Resumo: O presente artigo trata, de forma sintética, acerca da boa-fé objetiva, abordando a sua diferenciação com a boa-fé subjetiva, assim como sua tríplice função aceita pela doutrina e jurisprudência pátrias, além de algumas das figuras parcelares que dela derivam. A boa-fé objetiva é um divisor na interpretação e execução dos contratos contemporâneos regidos pela direito privado.
Palavras-chave: Boa-fé objetiva. Boa-fé subjetiva. Tríplice função. Figuras parcelares.
1. INTRODUÇÃO
Historicamente, o conceito de contrato esteve assentado na ideia de autonomia da vontade (liberdade contratual), regulado pela máxima pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes).
Essa liberdade contratual, todavia, trouxe alguns efeitos nefastos. Por exemplo, o pacta sunt servanda impedia a interferência do Estado (por meio do Poder Judiciário) para corrigir desequilíbrios contratuais (posições de hipossuficiência). Nesse contexto, podemos dizer que a ideia da autonomia da vontade (liberdade contratual) era sempre absoluta, em decorrência, justamente, da máxima pacta sunt servanda.
Com o movimento da constitucionalização do Direito Civil, as coisas começaram a se modificar. Isso porque, nos últimos anos, vem crescendo as ideias de função social, de boa-fé objetiva e dos direitos e garantias fundamentais e sociais, dando uma nova dimensão à autonomia da vontade, que deixa de ser absoluta.
Como a autonomia da vontade deixou de ser absoluta, ela foi redesignada, passando a ser chamada de autonomia privada. A autonomia privada, vale dizer, corresponde ao instrumento de circulação de riquezas, respeitados os valores constitucionais, como dignidade humana e solidariedade social, permitindo o livre desenvolvimento da pessoa humana. Em outras palavras, autonomia privada significa livre iniciativa, que não significa uma liberdade absoluta.
Sem asfixiar a liberdade humana, os movimentos de constitucionalização e publicização do Direito Civil estabelecem limites à contratação. Nesse sentido, inclusive, o Enunciado 23 da I JDC, que estabelece com precisão essa compreensão:
Enunciado 23 da I JDC: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
Pode-se concluir da seguinte forma: a concepção atual de contrato, em razão da incidência dos valores constitucionais, da boa-fé e da função social é no sentido de garantir a liberdade de iniciativa, com respeito a valores humanos e sociais. Não se pretende sacrificar interesses privados ou creditícios, mas condicioná-los a uma perspectiva garantista.
2. BOA-FÉ OBJETIVA X BOA-FÉ SUBJETIVA
Boa-fé objetiva é a eticidade que se espera das partes de um contrato. É aquilo que se espera de alguém por um simples senso ético. Nesse contexto, não se deve confundir ética com moral. Ética é um sentimento coletivo, social, é aquilo que se espera de toda e qualquer pessoa, indistintamente; moral é um sentimento individual, pessoal, da mais variada ordem (filosófica, religiosa, sexual etc.).
O sentimento ético é exigível juridicamente. Aquilo que é pessoal, por sua vez, diz respeito à moral, que não é exigível. As pessoas são diferentes, e têm o direito de se comportar diferentemente.
A eticidade deriva da expressão germânica “Treu und glauben” = lealdade e confiança (na tradução jurídica, boa-fé objetiva). No Direito Civil brasileiro, a boa-fé se apresenta com uma dupla função:
a) Boa-fé subjetiva = conhecimento (estado psicológico)
b) Boa-fé objetiva = comportamento (confiança depositada nas pessoas como um todo)
A boa-fé objetiva é um princípio que implanta o valor “confiança” nas relações contratuais. Pode-se conceituar como a eticidade mínima que se espera dos contratantes, com a função de flexibilizar o sistema, a partir de disposição abstrata.
Atente-se para o fato de que a boa-fé objetiva não tem por objetivo servir como instrumento de correção da inferioridade ou hipossuficiência contratual. A boa-fé objetiva não tem a finalidade de corrigir desequilíbrios contratuais. Ela não se destina à proteção da parte mais fraca, apenas, mas à proteção de ambas as partes. Por esse motivo, ambas as partes, credor e devedor, precisam cumprir a boa-fé objetiva.
A boa-fé subjetiva relaciona-se com a intenção do sujeito de direito, com a avaliação individual e interna do ser sobre determinada situação. Expressa um estado psíquico do sujeito em uma relação jurídica, uma firme crença ou ainda a ignorância de estar agindo corretamente. A boa-fé subjetiva, em sua concepção psicológica, sempre se baseia em uma crença ou em uma ignorância de estar agindo conforme o direito, conforme leciona Gonçalves (2014, p.45):
A boa-fé subjetiva esteve presente no Código de 1916, com a natureza de regra de interpretação do negócio jurídico. Diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação regulada. Serve à proteção daquele que tem a consciência de estar agindo conforme o direito, apesar de ser outra a realidade.
A boa-fé subjetiva é plenamente aplicável no ordenamento jurídico brasileiro, constituindo exemplos de sua concretização no Código Civil de 2002: no direito possessório, quanto a classificação entre posse de boa-fé ou má-fé; no direito de família, como no caso do casamento putativo; no direito sucessório, como no caso do herdeiro aparente, entre outros. Além de outros casos, como o usucapião, a revogação de mandato, cessão de crédito, o pagamento indevido etc.
Lado outro, a boa-fé objetiva tem sido proclamada como uma regra de conduta, tratando-se de uma exigência de uma conduta ética, caracterizando-se pela imposição de deveres. Ela se expressa na lealdade, na honestidade, na probidade e na confiança em um comportamento, estando as partes contratantes em todas as fases do contrato (inclusive na pré-contratual e pós-contratual) sob o dever de agir de acordo com esses comportamentos.
De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2014, pgs. 158 e 159), a boa-fé objetiva pressupõe:
a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; b) padrões de comportamentos exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bonus pater familias; c) reunião de condições suficiente para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado.
A boa-fé objetiva é comumente relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer necessidade de previsão no instrumento negocial. Alguns exemplos desses deveres anexos: dever de lealdade e probidade, dever de respeito, dever de cuidado em relação à outra parte negocial, dever de colaboração ou cooperação, etc.
A esse respeito, é necessário destacar que, segundo os Enunciados 24 e 363 do CJF/STJ, a quebra desses deveres anexos gera violação positiva do contrato, com responsabilização civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva.
Assim, pode-se dizer que, diferentemente da boa-fé subjetiva, que é examinada internamente, sendo apenas estado e não princípio, a boa-fé objetiva, verdadeiro princípio, é verificada externamente, referindo-se à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção.
O contrário da boa-fé subjetiva é a má-fé, já o contrário do agir humano despido de lealdade e correção é apenas qualificado como carecedor de boa-fé objetiva, tal qual no direito penal, sendo irrelevante a cogitação do agente.
3. TRÍPLICE FUNÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA
A boa-fé objetiva possui uma tríplice função, senão vejamos:
a) Função interpretativa: toda e qualquer cláusula contratual deve ter o seu sentido e alcance definidos pela eticidade (art. 113 do CC/02). Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração, sendo consagrada como meio auxiliador do aplicador do direito para a interpretação dos negócios, da maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé.
b) Função integrativa: estabelece deveres anexos, implícitos, à relação contratual, independentemente da vontade das partes. São deveres de lealdade, respeito, segurança, informação, cooperação, dentre outros (não há como listar todos eles). Esses deveres são tão importantes que a boa-fé objetiva se tornou uma fonte autônoma de obrigações. Isso trouxe como consequência a ampliação do conceito de inadimplemento obrigacional.
Utilizando os ensinamentos de Judith Martins-Costa e de Clóvis do Couto e Silva, Tartuce (2014,p.79 e 80) cita alguns desses deveres, entre outros:
a) o dever de cuidado em relação à outra parte negocial;
b) o dever de respeito;
c) o dever de informar a outra parte quanto ao conteúdo do negócio;
d) o dever de agir conforme a confiança depositada;
e) o dever de lealdade e probidade;
f) o dever de colaboração ou cooperação;
g) o dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.
Historicamente, era um conceito meramente negativo (deixar de cumprir obrigações assumidas). Agora, existe um novo modelo de inadimplemento contratual, decorrente da boa-fé objetiva, qual seja, a violação positiva de contrato (REsp 988.595/SP). Traduz o descumprimento dos deveres anexos, mesmo que, eventualmente, os deveres contratuais sejam cumpridos. Vale frisar que esses deveres anexos são exigíveis desde antes até depois da contratação - responsabilidade “pré” e “pós” contratual.
DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. VIAGEM AO EXTERIOR. PASSAGEIRA BOLIVIANA QUE ADQUIRIU BILHETE AÉREO COM DESTINO À FRANÇA E TEVE SEU INGRESSO NEGADO NAQUELE PAÍS POR NÃO POSSUIR VISTO CONSULAR. FORNECEDOR QUE NÃO PRESTOU INFORMAÇÃO ADEQUADA SOBRE A NECESSIDADE DE OBTENÇÃO DO VISTO. VÍCIO DO SERVIÇO CONFIGURADO. - De acordo com o § 2º do art. 20 do CDC, consideram-se impróprios aqueles serviços que se mostram inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam. - A aferição daquilo que o consumidor razoalmente pode esperar de um serviço está intimamente ligada com a observância do direito do consumidor à informação, previsto no inciso III do art. 6º do CDC. - Além de claras e precisas, as informações prestadas pelo fornecedor devem conter as advertências necessárias para alertar o consumidor a respeito dos riscos que, eventualmente, podem frustrar a utilização do serviço contratado. - Para além de constituir direito básico do consumidor, a correta prestação de informações revela-se, ainda, consectário da lealdade inerente à boa-fé objetiva e constitui o ponto de partida a partir do qual é possível determinar a perfeita coincidência entre o serviço oferecido e o efetivamente prestado. - Na hipótese, em que as consumidoras adquiriram passagens aéreas internacionais com o intuito de juntas conhecer a França, era necessário que a companhia aérea se manifestasse de forma escorreita acerca das medidas que deveriam ser tomadas pelas passageiras para viabilizar o sucesso da viagem, o que envolve desde as advertências quanto ao horário de comparecimento no balcão de "check-in" até mesmo o alerta em relação à necessidade de obtenção do visto. - Verificada a negligência da recorrida em fornecer as informações necessárias para as recorrentes, impõe-se o reconhecimento de vício de serviço e se mostra devida a fixação de compensação pelos danos morais sofridos. Recurso especial provido para condenar a recorrida a pagar às recorrentes R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de compensação por danos morais. Ônus sucumbenciais redistribuídos. (STJ - REsp: 988595 SP 2007/0217038-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/11/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/12/2009)
c) Função limitadora, restritiva ou de controle: impede o exercício de direitos contratuais que se mostrem abusivos, por violarem a eticidade. Exemplo: proibição de juros abusivos (anatocismo) – o STJ vem entendendo ser possível o controle da abusividade das taxas de juros pelo Poder Judiciário (REsp 1.112.879/PR). Outro exemplo: substancial performance – também chamado de inadimplemento substancial ou inadimplemento mínimo; o art. 475 do CC/02 estabelece que o contratante pode requerer a resolução do contrato quando a outra parte descumprir alguma obrigação; contudo, segundo o STJ, se o inadimplemento foi mínimo, requerer a resolução do contrato se mostra abusivo. Essa função está intimamente ligada ao abuso do direito.
BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO. I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO - JUROS REMUNERATÓRIOS 1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. 2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados. II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO - Consignada, no acórdão recorrido, a abusividade na cobrança da taxa de juros, impõe-se a adoção da taxa média de mercado, nos termos do entendimento consolidado neste julgamento. - Nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP nº 1.963-17/00 (reeditada sob o nº 2.170-36/01), admite-se a capitalização mensal de juros, desde que expressamente pactuada. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. Ônus sucumbenciais redistribuídos. (STJ - REsp: 1112879 PR 2009/0015831-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/05/2010, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 19/05/2010).
4. A RELAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA COM A TEORIA DA SUBSTANCIAL PERFOMANCE
A teoria do adimplemento substancial (substantial performance), a qual tem origem no Common Law, vem sendo utilizada pelos principais tribunais pátrios, como resultante da aplicação da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
De acordo com a teoria do adimplemento substancial, em hipóteses em que a obrigação tiver sido quase toda cumprida, não caberá a extinção do contrato, mas apenas outros efeitos jurídicos, visando sempre à manutenção da avença.
O adimplemento substancial consiste em um resultado tão próximo do almejado, que não chega a balar a reciprocidade, o sinalagma das prestações correspectivas, como aduz Tartuce (2014,p.179)
Em outras palavras, pela teoria do adimplemento substancial (substantial performance), em hipóteses em que o contrato tiver sido quase todo cumprido, não caberá a sua extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, visando sempre a manutenção da avença. Entendemos que a relação da teoria se dá mais com o princípio da função social dos contratos, diante da conservação do negócio jurídico (Enunciado n. 22 CJF/STJ).
Em outras palavras, é um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização.
O adimplemento substancial não pode ser confundido com inadimplemento fundamental, pois neste a resolução é cabível, visto que o essencial da obrigação não foi cumprido e assim não houve a satisfação do credor. Já no adimplemento substancial o essencial da obrigação foi cumprido, satisfazendo os interesses do credor, não cabendo a resolução do contrato, sob pena de estar agindo de má-fé. Neste caso, a indenização por perdas e danos é imprescindível para manter o equilíbrio do contrato.
Essa teoria foi expressamente adotada no Enunciado n° 361 CJF/STJ, veja-se: " O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475". A esse respeito, o seguinte julgado do STJ:
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇÃO DEVEÍCULO (LEASING). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEISPARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DEPOSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITOREMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,indenização por perdas e danos". 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação eVRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título. 5. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 1051270 RS 2008/0089345-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 04/08/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/09/2011)
Sabe-se que por conta do dever lateral de diligência, as partes devem sempre buscar a satisfação dos interesses estabelecidos contratualmente, evitando que danos sejam causados, sob pena de rescisão do contrato. Contudo, havendo satisfação dos interesses do credor, mesmo não sendo pelo adimplemento integral das obrigações estabelecidas, deve-se aplicar a teoria do substancial adimplemento, a qual visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
5. FIGURAS PARCELARES DA BOA-FÉ OBJETIVA
a) Venire contra factum proprium ou teoria dos atos próprios: significa a proibição de comportamento contraditório. É uma sequência composta por dois comportamentos: 1º) comissivo ou omissivo; 2º) comissivo. Cada um desses comportamentos, isoladamente considerados, se mostram lícitos. Mas o segundo comportamento se torna abusivo por conta da confiança despertada pelo primeiro. Representa a criação de expectativas desleais (o primeiro comportamento gera a expectativa de que o segundo não existirá).
O direito brasileiro reconhece a aplicação do instituto nas relações contratuais (REsp 95.539/SP) e, até mesmo, nas relações de direito público (REsp 524.811/CE):
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSENTIMENTO DA MULHER. ATOS POSTERIORES. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". BOA-FE. PREPARO. FERIAS. 1. Tendo a parte protocolado seu recurso e, depois disso, recolhido a importância relativa ao preparo, tudo no período de ferias forenses, não se pode dizer que descumpriu o disposto no artigo 511 do cpc. votos vencidos. 2. A mulher que deixa de assinar o contrato de promessa de compra e venda juntamente com o marido, mas depois disso, em juízo, expressamente admite a existência e validade do contrato, fundamento para a denunciação de outra lide, e nada impugna contra a execução do contrato durante mais de 17 anos, tempo em que os promissários compradores exerceram pacificamente a posse sobre o imóvel, não pode depois se opor ao pedido de fornecimento de escritura definitiva. doutrina dos atos próprios. art. 132 do cc. 3. recurso conhecido e provido (STJ - REsp: 95539 SP 1996/0030416-5, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 03/09/1996, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 14.10.1996 p. 39015</br> LEXSTJ vol. 91 p. 267</br> RSTJ vol. 93 p. 314 DJ 14.10.1996 p. 39015</br> LEXSTJ vol. 91 p. 267</br> RSTJ vol. 93 p. 314)
ADMINISTRATIVO – CONCESSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE ESTACIONAMENTO –LICITAÇÃO. 1. Contrato de concessão para um lapso temporal, não atendido pela Infraero, que esvaziou a avença ao construir um novo aeroporto, com estacionamento. 2. Necessidade de licitação para exploração do novo estacionamento. 3. Impossibilidade de prorrogação do contrato de exploração para novo aeroporto, sob pena de quebra da regra da licitação. 4. Recurso especial parcialmente provido.(STJ - REsp: 524811 CE 2003/0042093-7, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 14/12/2004, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 11/04/2005 p. 235)
Portanto, por conta do conceito do venire contra factum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva. Esse conceito traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo titular do direito.
Anderson Schreiber (2007, pg.271) desenvolveu excelente trabalho sobre o assunto, apontando quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório:
1) um fato próprio, uma conduta inicial; 2) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta; 3) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; 4) um dano ou um potencial de dano decorrente da contradição.
Esse conceito relaciona-se claramente o dever de confiança, o qual é anexo da boa-fé objetiva, conforme consta no Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil, veja-se: "A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil".
b) Supressio (Verwirkung) e Surrectio (Erwirkung): constituem uma variação do venire contra facum proprium. Também há uma sequência de dois comportamentos: 1º) omissivo; 2º) comissivo. Ocorre que, nessa situação, o elemento entre esses comportamentos não é a confiança, mas o decurso do tempo, que gera a expectativa de que o segundo comportamento não viria. Trata-se, vale dizer, de uma omissão qualificada pelo tempo.
No direito brasileiro, temos precedentes de aplicação desse instituto (REsp 214.680/SP; REsp 356.821/RJ), como no art.330, CC/02:
CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e provido. (STJ - REsp: 214680 SP 1999/0042832-3, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 10/08/1999, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 16.11.1999 p. 214</br> LEXSTJ vol. 128 p. 228</br> RSTJ vol. 130 p. 366)
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM. UTILIZAÇÃO. EXCLUSIVIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. USO PROLONGADO. AUTORIZAÇÃO DOS CONDÔMINOS. CONDIÇÕES FÍSICAS DE ACESSO. EXPECTATIVA DOS PROPRIETÁRIOS. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. - O Recurso Especial carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido. - Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local, e estavam autorizados por Assembleia condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé objetiva. (STJ - REsp: 356821 RJ 2001/0132110-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/04/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 05.08.2002 p. 334</br> RSTJ vol. 159 p. 366)
Portanto, A supressio significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. A chave da supressio está na tutela da confiança da contraparte e na situação de aparência que a iludiu perante o não exercício do direito.
Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa supressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio, direito este que não existia juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo com os costumes. Em outras palavras, enquanto a supressio constitui a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo, a surrectio é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes. Pode-se dizer então, que os institutos são faces da mesma moeda.
c) Tu quoque: há também uma sequência de dois comportamentos: 1º) ilícito; 2º) lícito. Ocorre que esse segundo comportamento, malgrado seja lícito, se tornará ilícito pela sequência em relação ao primeiro.
Um contratante que violou uma norma jurídica não poderá, sem a caracterização de abuso de direito, aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito. Assim, evita-se que uma pessoa que viole uma norma jurídica possa exercer direito dessa mesma norma inferido ou, especialmente, que possa recorrer, em defesa, a normas que ele próprio violou.
Conforme lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2014, pg. 191),
A contradição não reside nas duas condutas em si, mas na adoção indevida de uma primeira conduta que se mostra incompatível com o comportamento posterior, havendo uma injustiça da valoração que o indivíduo confere ao seu ato e, posteriormente, ao ato alheio, sendo o caso do contratante que já estivesse em mora quando da ocorrência de circunstâncias supervenientes que alteram a base do negócio, ao pretender a sua resolução ou revisão com base na onerosidade excessiva.
Como exemplo de aplicação desse conceito, o seguinte julgado:
CONTESTAÇÃO TEMPESTIVA. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO. PROCURAÇÃO. AMPLOS PODERES. TU QUOQUE. I - O deferimento de prazo para regularizar vício sanável atende aos ditames da legislação de regência e não afasta a tempestividade da defesa. II - É vedado o benefício da própria torpeza, não sendo possível anular, em proveito pessoal, ato perpetrado pela própria p arte, ainda que violador de norma. Trata-se de violação dos princípios anexos da boa fé objetiva, o que a doutrina convencionou chamar de tu quoque, contradição pela qual, uma das p artes da relação obrigacional exige um comportamento em circunstâncias tais que ela mesmo deixou de atender. III - A ulterior transferência de imóvel, mediante outorga de procuração em causa própria, na qual o mandatário é autorizado pelos mandantes, expressamente, a “vender, concordar, discordar, receber a importância de venda, passar recibo e dar quitação, transmitir e receber a posse, domínio, direito e ação, assinar compromisso p articular de compra e venda ou termo de cessão, assinar escritura de compra e venda, alugar o imóvel”, dentre outras, esgota o negócio jurídico entre os mandantes e o mandatário, inexistindo direito a ser partilhado, posto que oriundo de instrumento público até então válido, eficaz e apto a transmitir o domínio a terceiro. (Acórdão n. 471397, 20080111228889apc, relator Humberto Adjuto Ulhôa, 3ª turma cível, julgado em 15/12/2010, dj 18/01/2011 p. 85). iv - rejeitada a preliminar. apelação desprovida. unânime. (tj-df - apl: 27519620118070003 df 0002751-96.2011.807.0003, relator: Romeu Gonzaga Neiva, data de julgamento: 18/05/2012, 5ª turma cível, data de publicação: 31/05/2012, dj-e pág. 118)
Aplicação prática do tu quoque: cláusula da exceptio non adimplenti contractus (exceção de contrato não cumprido). É lícito que um contratante exija que o outro cumpra as suas obrigações, mas, para tanto, ele também deve cumprir as suas. Caso não cumpra, ele estará praticando um ato ilícito. Ao exigir que a outra parte cumpra a sua parte, o ato, em tese, é lícito, mas se torna ilícito por conta do ato também ilícito anteriormente praticado.
d) duty to mitigate the own loss: funda-se no dever de colaboração ou cooperação, presente em todas as fases do contrato e que decorre do princípio da boa-fé objetiva, e impõe que credor deva mitigar suas perdas, ou seja, seu próprio prejuízo de forma célere. Esse conceito foi utilizado no Enunciado n. 169 do CJF/STJ, observe-se: "O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar agravamento do próprio prejuízo.".
O conceito do duty to mitigate the own loss impõe que o contratante credor deva adotar medidas céleres e adequadas para que o dano do devedor não seja agravado. Assim, se o credor adotar comportamento desidioso por acreditar que a perda econômica do devedor lhe favorece, a sua inação culminará por lhe impor injustificado desfalque. Esta negligência danosa constitui uma ofensa ao princípio da confiança, pois evidencia completo desprezo pelo dever anexo de cooperação.
Nesse contexto, surge o importante instituto do duty to mitigate the own loss = dever do credor de mitigar as próprias perdas, instituto este que pode ser encontrado na jurisprudência pátria, como no REsp 758.518/PR:
DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO.OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TOMITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DOCREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSOIMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade,cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).6. Recurso improvido. (STJ - REsp: 758518 PR 2005/0096775-4, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 17/06/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: REPDJe 01/07/2010).
Exemplo: a Súmula 319 do STJ estabelece que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Esse enunciado é reflexo do duty do mitigate the own loss. Isso porque, na medida em que o credor de alimentos deixou de tomar providências para garantir o seu crédito, ele aumenta o seu próprio prejuízo e também o do devedor. E o credor não pode agir dessa forma.
Nesse contexto, entende o STJ que a execução da dívida alimentícia só compreende as três últimas prestações em atraso e aquelas que se vencerem no curso do processo. As demais não permitem o uso da prisão, devendo ser executadas com coerção patrimonial, a exemplo da penhora.
Outro exemplo: REsp 1.075.142/RJ – o STJ passou a aplicar o duty to mitigate the own loss nas astreintes (multa diária); quando a multa se tornar abusiva pela inércia do credor, o juiz pode reduzi-la de ofício:
AGRAVO REGIMENTAL. ASTREINTES. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ACÓRDÃO FUNDADO NOS ELEMENTOS FÁTICOS DOS AUTOS. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte Superior já se firmou entendimento quanto à possibilidade de ser reduzido o valor de multa diária em razão de descumprimento de decisão judicial quando aquela se mostrar exorbitante. Precedentes. 2. Não se pode utilizar o processo com fins de se obter pretensão manifestamente abusiva, a enriquecer indevidamente o postulante. 3. Ao firmar a conclusão de que afigura-se totalmente desproporcional e exorbitante o valor anteriormente fixado, revelando-se caracterizador de enriquecimento ilícito, uma vez que a multa diária cominada visava apenas a compelir a recorrida a dar cumprimento à decisão judicial, devendo ser adequada, suficiente e compatível com a obrigação principal, o Tribunal recorrido tomou em consideração os elementos fáticos carreados aos autos. Incidência da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental não-provido. (Processo - AgRg no Ag 1075142 / RJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - 2008/0173937-2 - Relator(a) - Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) - Órgão Julgador - T4 - QUARTA TURMA - Data do Julgamento - 04/06/2009 - Data da Publicação/Fonte - DJe 22/06/2009)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A boa-fé objetiva, como já dito, deve ser encarada como uma cláusula geral para a aplicação nos mais variados diversos contratos, sejam eles típicos ou atípicos, o qual permite a solução do caso levando em consideração fatores metajurídicos e princípios jurídicos gerais.
O novo sistema civil implantado (2002), diferentemente do anterior (1916), o qual privilegiava de forma absoluta os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos contratos, seguindo uma diretriz individualista, permite ao juiz um novo instrumental. A reformulação operada com fulcro nos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade deu nova feição aos princípios fundamentais dos contratos.
Como ficou claro, o sentido do princípio da boa-fé objetiva pode ser percebido da análise do art. 422 do Código Civil, pelo qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. O dispositivo em análise consagra a necessidade de as partes manterem, em todas as fases contratuais, sua conduta de probidade e lealdade. Compreende-se que tal dispositivo legal traz especializações funcionais da boa-fé: a equidade, a razoabilidade e a cooperação. Essas três expressões servem para demonstrar os deveres anexos.
Após a devida compreensão a respeito da noção da boa-fé objetiva em matéria contratual, percebeu-se que sua aplicação pragmática gera importantes efeitos, nos mais diferentes campos. Tais repercussões práticas podem ser sistematizadas em algumas locuções de uso corrente nas lides forenses, consistentes em figuras parcelares, expressão que deve ser entendida como argumentações usuais para decisões com fundamentação tópica.
Tais figuras parcelares, também chamadas de “função reativa” ou de subprincípios da boa-fé objetiva, consistem em verdadeiros desdobramentos da boa-fé objetiva, de relevante utilização, independentemente da denominação utilizada.
Insta ressaltar ainda que determinada situação jurídica pode ser reconduzida a mais de uma das figuras parcelares da boa-fé, tendo em vista que estas gozam de certa plasticidade. Todas, no entanto, resultam da incidência do art.422,CC em matéria de contratos e de direito das obrigações. São tipos em torno dos quais é possível agrupar os casos que tratem do tema da boa-fé objetiva.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁRIFCAS
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Advogado. Graduado em Direito na Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Derberth Paula de. A aplicação da boa-fé objetiva aos contratos privados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46778/a-aplicacao-da-boa-fe-objetiva-aos-contratos-privados. Acesso em: 21 nov 2024.
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