Resumo: Cuida-se no presente artigo da polêmica gerada desde a vigência da Lei 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil), em especial quanto à aplicação, no Sistema de Juizados Especiais, do seu art. 219, que, disciplinando a contagem de prazos processuais, prescreve a computação em dias úteis. Chegou-se à conclusão de que essa regra, em que pesem os entendimentos divergentes, pode e deve ser normalmente aplicada no rito disciplinado pela Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
Palavras-chave: contagem; prazo; juizados; especiais; dias; úteis.
Abstract: Care is taken in this article generated controversy since the enactment of Law 13,105 / 2015 (new Code of Civil Procedure), in particular on the application, the Special Courts System, its art. 219, which governs the counting of procedural delays should be considering only the working days. We came to the conclusion that this rule, in spite of the divergent understandings can and should normally be applied to the rite disciplined by Law 9,099/95 (Law of Special Claims Courts and Criminal).
Keywords: count; deadline; courts; special; days; useful.
1 Introdução
Desde o advento do Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015, - que entrou em vigor no último dia 18 de março, inaugurando novo sistema no processo civil brasileiro, várias são as discussões a respeito da aplicabilidade de determinados dispositivos no procedimento regido pela Lei 9.099/95- LJE, que instituiu o rito dos Juizados Cíveis e Criminais.
Neste artigo, tratar-se-á especificamente da discussão referente à contagem dos prazos processuais, analisando se devem ser contados em dias corridos como no antigo CPC (1973), ou apenas em dias úteis, conforme a nova lei, nos termos do seu art. 219[1].
Assim, por primeiro, citar-se-ão os posicionamentos sobre a temática e, em seguida, serão expostos os fundamentos que subsidiam o entendimento firmado neste artigo.
2 Debate do tema
A Lei 9.099/95, ao disciplinar o microssistema dos juizados especiais, é omissa, por não estabelecer a forma pela qual os prazos processuais devem ser computados, pelo que remete o aplicador, por via consequência, à utilização, por analogia, da regra geral estipulada no CPC.
Referida técnica de interpretação para enfrentar lacunas legislativas está prevista no art. 4º do Decreto-Lei 4.657/1942[2] (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). A analogia, pelo visto, deve ser a primeira fonte informal do Direito, sendo assim definida por não criar normas jurídicas, mas por direcionar o intérprete a encontrá-la em outro diploma legal que discipline a matéria subsidiária ou genericamente.
Logo, foi seguindo essa técnica de solução de lacunas que se aplicava o CPC/1973, cujo art. 178[3] determinava a contagem do prazo de forma continuada.
Atualmente, com a revogação dessa lei, a lacuna mantida deveria continuar a ser solucionada pela regra do novo CPC, por igual aplicação analógica, passando a contar os prazo apenas em dias úteis.
Entretanto, contrariando tal regramento, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), por meio de nota técnica[4], e a Turma de Uniformização de Jurisprudência e Interpretação de Leis do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Maranhão, por meio de enunciado[5], já firmaram o entendimento de que a regra do art. 219 do CPC não se aplica aos juizados especiais, baseando-se nos princípios da simplicidade, economia processual e celeridade, indicados na LJE.
Diante da tenra idade da nova lei, ensinamentos doutrinários e decisões jurisprudenciais sobre o tema ainda são naturalmente escassos, mas já se tem notícia de entendimentos divergentes aos dos acima expostos, conforme fazem exemplo os enunciados da ENFAM (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados)[6], do FPPC (Fórum Permanente dos Processualistas Civis)[7] e da Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do Distrito Federal, desde a sessão extraordinária realizada em 28/03/2016[8].
Todavia, analisando essas concepções e por tudo que se expôs acima, ousa-se concluir que os entendimentos seguidos pelo FONAJE e pela Turma de Uniformização deste Estado não parecem acertados, vez que baseados em premissas infundadas. É que, uma vez revogado o CPC/1973, inexiste outro regramento além do constante do CPC em vigor, a ser aplicado nos juizados especiais analogicamente, sempre que houver lacunas.
Com efeito, aplicar outra forma de contagem de prazos é dar eficácia à regra já revogada, o que, a priori, não se afigura juridicamente plausível. Afinal, ao assim proceder, além de causar grave insegurança jurídica ao sistema processual atualmente em vigor, o aplicador do direito estará ilegitimamente legislando, imiscuindo-se na função constitucional do Poder Legislativo.
Sob esse ponto de vista, jurídico é concluir pela impossibilidade de o aplicador do direito, utilizando critérios eminente subjetivos, escolher este ou aquele dispositivo do CPC a ser aplicado no rito dos juizados, principalmente quando houver lacunas a serem preenchidas como no caso em comento.
Convém pontuar ainda que quaisquer dos princípios norteadores dos juizados especiais não tem o condão de afastar a aplicação do art. 219 do atual CPC, já que, tanto a LJE, quanto o próprio CPC, estão inevitavelmente submetidos à regra constitucional da razoável duração do processo[9].
Assim, a única forma de afastar a aplicação do citado dispositivo nos juizados especiais, por sua aparente incompatibilidade com a Constituição Federal, seria pela possível arguição de sua inconstitucionalidade, quando, em caso de procedência, os prazos voltariam à contagem de forma contínua em todo o sistema processual civil, não apenas nos juizados especiais.
Deveras, na realidade dos Juizados Especiais, os princípios elencados na legislação específica, tonam mais célere, simples e desburocratizados os institutos previstos no CPC, mas não podem ser aplicados para estender-lhes os seus objetivos.
Sobre isso, citam-se vários exemplos práticos, dentre outros:
a) a condução da audiência de instrução e julgamento, partindo da resumida disposição do art. 28 da LJE[10], cabendo ao magistrado a aplicação das disposições do CPC quanto à colheita dos depoimentos das testemunhas que, necessariamente, deve seguir a ordem ali determinada[11];
b) as regras de impedimento ou suspeição do juiz;
c) as causas de extinção do feito, com ou sem resolução do mérito, além das previstas no art. 51 da LJE, e de suspensão, cuja aplicação dos arts. 313, 485 e 487 do CPC é indiscutível;
d) a tutela provisória, especificação e requisitos;
e) oscasos de litigância de má-fé, configuração e sanção.
3 Considerações Finais
Diante do exposto, jurídico é concluir pela impossibilidade de os prazos, nos Juizados Especiais, serem céleres, sob pena de inviabilizar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque o que deve primar pela celeridade são o rito, a atividade do juiz e dos serventuários da justiça, a concatenação dos atos processuais, porque todos voltados para rápida prestação jurisdicional, sem olvidar do principio do devido processo legal, com o objetivo primordial de por termo à lide, resolvendo, preferencialmente, o mérito da demanda[12].
Em resumo, pelo que se pode ver das poucas decisões já proferidas sobre o tema, é que as divergentes posições tem causado grande insegurança jurídica, quando o problema em questão deveria ser resolvido com a simples regra da analogia cuidada nos primeiros semestres da academia jurídica ao se estudar, à época, a conhecida Lei de Introdução ao Código Civil, concluindo-se pela inevitável aplicação, no rito dos juizados especiais, do art. 219 do CPC, com a contagem dos prazos processuais em dias úteis.
4 Referências Bibliográficas
ASSOSSIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Fórum Nacional dos Juizados Especiais - FONAJE. Pronunciamentos. Disponível em:< http://www.amb.com.br/fonaje>. Acesso em 02 mai. 2016.
ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE MAGISTADOS. Enunciados. Disponível em:< http://www.enfam.jus.br>. Acesso em 02 mai. 2016.
FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Carta de Vitória. Enunciados. Disponível em:< http://portalprocessual.com>. Acesso em 02 mai. 2016
INFORMAÇÕES OBJETIVAS PUBLICAÇÕES JURÍDICAS LTDA. - IOB. Juris Síntese DVD. São Paulo, nº 118, 2016. DVD-ROM.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Jurisprudência. Decisões em evidência. Disponível em:<http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 02 mai. 2016.
TRIBUNAL DE JUSTIÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO. Corregedoria Geral de Justiça. Juizados Especiais. Turma de Uniformização de Interpretação de Lei. Disponível em:< http://www.tjma.jus.br>. Acesso em 02 mai. 2016.
[1] CPC/2015. art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
[2] LINDB. art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
[3] CPC/1973. art. 178. O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados.
[4] Nota Técnica nº 01/2016 de 04/03/2016
[5] Enunciado 09: No Sistema dos Juizados Especiais do Estado do Maranhão a forma de contagem dos prazos processuais será em dias corridos, não se aplicando a regra prevista no artigo 219 do CPC, ressalvados aqueles casos expressamente previstos em Lei.
[6] ENFAM. Enunciado 415: Os prazos processuais no sistema dos Juizados Especiais são contados em dias úteis.
[7] FPPC. Enunciado 45: A contagem de prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de Juizados Especiais.
[8] Enunciado 04: Nos Juizados Especiais Cíveis e de Fazenda Pública, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis, nos termos do art. 219, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).
[9] CF/1988. art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[10] LJE. art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença
[11] CPC/2015. art. 456. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, e providenciará para que uma não ouça o depoimento das outras.
[12] CPC/2015. art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.
Graduado em direito pelo UNICEUMA. Pós-graduado em MBA em Gestão Judiciária pela Escola de Negócios Excellence - ENE. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Lotado no 6º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo, exercendo a função de conciliador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MESQUITA, Kerllon Ricardo Dominici de. Contagem de prazos nos Juizados Especiais Cíveis: Dias úteis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46758/contagem-de-prazos-nos-juizados-especiais-civeis-dias-uteis. Acesso em: 22 nov 2024.
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