assegura, no capítulo referente aos direitos dos trabalhadores, entendidos como direitos sociais, o direito ao descanso e ao repouso – limitando a jornada de trabalho – às férias, a aposentadoria, dentre outros, conforme será visto adiante.
A regulamentação infraconstitucional do direito ao lazer é rica e abrangente, incluindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltados para a infância de juventude[3], bem como no Estatuto do Idoso[4], que estabelece descontos para atividades de lazer para idosos.
A previsão do direito ao lazer no ordenamento cumpre o papel de mais uma forma de efetivação da dignidade da pessoa humana. A inobservância do direito à desconexão do trabalho afronta disposições normativas e causa inúmeros prejuízos a vida do trabalhador e de sua família.
No que concerne à origem histórica da tutela legislativa ao lazer, Alexandre Lunardi remonta ao dia reservado ao descanso para os judeus, conhecido como ‘Shabbath’, costume que proibia qualquer tipo de trabalho aos sábados. No cristianismo, a cultura ocidental cultivou o costume de separar de um dia na semana para o descanso, o domingo. O referido hábito perdura até os dias atuais, alcançando, assim, repercussão legal.
O exercício do direito ao lazer, dentre outros benefícios, proporciona ao ser humano o desenvolvimento do ser social, pois lhe permite participar das atividades do meio em que vive, tendo acesso a entretenimento, cultura e descanso.
A valorização do ser humano deve ser o foco das relações humanas. O movimento do Neoconstitucionalismo caminha no sentido da ‘despatrimonialização’ das relações jurídicas, norteado pela dignidade da pessoa humana, boa-fé objetiva e função social dos institutos[5].
Assim ocorre também com as relações firmadas na seara trabalhista, que numa interpretação à luz da Constituição, não pode ser guiada por valores meramente econômicos, devendo dar primazia à proteção do ser humano.
O direito ao lazer é reconhecido no ordenamento na categoria de direitos sociais fundamentais à vida digna do homem, devendo ser perseguido pela sociedade e poderes públicos[6].
O artigo 7º da Lei Maior em diversos dispositivos ressalta a importância que dispensa ao tema[7]. A limitação da jornada diária de trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, a concessão do repouso semanal remunerado e a previsão do acréscimo de cinquenta por cento sobre a remuneração do serviço prestado em caráter extraordinário refletem a preocupação do legislador no gozo do descanso e lazer do obreiro[8].
3. O DIREITO AO LAZER NAS RELAÇÕES LABORAIS COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Inicialmente, cumpre salientar que conceituar a dignidade da pessoa humana, por envolver valores e elementos subjetivos, não é tarefa fácil[9], entretanto diversos autores ousaram definir a expressão, buscando, apesar da subjetividade que permeia o tema, alcançar um conceito mínimo, ainda que não seja capaz de exaurir seu conteúdo[10].
Nesse sentido, Ingo Sarlet[11] conceituou a dignidade da pessoa humana como:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Corroborando com o entendimento acima, Walber de Moura Agra[12] ensina que a dignidade da pessoa humana representa:
[...] um complexo de direitos que são inerentes à espécie humana, sem eles o homem se transformaria em coisa, res. São direitos como a vida, lazer, saúde, educação, trabalho e cultura e devem ser propiciados pelo Estado e, para isso, pagamos tamanha carga tributária. Esses direitos servem para densificar e fortalecer os direitos da pessoa humana, configurando-se como centro fundante da ordem jurídica.
Atribuir ao homem dignidade como pessoa humana significa lhe outorgar direitos e valores que lhe são inerentes pelo simples fato de existirem e reconhecer a existência, em cada ser individualizado, de qualidades morais que devem ser respeitadas. O homem traz em si diversos valores que devem ser protegidos e preservados.
No que diz respeito à relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, Eugênio Hainzenreder Júnior[13] assevera que: “No que concerne à relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, esta, na qualidade de princípio fundamental, atua como elemento informador de todos os direitos e garantias fundamentais”. Nesse prisma, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana consiste em um núcleo de valores que deverá irradiar efeitos sob todo o ordenamento jurídico, haja vista ser elemento informador dos direitos e garantias fundamentais.
No intuito de conceder maior proteção e eficácia para a dignidade da pessoa humana, a Lei Maior optou por não a incluir entre os direitos fundamentais, inseridos no rol do art. 5º, introduzindo-a, contudo, como sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito[14], estabelecendo-a, expressamente, no art. 1º, III, do referido Diploma legal[15]. Na condição de princípio fundamental de direito[16], a dignidade da pessoa humana constitui elemento norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, possuindo plena eficácia na ordem constitucional[17].
Gilmar Ferreira Mendes[18] entende que o princípio da dignidade da pessoa humana possui valor pré-constituinte e hierarquia supraconstitucional. O valor à pessoa humana se tornou a base do ordenamento jurídico[19], seu elemento central, de modo que não poderá ser admitida nenhuma norma que contrarie e ofenda a dignidade do homem, independente de sua posição social, econômica, cultural ou racial[20].
De acordo com esse pensamento, Amauri Mascaro do Nascimento[21] alerta que:
A dignidade é um valor subjacente a numerosas regras de direito. A proibição a toda ofensa à dignidade da pessoa humana é uma questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito positivo a protegê-la, a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais.
Por todo o exposto, é inegável reconhecer que o ser humano é dotado de valores essenciais que não podem ser negados pela ordem jurídica. Nesse contexto, percebe-se que o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana também é aplicável na relação jurídica de emprego, de modo que o empregado é destinatário de tal proteção, não podendo, portanto, sofrer discriminações, nem afrontas à sua dignidade.
Esse entendimento leva à compreensão de que o direito ao lazer é fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana, e, portanto, a ofensa àquele direito significará a negação deste princípio[22]. Nessa linha de raciocínio, Luís Roberto Barroso[23] entende que:
Em síntese sumária, a dignidade da pessoa humana está no núcleo essencial dos direitos fundamentais, e dela se extrai a tutela do mínimo existencial e da personalidade humana, tanto na sua dimensão física como moral.
O trabalho, também previsto como direito social, tem o escopo de concorrer para o desenvolvimento da sociedade. O reconhecimento do direito fundamental social ao lazer, por seu turno, é essencial para o desenvolvimento do obreiro como pessoa humana e como membro de uma sociedade.
Entretanto, não são poucas as vezes que o obreiro é tratado como verdadeiro servo, escravo do labor, separado do convívio familiar e social.
A parte detentora dos bens de produção não pode ter a liberdade de inserir o obreiro num estado de dominação, devendo, portanto, a dignidade da pessoa humana ser considerada como valor supremo que norteia a relação laboral.
O alcance pleno da dignidade em uma pessoa apenas é obtido quando o indivíduo tem o poder de desfrutar das garantias, ainda que mínimas estabelecidas pelo Estado e pela comunidade internacional como necessárias ao pleno desenvolvimento do ser humano.
Nesse sentido, o trabalhador, na qualidade de pessoa humana, não desfruta plenamente de dignidade quando submetido aos ditames arbitrários do trabalho exaustivo e sem fixação de limites razoáveis de jornada que lhe permitam dispor de tempo para convívio com a família e a sociedade.
A dignidade de um homem inclui, inegavelmente, a disponibilidade de tempo para que possa se afirmar como um ser social, crescer e se inserir na sociedade.
Nessa linha de entendimento, o lazer é instrumento que permite a construção do homem social, desconectado do trabalho.
A limitação da jornada de trabalho se justifica como imperativo para reposição de energias do obreiro, desgastado pela força despreendida no labor, bem como meio de dignificá-lo, permitindo sua inserção no convívio da família e sociedade[24].
Cumpre salientar, que a referida limitação da jornada de trabalho é garantida constitucionalmente, conforme visto anteriormente, e, portanto, dotada de imperatividade e indisponibilidade, possuindo aplicabilidade imediata nas relações entre particulares, o que inclui, por certo, as relações de trabalho.
As necessidades vitais do homem, como ser social, são supridas quando este possui tempo para conviver e partilhar momentos de interação com a família, amigos, além da liberdade para praticar esportes e exercícios físicos, desfrutar de momentos culturais, bem como outras formas de recreação.
A regulamentação das relações de trabalho está permeada de normas protetivas, cuidando o Direito do Trabalho de tutelar o obreiro em diversos aspectos[25]. No contexto atual do pensamento jurídico, o pilar das relações humanas deve estar sustentado na dignidade da pessoa humana, valor supremo que norteia o ordenamento pátrio.
Nesse sentido, o direito ao lazer possui fundamental importância na vida humana, não podendo tal direito ser retirado da esfera do sujeito, mormente por meras justificativas econômicas, ditadas pelos interesses capitalistas patronais.
A condição de pessoa do trabalhador impõe que sejam respeitados direitos mínimos, primordiais a uma vida digna[26].
O lazer é um direito social necessário. Não se impõe apenas pelo fato de ser assegurado pelas disposições normativas, mas sim por ser primordial para o crescimento do ser humano, lhe proporcionando satisfazer necessidades que lhe são próprias, como a reposição das energias gastas no labor, bem como o convívio com a família e sociedade, tendo em vista ser o homem um ser social.
O trabalho é instrumento que deve servir para dignificar o homem e não para colocá-lo sob o julgo pesado e desarrazoado para satisfação dos interesses patronais e necessidades de uma sociedade capitalista, movida pela busca incessante do lucro. Não é razoável que o trabalho, instrumento de dignificação do homem sirva para retirar a sua dignidade, impondo-lhe jugos que o ordenamento rejeita, tal como a ausência de desconexão do trabalho.
O resultado das jornadas excessivas a que são submetidos os obreiros traz consequências desastrosas a sua vida e de sua família. A inobservância do direito ao lazer pode gerar conflitos no ambiente familiar, sustentáculo da estrutura da sociedade, ao inserir pessoas estressadas e sem tempo dentro do lar. A vida das pessoas é invadida pelo trabalho de tal modo a não sobrar tempo para as demais atividades essenciais à vida humana digna. O ordenamento não tutela tal conduta ofensiva à vida humana, antes, lhe garante limites na jornada de trabalho.
O direito ao lazer, na qualidade de direito social fundamental limita a jornada de trabalho extraordinário e confere dignidade ao trabalhador. Não há como falar-se em trabalho digno diante de um contexto de jornadas de trabalho excessivas e inobservância do direito ao lazer do empregado[27].
O trabalho na sociedade possui o significado de valorização social e econômica tendo por finalidade a dignidade do homem, conforme se extrai do Texto Constitucional. Todavia, a dignidade do homem só restará alcançada se respeitados seus direitos fundamentais, dentro os quais, o direito social ao lazer[28].
O trabalho possui seu valor social e, como tal, não pode impor uma jornada excessiva que retire do obreiro direitos básicos para uma vida digna, como o descanso, o gozo das férias, o usufruir de uma viagem, um passeio, uma atividade cultural, etc.
A limitação da jornada de trabalho, dentro dos parâmetros estabelecidos nas normas pátrias constitui meio de proporcionar a existência digna do ser humano. A relação de trabalho não possui significado meramente econômico, mas sim uma conotação social, onde os valores existenciais e extrapatrimoniais do obreiro devem ser respeitados[29].
Outrossim, a observância do direito fundamental ao lazer também é ditada por imperativos de saúde, visto que o desrespeito ao lazer configura meio propício para o surgimento de problemas na vida fisiológica do obreiro, desencadeando estresse, fadiga e doenças psicossomáticas, conforme será analisado adiante.
Nesse sentido, a tutela do direito à desconexão do trabalho resguarda a integridade física e psíquica do trabalhador frente a tais problemas[30].
Destarte, a relação de trabalho subordinado não tem o poder de ‘coisificar’ o trabalhador, mas sim de dignificá-lo e, um trabalho digno, implica em conceder o direito ao repouso ao empregado.
Salutarmente, o arcabouço jurídico contempla diversos direitos que se destinam a garantir ao obreiro o seu direito ao lazer, tais como o direito ao repouso semanal remunerado, às férias anuais, aos intervalos inter e intrajornada, a aposentadoria, as licenças gestante e paternidade. A partir disso, é tarefa dos operadores do direito a verificação da observância de tais direitos previstos pelo legislador[31].
Diante de todo o exposto, analisadas as principais questões acerca do respeito à dignidade da pessoa humana e seus reflexos no direito ao lazer, passa-se ao exame da função social do direito supramencionado.
4. FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO AO LAZER
De acordo com os ensinamentos de Antônio Cavalcante da Costa Neto, conjectura-se que o termo lazer tenha surgido no século XIII na forma francesa loisir, que, por sua vez, deriva-se do latim licere, o qual compreende a ideia de lícito ou permitido. Isso demonstra que a etimologia da palavra lazer tinha como sentido subjacente determinado tempo de liberdade, com ausência de regras e proibições. Tal fato, lembra o autor, revela a tese de que o lazer não constitui uma invenção da modernidade[32].
O festejado autor assevera que o lazer também está associado semanticamente a skhole grega e ao otium romano. De modo bastante sucinto, cumpre esclarecer que a skhole grega remonta à raiz do termo escola, local prazeroso destinado a busca pelo saber, ou seja, a skhole seria o modo de vida contemplativo dos filósofos. Por sua vez, o otium romano está relacionado à recreação e recriação, em que o primeiro compreenderia descanso ou divertimento e o segundo um tempo destinado ao exercício da cidadania[33].
Cumpre salientar que a atual semântica do termo lazer contempla, em certa medida, o caráter do otium, de acordo com as lições de Dumazedier, na medida em que envolve o desenvolvimento, descanso e divertimento.
Nesse sentido, alerta o autor que o ‘desenvolvimento’ embutido no termo lazer compreenderia a tarefa de libertação das cadeias da ignorância e alienação, ou seja, instrumento criativo. O ‘descanso’ seria a faceta capaz de restaurar a fadiga resultante das ocupações do dia-a-dia, especialmente do trabalho, proporcionada pelo lazer. Por fim, na função de ‘divertimento’ o lazer teria a capacidade de curar os vários tipos de tédio, servindo como fator de equilíbrio para suportar as dificuldades da vida, como a monotonia do trabalho e a prostração moral, exemplifica o autor. O autor encerra sua reflexão alertando para o fato de que tais funções do lazer ora tratadas (desenvolvimento, descanso e divertimento) não devem ser consideradas como categorias estanques[34].
No tocante à concepção da palavra lazer, Alexandre Lunardi complementa que o termo não está limitado à prática de esportes, antes, relaciona-se mais intimamente com o exercício de atividades que trazem satisfação própria, seja de caráter desportivo, ou não. O autor assevera que o lazer compreende o direito a um desenvolvimento psicossocial por suas mais diversas formas[35].
Nesse sentido, o autor[36] aduz que:
O lazer compreende tudo aquilo que o ser humano realiza de livre vontade, seja o descanso, o divertimento, o entretenimento, ou mesmo a pratica de atividades de aprendizado ou realização de serviços desvinculados de obrigações profissionais, geralmente associados ao bem-estar próprio, familiar ou social.
Complementa o autor:
A concepção de lazer, dentro de um Estado que busca a promoção social, está intimamente relacionada com o desenvolvimento da pessoa através da ocupação do seu tempo livre, com atividades de recreação, com participação na sociedade, com qualidade de vida, com atividades criativas em geral.
É imperioso afirmar que o gozo de tempo livre para usufruir da melhor forma que lhe apraz é uma das necessidades humanas para seu desenvolvimento completo e para uma existência digna. Daí a necessidade de tutela do direito ao lazer.
Apesar do caráter econômico que circunda o trabalho[37], enquanto meio de produção, há que se buscar, em primeiro lugar, dada a sua importância, a dignidade do trabalhador.
Assim, necessário se faz encontrarmos um ponto de equilíbrio, de modo que a evolução da sociedade capitalista e dos modelos de produção não acarrete em retrocesso e redução dos direitos fundamentais consagrados no sistema, dentre os quais extrai a limitação da jornada de trabalho e consequente direito à desconexão do trabalho, ou seja, o direito ao lazer.
Ocorre que em razão das exigências sem limites do capitalismo e da intensa busca pelo lucro, os empregadores sujeitam seus empregados a condições de trabalho que afrontam os seus direitos básicos, submetendo-os, inclusive, a jornadas excessivas de trabalho, suprimindo intervalos, férias, e outros direitos destinados ao lazer e reposição das energias do obreiro.
A imposição das jornadas excessivas gera consequências diretas no próprio ambiente laboral, pois produz empregados exaustos e estressados, diminuindo a produção e prejudicando a convivência com os colegas de trabalho.
O estado de subordinação próprio da relação de emprego não autoriza a sujeição do obreiro a condições não permitidas e autorizadas por lei, tal como a imposição, pelo empregador, de jornadas excessivas, cabendo, inclusive, nesse caso, o exercício do direito de resistência do obreiro frente aos abusos patronais[38].
As exigências do mundo globalizado não permitem a desconexão plena do trabalho, fazendo com que o sujeito constantemente esteja ligado, de algum modo, às suas funções laborais, ainda que findo o período de sua jornada. Não é raro o trabalhador fazer de sua casa uma extensão do seu ambiente de trabalho, levando tarefas para terminar na sua residência, ou no intervalo para refeições, ou mesmo durante sua viagem de férias. Esse fato gera graves consequências não apenas na vida do obreiro que teve de laborar em jornadas excessivas, mas também na de sua família.
Nesse contexto, a ‘era cibernética’, a par dos inegáveis benefícios proporcionados à vida humana, também é responsável por afastar o sujeito do seu convívio familiar e social, ao permiti-lo prolongar o seu labor em horário extratrabalho, pois é comum o obreiro, em períodos que deveriam ser destinados ao seu lazer e descanso, gastar seu tempo verificando emails profissionais, bem como buscando solucionar problemas referentes ao seu mister, por exemplo.
O trabalho não possui, conforme anteriormente já comentado, natureza puramente econômica, servindo, outrossim, para dignificar o homem. O obreiro não pode ser lesado constantemente com jornadas excessivas, não condizentes com sua condição de ser humano, para atender às necessidades puramente capitalistas.
A competitividade no mercado de trabalho não pode acarretar o retrocesso nas conquistas sociais, em violação de direitos que o ordenamento já assegurou, assim, o empregador não tem o poder de impor jornadas excessivas e desumanas aos empregados, sob a justificativa de atender a demanda e aos anseios competitivos do mercado de trabalho.
Cabe salientar, ainda, que nesse contexto de exploração do obreiro e desrespeito a direitos básicos, como o direito ao lazer, o empregado se vê no mínimo receoso de se insurgir contra tal situação, exercendo o direito de resistência, em face do temor da dispensa do trabalho, fonte de sua subsistência. Assim, acaba por aceitar e se submeter aos abusos e afrontas a seus direitos impostos pelo empregador[39].
O avanço tecnológico permitiu a criação de um ‘exército de reserva’, ou seja, de um grupo de pessoas à disposição para o trabalho, de modo que o patrão, na visão dos obreiros, não temeria perdê-lo no seu corpo de funcionários, já que existiria um grupo de pessoas buscando posto de trabalho.
Desse modo, o obreiro, no temor de ser demitido e perder a fonte de sua subsistência, se submete aos ditames patronais, abrindo mão de diversos direitos que lhe são próprios, dentre os quais, o direito ao lazer, aceitando jornadas exaustivas de trabalho.
O obreiro inserido em sua realidade social precisa de tempo para si, para ser membro de uma família, para participar de um esporte, assistir a um filme ou ler um livro. O direito ao lazer é bastante amplo e implica na desconexão do trabalho, momento no qual o trabalhador pode descansar, repor suas energias e exercer qualquer tipo de atividade, desde que não relacionada ao seu ambiente de trabalho[40].
O lazer, não se pode negar, está diretamente relacionado com a satisfação de várias necessidades humanas. A preservação da integridade física e psíquica do sujeito, por meio do descanso, do exercício de esportes, atividades recreativas, culturais, sociais, religiosas, ou simplesmente um ‘não fazer nada’, compreendendo o direito de estar livre das obrigações e responsabilidades advindas do trabalho.
A melhoria na qualidade de vida do obreiro, a probabilidade de evitar problemas de saúde e o aumento da produtividade no ambiente de trabalho refletem o fato de o lazer ser um direito social necessário biologicamente.
Contrariamente, obreiros cansados e estressados desenvolvem doenças, inclusive, síndromes do pânico e depressões, causando prejuízos à atividade laboral e ao próprio ambiente de trabalho, na medida em que o estresse e a falta de produtividade acabam por ‘contaminar’ os demais obreiros.
Além da necessidade biológica, o direito ao lazer também impõe uma necessidade social, isto é, de interação do homem com o meio em que vive, aprimoramento dos relacionamentos interpessoais, usufruto dos benefícios de uma família estruturada, harmônica e bem desenvolvida, tais como a formação do caráter e participação no desenvolvimento pessoal dos filhos, a manutenção da relação conjugal.
O direito ao lazer também se impõe como necessidade do homem social, isto porque o ser humano é dotado de necessidades que só são satisfeitas no meio social, não podendo viver isoladamente, assim, precisa de tempo para se dedicar a família, amigos e a sociedade em geral. A dimensão humana não está limitada ao ambiente de trabalho, de modo que o homem precisa interagir com a família e a comunidade em que vive, participando de atividades recreativas, esportivas, culturais e religiosas, para as quais necessita de disponibilidade de tempo[41].
Ainda pode-se falar em uma necessidade psíquica que o direito ao lazer busca atender, qual seja a necessidade de repor as energias gastas na jornada de trabalho, o desgaste psíquico e mental gerado pela rotina no ambiente de trabalho[42].
O ambiente de trabalho consome o empregado com regras, tensões e, até mesmo conflitos, de modo que o direito a um tempo livre para liberar-se do estresse e fadiga próprios do trabalho é imperioso para a vida digna do obreiro. Esse tempo livre se justifica como instrumento para compensar as prejudiciais consequências do cotidiano a que é submetido o trabalhador no ambiente de trabalho.
O direito ao lazer também atende a uma necessidade cultural, isso porque favorece o contato do obreiro com seus semelhantes, proporcionando afinidade entre os membros que compartilham de uma mesma identidade cultural, além de exercer importante tarefa no incentivo à cidadania[43].
Concernentemente ao assunto, aduz Alexandre Lunardi[44]:
Nesse sentido o direito ao lazer pode agir como um importante instrumento jurídico para a garantia de existência dessas relações intersubjetivas, pois é no período em que a pessoa está fora de uma ação mecânica que ela possui convívio social e familiar e interage com o outro criando, por fim, o que se denomina de relação empática.
O lazer, portanto, satisfaz as necessidades do homem como pessoa e como ser social, refletindo positivamente em diversos aspectos, como biológico, psíquico, social e cultural.
O lazer, conforme visto, gera profundo impacto e reflexos na vida do homem, lhe permitindo crescer como pessoa e ser social. A não observância de tal direito fere o sistema jurídico e abala a própria credibilidade na Constituição Federal, haja vista a Lei Maior demonstrar em diversos momentos sua preocupação com a desconexão do trabalho e a função social que o trabalho deve carregar consigo.
O legislador manifestou o intento de garantir o direito ao lazer e ao descanso do obreiro em diversas disposições normativas. Assim, ao estabelecer os direitos às férias, ao descanso semanal remunerado, aos intervalos intra e interjornada, a limitação diária da jornada de trabalho e o direito ao repouso nos feriados, consagrou a importância do direito à desconexão do trabalho, haja vista os direitos supramencionados compreenderem reflexos do direito ao lazer[45].
A intenção do legislador em resguardar o direito ao descanso do obreiro também pode ser visualizado na vedação da substituição da integralidade do período de férias pela sua respectiva remuneração[46]. A proibição prevista na lei traduz que a mens legis é que o sujeito disponha de tempo para desfrutar do lazer, descansar e repor suas energias para o retorno ao trabalho. As previsões legislativas em comento estão em consonância com a função social do trabalho em dignificar o ser humano e não escravizá-lo.
Além disso, outra forma da lei demonstrar a intenção de resguardar o direito ao repouso compreende a previsão de horas extras para o labor em excesso ao limite legal da jornada de trabalho. O legislador previu o caráter excepcional do trabalho em horário suplementar, além de limitá-lo a duas horas diárias, isso porque o excesso da jornada afeta o tempo de descanso do trabalhador e, portanto, o seu à desconexão do trabalho[47].
Outrossim, constata-se também o intuito de proteção do direito ao descanso do obreiro pela limitação posta pelo legislador no tocante à supressão dos repousos semanais e dias feriados, quando, então, prevê o pagamento em dobro do dia suprimido, já que tal previsão possui caráter intimidatório no empregador ao saber que se violar o direito do obreiro será responsabilizado por tal atitude.
Embora, todavia, essa não seja a melhor forma de tutelar referido direito, haja vista não impedir a sua violação, servindo, tão somente, para desestimular a ofensa ao direito[48].
As leis trabalhistas, de cunho protecionista, limitam a jornada de trabalho em diversos aspectos. Nesse sentido, o direito dos estudantes menores de dezoito anos de gozarem o período de férias em período coincidente com os das férias escolares e, quando houver membros da família no mesmo emprego, o direito de gozarem na mesma época, desde que não acarrete prejuízos ao empregador, também são reflexos da intenção do legislador em garantir que o obreiro utilize seu período de férias para o descanso e lazer[49].
É perceptível a preocupação do legislador em efetivar o direito ao lazer nas relações de trabalho, mas não se pode olvidar que a prática, muitas vezes, é destoante do que disciplina a norma, de modo que a sociedade e os operadores do direito devem conjugar esforços para que tal direito seja efetivamente observado.
Os operadores do direito devem ter em mente a necessidade de concessão da tutela efetiva e adequada aos direitos que consagrem a dignidade da pessoa humana.
Os motivos pelos quais o empregado deve se desconectar do trabalho já foram alhures demonstrado. O trabalhador descansado tende a produzir e render de forma mais satisfatória no ambiente de trabalho. O meio ambiente do trabalho deve ser saudável e equilibrado e a concessão do direito ao lazer é uma das ferramentas úteis para tal fim, conforme será visto a seguir.
5. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL E EQUILIBRADO: DESDOBRAMENTOS DA EFICÁCIA DO DIREITO AO LAZER
A ordem jurídica pátria estabelece como um dos seus fundamentos o valor social do trabalho e, nesse sentido, o labor deve servir para dignificar o homem, permitindo-o, dentro do contexto da relação empregatícia, usufruir dos direitos que lhe são consagrados.
Não obstante tal entendimento, não raras vezes a dignidade do homem é violada pelo próprio exercício do trabalho, quando este lhe impõe jugos pesados a que por lei não é obrigado suportar, como, no caso, a jornadas excessivas e a não concessão dos direitos concretizadores da desconexão do trabalho, tais como férias e repousos semanais remunerados[50].
A não concretização do direito ao lazer gera danos de diversas ordens ao obreiro, motivando, inclusive, conflitos no ambiente laboral, bem como no ambiente familiar.
O trabalho, concebido como forma de dignificação do homem, tem, todavia, não raras vezes, exercido papel contrário aos fins para os quais foi criado. Na realidade, tem submetido o homem a cargas excessivas de labor, isolando o homem da sociedade em que vive, sobrevivendo a uma rotina violadora dos direitos que lhe são assegurados na ordem jurídica vigente.
A relação estabelecida entre o empregado e o empregador é sustentada pelo gasto de energia na execução das funções laborais, tendo como contraprestação o pagamento pelo serviço prestado.
O dispêndio de energia humana oriunda do trabalho, via de regra, tem por finalidade a manutenção da sobrevivência do obreiro e de sua família.
A relação de trabalho, entretanto, não deve ser analisada tão somente no seu valor econômico, devendo, outrossim, ser observado o seu aspecto humano e social, protegendo-se os direitos fundamentais do empregado, dentre os quais o seu direito ao lazer[51].
A jornada excedente de trabalho afronta os limites do poder diretivo do empregador. Não há dúvidas de que o empregador possui poderes para dirigir a atividade laboral, no entanto o exercício de tais poderes não é ilimitado, possuindo barreiras na própria legislação pátria[52].
O trabalho efetuado sob cargas excessivas afronta os limites do exercício do poder diretivo, de modo que quando o empregador exige funções nesse molde, o faz de modo arbitrário, contrário as regras que regem a relação de trabalho[53].
O meio ambiente do trabalho deve ser equilibrado e saudável, por força de imperativos da dignidade da pessoa do trabalhador, bem como sua integridade física e psíquica.
Nesse sentido, o direito ao lazer também é ferramenta capaz de colaborar com o meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, haja vista trazer diversos benefícios não apenas ao obreiro, como também a toda a estrutura laboral, contribuindo, inclusive, com a eficiência e a produtividade no exercício das atividades laborais.
Em sentido inverso, a não concessão do direito ao lazer implica em prejuízos de diversas ordens a vida do empregado e sua família e, conforme já salientado, à própria atividade laboral.
A jornada de trabalho, portanto, deve observar os limites impostos constitucional e legalmente, tornando, assim, possível a fruição de tempo livre pelo obreiro e o desfruto do lazer.
A concessão do direito ao lazer, dentre outros benefícios, proporciona o resgate afetivo na vida familiar do obreiro. Tal afirmação é de imensurável importância, haja vista a família constituir a base, a estrutura da sociedade, de modo que não pode ser afetada negativamente pelo trabalho excessivo.
Os empregadores tendem a exigir cargas cada vez mais excessivas de trabalho dos seus obreiros, aumentando o trabalho em caráter extraordinário, ou até mesmo, compelindo os empregados a ‘venderem as férias’, ao invés de aumentarem os postos de trabalho[54].
Longas jornadas de trabalho resultam em danos a integridade física e psíquica do obreiro, gerando estresse, fadiga, depressão, afastamento do lar, amigos e sociedade, dentre outros efeitos prejudiciais. A jornada de trabalho deve ser limitada, como assim dispôs a Constituição Federal e leis infraconstitucionais, como a Consolidação das Leis Trabalhistas[55].
O excesso de trabalho gera prejuízos ao próprio empregador, na medida em que reduz a produtividade e rendimento do obreiro no ambiente laboral, em razão do cansaço físico ou mental[56].
De outro lado, melhores condições de trabalho e obreiros descansados geram um aumento na produtividade do labor. Trabalhadores satisfeitos, cujas energias foram repostas, tendem a trabalhar com uma maior dedicação e empenho.
O lazer é instrumento de melhoria da qualidade de vida das pessoas, funcionando como mecanismo de proteção à saúde, integridade física e psíquica dos membros de uma sociedade. Proporciona o crescimento pessoal do sujeito, além do desenvolvimento do homem como ser social, permitindo relacionar-se com seus semelhantes.
A concessão do direito ao lazer possibilita o indivíduo a usufruir da remuneração recebida pelo trabalho prestado, investindo em viagens, cursos de interesse particular, dentre outras atividades. O convívio com a família e amigos, a participação como cidadão numa sociedade, a prática de atividades esportivas, culturais, artísticas só se tornam possíveis quando o sujeito possui tempo disponível, desconectado do trabalho.
O meio ambiente do trabalho saudável exige a observância do direito ao lazer, haja vista a sua não concessão ocasionar danos à saúde do obreiro, tais como doenças do pânico, estresse, fadiga, depressão, queda de produtividade na empresa, acidentes de trabalho, problemas nos relacionamentos familiares e sociais, dentre outros[57].
A observância do direito ao lazer reduz os índices de acidentes de trabalho, isso porque uma jornada de trabalho com limites desarrazoados faz com que o obreiro não tenha a devida atenção no exercício de suas funções, acarretando os acidentes indesejados. Não resta dúvida de que o empregado fadigado está mais propenso à incidência de acidentes[58].
O obreiro submetido à carga excessiva de trabalho não tem condições de participar de atividades recreativas, esportivas e culturais, por exemplo, na medida em que seu tempo livre está consumido pelo trabalho, não tendo tempo para repouso e lazer.
Além da falta de tempo para o exercício de tais atividades, a não observância do direito a desconexão do trabalho prejudica o convívio familiar do empregado, uma vez que o labor, muitas vezes, acompanha o indivíduo além da jornada no ambiente de trabalho, quando o trabalhador leva para casa, além de atividades laborais propriamente ditas, preocupações que o impedem de compartilhar a vida em família.
Não obstante a previsão pelo ordenamento jurídico do direito à desconexão ao trabalho, concedendo ao trabalhador tempo livre para gozar da forma que lhe convenha, não são todos os obreiros que usufruem do direito discutido.
Apesar da conquista jurídica de se estabelecer o direito ao lazer como direito social fundamental na sociedade, não são todos os seus membros que desfrutam de tal liberdade, isso porque parcela não reduzida de empregadores permanece submetendo seus empregados a condições subumanas e abusivas de trabalho, furtando seu tempo livre. Faz-se necessário, portanto, que os poderes públicos adotem medidas eficazes no intuito de concretizar a tutela do direito ao lazer a todos, indistintamente.
As razões que justificam o direito à desconexão do trabalho são questões de ordem pública, que exigem uma preocupação do Estado na efetividade social de tal direito. A proteção à saúde e a ampliação do acesso ao mercado de trabalho são razões que justificam plenamente a concessão do direito ao lazer.
O Poder Público deve garantir o gozo do direito ao lazer, por meio da aplicação concreta das normas que regem o tema, como descanso semanal remunerado e o direito às férias, oportunidade em que o obreiro se desliga durante trinta dias do exercício de suas funções laborais, permitindo a recarga de suas energias.
Interessante observar o cuidado dos poderes públicos em implementar efetivamente o direito ao lazer na sociedade através, também, de políticas públicas voltadas à construção de praças equipadas com brinquedos para crianças e ambientes esportivos, bem como arenas para peças teatrais, por exemplo, como forma de disponibilizar um espaço para a população gozar de tempo livre para convivência familiar e social, bem como para o desenvolvimento de atividades culturais e artísticas.
Apesar da louvável adoção de políticas públicas voltadas à fruição do tempo livre, o direito a desconexão do trabalho ainda está longe de ser efetivamente concretizado a todos, no entanto, não se pode deixar de reconhecer ser esse o primeiro passo para alcançar tal desiderato.
O contexto atual do mercado de trabalho é marcado por uma cobrança excessiva de metas, que impõe ao trabalhador um desgaste no trabalho além do que as suas forças suportam, pois exige uma produtividade sem limites, cada vez com metas mais difíceis de serem cumpridas.
Tal cobrança excessiva requer do obreiro uma carga de trabalho exorbitante, além do parâmetro normal, e, como já afirmado anteriormente, muitas vezes, faz com que o obreiro leve trabalho para casa, estendendo o labor para além do ambiente e horário de trabalho.
Esse ritmo de trabalho, vale salientar, acarreta inúmeros prejuízos ao trabalhador, ensejando, inclusive a reparação judicial por meio de indenização pelos danos causados. A violação do direito ao lazer, em especial o desrespeito ao limite de jornada estabelecido faz surgir, assim, o direito à devida indenização[59].
Cumpre mencionar que a lesão ao direito em comento, garantido constitucionalmente, enseja reparação na via judicial por meio do direito de ação. O empregado lesado por jornadas excessivas pode acionar a tutela jurisdicional com vistas a obter a indenização devida pelo dano suportado[60].
O desgaste em razão do trabalho sem limites e a consequente falta de tempo para família como fruto da não concessão do direito ao lazer não podem ficar impunes, surgindo daí a possibilidade de ingresso em juízo com vistas a sua reparação, segundo parcela doutrinária.
A responsabilidade patronal em indenizar o obreiro submetido a tais condições também se justifica pelos danos a saúde causados por longas jornadas habituais violadoras do direito à desconexão ao trabalho. A depressão, fadiga, estafa, dentre outros problemas acarretados pela lesão ao direito ao lazer não podem ficar sem a devida reparação[61].
A sociedade civil organizada, como os sindicatos e associações, e o Ministério Público do Trabalho também possuem tarefa de atuar positivamente na defesa dos direitos fundamentais dos obreiros, contribuindo a proporcionar-lhes uma existência digna.
A responsabilidade civil requer a demonstração da conduta ilícita, do dano e do nexo causal. Constitui abuso de direito e, portanto deve ser coibido do sistema. Referida conduta ilícita gera, como visto anteriormente, danos de várias ordens na vida do obreiro. Esse ciclo, portanto, possibilita o pleito de indenização, conforme autoriza o artigo 187 do Código Civil vigente[62].
A afronta ao direito ao lazer gera o direito à reparação[63], instrumentalizado pelo direito constitucional de ação, em que o ofendido pode pleitear indenização por danos morais, em decorrência da retirada efetiva do direito ao lazer, direito esse constitucionalmente assegurado.
Destarte, embora se defenda a possibilidade de indenização frente ao direito violado, essa teoria não é aceita com unanimidade na doutrina, havendo quem sustente não ser possível, visto que, conforme argumenta-se, o artigo 6º da Constituição carece de regulamentação[64], bem como pelo argumento de que o serviço extraordinário já é devidamente remunerado pelo pagamento dos adicionais.
Cumpre salientar que a possibilidade de responsabilidade civil patronal e dever de indenização acarretarão consequências benéficas, visto que servirão como desestimuladores a continuidade da prática ilícita, de modo que o empregador poderá levar em consideração tal possibilidade quando pensar em desrespeitar o direito fundamental social do obreiro.
Não se pode olvidar, outrossim, que a situação econômica em que vivemos é marcada pelo desemprego, e essa situação reflete diretamente no direito ao lazer, isso porque os empregados submetidos a cargas excessivas e desarrazoadas de trabalho não se insurgem contra tal problema, em razão do temor da dispensa pelo empregador. Assim, as discussões sobre a importância da observância do direito ao lazer, muitas vezes, se restringem ao âmbito acadêmico e doutrinário.
Diante de todo o exposto, é perceptível que a exploração do trabalho humano pelo empregador possui limites previamente fixados no ordenamento, devendo ser devidamente cumprido. É certo que o lazer possui dimensão jurídica, devendo ser efetivamente concedido a todos, por configurar direito fundamental social assegurado na ordem jurídica vigente. Resta, todavia, a devida diligência no sentido de observar o cumprimento de tal direito no contexto capitalista de produção vivenciado hodiernamente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal prevê, no artigo 1º, IV, o valor social do trabalho como um dos fundamentos do ordenamento jurídico. O trabalho, portanto, também assume dimensão social e, nessa medida, deve servir como forma de dignificar o homem.
Todavia, a relação hodierna de trabalho, face às exigências de uma sociedade desigual e capitalista, não poucas vezes sufoca o trabalhador e o suprime do exercício de seus direitos básicos e fundamentais. Assim sendo, o trabalho deixa de ser instrumento de dignificação do homem e causa-lhe opressão, em diversos aspectos, dentre os quais se encontra a afronta ao direito ao lazer, direito social constitucionalmente garantido a todos.
O avanço do capitalismo e a busca desenfreada pelo lucro acarretam a desvalorização e desrespeito aos direitos fundamentais básicos dos empregados, haja vista o foco dos empregadores na direção da relação laboral ser tão somente o alcance de maior produtividade a todo custo.
Nesse contexto são relegados ao segundo plano o direito ao lazer do obreiro, pois não raras vezes estes são compelidos a laborar em jornada excedente ao limite legal, além de terem suprimidos os horários de intervalo intrajornada, ou ser ofendido o lapso de tempo necessário ao intervalo interjornada, ou até mesmo não puderem gozar do período de férias, quando já adquirido tal direito. Essas situações levam o obreiro à exaustão física e mental repercutindo na sua qualidade de vida.
O almejado direito à desconexão do trabalho também é afrontado quando, embora o obreiro já tenha deixado o ambiente do trabalho, continue com a obrigação de permanecer conectado por meio de celulares ou emails, por exemplo, ao desenvolvimento de suas funções, prejudicando, assim, o seu tempo livre de descanso, já que tem que permanecer em constante alerta.
Nesse contexto, o direito social fundamental ao lazer fica esvaziado, e o indivíduo permanece diuturnamente conectado ao ambiente de trabalho, gerando-lhe prejuízos físicos, psicológicos e sociais.
O direito ao lazer traz melhorias às condições de vida do trabalhador que conta apenas com a sua energia para o desenvolvimento de suas atividades laborais e a observância do referido direito implica em benefícios na esfera pessoal, familiar, social, cultural e fisiológica do empregado e, até mesmo na sua produtividade e desempenho dentro da própria relação de trabalho.
A observância do direito ao lazer gera maior produtividade no exercício das funções laborais, na medida em que o trabalhador descansado repôs suas energias e está pronto, recomposto para nova jornada de trabalho, ao passo que o empregado exausto e desgastado não possui forças físicas, nem psíquicas para o desenvolvimento de suas tarefas diárias, resultando numa menor produtividade e eficiência.
O direito à desconexão do trabalho se impõe como uma necessidade biológica, permitindo ao sujeito desfrutar de tempo livre. Não se pode olvidar que a observância dos limites de jornada de trabalho diminui as possibilidades do desenvolvimento de depressões, doenças de pânico, estresses emocionais e fadigas pelos empregados, proporcionado, dessa forma, uma melhoria na qualidade de vida dos empregados e benefícios dentro do próprio ambiente de trabalho.
O direito à desconexão do trabalho possui função primordial na qualidade de vida e desenvolvimento social e psicológico dos membros de uma sociedade. A limitação da jornada de trabalho, mediante a regulamentação da jornada diária e semanal máximas permitidas, além da concessão de férias, intervalos inter e intrajornada, repouso semanal remunerado, direito ao gozo dos feriados, dentre outros direitos, foram estabelecidos pelo legislador para concretizar o direito ao lazer.
O direito ao lazer, nesse sentido, também está diretamente relacionado ao direito à saúde, na medida em que contribui para o estado de vida saudável dos obreiros, diminuindo os riscos de desenvolvimento de doenças físicas e psíquicas.
Nesse sentido, o caráter econômico do trabalho não pode se sobrepor ao princípio da dignidade da pessoa humana, valor supremo norteador de todo o sistema jurídico. O trabalho possui função social e deve servir para dignificar o homem e não torná-lo servil e submisso aos ditames arbitrários do empregador.
O meio ambiente do trabalho deve ser saudável, prazeroso, ferramenta de dignificação do homem, sem lesões aos direitos que lhe foram assegurados constitucionalmente. O trabalho não pode oprimir o homem de tal modo que afete sua saúde física e mental e lhe afaste do lar e do convívio social. O homem, como ser humano e social tem necessidade de lazer, de se desconectar do trabalho e gozar de tempo livre para repor as suas energias e desenvolver-se como pessoa.
Os direitos fundamentais também incidem nas relações privadas, e, assim também se dá na relação de emprego, de modo que não pode o empregador, sob a justificativa de dirigir a atividade laboral, submeter o empregado a situações que por lei não é obrigado. O direito ao lazer é direito social fundamental garantido na Constituição e deve ser observado no ambiente laboral.
A concessão do direito ao lazer nas relações trabalhistas se insere como direito fundamental concretizador dos princípios preconizados no Texto Constitucional, mormente o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa esteira, a afronta ao direito ao lazer, fruto da exploração do trabalho humano abusivo, contrário aos ditames legais, viola a dignidade da pessoa humana. O direito à desconexão do trabalho, em última análise, não é direito apenas do empregado, estendendo-se também à sua família e a própria sociedade, visto que tais instituições usufruem, de certo modo, da concessão do direito ao lazer do obreiro.
A ordem jurídica tutela a dimensão social do trabalhador e o labor, a despeito do seu valor numa dada sociedade, não pode limitar a condição humana do obreiro, retirando direitos que lhe foram garantidos pelo sistema jurídico. Antes, o trabalho deve permitir o desenvolvimento do empregado como ser social, possibilitando o relacionamento com seus semelhantes. O respeito à dignidade da pessoa humana está diretamente relacionada com a efetivação dos direitos fundamentais dos indivíduos, no caso em comento, do direito ao lazer.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a compreensão acerca do significado e função do labor humano deve retornar ao sentido no qual foi concebido, de modo que devemos buscar sua revalorização, primando pela dignificação do homem e o desenvolvimento de uma sociedade livre e igualitária, cujos direitos fundamentais são devidamente garantidos.
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[1]Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
[2] Art. 217: “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados”:
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
[3] Art. 59, Lei 8.069/90: “Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”.
[4] Art. 20:“O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade”. Ainda, dispõe o Estatuto protetivo no art. 23: “A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinquenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais”.
[5] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 12. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2010, pp.24-25.
[6] LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.27.
[7] Op. cit. p.25.
[8] Art. 7º: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal.
[9]André Ramos Tavares anota a dificuldade em conceituar a dignidade da pessoa humana: “O princípio da dignidade da pessoa humana encontra, assim como o direito à vida, alguns obstáculos no campo conceitual. Aliás, em boa medida, as dificuldades são aquelas próprias dos princípios, normas que, como já se verificou, são extremamente abstratas, permitindo diversas considerações, definições e enfoques os mais variados” (Curso de Direito Constitucional.2ed, rev., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p.405).
[10]Acerca da necessidade de estabelecer um conceito mínimo para a dignidade da pessoa humana, Eugênio Hainzenreder Júnior defende que: “a busca por essa conceituação pode envolver situações paradoxais, pois, se subjetivado ao extremo o conceito de dignidade, haverá o risco de que cada pessoa a defina em conformidade com as suas convicções, ao passo que se o conceito for absoluto esse não poderá ser submetido às apreciações e valorações individuais” (Direito à privacidade e poder diretivo do empregador – o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p.8).
[11]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.62.
[12]AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp.109-110.
[13]HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador – o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p.16.
[14]Para Maurício Godinho Delgado: “A Constituição brasileira, como visto, incorporou o principio da dignidade da pessoa humana em seu núcleo, e o fez de maneira absolutamente atual. Conferiu-lhe status multifuncional, mas combinando unitariamente todas as suas funções: fundamento, principio e objetivo. Assegurou-lhe abrangência a toda a ordem jurídica e a todas as relações sociais. Garantiu-lhe amplitude de conceito, de modo a ultrapassar sua visão estritamente individualista em favor de uma dimensão social e comunitária de afirmação da dignidade humana” (Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, n.123, ano 32, julho/setembro, São Paulo: RT, 2006, p.155).
[15]Art. 1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”:
III- a dignidade da pessoa humana.
[16]Observa Eugênio Hainzenreder Júnior: “Assim, conclui-se que a dignidade como fundamento da República configura uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento” (Idem, p.32).
[17]Nesse sentido, posiciona-se Ingo Sarlet: “a dignidade consiste em um valor-guia de toda a ordem jurídica e não apenas dos direitos fundamentais, razão pela qual pode ser caracterizada como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa” (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 80).
[18]MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.172.
[19]Ensina Maurício Godinho Delgado: “O princípio da dignidade da pessoa humana traduz a idéia de que o valor central das sociedades, do direito e do Estado contemporâneos é a pessoa humana, em sua singeleza, independente do seu status econômico, social ou intelectual. O princípio defende a centralidade da ordem juspolítica e social em torno do ser humano, subordinante dos demais princípios, regras, medidas e condutas práticas”.(Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, n.123, ano 32, julho/setembro, São Paulo: RT, 2006, 152).
[20]Acerca do assunto, leciona Walber de Moura Agra: “Dessa centralidade advém que nenhuma norma jurídica pode denegrir seu conteúdo essencial, tornando-a vetor paradigmático para a interpretação das demais normas e valores constitucionais” (Curso de Direito Constitucional.4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp.109-110).
[21] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho. 23.ed., rev., e atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p.388.
[22]Esclarece Eugênio Hainzenreder Júnior: “Os direitos fundamentais, ainda que com intensidade diversa, são repercussões da dignidade da pessoa e, portanto, cada direito fundamental possui um conteúdo da dignidade da pessoa. Em sendo assim, proporcionar a preservação da dignidade constitui um dever fundamental do Estado constituindo a premissa básica do ordenamento jurídico. Portanto, haverá a negação da dignidade da pessoa humana quando não lhe forem reconhecidos os direitos fundamentais que lhe são inerentes” (Direito à privacidade e poder diretivo do empregador – o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p. 17-18).
[23] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Saraiva: São Paulo, 2009, p. 253-254.
[24]NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, p.358.
[25] Idem, p.75.
[26] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, p.130.
[27]LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, pp.86-88.
[28]SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, pp.104-105.
[29]Nesse sentido, Amauri Mascaro do Nascimento ao tratar do sistema de valores do Direito do Trabalho, em especial da sua função social discorre: “Outros pensarão no direito do trabalho como meio de realização de valores sociais e não de valores econômicos, em especial de preservação de um valor absoluto e universal, a dignidade do ser humano que trabalha” (Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, p.76).
[30] LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.31.
[31] No que tange à concessão do intervalo intrajornada destinado ao repouso e alimentação do obreiro, segue a ementa de julgado proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, por meio de sua 1ª Turma, em que foi reiterada a importância das normas relacionadas ao descanso e lazer dos empregados, consideradas de indisponibilidade absoluta, na medida em que estão vinculadas à higidez física e mental do trabalhador. Assim, no caso concreto prevaleceu a orientação jurisprudencial n.301 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho. Nesse sentido, o teor da EMENTA: “INTERVALO INTRAJORNADA (PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO). NÃO CONCESSÃO OU CONCESSÃO PARCIAL. LEI Nº 8.923/94 (DJ 11.08.2003). Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT)”. (Orientação Jurisprudencial n.º 307 da SDI-1 do C. TST). INTERVALO INTRAJORNADA. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. É inválida cláusula normativa contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada por se tratar de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7°, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva, segundo entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial n.° 342 da SDI-1/TST. INTERVALO INTRAJORNADA. NATUREZA SALARIAL. Na visão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, (OJ n.º 354 da SBDI-1)) o § 4º do artigo 71 da CLT, ao obrigar o empregador a remunerar o período correspondente ao intervalo não concedido com um acréscimo de no mínimo cinquenta por cento, imprimiu natureza salarial à parcela. Ressalvas do Relator. (Acórdão proferido pelo Excelentíssimo Desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, publicado em 01/06/2012, processo nº 01897-2011-004-10-00-0 RO, tendo como recorrentee recorridoGildecino de Menezes Formiga e Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal).
[32] COSTA NETO, Antônio Cavalcante da.Lazer, direitos humanos e cidadania – por uma teoria do lazer como direito fundamental. Curitiba: Protexto, 2010, p.52.
[33] Idem, p. 53.
[34] COSTA NETO, Antônio Cavalcante da.Lazer, direitos humanos e cidadania – por uma teoria do lazer como direito fundamental. Curitiba: Protexto, 2010, p. 54-56.
[35] LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.37.
[36] Idem, p. 38.
[37] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, p.75.
[38] Nesse sentido, leciona Maurício Godinho Delgado: “[...] obviamente que é válida e juridicamente protegida a resistência obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador no contexto empregatício. O chamado direito de resistência (jus resistentiae) é, portanto, parte integrante do poder empregatício. Na verdade, sua configuração é apenas mais uma cabal evidência do caráter dialético (e não exclusivamente unilateral) do fenômeno do poder no âmbito da relação de emprego” (Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, pp.681-682).
[39] No tocante ao exercício do direito de resistência pelo obreiro, Maurício Godinho Delgado leciona que: “[...] obviamente que é válida e juridicamente protegida a resistência obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador no contexto empregatício. O chamado direito de resistência (jus resistentiae) é, portanto, parte integrante do poder empregatício. Na verdade, sua configuração é apenas mais uma cabal evidência do caráter dialético (e não exclusivamente unilateral) do fenômeno do poder no âmbito da relação de emprego” (Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p.681-682).
[40]COSTA NETO, Antônio Cavalcante da.Lazer, direitos humanos e cidadania – por uma teoria do lazer como direito fundamental. Curitiba: Protexto, 2010, p.54-56.
[41]LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.76-78.
[42]COSTA NETO, Antônio Cavalcante da.Lazer, direitos humanos e cidadania – por uma teoria do lazer como direito fundamental. Curitiba: Protexto, 2010, p.54.
[43] LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, pp.91-93.
[44] Idem, p. 92
[45] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, pp.387-401.
[46] CLT, art. 143 - É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes.
[47] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Op. cit. p.384-386.
[48]No que tange à concessão do intervalo intrajornada destinado ao repouso e alimentação do obreiro, segue a ementa de julgado proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, por meio de sua 1ª Turma, em que foi reiterada a importância das normas relacionadas ao descanso e lazer dos empregados, consideradas de indisponibilidade absoluta, na medida em que estão vinculadas à higidez física e mental do trabalhador. Assim, no caso concreto prevaleceu a orientação jurisprudencial n.301 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho. Nesse sentido, o teor da EMENTA: “INTERVALO INTRAJORNADA (PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO). NÃO CONCESSÃO OU CONCESSÃO PARCIAL. LEI Nº 8.923/94 (DJ 11.08.2003). Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT)”. (Orientação Jurisprudencial n.º 307 da SDI-1 do C. TST). INTERVALO INTRAJORNADA. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. É inválida cláusula normativa contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada por se tratar de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7°, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva, segundo entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial n.° 342 da SDI-1/TST. INTERVALO INTRAJORNADA. NATUREZA SALARIAL. Na visão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, (OJ n.º 354 da SBDI-1)) o § 4º do artigo 71 da CLT, ao obrigar o empregador a remunerar o período correspondente ao intervalo não concedido com um acréscimo de no mínimo cinquenta por cento, imprimiu natureza salarial à parcela. Ressalvas do Relator. (Acórdão proferido pelo Excelentíssimo Desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, publicado em 01/06/2012, processo nº 01897-2011-004-10-00-0 RO, tendo como recorrentee recorrido Gildecino de Menezes Formiga e Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal).
[49] Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 136:“A época da concessão das férias será a que melhor consulte os interesses do empregador”.
§ 1º - Os membros de uma família, que trabalharem no mesmo estabelecimento ou empresa, terão direito a gozar férias no mesmo período, se assim o desejarem e se disto não resultar prejuízo para o serviço.
§ 2º - O empregado estudante, menor de 18 (dezoito) anos, terá direito a fazer coincidir suas férias com as férias escolares.
[50] No que concerne à jornada extra excedente ao limite legal e o consequente reconhecimento do dano existencial, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em 16/05/2012, em sede de recurso ordinário (processo nº.0001137-93.2010.5.04.0013/RO)interposto pela Reclamante, deu provimento e condenou a Reclamada ao pagamento de indenização no montante de dez mil reais. Consta como justificativas para tal condenação (ilustre redator desembargador José Felipe Ledur) a previsão constitucional do direito do lazer, ao convívio social com a família, a saúde e à dignidade. Além disso, assevera que as extensas jornadas de trabalho prejudicavam a saúde da Reclamante, causando-lhe depressão e estresse. Segue a ementa: “DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS.O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido (Acórdão proferido pela Juíza Anita Lübbe da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, publicado em 16/05/2012, processo nº RO-0001137-93.2010.5.04.0013, tendo como recorrenteLuciane Geórgea de Castroe recorrido WMS Supermercados do Brasil LTDA).
[51] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, p.79.
[52] No que tange ao poder diretivo, Sandra Lia Simon assevera que: “A subordinação jurídica do empregado não implica que ele tenha de se sujeitar a quaisquer tipos de ordens do empregador, pois o poder de direção deste não é ilimitado” (A proteção constitucional da intimidade e vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000, p119).
[53] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, p.277.
[54] No que concerne à jornada extra excedente ao limite legal e o consequente reconhecimento do dano existencial, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em 16/05/2012, em sede de recurso ordinário (processo nº.0001137-93.2010.5.04.0013/RO)interposto pela Reclamante, deu provimento e condenou a Reclamada ao pagamento de indenização no montante de dez mil reais. Consta como justificativas para tal condenação (ilustre redator desembargador José Felipe Ledur) a previsão constitucional do direito do lazer, ao convívio social com a família, a saúde e à dignidade. Além disso, assevera que as extensas jornadas de trabalho prejudicavam a saúde da Reclamante, causando-lhe depressão e estresse. Segue a ementa: “DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido (Acórdão proferido pela Juíza Anita Lübbe da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, publicado em 16/05/2012, processo nº RO-0001137-93.2010.5.04.0013, tendo como recorrenteLuciane Geórgea de Castroe recorrido WMS Supermercados do Brasil LTDA).
[55] NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: LTr, 2005, pp.144-145.
[56] Idem, p.358.
[57] No tocante aos malefícios causados na saúde do obreiro, em razão da submissão a jornadas excessivas, o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em 15/09/2011, em sede de recurso ordinário (processo n. 0001420-76.2010.5.03.0100/RO), interposto pela reclamada, negou provimento ao pedido de diminuição dos valores referentes aos danos moral e material, objeto de condenação no juízo de origem. Segue a ementa: DANO MORAL E MATERIAL. JORNADA EXCESSIVA. MOTORISTA. TRANSTORNO DEPRESSIVO GRAVE. NEXO DE CAUSALIDADE. CULPA. A jornada de trabalho é uma dimensão importante na qualidade do emprego, com sérias repercussões na segurança e saúde do trabalhador, bem como no próprio ambiente laboral. Assim, a empresa, cujo empregado é submetido à jornada diária extensa de 15 horas, aproximadamente, com intervalo intrajornada e folgas semanais desrespeitados, possui o dever de indenizá-lo em razão do quadro clínico de exaustão psicológica sofrido. A culpa patronal revela-se na negligência e na displicência, por não apresentar cuidados para evitar acidentes ou doença do trabalho, agindo de forma a assumir o risco pela ocorrência do dano. Acórdão proferido pelo Juiz Carlos Roberto Barbosa da Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, publicado em 15/09/2011, processo nº. 0001420-76.2010.5.03.0100/RO.
[58] Ilustrativamente, segue a ementa de um julgado proveniente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que versa sobre a morte de um trabalhador, em razão da falta de cuidados com a saúde e segurança no ambiente laboral, oriundas de jornadas extenuantes. EMENTA:Acidente de trabalho. Morte. Submissão do trabalhador a jornada extenuante de trabalho. Culpa da Reclamada caracterizada. A culpa do empregador em casos de acidente de trabalho fica caracterizada pela conduta desidiosa na prevenção, que normalmente se manifesta pelo descumprimento das regras de higiene, saúde e segurança no trabalho e ausência de instrução dos empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais (art. 157 da CLT). Desse modo, ao concorrer com culpa ou dolo para o acidente de trabalho, seja por ação no descumprimento de regras de segurança ou omissão em adotar medidas direcionadas à prevenção de acidentes, o empregador comete ato ilícito, o qual gera à vítima do infortúnio o direito à indenização (art. 186 do Código Civil). No caso concreto, restou evidenciado que o Reclamante era submetido a labor constante em sobrejornada. A submissão do trabalhador a jornada extenuante de trabalho ocasiona-lhe desgastes físico e psíquico, os quais influenciam desicivamente no desempenho de suas atividades. O empregador tem obrigação de oferecer adequadas condições de trabalho aos empregados, devendo cumprir e fazer cumprir as normas de higiene e segurança do trabalho, dentre as quais se enquadram aquelas relacionadas ao repouso necessário à recuperação das energias dos obreiros. Hoje já se sabe que a jornada de trabalho é fator decisivo para demonstrar inclusive o potencial perigoso ou insalubre de certas atividades, sendo que inúmeras normas de higiene e segurança do trabalho associam a exposição a agentes insalubres ou perigosos aos limites temporais de tolerância. Desta feita, submeter o trabalhador a carga excessiva de trabalho, acima dos limites estabelecidos pela lei, demonstra inequívoca conduta omissiva da Reclamada, a qual tem o condão de influenciar de forma decisiva em acidentes no ambiente de trabalho. No caso concreto, o Reclamante exercia a função de motorista de microônibus, atividade que exige atenção constante, reflexos rápidos e precisos, que só podem ser verificados se o trabalhador estiver em perfeita higidez física e mental. Caso contrário, os riscos de acidentes são evidentes. Não basta propiciar veículos em estado perfeito de funcionamento, bancos com posturas adequadas de trabalho, fiscalização no desempenho das atividades, se não se proporciona ao trabalhador o descanso vital à sua saúde. A saúde do trabalho não requer apenas o controle do ambiente físico no qual o trabalhador está inserido, mas principalmente o controle da condição física do próprio trabalhador e o respeito à sua integridade. O desrespeito às normas relativas à jornada máxima diária e semanal não é apenas um problema de natureza econômica, mas principalmente um problema de saúde pública, sendo que inúmeros acidentes de trabalhos não tem outra causa senão a exigência de serviços superiores às limitações físicas e psiquicas do trabalhador. No presente caso, o obreiro faleceu em virtude da conduta culposa da Reclamada. Não há como se afastar a sua responsabilidade pelo ocorrido. Decisão proferida pelo Juiz Sérgio Winnik, publicada em 10/02/2012, em sede de recurso ordinário (processo nº.02148008020095020316(02148200931602004)), tendo como recorrente Thaís Rafael da Silva e Recorrido JSL S/A.
[59]O Poder Judiciário também está vinculado à necessidade de tutela dos direitos fundamentais, inclusive, nessa categoria inserido o direito ao lazer, não podendo se esquivar de tal dever. Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco: “Cabe ao Judiciário a tarefa clássica de defender os direitos violados ou ameaçados de violência (art.5º, XXXV, CF). A defesa dos direitos fundamentais é da essência de sua função (...). A vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível. Sob um ângulo negativo, a vinculação do Judiciário gera o poder-dever de recusar aplicação a preceitos que não respeitem os direitos fundamentais” (Curso de Direito Constitucional. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p.173).
[60] LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.132.
[61]LUNARDI, Alexandre. Função social do direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, pp.133-134.
[62] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[63]LUNARDI, Alexandre. Op. cit. p.132-134.
[64] No tocante à necessidade de regulamentação de normas que preveem direitos fundamentais, preciosa é a lição de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco: “Verifica-se marcado zelo nos sistemas jurídicos democráticos em evitar que as posições afirmadas como essenciais da pessoa quedem como letra morta ou que só ganhem eficácia a partir da atuação do legislador. Essa preocupação liga-se à necessidade de superar, em definitivo, a concepção do Estado de Direito formal, em que os direitos fundamentais somente ganham expressão quando regulados por lei, com o que se expõem ao esvaziamento de conteúdo pela atuação ou inação do legislador” (Curso de Direito Constitucional. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, pp.173-174).
Advogada. Pós-graduada em direito do trabalho e processo do trabalho pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Marília Guiomar Neves Pedrosa. A tutela do direito ao lazer nas relações de trabalho: um direito fundamental social necessário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46643/a-tutela-do-direito-ao-lazer-nas-relacoes-de-trabalho-um-direito-fundamental-social-necessario. Acesso em: 22 nov 2024.
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