1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata-se de um estudo bibliográfico tendo como tema central a diretriz constitucional do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza no que tange suas alíquotas máximas e mínimas e sua abrangência. Para tanto teve como objeto de estudo os ditames constitucionais, as normas legais pertinentes, os atos do Executivo, além sua revisão doutrinaria e jurisprudencial.
Ponto revigorante neste estudo é a ausência de unicidade legal para estabelecer alíquotas, aspectos espaciais, fato gerador, aspectos temporais, isenções e o grau de influência do ISS nestas legislações. Para tanto, faz-se mister tecer algumas considerações sobre os institutos a serem abordados, suas causas e conseqüências, além do que se preza por uma interpretação teleológica, referendando a verdade material a partir de situações de fato.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, estabeleceu a competência tributária para legislar sobre direito tributário concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (CF, art. 24, I). Esta competência denominada vertical pelos constitucionalistas é observada no momento em que a CF/88 garante à União a edição de normas gerais que se estabeleceu pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, o Código Tributário Nacional – CTN, que criado como lei ordinária, foi recepcionado com status de lei complementar no novo Estado brasileiro, tendo aos Estados a capacidade supletiva desta competência.
A Constituição de 1988, a partir do modelo de federação tripartida, acolheu os Municípios como um ente autônomo assegurando poder político, jurisdicização e competências legislativas específicas para instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei (art. 30, III, CF/88). O art. 156/CF 88 encampa três impostos, quais sejam o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU; o imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI; e o imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS. Este último foi atribuído aos Municípios e ao Distrito Federal a competência sobre serviços de qualquer natureza, não compreendido os serviços de comunicação e os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, definidos em lei complementar (art. 156, III, CF/88).
A Carta Magna assentou raízes para assegurar certa parcimônia à guerra fiscal, como asseverou o tributarista Ricardo Alexandre:
“No que se refere ao ISS, a CF/88 estipulou, principalmente a partir da Emenda Constitucional 37/2002, regras que permitem ao Congresso Nacional restringir a autonomia municipal no exercício da competência relativa ao tributo, dificultado a deflagração de guerra fiscal”. (ALEXANDRE, 2009, p. 614)
Para tanto, com o objetivo de restringir a disputa entre municípios, o art. 156, parágrafo 3º, I e III, da CF/88 dispõe:
Art. 156, § 3º - Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
(...)
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
O artigo 88 do Ato das disposições Constitucionais Transitórias - ADCT da CF/88 prevê que, enquanto lei complementar não disciplinar a alíquota mínima do ISS, esta será de 2%, conforme descrito abaixo:
Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo:
I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968;
II - não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I.
2.DEFINIÇÃO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS.
Deocleciano Torrieri Guimarães, em seu dicionário jurídico, pondera que “serviço significa trabalho, desempenho de atividade material ou intelectual, com fim produtivo e intenção de lucro” (GUIMARÃES, 2010, p. 217). Destarte, a palavra serviço em estudo morfológico pouco é útil para uma compreensão ontológica, ao contrário, deve sim ser iluminado pelo estudo dogmático da legalidade brasileira. Em rápida análise, o professor José Eduardo Soares de Melo considera que:
O direito tributário constitui um direito de superposição, incidindo sobre realidades postas por outros ramos do direito (civil, comercial etc.), torna-se imprescindível buscar o conceito das espécies básicas de obrigações (dar e fazer), para delimitar o âmbito do ISS. (MELO, 2008, p. 37)
Para o saudoso doutrinador civilista Pontes de Miranda, serviço é:
“Qualquer prestação de fazer”, pois que “servir é prestar atividade a outrem”; é prestar qualquer atividade que se possa considerar “locação de serviços”, envolvendo seu conceito apenas a locatio operarum e a locatio operis (MIRANDA, 1964, p.3)
Diante da difícil compreensão do vocábulo serviço, faz-se por bem ancorarmos em seu aspecto material que consiste em determinar seu negócio jurídico, pois a incidência do imposto municipal não adormece na designa “serviço”, mas na “prestação de serviço” cuja origem repousa na obrigação de fazer referendado no direito privado. Diante do exposto, a professora Maria Helena Diniz parte para vislumbrar a natureza da obrigação de fazer:
“A obrigação de fazer de natureza infungível, por consistir num facere que só pode, ante a natureza da prestação ou por disposição contratual, ser executada pelo próprio devedor, sendo, portanto, intuitu personae uma vez que se levam em conta as qualidade pessoais do obrigado.
A obrigação de fazer fungível, que é aquela em que a prestação pode ser realizada indiferentemente tanto pelo devedor como por terceiro, caso em que o credor será livre de mandar executar o ato à custa do devedor”. (DINIZ, 1995, p.85)
Marçal Justen Filho captou, com maestria, a essência do assunto, explicitando acertadamente as características da palavra:
“Serviço é a prestação de uma utilidade (material ou não) de qualquer natureza, efetuada sob regime de Direito Privado, mas não sob regime trabalhista, qualificável juridicamente como execução de obrigação de fazer, decorrente de um contrato bilateral”. (FILHO, 1985, p.177)
3. O IMPOSTO SOBRE SERVIÇO NA LEI COMPLEMENTAR
O nascimento do ISS deu-se na Constituição de 1967, que foi albergado pelo Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, listou uma série de serviços que vigorou até o advento do Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969, que estendeu sua redação. Cabe inflar contra a instalação formal de tais atos normativos, dado que o Congresso Nacional encontrava-se “fechado”, pelo Golpe militar de 1964.
Em 1967, a União editou a Lei Complementar nº 56 de 15 de dezembro de 1967, que, novamente, deu nova redação à Lista de Serviços. Com a CF/88, surge no mundo jurídico a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, que perdura até os dias de hoje.
Mesmo tendo grande corrente contrária à Lista e a sua fragilidade constitucional diante da autonomia municipal, alinhamos aos ditames presentes pela Carta Magna e jurisprudência reinante no ordenamento pátrio que cabe sim a lei complementar limitar a incidência dos impostos sobre serviços, sem embargo, da opinião em contrário da melhor doutrina (José Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Aires Barreto, Paulo de Barros Carvalho). Também, sem maiores delongas, quanto à taxatividade dos itens da Lista, o Supremo Tribunal Federal decidiu, inúmeras vezes, que a Lista de Serviços tributáveis pelo Município é taxativa (numerus clausus), ou seja, não cabe ao ente municipalista extrapolar os itens presentes na LC 116/2003 através de lei municipal.
Bem lembrado, o insígnia doutrinador Roque Carranza, quando lembra que os poderão inovar na incidência do imposto em sua lei, já que existe sim lei complementar impondo-a. Assim, não poderão, por força do princípio da rigidez das competências tributárias, irem além do conceito de serviços tributáveis, constitucionalmente posto.
Segundo o mesmo, a Lista não pode criar “serviços tributáveis” por analogia, equiparação, ficção ou presunção (pg 795). Desarte, haja alguns itens da Lista de Serviços que comportam interpretação abrangente, nas situações de serviços “congêneres” e “correlatos”, cabendo ao interprete da norma determinar o real sentido da lei, pois comporta analise ampla, analógica e extensiva na sua horizontalidade. Entretanto, sendo limitativa e taxativa em sua verticalidade, tais situações fogem das descrições específicas Lista, pois como descreve o art. 108, § 2º, do CTN, “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.
4. O ISS E SUA ALÍQUOTA NA ADCT.
Como já apresentado, o art. 156, § 3º, I, da Constituição Federal atribuiu à lei complementar competência para fixar alíquotas máximas e mínimas, sem retirar a instituição destas por lei local, por exemplo, no Município de Olinda, cidade da região metropolitana do Recife, foi determinada em sua grande parte a alíquota de 2,5% (LC 020, de 30 de dezembro de 2003).
A Lei Complementar 116/2003 fixou a alíquota máxima do ISS, sem antes determinar a mínima, vejamos:
“Art. 8° As alíquotas máximas do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza são as
seguintes:
I – (VETADO)
II – demais serviços, 5% (cinco por cento).”
Quanto à concessão da fruição dos incentivos fiscais, por parte dos Municípios, no caso de serviços de construção civil, necessário se faz observar o disposto no art. 88 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988, que não permite a adoção de alíquotas menores que a de 2% (dois por cento) para o ISS, a não ser para os serviços constantes dos atuais subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista dos serviços tributáveis pelo imposto municipal sobre serviços.
Sendo assim, apenas os serviços de que tratavam os itens 32, 33 e 34 da lista de serviços constante do Decreto-Lei nº406/1968 e que modernamente encontram-se nos subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da atual lista dos serviços tributáveis pelo imposto municipal sobre serviços trazida pela Lei Complementar nº 116/2003 que não tratou da alíquota mínima do ISS podem ser gravados a uma alíquota inferior a de 2% (dois por cento).
Os subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista dos serviços tributáveis pelo ISS, conforme definiu a Lei Complementar nº 116/2003, são os que seguem:
“7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.04 – Demolição.
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).”
Há três requisitos essenciais da responsabilidade fiscal no que se refere à receita derivada, quais sejam, a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente da Federação. No caso do Município, esses tributos são os três impostos (IPTU, ISS e ITBI), as taxas, as contribuições de melhoria e as contribuições previdenciárias dos servidores públicos. A inobservância daqueles requisitos implica sanção institucional, consistente na proibição de receber transferências voluntárias de outros entes da Federação.
Do ponto de vista das normas que versam sobre a responsabilidade pública na gestão fiscal, claro está que se viesse o Município estender a isenção para outros serviços que não aqueles facultados pela CF/88, quais sejam os previsto nos subitens 7.02, 7.04 e 7.05 da Lista 116/2203, cairia em flagrante renúncia de receita, conforme estabelece o art.14 da LC 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), conforme segue:
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.”
Na medida em que - diante de norma isentiva e redutora de tributo - o Ente municipal não obedeceu, previamente, as medidas de que tratam os incisos I e II do mesmo art.14 da LC 101, quais sejam: a) demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa da receita da lei orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais; e b) adoção de medidas de compensação por meio de aumento da receita através de elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, majoração ou criação de tributo novo), a renúncia fiscal é mais que clara.
5. CONCLUSÃO
Se de um lado, temos uma isenção por tempo certo que, embora expressa em lei, resultou da negociação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo do tributo, no pressuposto de que tal ajuste consultaria o interesse público. De outro lado, temos a disposição de ordem pública vedando o ente político de conceder essa isenção, sem prévio estudo do seu impacto orçamentário-financeiro no exercício de sua vigência e nos dois seguintes.
Para Kiyoshi Harada, “tudo indica que o Código Tributário Nacional prestigiou a doutrina clássica, ao incluir a isenção e a anistia no rol do art. 175 do CTN, que prevê a isenção e a anistia como hipóteses de exclusão do crédito tributário. E exclusão do crédito tributário pressupõe a preexistência da obrigação tributária. Daí a afirmativa corrente: não se concede isenção a quem não estiver sujeito à tributação, da mesma forma que não se anistia quem nada deve”.
Cabe lembrar que o art. 150, § 6º, da CF/1988 determina que a concessão de isenção seja feita por lei específica, não sendo possível sua permissão via ato infralegal. São rotineiros Estados e Municípios concederem isenções de tributos por vários anos, para as indústrias se localizarem em seu território, essa fruição de incentivos fiscais objetiva diminuir o custo de implantação das empresas, gerar renda e emprego aos trabalhadores. Em que pese os benefícios com tal empreendimento, a guerra fiscal, os interesses políticos e a falta de planejamento provocam rachaduras nas contas públicas do ente, reverberando dívidas públicas, passivos sociais e deseducação fiscal.
6. CITAÇÃO
CARRANZA, Roque Antonio. Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas / Eurico Marcos Diniz de Santi (coord.). 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1961 a 1964.
Alexandre, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
JUSTEN FILHO, Marçal. O ISS, a Constituição de 1988 e o Decreto-Lei n. 406. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 3, p. 65 e s.
MELO, José Eduardo Soares de. ISS: aspectos teóricos e práticos. 4. Ed. São Paulo: Dialética, 2005,
Auditor Tributário do Município do Ipojuca - PE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Tiago Delácio de. Limitações constitucionais do imposto sobre serviço Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46769/limitacoes-constitucionais-do-imposto-sobre-servico. Acesso em: 22 nov 2024.
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