Professora orientadora:
EDA LECI HONORATO[1]
RESUMO: O presente artigo tem o propósito de realizar um breve estudo sobre o aspecto histórico do Tribunal do Júri, analisando suas principais características e finalidades. Será abordado sua origem no Brasil e seu funcionamento no direito brasileiro contemporâneo. Além disso, a pesquisa elucidará acerca dos direitos constitucionais assegurados à imprensa e da possibilidade ou não de realizar o desaforamento do Tribunal do Júri em casos de crimes com grande repercussão na mídia.
Palavras-chave: Tribunal popular. Crimes dolosos. Repercussão. Desaforamento.
ABSTRACT: This article is intended to conduct a brief study of the historical aspect of the jury, analyzing its main features and purposes. Will be addressed their origin in Brazil and its functioning in the contemporary Brazilian law. In addition, research will elucidate about the constitutional rights guaranteed to the press and whether or not to perform the lifting of immunity of jury trial for crimes with great media coverage.
Keywords: People's Court. Intentional crimes. Repercussion. Lift immunity.
A finalidade do presente artigo é esclarecer sobre a possibilidade de realizar o desaforamento do Tribunal do Júri nos crimes que tem grande repercussão na mídia, vez que se discute a influência das notícias na opinião dos jurados.
O Tribunal do Júri é atualmente previsto como direito fundamental pela Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso XXXVIII, e tem a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados.
Referido tribunal, expressa a democracia adotada pelo Estado Brasileiro, uma vez que são escolhidas pessoas da própria sociedade para julgar o autor de um crime.
Porém, assim como o Tribunal Júri, o direito de Liberdade de Imprensa também foi assegurado pela Constituição de 1988, o qual está previsto no artigo 5º, inciso IX.
Ocorre que, constantemente, a mídia tem utilizado do referido direito para repercutir notícias envolvendo os crimes submetidos ao Tribunal do Júri, pois são dotados de maior reprovabilidade, o que gera grande insegurança quanto a influência das notícias na opinião dos jurados.
Assim, surgiu uma grande discussão a respeito da possibilidade de se realizar o desaforamento do Tribunal do Júri em tais casos, uma vez que o desaforamento por crime com repercussão na mídia não tem amparo legal.
Portanto, nesse dilema é que houve a necessidade de fazer o presente estudo, visando esclarecer os atuais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.
O Tribunal do Júri é uma instituição democrática, pois são escolhidas pessoas comuns da sociedade para realizar o julgamento. Na verdade, tal mecanismos foi criado com a finalidade de submeter o réu ao julgamento pelos seus pares, ou seja, os iguais julgam os iguais. Assim, o indivíduo que mora na periferia e comete um ato ilícito será julgado por pessoas daquele mesmo local, pois são eles que conhecem a sua realidade e estão no mesmo nível social.
Sobre o tema, explica TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 825):
[...] A ideia do tribunal popular é a de que os casos importantes sejam julgados por pessoas que formam a comunidade a qual pertence o acusado, tal como o acusado seja parte desta, vale dizer, a noção que se tem do júri popular é a de que o julgamento se dê pelos pares do réu.
Esta é, portanto, a característica que une ideologicamente o Tribunal Popular pelos diversos países que o adotaram, ainda que em cada lugar tenha peculiaridades diferentes.
Já quanto a origem de tal julgamento, nota-se que há uma grande discussão entre os doutrinadores. Pois há quem diga que surgiu na Roma, quando os romanos instituíram os judices jurati. Outros dizem ser pelos gregos, com os dikastas, ou com os centeni comites, dos germanos.
Porém, para a grande parte da doutrina, o Tribunal do Júri surgiu na Inglaterra por volta de 1.215 quando foi abolido os ordalia ou Juízos de Deus pelo Concílio de Latrão, instituindo, assim, o tribunal do povo.
Na época, o Júri era formado pela reunião de homens considerados bons pela comunidade que, sob juramento, julgavam o acusado de praticar um crime.
Segundo TOURINHO FILHO (2013, p. 140):
[...] Havia dois Tribunais do Júri: o grande e o pequeno (Grand Jury e Petty Jury). Cabia ao primeiro, constituído de 24 cidadãos, dizer se o acusado devia ou não ir a julgamento. Em caso positivo, era ele remetido ao pequeno Júri, formado de 12 [...]. A denominação “jurados” adveio precisamente do fato de aqueles 12 cidadãos prestarem juramento [...]. Curiosamente, após a acusação, os jurados [...] (eram isolados, sem comida, bebida, fogo ou vela, nem podiam conversar com outras pessoas, enquanto estivessem reunidos).
Posteriormente, tal forma de julgamento foi levado para a França no fim do século XVIII e, com a reforma dos Códigos ordenada por Napoleão, já no século XIX, foi substituído o Grande Júri pela figura do Juiz togado.
Desta forma, o Tribunal do Júri espalhou-se por quase toda a Europa, sendo adotado por diversos países como uma forma de julgamento pelos crimes cometidos.
O Tribunal do Júri surgiu em nosso ordenamento jurídico pela primeira vez em 1822, o qual tinha sua competência restrita aos crimes de imprensa.
Já em 1824, com a Constituição Imperial, o Júri passou a ter uma competência mais ampla, podendo julgar causas cíveis e criminais.
Depois de alguns anos, foi inserido no Código de Processo Criminal, que teve sua competência ampliada, sendo restringida no ano de 1842, com a Lei n° 261.
Foi mantida a instituição do Júri na Constituição de 1891, porém não trouxe em seu bojo a Constituição de 1937, sendo suprimido sua soberania pelo Decreto n° 167 de 1938, atribuindo aos tribunais de apelação a reforma de seus julgamentos pelo mérito.
No entanto, a Constituição democrática de 1946 restabeleceu a soberania do Tribunal Popular, inserindo-o entre os direitos e garantias fundamentais.
A Constituição de 1967 reafirmou sua soberania e o manteve entre os direitos e garantias individuais. Importante ressaltar que a Emenda Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969, modificou a competência do Tribunal do Júri, pois restringiu apenas para os crimes dolosos contra a vida.
Assim, a Constituição Federal de 1988 manteve a instituição do Júri, inclusive, como direito e garantia fundamental, estando previsto no art. 5°, inciso XXXVIII, que assim dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (Curia et. al. 2012)
Sobre a atual sistematização adotada pela Constituição de 1988 em relação ao Tribunal do Júri, explica LIMA (2014, p. 1267):
[...] a justificativa para a colocação do Júri no art. 5° da Constituição Federal guarda relação com a ideia de funcionar o Tribunal do Júri como uma garantia de defesa do cidadão contra as arbitrariedades dos representantes do poder, ao permitir a ele ser julgado por seus pares.
No mesmo sentido escreve CAPEZ (2012, p. 648):
Sua finalidade é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares.
Diante disto, entende-se que o Tribunal do Júri é um direito constitucionalmente assegurado a todas as pessoas e tal garantia não pode ser afastada pela lei e nem por Emenda Constitucional, uma vez que constitui cláusula pétrea (artigo 60, §4º, inciso IV da Constituição Federal).
Segundo LIMA (2014, p. 1267):
O Tribunal do Júri é um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, pertencente à Justiça Comum Estadual ou Federal, colegiado e heterogêneo, formado por um juiz togado, que é seu presidente, e por 25 (vinte e cinco) jurados, 7 (sete) dos quais compõem o Conselho de Sentença [...]
Os juízes no Tribunal do Júri são pessoas comuns, juízes leigos. Não se exige dos jurados conhecimentos técnicos para participarem do julgamento, devendo decidirem apenas com seus próprios sentimentos.
Conforme estabelece o artigo 483 do Código de Processo Penal, aos jurados compete decidir apenas sobre a materialidade e autoria do crime, as causas que excluem a ilicitude e culpabilidade, as circunstâncias que modelam e deslocam o tipo fundamental para especial, cabendo, posteriormente, ao Juiz presidente realizar a dosagem da pena.
Vale destacar que o Tribunal do Júri é alicerçado por quatro princípios, todos eles previstos pelo artigo 5°, inciso XXXVIII da Constituição Federal, os quais são: a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos; e a competência para julgar crimes dolosos contra a vida.
O primeiro princípio trata-se da plenitude de defesa. Sobre o tema leciona LIMA (2014, p. 1267):
[...] a ampla defesa é assegurada a todos os acusados (CF, art. 5°, LV), inclusive em relação àqueles que são submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, a plenitude de defesa é prevista especificamente como garantia do Júri (CF, art. 5°, XXXVIII, “a”). Há quem entenda que não há diferença substancial entre ampla defesa e plenitude de defesa. A nosso juízo, porém, a plenitude de defesa implica no exercício da defesa em grau ainda maior do que a ampla defesa [...].
Nota-se que a plenitude de defesa é uma garantia exclusiva do Tribunal do Júri, onde o acusado pode ser defendido com maior amplitude. Nesse diapasão, cumpre destacar o entendimento de TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 826):
A plenitude de defesa revela uma dupla faceta, afinal, a defesa está dividida em técnica e autodefesa. A primeira, de natureza obrigatória, é exercida por profissional habilitado, ao passo que a última é uma faculdade do imputado, que pode efetivamente trazer a sua versão dos fatos, ou valer-se do direito ao silêncio. Prevalece no júri a possibilidade não só da utilização de argumentos técnicos, mas também de natureza sentimental, social e até mesmo de política criminal, no intuito de convencer o corpo de jurados [...].
Verifica-se que a plenitude de defesa permite ao defensor utilizar de vários argumentos para convencer os jurados e não somente aqueles baseados em fundamentos técnicos. Ademais, admite ao acusado apresentar uma tese pessoal em seu interrogatório, relatando uma versão que entender ser mais benéfica.
Já o princípio do sigilo das votações visa evitar qualquer intimidação aos jurados. Por esse motivo, estabelece que as votações deverão ser realizadas em uma sala especial, apenas com a presença do juiz, promotor, assistente e querelante (quando houver), advogado, escrivão e também do oficial de justiça (artigo, 485, caput, do Código de Processo Penal).
Em razão deste princípio não há decisão por unanimidade, pois quando ocorre quatro votos em um mesmo sentido, encerra-se a votação para aquele determinado quesito (art. 483, § 1° e §2°, do Código de Processo Penal).
Por outro lado, tem-se o princípio da soberania dos veredictos, o qual trata-se da impossibilidade de alteração da decisão dos jurados quanto ao mérito.
Segundo LIMA (2014, p. 1270) “[...] da soberania dos veredictos decorre a conclusão de que um tribunal formado por juízes togados não pode modificar, no mérito, a decisão proferida pelo Conselho de Sentença”.
Assim sendo, observa-se que em decorrência de tal princípio a decisão dos jurados não pode ser modificada pelo juiz presidente e nem pelo tribunal que venha apreciar um recurso. Porém, tal princípio é relativo, uma vez que há casos em que a decisão pode ser anulada, conforme prevê o artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal.
Por fim, a Constituição Federal assegurou ao Tribunal do Júri a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. Ressalta-se que vão também a Júri os crimes comuns conexos com os crimes dolosos contra a vida, mesmo que sejam de menor potencial ofensivo.
A competência do Tribunal do Júri é definida pelo artigo 5°, XXXVIII, alínea “d” da Constituição Federal, que estabelece o julgamento exclusivo dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. Trata-se de uma competência mínima atribuída ao Júri.
Na visão de NUCCI (2008, p. 258):
Assim o fez o constituinte originário pelo fato de, em outros países, onde está competência mínima não é ressalvada pela própria Constituição Federal, haver uma tendência natural de se buscar a redução gradativa da competência do tribunal leigo, conduzindo-o a um papel meramente simbólico.
Sendo assim, optou o legislador por assegurar a competência para julgamento de crimes dolosos contra a vida, os quais são: homicídio simples, privilegiado, qualificado (artigo 121, “caput”, §1°, §2°, Código Penal); suicídio (artigo 122, Código Penal), infanticídio (artigo 123, Código Penal) e as variadas formas de aborto (artigos 124, 125, 126 e 127, Código Penal).
O procedimento do Tribunal do Júri é conhecido como escalonado ou bifásico, ou seja, divide-se em duas fases.
A primeira fase é a denominada “judicium accusationis” ou sumário de culpa, a qual visa a formação de culpa do acusado. Segundo TOURINHO FILHO (2013, p.154) “[...]Na primeira etapa, a Acusação procura demonstrar que houve crime doloso contra a vida, consumado ou tentado, e que o réu foi o seu autor”.
A primeira etapa inicia-se com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, mas pode encerrar de quatro formas distintas, isto é, com a decisão de absolvição sumária, desclassificação do crime, impronúncia ou pronúncia.
Na absolvição sumária, o juiz absolve o acusado quando presente as hipóteses do artigo 415 do Código de Processo Penal.
Já a desclassificação do crime pode ocorrer de duas formas, ou seja, o juiz pode desclassificar por outro crime que também é da competência do Júri e pronunciar o acusado por este ou, então, desclassificar por outro que não é doloso contra a vida e remeter os autos ao juiz competente.
Contudo, as decisões mais importantes em relação ao procedimento do Júri é a de impronúncia e de pronúncia.
A decisão de impronúncia será proferida quando o juiz não se convencer da existência do crime ou de que não há indícios suficientes de autoria ou participação do acusado (artigo 414 do Código de Processo Penal).
A impronúncia caracteriza-se como uma decisão interlocutória mista terminativa, pois embora encerra o processo, o juiz não julga o mérito da pretensão punitiva, fazendo, assim, coisa julgada formal. “Isso significa dizer que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova (CPP, art. 414, parágrafo único) ” (LIMA, 2014, p. 1280).
Por outro lado, o juiz poderá pronunciar o acusado quando entender que há indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime (artigo 413, Código de Processo Penal).
Nesse caso, o juiz irá julgar procedente a peça acusatória e submeter o acusado ao julgamento perante os jurados. Sobre tema leciona TOURINHO FILHO (2013, p.155) que “A decisão de pronúncia funciona como uma espécie de “sinal verde” para que o Ministério Público ou o querelado, na hipótese do art. 29 do CPP, exerça o direito de acusar em plenário do Tribunal do Júri”.
A pronúncia, portanto, constitui decisão interlocutória mista não terminativa, pois encerra a primeira fase do procedimento do Júri sem julgar o mérito.
Cumpre dizer que o transito em julgado da decisão de pronúncia faz iniciar a segunda fase do Júri, ou seja, a etapa da “judicium causae”. Nela, são praticados os atos necessários para o julgamento em plenário, onde será submetido o caso aos jurados, cabendo a eles julgarem o mérito e proferirem o veredicto final.
O desaforamento é medida cabível apenas na segunda fase do procedimento do Júri e está previsto nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal.
Na visão de TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 851) “Desaforamento é o deslocamento da competência do processo de crime doloso contra a vida para a comarca mais próxima”. Deste modo, entende-se que desaforar é transferir o local de julgamento do Tribunal do Júri para outra comarca.
Insta mencionar que a decisão de desaforamento tem natureza excepcional, já que a regra determina que o foro competente é do lugar da consumação do crime.
Dentre as causas que podem embasar o pedido de mudança do julgamento é a imparcialidade dos jurados.
Estabelece o artigo 472 do Código de Processo Penal que aos jurados cabe examinar a causa com imparcialidade, ou seja, de forma justa e não parcial. Assim, havendo dúvidas sobre a parcialidade dos jurados, poderá ser requerido o desaforamento.
Vale a pena mencionar que o que se busca ao desaforar é a isenção total dos jurados em relação ao crime e a seu autor, permitindo que seja realizado um julgamento justo e eficaz.
É assegurado pela Constituição Federal de 1988 os direitos de liberdade de imprensa (artigo 5°, IX) e de informação (artigo 220):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (Curia et. al. 2012)
Além disso, foi criada a Lei de Imprensa (Lei n° 5.250/67), a qual foi instituída com o intuito de assegurar a liberdade de informação, que pode se dar por meio de televisão, rádio, jornais e internet.
Em síntese, a liberdade de informação se traduz no “direito de informar e de ser informado” (LENZA, 2006, p. 540).
Ocorre que, atualmente, a mídia tem sido um forte sistema de formação da opinião pública. Por causa disso, surge uma grande preocupação quanto ao modo em que as notícias são transmitidas para as pessoas, vez que elas podem sofrer alterações quanto a realidade dos fatos.
Não raras vezes, tem-se visto que a mídia cria verdadeiro sensacionalismo em torno das notícias. Entende-se como sensacionalismo o fato de:
[…] manipular a informação de modo incompleto ou parcial e apresentar essa informação num formato exagerado ou enganador. A exploração de notícias sensacionalistas em geral resulta em audiência, mas também pode gerar em mais sensacionalismo. Sensacionalismo envolve também a certeza de verdade absoluta em determinados fatos, quando o que se tem são opiniões, hipóteses, casos isolados. O sensacionalismo é, na verdade, uma questão mundial, mas no Brasil foi transformado em instrumento da competição entre emissoras de televisão e jornais. Esta concorrência é prejudicial à formação de uma opinião pública clara e sensata. (UNGALUB, 2016.)
Em verdade, a mídia tem realizado um grande espetáculo ao transmitir as notícias. Isto se explica porque seu objetivo não é mais o de somente informar as pessoas, mas o de render maiores audiências e lucros.
Destaca-se que um dos grandes problemas enfrentados é com relação às notícias do âmbito criminal. Nesse sentido, comenta SANTOLINI (2013):
“Atualmente existem diversos jornais sensacionalistas que procuram debater os crimes ocorridos dentro da sociedade brasileira. Muitos deles não procuram ater somente aos fatos que foram ocasionados, mas também tem a finalidade de trazer aquele fato para seu lado pessoal e agredir a pessoa do acusado, fugindo assim a norma legal, que é de atacar somente o fato criminoso cometido. ”
Por essa razão, discute-se se a mídia exerce uma influência negativa sobre o Tribunal do Júri. Isto porque, os jurados também estão sujeitos a tais informações e, como juízes leigos, tem maior dificuldade de distinguir as mensagens recebidas pela mídia, dos fatos apresentados em plenário.
Assim, diante da grande massa de informações recebidas pela mídia, cria-se o risco dos jurados irem ao dia do julgamento com uma decisão pré-estabelecida, prejudicando, portanto, a imparcialidade dos jurados.
Como já relatado, há uma grande preocupação com as informações transmitidas pela mídia que podem influenciar na opinião dos jurados e, consequentemente, prejudicar a imparcialidade dos mesmos.
Diante disso, é discutido se o desaforamento pode ser requerido e admitido com base em tal problemática. Pois, havendo dúvidas sobre a imparcialidade dos jurados será determinado o desaforamento, entretanto, não há determinação expressa na lei que configura essa imparcialidade, muito menos que a repercussão do crime na mídia ocorreria tal situação.
Ante essa omissão, cabe analisar as orientações jurisprudenciais nesse sentido, conforme expõe-se a seguir:
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - DESAFORAMENTO - MEDIDA EXCEPCIONAL - INCIDENTE CAUSADO PELO IRMAO DO RÉU - FATO SUPERADO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA QUEBRA DA IMPARCIALIDADE DO JÚRI - IMPORTANCIA DAS INFORMAÇÕES DO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU - IRRELEVÂNCIA DA DIVULGAÇÃO DO INCIDENTE PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - CPP, ART. 424 - NORMA DE DIREITO ESTRITO - INOCORRENCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - PEDIDO INDEFERIDO. - O desaforamento - que atua como causa derrogatória da competência territorial do júri - reveste-se do caráter de medida absolutamente excepcional. - O réu deve ser julgado no lugar em que supostamente cometeu o delito que lhe foi imputado. A mera alegação de parcialidade dos jurados, desacompanhada de qualquer comprovação idônea e eficaz, não basta para justificar o desaforamento. - A manifestação do juiz, em informações atualizadas e precisas, revela-se de fundamental importância - ante a idoneidade de que se reveste a sua opinião - na apreciação do pedido de desaforamento, que só deve ser concedido quando houver prova inequívoca de que ocorre qualquer dos pressupostos taxativamente referidos no art. 424 do Código de Processo Penal. - A maior divulgação do fato e dos seus incidentes e consequências, pelos meios de comunicação social, não basta, só por si, para justificar o desaforamento, sempre excepcional, do julgamento pelo júri. A opinião da imprensa não reflete, necessariamente, o estado de ânimo da coletividade e, por extensão, dos membros integrantes do Conselho de Sentença. (HC 70228, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 04/05/1993, DJ 04-06-1993 PP-11013 EMENT VOL-01706-01 PP-00166). (grifo nosso)
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DESAFORAMENTO. ALEGADA IMPARCIALIDADE DOS JURADOS. GRANDE REPERCUSSÃO DOS DELITOS. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO COM DADOS CONCRETOS. 1. Meras suposições de que a repercussão do delito possa influenciar na decisão dos jurados não são suficientes para deslocar o julgamento popular. O pedido de desaforamento, para ser deferido, deve estar baseado em fatos concretos existentes nos autos. 2. Habeas corpus denegado. (HC 103.434/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 15/09/2008) (grifo nosso)
DESAFORAMENTO. REQUISITOS. PRINCÍPIO DO JUÍZO NATURAL. ART. 427,CPP. O desaforamento é um ato excepcional que repercute na atuação das partes, devido à mudança do local do julgamento para outra comarca. Relativamente aos requisitos do art. 424 do CPP, não basta simples alegação de dúvida sobre a imparcialidade dos jurados, e o interesse da ordem pública, nem mesmo a repercussão do crime, para ensejar o desaforamento. Para o deferimento de um pedido que vulnera o princípio do juízo natural, são necessários elementos concretos e convincentes e que tenham base legal, o que não se verifica no caso apresentado. Noticiário da imprensa, na época do fato, ainda que amplo, não se presta para deslocar a competência. PEDIDO DESACOLHIDO. UNÂNIME. (Desaforamento Nº 70030227235, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 27/08/2009). (grifo nosso)
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. PEDIDO DE DESAFORAMENTO. PROCEDÊNCIA. FUNDADAS DÚVIDAS SOBRE A IMPARCIALIDADE DO JÚRI. PEDIDO ACOLHIDO. OFÍCIO. 1. O desaforamento é medida excepcional, somente cabível mediante preenchimento dos requisitos dispostos nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal. 2. Comprovado o risco à imparcialidade do júri decorrente da relevante repercussão do crime, e da comoção social ocorrida na Comarca de origem, deve ser deferido o pedido de desaforamento de julgamento. 3. Deferido o desaforamento, deve o julgamento ser transferido para outra Comarca da mesma região, onde não existam os empecilhos verificados no Juízo de origem, preferindo-se as mais próximas. 4. Pedido de desaforamento acolhido. Ofício. (TJMG - Desaforamento Julgamento 1.0000.15.062579-6/000, Relator(a): Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/11/2015, publicação da súmula em 12/11/2015) (grifo nosso)
Dos julgados, nota-se que o desaforamento é uma medida tão excepcional que somente se justifica quando houver risco concreto para o julgamento, ou seja, meras suposições de que a repercussão natural do crime e divulgação pela mídia possam influenciar no julgamento dos jurados não são suficientes para deslocar o julgamento para outra comarca.
Fato é que o desaforamento com base em crimes com repercussão na mídia irá depender da circunstancias de cada caso, pois para ser realizado necessita de provas claras que demonstrem o efetivo risco a imparcialidade dos jurados, caso contrário, não será possível realizar tal mudança.
Diante do estudo proposto, foi possível verificar que os crimes submetidos ao Tribunal do Júri devem ser analisados e julgados por jurados imparciais.
Entretanto, está cada vez mais difícil manter a imparcialidade dos jurados nos dias de hoje, uma vez que sofrem, constantemente, com a grande massa de notícias e informações proferidas pela mídia, as quais podem influenciar na decisão dos jurados, permitindo que os mesmos vão a julgamento com uma ideia já concebida sobre o caso.
Entre as saídas cogitas para resguardar a imparcialidade dos jurados diante de crimes com repercussão na mídia, foi a de realizar o desaforamento do Tribunal do Júri, isto é, deslocar o local de julgamento para uma comarca mais próxima.
No entanto, tal medida é excepcional e só pode ser realizada quando preenchidos os casos legais.
Ocorre que, o 427 do Código de Processo Penal prevê que o desaforamento pode ser realizado quando houver dúvida sobre a imparcialidade dos jurados, porém não diz as hipóteses que tornam os mesmos imparciais, inclusive, não traz nada a respeito dos crimes com grande repercussão na mídia.
Assim sendo, fez-se necessário analisar as normas infraconstitucionais e os entendimentos jurisprudências, os quais afirmaram que, para haver o desaforamento por crimes com repercussão na mídia tem de ficar cabalmente demonstrado através do conjunto probatório o risco de imparcialidade dos jurados, já que a medida viola o princípio do juiz natural. Consequentemente, não havendo provas claras e precisas, torna-se impossível desaforar o Júri.
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[1] Graduação em Direito - Instituição- Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) (1982). Atualmente é Delegada de Polícia titular - Secretaria Segurança Pública do Estado de São Paulo, professora da Universidade Camilo Castelo Branco, lecionando as disciplinas Direito Penal e Direito Processual Penal. Pós-graduada (especialização) em Metodologia e Didática pela UNORP e Direito Penal e Processual Penal pela UNIRP. Mestre na área de Constituição e Processo pela Universidade de Ribeirão Preto.
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Camilo Castelo Branco - Fernandópolis-SP.
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