RESUMO: Esse trabalho objetiva tratar a respeito da forma supressiva de intervenção do Estado na propriedade: a desapropriação. O assunto foi trabalhado a partir de suas balizas constitucionais, natureza jurídica, fundamentação, espécies, objeto, competências, procedimento, pagamento de indenização e regulação infraconstitucional.
PALAVRAS-CHAVE: Intervenção, Estado, Propriedade, Privada, Supressiva, Desapropriação.
A desapropriação ou expropriação pode ser entendida como forma de intervenção supressiva do Estado na propriedade por meio do qual o Poder Público, através de procedimento administrativo ou judicial e com base em necessidade ou utilidade pública ou interesse social, transfere compulsoriamente para si propriedade de terceiro, geralmente com prévia e justa indenização, pagável em dinheiro.
Inúmeros são os conceitos atribuídos a este instituto. Porém a grande maioria traduz, de maneira mais sucinta ou mais extensa, as mesmas características. Cretella Junior, em obra anterior a atual constituição, já traçava dois conceitos: um em sentido estrito e outro em sentido lato.
Em sentido amplo, para nós, desapropriação é o ato de direito público pelo qual a Administração, fundamentada na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, obriga o proprietário a transferir a propriedade de um bem, ao Estado ou a particulares, mediante prévia e justa indenização.
Em sentido restrito, desapropriação é o ato pelo qual o Estado, necessitando de um bem privado para fins de interesse público, obriga o proprietário a transferir-lhe a propriedade desse bem, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.[i]
No mesmo sentido, o conceito de José dos Santos Carvalho Filho, para quem desapropriação “é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante pagamento de indenização”[ii] e de Di Pietro:
[...] desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um certo bem, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro[iii]
Já Marçal Justen Filho conceitua a desapropriação não como procedimento, mas como ato “estatal unilateral que produz a extinção da propriedade sobre um bem ou direito e a aquisição do domínio sobre a entidade expropriante, mediante indenização justa”. É unilateral, pois é imposto ao proprietário que só poderá se opor quanto ao valor da indenização e, mesmo assim, judicialmente.[iv]
Conforme Carvalho Filho, a natureza jurídica da desapropriação é a de procedimento administrativo e também, na grande maioria das vezes, de procedimento judicial. Na primeira fase, administrativa, o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência do bem. A desapropriação só não passa à fase seguinte quando há acordo entre o Poder Público e o proprietário do bem. Caso contrário, passa-se à fase judicial, onde o Estado move a ação contra o proprietário do bem.[v]
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata do instituto da desapropriação em uma série de dispositivos. O art. 5º, XXIV, traça a regra básica para a desapropriação ordinária: deve ocorrer com base em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social e com pagamento de indenização justa, prévia e em dinheiro, ressalvados os casos previstos na própria Lei Maior.[vi]
A lição de Fagundes é esclarecedora no tocante às três expressões contidas nesse inciso:
A necessidade pública aparece quando a Administração se encontra diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular. A utilidade pública aparece quando a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui imperativo irremovível. Haverá motivo de interesse social quando a expropriação se destine a solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles ditamente atinentes às classes mais pobres, aos trabalhadores, à massa do povo em geral pela melhoria das condições de vida, pela mais eqüitativa distribuição da riqueza, enfim, pela atenuação das desigualdades sociais.[vii]
Outros dispositivos constitucionais prevêem exceções a esta regra geral. A primeira exceção é prevista no art. 182, § 4º. Tal dispositivo indica que o Poder Público municipal poderá desapropriar imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado cujo proprietário não promova seu adequado aproveitamento.
Esta modalidade de desapropriação, indenizada com pagamento mediante títulos da dívida pública com prazo de resgate de até dez anos[viii], é chamada por José dos Santos Carvalho Filho de “desapropriação urbanística sancionatória”[ix], e é regulamentada pela Lei nº 10.257/2001, autodenominada de Estatuto da Cidade, mais precisamente em seu art. 8º.
A segunda exceção consta do caput do art. 184, é modalidade de desapropriação por interesse social e é denominada desapropriação rural, uma vez que incide sobre imóveis rurais para fins de reforma agrária[x]. Será desapropriado o imóvel rural que não cumpra sua função social, mediante o pagamento de indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos. [xi]
Este dispositivo deve ser interpretado, indispensavelmente, conforme disposto nos artigos 185 e 186 da Carta Maior, já estudados anteriormente.
No caso da desapropriação rural, os dispositivos acima são regulamentados pela Lei nº 8.629/93 (alterada pela Lei nº 10.279/2001 e pela Medida Provisória 2183-56, de 24/08/2001) e pela Lei Complementar nº 76/93 (alterada pela Lei Complementar nº 88/96), sendo que a última “dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária”.[xii]
A última exceção, tema principal deste trabalho e que será detalhada no terceiro e último capítulo, é tratada pelo art. 243 da Constituição Federal e denominada desapropriação confiscatória, uma vez que não confere ao proprietário direito de indenização[xiii].
A Lei nº 8.257/91 “Dispõe sobre a expropriação das glebas nas quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas e dá outras providências”[xiv] e regulamenta o assunto, juntamente com o Decreto nº 577/92.
Primeiramente, segundo o dispositivo constitucional que trata da desapropriação ordinária, a indenização a ser paga ao proprietário do bem expropriado deve ser justa. O sentido da expressão é brilhantemente traduzido por Meirelles:
[...] a indenização justa é a que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como, também, os danos emergentes os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio. Se o bem produzia renda, essa renda há de ser computada no preço, porque não será justa a indenização que deixe qualquer desfalque na economia do expropriado. Tudo que compunha seu patrimônio e integrava sua receita há de ser reposto em pecúnia no momento da indenização; se o não for, admite pedido posterior, por ação direta, para completar-se a justa indenização. A justa indenização inclui, portanto, o valor do bem, sua rendas, danos emergentes e lucros cessantes, além dos juros compensatórios e moratórios, despesas judiciais, honorários de advogado e correção monetária.[xv]
Como ensina Carvalho Filho, a expressão “indenização prévia” “significa que deve ser ultimada antes da consumação da transferência do bem”[xvi]. Portanto, antes que o bem saia do domínio do particular para o domínio público, o expropriado deve ser indenizado.
Por uma interpretação literal do art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/41, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, todos os bens são passíveis de expropriação pelos entes federados, sejam eles móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, públicos ou privados:
Porém, em alguns casos, a desapropriação é impossível. Vale citarmos a genial lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Pode ser objeto de desapropriação tudo aquilo que seja objeto de propriedade. Isto é, todo bem, imóvel ou móvel, corpóreo ou incorpóreo, pode ser desapropriado. Portanto, também se desapropriam direitos em geral. Contudo, não são desapropriáveis direitos personalíssimos, tais o de liberdade, o direito à honra etc. Efetivamente, estes não se definem por um
conceito patrimonial, antes se apresentam como verdadeiras projeções da personalidade do indivíduo ou consistem em expressões de um status jurídico, como o pátrio poder e a cidadania, por exemplo.
Também não se desapropria o dinheiro, moeda corrente do País, por ser este o próprio meio de pagamento do bem expropriado. Todavia, dinheiro estrangeiro ou moedas raras podem ser desapropriados.
Igualmente não são desapropriáveis pessoas, mas apenas os bens ou direitos acionários relativos a elas, porque desapropriar significa tirar a propriedade, isto é, despojar de um objeto jurídico, e em Direito as pessoas são sujeitos e não objetos. Daí que, ao contrário do que erroneamente se supõe, não se desapropriam empresas, sociedades, fundações, concessionários de serviço público, mas tão-só os bens que tais entidades possuem ou os direitos representativos do capital delas. As pessoas não se extinguem por via da desapropriação.[xvii]
Já o professor Carvalho Filho divide as impossibilidades em jurídicas e materiais. As primeiras são aquelas que se referem a bens que a própria lei considera insuscetíveis de determinado tipo de desapropriação, como é o caso da propriedade produtiva, que não pode ser objeto de desapropriação para reforma agrária. Já as impossibilidades materiais são aquelas pela quais determinados bens, por sua própria natureza, não podem ser desapropriados. Como exemplos cita a moeda corrente, uma vez que é o próprio meio de indenização, as pessoas físicas ou jurídicas, como sujeitos que são e os direitos personalíssimos, por sua própria natureza. [xviii]
Regra interessante é a prescrita pelo §1º do art. 2° do Decreto-lei n° 3.365/41, segundo a qual a “desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização resultar prejuízo patrimonial do proprietário do solo”. Dessa forma, sendo o espaço aéreo e o subsolo inúteis ao proprietário, tem o Poder Público o direito de usá-los, independente de expropriação.[xix]
Outro dispositivo muito importante do mesmo decreto-lei é o §2º. Ele trata sobre a desapropriação de bens públicos, limitando as situações em que estes poderão ser desapropriados. Assim, os bens dos Estados, Distrito Federal e Territórios só podem ser desapropriados pela União, e os dos Municípios por esta e pelos Estados, sempre dependendo de autorização legislativa. [xx]
Portanto, além da necessidade de autorização legislativa da pessoa desapropriante, deve ser observada certa “hierarquia” entre os entes federados, de forma que União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, e os Estados podem desapropriar bens dos seus Municípios.
Além disso, importante destacar a Súmula nº 479 do STF, que decide controvérsia quanto à classificação das margens dos rios navegáveis em bens de domínio público ou privado: “As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”.
Segundo o Código de Águas (Dec. n°24.643/34), tais faixas são pertencentes ao domínio público; entretanto, parte da doutrina sempre sustentou sua integração ao domínio privado. Assim, entendemos que a questão, agora sumulada, não mais deve ser objeto de discussões. São, as margens dos rios navegáveis, de domínio público.
A clássica lição do civilista Sílvio Rodrigues:
São originários os modos de aquisição da propriedade em que não há qualquer relação jurídica de causalidade entre o domínio atual e o estado jurídico anterior, como ocorre na hipótese da acessão ou da usucapião.
São derivados os modos de aquisição quando, entre o domínio do adquirente e do alienante, existe uma relação de causalidade, representada por um fato jurídico, tal o contrato seguido de tradição, ou o direito hereditário.[xxi]
Assim, a desapropriação deve ser considerada forma de aquisição originária da propriedade, uma vez que só a vontade do Estado é idônea a consumar o suporte fático gerador da transferência da propriedade, sem qualquer relevância atribuída à vontade do proprietário ou ao título que possua. A desapropriação, desta forma, é considerada o ponto inicial da nova cadeia causal que se formará para futuras transferências do bem.[xxii]
A questão dos sujeitos ativo e passivo da relação de desapropriação é clara e chega a ser intuitiva, fazendo parte inclusive da maioria dos conceitos de tal instituto. Conforme esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
A desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados[xxiii], mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário[xxiv] a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização. Aparecem nesse conceito as seguintes características do instituto: 1- o aspecto formal, com a menção a um procedimento; 2- o sujeito ativo: Poder Público ou seus delegados[xxv]; 3- os pressupostos: necessidade pública, utilidade pública ou interesse social; 4- o sujeito passivo: o proprietário do bem[xxvi]; 5- o objeto: a perda de um bem; 6- a reposição do patrimônio do expropriado por meio de justa indenização.[xxvii]
Assim, é sujeito ativo aquele ente da federação que desapropria: a União, Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios[xxviii]. É sujeito passivo aquele contra quem se move a desapropriação. Conforme explicado anteriormente, no pólo passivo podem constar pessoas físicas ou jurídicas, particulares ou públicas – claro, com as condições impostas pela lei.
A competência legislativa para desapropriação é expressa e privativamente atribuída à União, conforme art. 22, II da Carta Maior.
A competência declaratória, ou seja, para declarar a utilidade pública ou o interesse social do bem[xxix], é aquela prevista no artigo 2º, caput, do Decreto-lei nº 3.365/41, ou seja, são competentes todos os entes federativos: a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os Territórios. O art. 6° do mesmo Decreto-lei vai mais a fundo e esclarece que a emissão de tais declarações deve ser feitas pelos respectivos chefes do Poder Executivo: “Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito”.[xxx]
Porém, há exceções à essa regra, como ensina Carvalho Filho:
A regra, contudo, comporta exceções. Assim, atribui-se competência para declarar utilidade pública ao DNIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutura de transportes, cuja natureza jurídica é de autarquia[xxxi] administrativa (sucessora do antigo DNER – Depto. Nacional de Estradas de Rodagem), para o fim de ser promovida desapropriação visando à implantação do Sistema Nacional de Viação. Idêntica competência foi conferida à ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, também autarquia federal, com o objetivo de serem desapropriadas áreas para a instalação de concessionários e permissionários de energia elétrica. É discutível a opção do legislador no que concerne a tais, visto que a declaração de pública ou de interesse social constitui um juízo público de valoração quanto à futura perda da propriedade, juízo esse que, a nosso ver, é próprio das pessoas da federação.[xxxii]
No tocante à desapropriação para fins de reforma agrária, a Constituição Federal atribuiu à União Federal a capacidade exclusiva para emitir a declaração expropriatória. É ela a quem compete desapropriar.
Já no que diz respeito à desapropriação de imóveis por utilidade pública para fins urbanísticos, a Magna Carta atribui a competência aos Municípios, conforme art.30, incisos I (interesse local) e VIII (ordenamento do solo) e art. 182, caput (política de desenvolvimento urbano) e §3º[xxxiii].
Competente para executar é aquele que possui a atribuição de promover efetivamente a desapropriação, providenciando todas as medidas e exercendo as atividades que culminarão na transferência da propriedade.[xxxiv]
Essa competência, segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
[...] é mais ampla, alcançando, além das entidades da Administração direta e indireta, os agentes delegados do Poder Público, como os concessionários e permissionários.
Portanto, além da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das entidades da Administração indireta desses entes políticos (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas), as empresas que prestam serviços públicos por meio de concessão ou permissão podem executar a desapropriação, figurando no processo com todas as prerrogativas, direitos, obrigações, deveres e respectivos ônus, inclusive o relativo ao pagamento da indenização.
Entretanto, para as pessoas que exercem funções delegada do Poder Público a competência é condicionada, visto que só podem propor a ação de desapropriação se estiverem expressamente autorizados em lei ou contrato (Decreto-Lei n° 3.365/41, art. 3º).”[xxxv]
Assim, além da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista, empresas públicas, os delegatários, permissionários e concessionários de serviços públicos também podem propor a ação de desapropriação – sempre condicionados à autorização legal.
O procedimento expropriatório é composto de duas fases. Na primeira, denominada fase declaratória, o Poder Público manifesta a intenção de desapropriar determinado bem. Na segunda fase – chamada executória – o Poder Público providencia as medidas necessárias para concretizar a transferência do bem para seu patrimônio.
Com relação à fase declaratória, ensina Harada:
Esse ato expropriatório nada mais é do que a exteriorização da vontade da
Administração Pública de deflagrar o procedimento expropriatório, ou seja, de exercer o poder de desapropriar. A lei (art. 6°) não define o conteúdo da declaração de utilidade pública. Porém, não há dúvida de que a declaração expropriatória deverá conter a descrição pormenorizada do bem objeto da desapropriação, a indicação do inciso legal em que se enquadra a desapropriação (art. 5°) e a destinação a ser dada ao bem desapropriando. Se se tratar de bem imóvel, é sempre conveniente fazer-se acompanhar por uma planta. Deve, também, o ato expropriatório ser publicado em órgão oficial. A falta daqueles requisitos pode conduzir à invalidade do ato expropriatório pelo Judiciário, por provocação do interessado. Acontece, também, de a Administração antecipar-se à ação do Poder Judiciário promovendo sua anulação, sempre que constatar vício de ilegalidade.[xxxvi]
A primeira fase, portanto, tem início com a declaração expropriatória, através da declaração de existência de utilidade pública ou interesse social, feita por Decreto do Chefe do Executivo ou, excepcionalmente, ato do Poder Legislativo, conforme art. 8° do Decreto-Lei 3365/41: “O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação”.[xxxvii]
São efeitos do decreto que declara a utilidade pública ou o interesse social, segundo Mello:
a) submeter o bem à força expropriatória do Estado;
b) fixar o estado do bem, isto é, de suas condições, melhoramentos, benfeitorias existentes;
c) conferir ao Poder Público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder;
d) dar início ao prazo de caducidade da declaração.[xxxviii]
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ainda lembram que, com a expedição do decreto, não surge impedimento para que sejam concedidas licenças para obras no imóvel já declarado de utilidade pública ou de interesse social, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada (STF, Súmula 23)[xxxix]
E conforme lição de Celso Ribeiro Bastos:
Portanto, a declaração, por si só, não priva o proprietário de seu direito de uso, gozo e disposição da coisa. Por tal razão, mesmo após a declaração expropriatória, é lícito ao proprietário fazer uso normal do bem, podendo aliena-lo (art. 70 do Dec. Lei n.º 3.365/41) ou nele construir, não lhe podendo ser negado o alvará de construção.[xl]
Dessa forma, o particular não deixa de ser proprietário do bem com a emissão da declaração, mas apenas com o pagamento da indenização pelo Poder Público.
Na fase executória, como já foi dito, a transferência do bem será materializada. Isso pode ocorrer através de procedimento administrativo, judicial ou ambos. Ocorre que o Poder Público pode propor ao proprietário um acordo. Com as partes chegando num consenso a respeito da desapropriação do bem e do valor da indenização, prescinde-se da fase judicial, sendo o acordo formalizado por meio de escritura pública ou outro meio prescrito em lei. É o que chamamos de desapropriação amigável.
Não havendo proposta do Poder Público ou aceitação do particular, aquele proporá ação judicial para resolução do conflito. Porém, o tema a ser discutido na ação judicial é limitado aos vícios do processo judicial ou impugnação do preço, sendo vedado ao Poder Judiciário decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.
Assim, caso o particular queira questionar os motivos que caracterizaram a utilidade pública ou interesse social, o interessado pode ajuizar ação autônoma, denominada pela própria lei de ação direta[xli].
Porém a ação judicial de desapropriação não impede que, mesmo após o seu início, possam as parte entrem em acordo homologado por sentença.
Ademais, mesmo antes do desfecho da referida ação judicial é possível que o Poder Público passe a ter a posse provisória do bem. A imissão provisória na posse é tratada pelo art. 15 do Decreto lei 3365/41:
São, portanto, dois requisitos para que o sujeito ativo possa ser provisoriamente imitido na posse:
a) Declaração de urgência, feita no decreto expropriatório ou mesmo posteriormente;
b) Depósito prévio do valor arbitrado pelo juiz, dentro dos critérios estabelecidos em lei.
Cabe ressaltar ainda que o expropriante tem o prazo de 120 dias, contados da alegação de urgência, para requerer a imissão provisória, sob pena de não concessão.
Mas conforme orientação do Supremo Tribunal Federal, “só a perda da propriedade, ao final da ação de desapropriação – e não com a imissão provisória na posse do imóvel – está compreendida na garantia da justa e prévia indenização”.[xlii]
Não poderia ser diferente, pois só a sentença no processo judicial de desapropriação é que trará solução à lide. Nela o juiz decidirá o mérito, sempre de maneira motivada, e arbitrará o valor definitivo do bem para fins de indenização. Dessa decisão ambas as partes poderão apelar, porém com efeito suspensivo apenas para o expropriante.
Só com o pagamento da justa indenização, portanto, o expropriante está autorizado à imissão definitiva na posse do bem. Além disso, é a sentença que constituirá título hábil para a transcrição da propriedade do bem no registro de imóveis. [xliii]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito de propriedade, embora se configure como verdadeiro direito fundamental expresso na Constituição da República de 1988, não pode ser interpretado como absoluto.
Assim, tendo em vista a função social da propriedade e o fim maior do Estado, qual seja, o bem comum, o direito de propriedade pode – e deve – ser restringido, até mesmo de forma supressiva, quando isso se fizer necessário para garantir o interesse público, sempre, por óbvio, obedecidas a balizas constitucionais.
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[i] CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários às Leis da Desapropriação. 2. ed. São Paulo: J.
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[ii] CARVALHO FILHO, op. cit., p.774.
[iii] DI PIETRO, op. cit., p. 163.
[iv] JUSTEN FILHO, op. cit., p. 422.
[v] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 775.
[vi] BRASIL, loc. cit.
[vii] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 351-352.
[viii] BRASIL, op. cit.
[ix] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 777.
[x] ibid.
[xi] BRASIL, loc. cit.
[xii] BRASIL. Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp76.htm>. Acesso em 12 ago. 2011.
[xiii] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 778.
[xiv] BRASIL. Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8257.htm>. Acesso em 12 ago. 2011.
[xv] MEIRELLES, op. cit., p. 615.
[xvi] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 808.
[xvii] MELLO, op. cit., p. 843.
[xviii] CARVALHO FILHO, op. cit., p.779.
[xix] BRASIL, op. cit.
[xx] ibid.
[xxi] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.93.
[xxii] MELLO, op. cit., p. 373.
[xxiii] Grifo nosso
[xxiv] Grifo nosso
[xxv] Grifo nosso
[xxvi] Grifo nosso
[xxvii] DI PIETRO, op. cit., p. 170.
[xxviii] BRASIL, op. cit.
[xxix] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 664
[xxx] BRASIL. Decreto-lei nº 3365, de 21 de junho de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3365.htmm>. Acesso em 12 ago. 2011.
[xxxi] Grifo do autor
[xxxii] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 785.
[xxxiii] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 785-786.
[xxxiv] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 664.
[xxxv] ibid., p. 664.
[xxxvi] HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 1997, p. 71.
[xxxvii] BRASIL. Decreto-lei nº 3365, de 21 de junho de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3365.htmm>. Acesso em 12 ago. 2011.
[xxxviii] MELLO, op. cit., p. 845.
[xxxix] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 666.
[xl] BASTOS, op. cit., p. 224.
[xli] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 666.
[xlii] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit. p. 669.
[xliii] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 670.
Analista Judiciário no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Foi Oficial do Ministério Público de Minas Gerais e Analista Judiciário e Chefe de Cartório no Tribunal Regional Eleitoral do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Rafael Xavier. A desapropriação da propriedade privada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46951/a-desapropriacao-da-propriedade-privada. Acesso em: 22 nov 2024.
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