resumo: O presente artigo objetiva analisar os efeitos negativos e positivos gerados pela flexibilização das normas trabalhistas na medida em que tal fenômeno visa reduzir direitos trabalhistas e consequentemente os encargos do empregador com o fim de aumentar a empregabilidade, bem como a competitividade da economia.
Palavras chave: Flexibilização. Autonomia coletiva. Dignidade humana. Direitos sociais.
Abstract: This article aims to analyze the negative and positive effects generated by the relaxation of labor standards to the extent that such a phenomenon is to reduce labor rights and consequently the employer's burden in order to increase the employability and competitiveness of the economy.
Keywords: Easing. Collective autonomy. Human dignity. Social rights.
1. Introdução
É certo que durante muitos anos os trabalhadores sofreram com a exploração de sua mão de obra e com a falta de leis que lhes garantissem o mínimo de dignidade.
Foram necessários longuíssimos anos e muitas revoluções para se chegar a um patamar razoável de normas que visam estabelecer direitos e vantagens à classe assalariada.
No Brasil, tais direitos encontram-se hoje resguardados principalmente na Constituição Federal de 88 e na Consolidação das Leis Trabalhistas, representando uma verdadeira vitória para os operários que por muito tempo viram-se desamparados e esquecidos pelo sistema capitalista posto.
A inserção dos diretos trabalhistas no ordenamento jurídico pátrio, entretanto, tem gerado, há alguns anos, algumas discussões acerca do fato de que o mundo globalizado e capitalista predominante não condiz com um sistema de normas rígidas e protecionistas garantidoras de demasiados direitos aos trabalhadores.
Isso porque, o alto custo gerado pelos inúmeros direitos trabalhistas onera em demasia a classe empregadora, fazendo com que esta seja obrigada a aumentar o preço final de seus produtos e/ou serviços, gerando prejuízos à competitividade.
Nesse contexto, considerando as muitas conquistas dos trabalhadores no que diz respeito aos seus direitos, entra em cena atualmente a multifalada flexibilização das normas trabalhistas que nada mais é do que a diminuição dos direitos trabalhistas já conquistados, visando a diminuição das taxas de desemprego, bem como o aumento da competitividade econômica das empresas empregadoras.
Tal fenômeno não é tão novo como se pensa, como salienta Alexandrino e Vicente Paulo:
Especialmente a partir do final da década de 80 e do inicio da de 90, vem sendo operada uma revisão, uma revalidação, dos fundamentos e da utilidade de alguns dos direitos trabalhistas tradicionalmente constantes dos ordenamentos jurídicos dos países do Ocidente. Têm sido questionados, inclusive, os reais efeitos que a inserção de uma série de direitos rígidos no ordenamento jurídico produz sobre o mercado real de trabalho e a possibilidade ou o benefício da manutenção de tais direitos em um mundo globalizado, marcado pela competição entre as empresas em âmbito internacional. (2008, pag. 07).
Diante disso, o presente trabalho visa analisar com base no método histórico, bem como através de pesquisa bibliográfica as consequências trazidas pela flexibilização das normas trabalhistas, uma vez que a sua aplicação indiscriminada pode restringir e até mesmo dizimar direitos já conquistados pelos trabalhadores, mas em contrapartida sua aplicação racional pode trazer benefícios como o aumentar da empregabilidade e da competitividade da economia.
2. A evolução histórica das normas trabalhistas brasileiras
Hodiernamente, são previstos e garantidos por lei inúmeros direitos aos empregados brasileiros.
Entretanto, não foi sempre assim.
Dessa forma, para se entender o fenômeno da flexibilização das normas trabalhistas indispensável que se faça um breve apanhado acerca da evolução histórica do direito do trabalho, ou seja, como se deu o processo evolutivo para se chegar a gama de direitos e garantias que se apresenta nas leis atualmente.
De acordo com os ensinamentos de Maranhão e Carvalho, o direito do trabalho no Brasil evoluiu a passos lentos. Até o ano de 1919 as leis trabalhistas eram extremamente escassas, sendo neste ano promulgado o decreto nº 3.724, tratando dos acidentes de trabalho. A Lei Eloy Chaves, datada de 1923 tratou sobre caixas de aposentadoria e pensões dos ferroviários, sendo criado também neste ano o Conselho Nacional do Trabalho. Coma revolução de 30 nasce o Ministério do Trabalha, tendo os órgãos parajudiciais surgido apenas em 1932. Em 1934 foi promulgada a Constituição que inaugurou as constituições sociais no Brasil. Já em 1937 foi promulgada a Constituição do Estado Novo, que proibiu a greve e atrelou os sindicatos ao Estado, sendo também desta época a lei que instituiu o salário mínimo, além da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho. Em 1946 com a promulgação da Constituição houve a inclusão da Justiça do Trabalho como parte integrante do Poder Judiciário. Em 1964, com o golpe militar ocorreu desestabilização dos direitos trabalhistas, na medida em que a lei nº. 4.330/69 restringiu o direito de greve. (1993, p.20 e 21).
Somente no ano de 1988 com a promulgação da Constituição Federal ficaram estabelecidos inúmeros direitos trabalhistas, os quais foram erigidos à categoria de direitos fundamentais, o que fortaleceu sobremaneira a classe obreira.
Diante de tal análise, verifica-se que diminuição exacerbada dos direitos conquistados a duras penas pelos trabalhadores pode significar um verdadeiro retrocesso ao passado quando a classe assalariada era tida apenas como uma coisa a favor do sistema capitalista.
3. Autonomia coletiva
A partir do liberalismo econômico introduziu-se nas relações de trabalho a ideia de que empregados e empregadores eram livres para ajustarem entre si as condições do pacto trabalhista.
Entretanto, percebeu-se que o principio da autonomia da vontade não poderia ter aplicação plena no Direito Individual do Trabalho, tendo em vista a disparidade econômica existente entre as partes da relação.
Nesse contexto, entra em cena o Direito Coletivo do Trabalho, marcado pela atuação dos sindicatos representativos das categorias econômica e profissional, os quais, por se encontrarem no mesmo grau de hierarquia, podem celebrar ajustes com base no princípio da autonomia da vontade.
A partir disso, surge o fenômeno da flexibilização das normas trabalhistas, tendo em vista que a autonomia coletiva permite que os sindicatos representativos realizem as chamadas convenções e acordos coletivos de trabalho.
Os acordos coletivos de trabalho “são pactos celebrados entre uma ou mais de uma empresa e sindicato da categoria profissional a respeito de condição de trabalho aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes” (CLT, art. 611, § 1º).
Já as convenções coletivas de trabalho segundo Alexandrino e Vicente Paulo “são pactos que abrangem toda uma categoria na base territorial dos sindicatos participantes”. (2008, pag.17).
A CLT assim as define: “o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho” (art. 611).
Assim, através de tais institutos empregados e empregadores estipulam normas que serão seguidas por ambas as partes, podendo dispor de direitos trabalhistas, como a redução salarial, a redução da jornada de trabalho, o regime de compensação de horas, etc.
Vale lembrar que a flexibilização das normas trabalhistas pode ocorrer também de outras formas, nesse sentido, é bom lembrar importante ensinamento de Vólia Bonfim Cassar:
Na verdade, a flexibilização das normas trabalhistas ocorre através de mecanismos jurídicos, políticos e econômicos de ajuste da lei e de sua interpretação ao novo modelo social. Também depende de procedimentos do Estado, principalmente do legislador, na elaboração de leis que excepcionem a regra geral para micro e pequenas empresas, para situações transitórias, para situações especiais, ou para empresas que enfrentam grave crise econômica. O Judiciário também tem importante papel nesta adaptação, pois dele depende a interpretação e aplicação do Direito, de forma menos protetiva ao trabalhador nas hipóteses de choque dos seus interesses com os da atividade empresarial em situação econômica precária, sempre com a finalidade econômica e social de adaptação e ponderação dos interesses do trabalhador e do empresário, para tentar ajustar as condições de trabalho às contingências da sociedade empresarial empregadora. (2010, p. 02 e 03).
4. Os limites da flexibilização das normas trabalhistas frente a dignidade da pessoa humana
Durante muitos anos os trabalhadores suportaram trabalhos forçados e sem nenhuma garantia.
Somente a partir do século XIX começa a surgir a ideia da necessidade de se proteger o trabalhador e de lhes garantir o mínimo de dignidade para o desempenho de seu labor.
Somente em 1988 com a promulgação da Constituição Federal foram instituídos e aperfeiçoados os chamados direitos sociais previstos no artigo 7º do citado diploma, caracterizando-se como verdadeiros direitos fundamentais da pessoa humana.
Nos dizeres de Dirley da Cunha Junior referindo-se à Constituição de 88:
outra importante inovação, digna de referência, foi a previsão dos direitos sociais em capitulo próprio do título dos direitos fundamentais, evidenciando, de forma irrecusável, sua condição de verdadeiros direitos fundamentais (2008, pag. 601).
Tratando ainda dos direitos sociais salienta:
Nesse sentido, é inquestionável que o princípio da dignidade da pessoa humana é a base de todos os direitos sociais, de tal sorte que, independentemente da previsão expressa desses direitos a prestações, deve-se-lhes pleno reconhecimento. O direito constitucional brasileiro, entretanto, não padece dessa omissão, na medida em que a nossa Constituição reconhece expressamente os direitos fundamentais sociais, pelo menos os mais importantes à garantia do mínimo existencial. (2008, pag. 696).
Dessa forma, é inegável o fato de que os direitos sociais são considerados pelo ordenamento jurídico pátrio, verdadeiros direitos fundamentais da pessoa humana. O que significa dizer que o seu exercício presta-se a garantir aos indivíduos o mínimo existencial para que possam viver de forma digna.
Nesse diapasão, entra um questionamento pertinente, qual seja: se os direitos sociais trabalhistas garantidos pela Magna Carta de 88 em seu artigo sétimo prestam-se a garantir um mínimo existencial como poderão ser reduzidos sem ferir o bem maior conquistado por essa classe que é justamente a sua dignidade?
Diante de tal questionamento, constata-se a importância do tema em apreço, uma vez que a flexibilização irracional e desmedida das normas trabalhistas pode extirpar direitos tidos por fundamentais, o que significa um retrocesso e uma afronta à própria Constituição Federal vigente, tendo em vista que os direitos nela previstos são indisponíveis.
Vale frisar ensinamento pertinente da professora Vólia Bomfim Cassar nesse sentido: “forçoso concluir que todos os direitos trabalhistas previstos na lei são indisponíveis, imperativos, cogentes. Somente poderão ser disponibilizados quando a própria lei autorizar sua disponibilidade”. (2006, p. 409)
Para a autora, portanto, as leis trabalhistas passíveis de sofrer flexibilização são aquelas em que a própria norma autoriza a sua disponibilidade.
Aqui é bom explicitar uma importante discussão. A Constituição Federal quando trata dos direitos sociais estabelece que o salario é irredutível, salvo exceção prevista em acordo ou convenço coletiva de trabalho (artigo 7º, inciso VI).
Nessa esteira, percebe-se que a própria Constituição abriu uma exceção para o mais importante direito social, na medida em que o salario é a maior garantia do trabalhador, pois garante a sua subsistência e de sua família.
A partir de tal exceção, há quem diga que se a Constituição permitiu que empregados e empregadores dispusessem de tal direito que é tido como o mais importante, permitiu implicitamente que dispusessem também dos demais.
Acerca de tal polêmica, tudo indica que o que a Constituição Federal pretendeu ao estabelecer a norma em comento a garantia do próprio emprego, uma vez que a norma visa resguardar a saúde financeira e a existência das empresas e consequentemente a mantença dos postos de trabalho.
Nesse sentido, explica Vólia Bomfim: “Em termos de direito do Trabalho, cujas regras mínimas são impostas por lei de ordem pública, imperativa, flexibilização significa permitir, apenas para manutenção da saúde e existência da empresa, a redução ou alteração in pejus de direitos trabalhistas.” (2011, p. 909).
No que diz respeito aos riscos da flexibilização, Benedito Calheiros Bomfim considera:
Se se permitir que, mediante negociação coletiva, os percentuais ou valores, correspondentes a cada direito ou parcela, sejam, reduzidos os direitos ali consagrados serão, na prática, anulados, perderão efetividade, tornar-se-ão meramente simbólicos. Seria um desvirtuamento do prece constitucional. Criar-se-iam, por via oblíqua, outras exceções, que, ao em vez de visarem à melhoria dos direitos sociais, redundariam em prejuízo destes. (2003, p. 18)
Assim, a flexibilização das normas trabalhistas deve ser aplicada com rigor e equilíbrio, visando sempre a razoabilidade para que não se arrisquem direitos fundamentais constitucionais. Nos dizeres de José Cairo Junior.
Ninguém tem dúvida de que o excesso de direitos gera o desemprego, porque priva o empresário de criar novos postos de trabalho, dentro de seu quadro de pessoal. O problema consiste, portanto, em encontrar a justa medida do equilíbrio entre o proveito econômico e os interesses dos trabalhadores. (2009, p. 117).
Por todo o exposto, conclui-se que não se pode correr o risco de entregar nas mãos de empregados e empregadores direitos tão importantes para que estes os negociem. Dessa forma, a flexibilização
Só poderá ocorrer quando a lei autorizar, quando não ferir direitos constitucionais ou quando negociada pelos sindicatos, mas, em todos os casos, desde que a medida seja excepcional, respeite a dignidade do trabalhador, que a motivação seja apenas para a manutenção do emprego e saúde do empregador. Portanto, inconstitucional será a cláusula de convenção ou acordo coletivo, ou mesmo o dispositivo legal que não obedeça tais objetivos mínimos, seja porque viola o principio da proteção ao trabalhador, hoje explícito no caput do art. 7º da CRFB, seja porque viola valores maiores, como o da dignidade da pessoa humana e o do não abuso do direito. (2010, p. 59).
5. Benesses e prejuízos da flexibilização das normas trabalhistas
Não há dúvida de que o maior desejo dos empresários é manter suas empresas funcionando e crescendo em um ritmo no mínimo razoável.
Assim como o maior desejo dos empregados é que sejam garantidos todos os seus direitos, mantendo seus empregos.
Para assegurar a realização de ambos os desejos é necessário encontrar o equilíbrio entre os anseios de ambas as partes da relação empregatícia.
Ocorre que, quando as obrigações tributárias, os altos custos das matérias-primas e o adimplemento dos inúmeros direitos trabalhistas oneram em demasia as empresas, ao ponto de colocar em risco sua saúde financeira, entra o questionamento acerca de qual seria a melhor alternativa para solucionar a questão.
A alternativa mais rápida e eficaz para amenizar a crise financeira seria a demissão em massa, privando os empregados de sua maior conquista, qual seja o próprio emprego.
Visando evitar alternativa tão drástica, pode-se aplicar nestes casos a flexibilização das normas trabalhistas com o fim de evitar a extinção de postos de trabalho, uma vez que através de tal instituto os sindicatos das categorias podem, através de acordos ou convenções coletivas de trabalho, dispor de alguns direitos trabalhistas reduzindo-os.
Frise-se que neste caso a flexibilização só é vista como algo positivo, quando usada de forma racional e com o único fim de manter a saúde das empresas e consequentemente a mantença dos postos de trabalho.
Vale destacar importante lição da professora Vólia Bomfim Cassar, nesse sentido:
A flexibilidade de normas trabalhistas de forma responsável, utilizada como medida excepcional para a manutenção ou recuperação da saúde da sociedade empresária ou empresário, é a resposta que mais harmoniza com os postulados constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao princípio fundamental ao trabalho. A medida também ajuda a evitar uma crise social mais grave e o aumento do desemprego. (2010, p. 65)
Constata-se, destarte, que a flexibilização das normas trabalhistas pode ser usada de forma a beneficiar ambos os lados da relação empregatícia.
Ressalte-se, entretanto, que não se trata de uma desregulamentação, uma vez que é imprescindível a presença do Estado nesta relação, para que se evitem abusos.
Com relação aos prejuízos que podem ser gerados na sociedade pela flexibilização das normas trabalhistas, tem-se que a sua aplicação desmedida pode gerar um retrocesso ao passado, uma vez que se não respeitados os limites impostos por lei e pelos princípios, os diretos dos trabalhadores podem ser tolhidos, em prol dos interesses do poder econômico, da lucratividade e da competitividade.
Ocorre que, os patrões visando “enxugar” os direitos trabalhistas e se aproveitando da hipossuficiência do empregado e da grande quantidade de mão de obra excedente, impõe aos trabalhadores contratos de trabalho mais flexíveis.
Dessa forma, a flexibilização pode ser usada como pretexto para que os empregadores diminuam os direitos trabalhistas visando apenas o lucro e o enriquecimento, desvalorizando totalmente a força de trabalho humano e colocando em risco os inúmeros direitos e garantias já conquistados pelos trabalhadores.
Com isso, quando o legislador e o próprio Poder Judiciário abrem precedentes para a flexibilização das normas trabalhistas é bom que o faça com extrema responsabilidade, sem olvidar de aplicar em todos os casos os princípios gerais do direito, para que suas ações estejam sempre pautadas pela razoabilidade. Tudo isso para que não se furte do trabalhador a sua maior conquista, qual seja sua dignidade.
6. Desregulamentação e flexibilização
Os avanços da tecnologia, a robotização, a revolução da informática, as crises financeiras mundiais, a ruptura das barreiras com a mundialização da economia, entre outros fatores, têm transformado drasticamente a economia mundial.
Há atualmente uma grande necessidade de se produzir mais, buscando sempre um menor custo e uma melhor qualidade dos produtos e serviços para que se alcance ao menos a chance de concorrência em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado.
Diante disso, busca-se um padrão de Direito do Trabalho menos rígido, aberto a modificações, que possa adaptar-se à nova roupagem exibida pela economia mundial.
Isso porque, as transformações ocorridas na economia ao longo dos anos, aliada aos altos índices de desemprego e às elevadas taxas de subempregos, faz com que se evidencie a imprescindibilidade da adoção de medidas capazes de equacionar os interesses empresarias e os da classe laboral.
Nesse contexto, a flexibilização das normas trabalhistas é vista como verdadeira aliada, na medida em que sua aplicação pode salvaguardar a harmonia da relação empregatícia.
Lembre-se que flexibilizar não quer dizer afastar o Estado das relações trabalhistas, pelo contrário, para que a flexibilização aconteça de forma eficaz e plena é imprescindível que haja intervenção estatal nos contratos de trabalho, para que se assegure ao trabalhador a manutenção das condições mínimas de trabalho, garantindo-se, assim, o mínimo existencial para que este possa laborar com dignidade.
Vólia Bomfim expõe sua preocupação acerca do tema quando considera que a tendência de se desrespeitar o mínimo existencial garantido ao trabalhador aumenta ainda mais a necessidade de ponderação acerca da flexibilização da legislação, uma vez que esta tem como objetivo equilibrar direitos muitas vezes divergentes, entre os quais se destacam a redução de direitos trabalhistas para a manutenção da saúde da empresa e a preservação de direitos absolutos e universais que são: o direito à dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais do trabalho e a preservação da proteção do trabalhador. (Cassar, 2011, p. 36).
Percebe-se, que afastar o Estado da relação empregatícia pode trazer sérios prejuízos para a classe assalariada, visto que as partes envolvidas em tal relação são totalmente desiguais, necessitando o empregado, por ser hipossuficiente, da proteção estatal.
Se assim não for, ou seja, se o Estado for totalmente excluído da dita relação, a flexibilização tenderá a ser usada pelo empregador indiscriminadamente, com o objetivo apenas de aumentar lucros e rendimentos.
Com isso, vê-se que a flexibilização seja ela mais ou menos intensa, pressupõe a interferência do Estado, mesmo que seja apenas para garantir e assegurar direitos tidos como básicos.
Como sintetiza Cassar (2011, p. 44) “na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social”.
Para a autora, portanto, é inconcebível o afastamento do Estado das relações de trabalho, já que é por meio da intervenção estatal que se pode garantir a intangibilidade de algumas normas, sem as quais não se pode preservar a dignidade dos trabalhadores.
Com relação à desregulamentação, tem-se que esta se caracteriza como sendo a total ausência do Estado na relação empregatícia, o que significa a revogação de direitos impostos por lei, a retirada total da proteção legislativa, prevalecendo a vontade das partes envolvidas.
Amauri Mascaro Nascimento conceitua bem este instituto:
Política legislativa de redução da interferência da lei nas relações coletivas de trabalho, para que se desenvolvam segundo o princípio da liberdade sindical e a ausência de leis do Estado que dificultem o exercício dessa liberdade, o que permite maior desenvoltura do movimento sindical e das representações de trabalhadores, para que, por meio de ações coletivas, possam pleitear novas normas e condições de trabalho em direto entendimento com as representações empresariais ou com os empregadores. (nascimento, 2004, p. 156/7)
Como se vê a partir da leitura do conceito acima transcrito, a desregulamentação prega a prevalência da autonomia coletiva sobre a legislação, devendo todas as normas relativas ao direito do trabalho advirem apenas da negociação entre as partes envolvidas na relação empregatícia.
Süssekind conceitua e diferencia bem os dois institutos, quando considera:
A flexibilização tem por objetivo: a) o atendimento a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; b) a implementação de nova tecnologia ou de novos métodos de trabalho; c) a preservação da saúde econômica da empresa e o emprego dos respectivos empregados. Já a desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições do trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. (2001, p. 52).
É certo que em um país marcado pela desigualdade social não é indicada a implantação da desregulamentação, uma vez que somente com a atuação do Estado pode-se tentar reverter a situação de discrepância social em que o Brasil se encontra.
Retirar a atuação do Estado das relações empregatícias, neste caso, seria o mesmo que retroceder à época em que os empregados eram explorados e não gozavam de nenhuma garantia constitucional, uma vez que os empregadores visando apenas o lucro de suas empresas, reduziriam ou eliminariam os direitos trabalhistas, ficando o empregado obrigado a acatar tais medidas para garantir a sua subsistência.
7. A flexibilização das normas trabalhistas e o ordenamento jurídico brasileirO
Há uma importante discussão acerca da possibilidade de se flexibilizar ou não as normas trabalhistas elencadas na Constituição da República de 1988, na medida em que estas se caracterizam como sendo direitos fundamentais da pessoa humana sendo, portanto, inderrogáveis pela vontade das partes.
Entretanto, sabe-se que a própria Carta da República, bem como a Consolidação das Normas Trabalhistas autorizam o uso das convenções e acordos coletivos de trabalho, sendo tais institutos uma forma de negociação entre patrões e empregados.
Dessa forma, tem-se que tais negociações caracterizam-se como uma das formas de se flexibilizar as normas trabalhistas, porquanto através daquelas podem ser reduzidos alguns direitos trabalhistas.
Resta saber até que ponto os direitos trabalhistas existentes no ordenamento jurídico vigente podem ser reduzidos, ou seja, qual o limite imposto nacionalmente à flexibilização dos direitos laborais.
A Constituição Federal em seu art. 7º, parágrafos VI, XIII, XIV, prevê expressamente a possibilidade de se dispor, através de negociação coletiva, dos salários e da jornada de trabalho.
Com isso, surgiram inúmeros debates doutrinários questionando o fato de a Constituição Federal ter autorizado a flexibilização dos salários, maior e mais importante direito conquistado pelo trabalhador.
O próprio Tribunal Superior do Trabalho já se posicionou no sentido de considerar válida toda e qualquer negociação coletiva pertinente a direitos trabalhistas, conforme salienta Vólia Bonfim Cassar:
Há, ainda, alguns ministros do TST no sentido de aceitar a flexibilização de qualquer direito. Argumentam que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a Constituição autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante convenção ou acordo coletivo, logo, o menos também é permitido. Neste sentido, tudo que não seja o próprio salário base do empregado é menos. (2011, p. 42).
Tal debate surge exatamente porque a Carta Maior autorizou expressamente a redução de salários através de negociação coletiva, deixando a dúvida acerca dos demais direitos trabalhistas.
Nesse sentido, transcreve-se pertinente lição de Vecchi:
A interpretação restritiva parece a mais razoável se levarmos em conta o todo constitucional. Assim, mesmo para as hipóteses de flexibilização expressamente previstas na CF de 1988, não se está dando uma carta em branco para a restrição, pois qualquer restrição a um direito fundamental sempre deverá passar pelos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos. (2007, p. 208).
Para o autor, portanto, a previsão expressa contida na Constituição Federal de 88 para se flexibilizar os salários dos trabalhadores não significa a autorização para se restringir indiscriminadamente os direitos sociais, uma vez que mesmo nas hipóteses previstas expressamente há que se respeitar os princípios aplicados ao direito do trabalho.
Arnaldo Sussekind também se posiciona quando considera:
Se nem por emenda constitucional poderão ser abolidos direitos relacionados no art. 7º. Da Carta Magna, elevados à categoria de cláusulas pétreas, como se admitir possam fazê-lo convenções ou acordos coletivos ou que esses instrumentos normativos possam modificá-los em sua essência? (2001, p.10).
Nesse contexto, verifica-se que o autor também se posiciona no mesmo sentido, ou seja, acredita que só devem ser objeto de negociação coletiva o que a Constituição Federal expressamente prever.
Pode-se afirmar que no Brasil predominam basicamente dois tipos de flexibilização, quais sejam a legal e a sindical. A primeira (legal) ocorre quando a própria lei prevê as exceções ou autoriza, em certas hipóteses, a redução de direitos. A segunda (sindical ou negociada sindicalmente) acontece quando as normas coletivas autorizam a diminuição de direitos. (CASSAR, 2011, p. 41).
Destarte, pode-se afirmar que no ordenamento jurídico brasileiro é perfeitamente aceitável a flexibilização das normas trabalhistas. Entretanto, deve-se sempre aplicar os princípios que regem o direito do trabalho aos casos concretos, visando evitar excessos que coloquem em risco as garantias mínimas dos trabalhadores.
8. CONCLUSÃO
É inegável o fato de a flexibilização das normas trabalhistas ser considerada um direito das empresas empregadoras, direito este totalmente dotado de respaldo legal e constitucional.
Também não se pode negar a importância deste instituto, na medida em que sua aplicação pode evitar fechamento de empresas e demissões.
Ocorre que o Brasil apresenta-se como um país marcado pelas desigualdades sociais, o que inviabiliza a total liberdade dos sindicatos nas negociações coletivas, bem como o afastamento do Estado das relações de trabalho.
Assim, sabendo-se que a flexibilização das normas trabalhistas significa a redução de direitos pertencentes à classe assalariada e considerando que esta se encontra em posição de desvantagem em comparação à classe empregadora, percebe-se que tal instituto deve ser utilizado de forma criteriosa e responsável.
Deve-se sempre evitar a flexibilização com vistas apenas ao aumento dos lucros das empresas, uma vez que a aplicação de tal instituto, ou seja, a supressão de direitos legais, constitucionais e fundamentais dos trabalhadores, somente se justifica quando tem como objetivo a garantia dos próprios empregos.
Nesse contexto, não se deve olvidar que a norma ordem é a própria valoração do trabalho, da ética e da moral.
É inaceitável que os interesses das empresas se sobreponham à dignidade do trabalhador.
Portanto, acredita-se que a flexibilização só deve ser utilizada como forma de recuperar a sua saúde financeira e consequentemente preservar os postos de trabalho, isto é, apenas excepcionalmente.
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Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Cariri - URCA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VARELA, Denis Deangelis Brito. Flexibilização das normas trabalhistas: limites e consequências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47007/flexibilizacao-das-normas-trabalhistas-limites-e-consequencias. Acesso em: 22 nov 2024.
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