Resumo: Os elementos da relação de emprego, diante das mudanças sociais ocorridas, sofreram uma releitura necessária, de modo a não deixar desprotegido o empregado, parte hipossuficiente da relação. O objetivo deste artigo visa essencialmente tratar da nova interpretação do elemento da subordinação, demonstrando a possibilidade de expansão deste conceito, sem que reste desnaturada a ideia originária trazida pela própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com base na análise do empregado dentro da estrutura produtiva do empregador.
Palavras-chaves: Relação de Emprego. Elemento. Subordinação Jurídica. Subordinação Estrutural.
1. Introdução
O ordenamento brasileiro apresenta clara diferenciação entre a relação de trabalho e a relação de emprego, considerando aquela um gênero do qual esta é espécie. A relação de trabalho englobaria não apenas a relação de emprego, mas também aquelas relações que abarcassem serviços prestados por profissionais autônomos, prestados através de cooperativas, entre outros.
A consequência da relação de emprego é a existência de um contrato de emprego, conforme previsão do caput do art. 442[1] da Consolidação das Leis do Trabalho - adiante denominada simplesmente de CLT. Isso não significa dizer que, acaso não haja formalização ou reconhecimento do contrato de trabalho pelo empregador, haverá qualquer obstáculo ao reconhecimento da relação de emprego, pois, no direito do trabalho, prevalece preceito favorável ao trabalhador que considera a realidade em detrimento da formalidade (princípio da primazia da realidade), além de previsão da nulidade de atos tendentes a fraudar os direitos trabalhistas, conforme previsão do art. 9[2] da CLT. Feito esta breve introdução, imprescindível compreender os contornos legais e doutrinários da relação de emprego, conforme adiante exposto.
2. Da Identificação Dos Elementos Caracterizadores Da Relação De Emprego
Os elementos necessários ao reconhecimento da relação de emprego são esquematizados pela doutrina de forma distinta, mas é possível apontar um núcleo comum reconhecido por todos e também trazido nos conceitos legais existentes na Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, preceituam os art. 2 e 3 da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Como se verifica do texto legal, é possível apontar, no mínimo, os seguintes requisitos: subordinação, pessoalidade, onerosidade e não eventualidade. A subordinação será adiante detalhada em tópico próprio.
A pessoalidade explicita a exigência por parte do empregador de que o trabalho seja realizado por empregado certo e definido, transparecendo a natureza intuitu personae do contrato de trabalho. Alguns doutrinadores acrescentam ainda como requisito da relação empregatícia a exigência do empregado ser pessoa física, por conta da previsão legal. Com a devida vênia, esta característica já está incutida no próprio conceito de pessoalidade, de modo que, a princípio, não seria necessário elencá-la como elemento distinto.
Saliente-se ainda que a pessoalidade não impede a substituição excepcional do empregado, desde que, de forma excepcional, e com aquiescência do empregador, não descaracterizando a relação de emprego esta ocorrência especial, caso presente os demais elementos[3].
A não eventualidade significa que a prestação do serviço ocorre de forma periódica, mesmo que não seja diária. Aqui é importante distinguir a não eventualidade, exigida para reconhecimento de qualquer relação de emprego, da habitualidade ou da continuidade, exigida para relações específicas, tais como o empregado doméstico. A não eventualidade se relaciona à teoria dos fins e consiste no atendimento permanente das necessidades do empreendimento[4]. Já a continuidade consiste na prestação de serviços diariamente.
A onerosidade, por sua vez, impõe alguma forma de remuneração pelo trabalho prestrado, ou seja, o salário. Saliente-se que, apesar desta remuneração ser comumente feita em pecúnia, o fato da vantagem ser indireta, não desnatura a onerosidade da relação, podendo-se reconhecer a existência do chamado salário in natura.
3. Subordinação - conceito tradicional
A subordinação já recebeu várias classificações, sendo concebida de modo isolada ou conjunta como elemento da relação de emprego.
A subordinação econômica caracterizava-se pela condição econômica superior que o empregador deveria ter sobre o empregado. Este elemento foi importado do direito alemão e falhou por ter considerado de forma exclusiva um elemento extrajurídico. Assim, apesar de costumeiramente o empregado se encontrar nesta posição, servindo tal critério inclusive para complementar o conceito da relação de emprego, quando da análise do conjunto fático, o mesmo não tem o poder de desnaturar a caraterística original da relação jurídica.
A subordinação conhecida como técnica, atribuída à Sociedade de Estudos Legislativos da França, defendia que o empregador deveria, para fins de comandar o serviço prestado, deter a competência técnica. Atualmente, existem várias empresas que adotam modelo que importa, justamente, o know how (o saber fazer) da atividade econômica. Assim, facilmente, verifica-se que este critério, tomado de forma solitária, descaracterizaria várias relações de emprego merecedoras da proteção celetista, motivo pelo qual ela hoje é considerada como uma das possíveis características da subordinação jurídica, não tendo sua (in)existência o efeito de transmudar a natureza da relação jurídica.
A subordinação social, por sua vez, resulta da conjugação dos critérios técnico e econômico, mas é criticada por apenas considerar o aspecto social analisado sob a ótica do empregado, de modo que hoje esta característica não se afigura imprescindível ao reconhecimento da relação de emprego.
Hodiernamente, a classificação mais adotada é a subordinação jurídica, podendo-se conceituá-la como um estado de dependência real criado por um direito do empregador de comandar, de ordenar, e que corresponde a obrigação de submissão do empregado. Em suma, os polos da subordinação jurídica são direção e fiscalização.
4. Subordinação Estrutural
Apesar de ainda pacificamente aceita a subordinação jurídica como elemento da relação de emprego, o seu conceito clássico ou tradicional foi expandido para englobar as novas formas de organização laboral. Saliente-se que o poder diretivo do empregador é a face oposta a subordinação do empregado, sendo esta uma das características mais importante para reconhecimento da relação de emprego.
A heterodireção (determinação pelo empregador do uso da energia laborativa do empregado) não se verifica tão somente pela emissão de ordens diretas e controle efetivo e regular sobre a atividade do obreiro. Atualmente, é possível reconhecimento do poder diretivo, inclusive de forma potencial, e, mesmo que não haja seu exercício efetivo, poderá ser reconhecido o vínculo empregatício.
Estas teorias expansionistas são imprescindíveis especialmente no caso dos trabalhadores que laboram no seu próprio domicílio, nos trabalhadores intelectuais e nos empregados que ocupam postos de alta hierarquia, além de modalidade atualmente muito comum, o denominado teletrabalho, no qual o trabalhador pode realizar sua função de qualquer local e em qualquer horário.
Saliente-se que atividades de alto nível técnico afastam ainda mais a necessidade de controle direto sobre a prestação pessoal dos serviços ou geram outro tipo de controle, às vezes não percebido pelo trabalhador, que, por vezes, pode se enxergar como “autônomo”, apesar de submetido a todas as regras determinadas pelo tomador de serviços. Por isso, a subordinação há de ser analisada não pela quantidade ou intensidade de ordens diretas do empregador, mas pela relação de dependência dos profissionais à estrutura organizacional, à não responsabilidade pelos riscos da atividade econômica, à não propriedade dos meios de trabalho, etc. Estes aspectos conjugados permitirão concluir pela existência ou não da modalidade atualmente denominada de subordinação estrutural.
Também a remuneração baseada em produtividade, apesar de aparentar maior liberdade ao trabalhador, na verdade incorpora o poder diretivo do tomador de serviços, tornando-o menos visível. Isto não significa, contudo, que o mesmo perdeu sua intensidade ou mesmo desapareceu, pois a subordinação do trabalhador permanece pela sua dependência econômica com aquele serviço, de modo que ele deve dar o máximo de si, mesmo que se comportando como se fosse um trabalhador autônomo.
Alguns ordenamentos, como o italiano trazem previsão expressa da subordinação estrutural, a exemplo do art. 2094, que entende que:
“o trabalhador subordinado deve ser interpretado no sentido de que a essência da subordinação consiste na ‘colaboração na empresa”[5] .
Antigamente, refutava-se o elemento da subordinação a algumas categorias de trabalhadores, tais como médicos. Isto se baseava no conceito restrito de subordinação, que compreendia a autonomia técnica do médico como autonomia na própria relação com o tomador de serviços. Esta concepção já foi há muito ultrapassada, não havendo qualquer limitação pré-concebida sobre o reconhecimento da relação de emprego.
Outro critério para aferir a subordinação estrutural relaciona-se com a dependência econômica do empregado em relação ao tomador. Deve-se atentar, porém, que isto não significa que o empregado deve ter condição financeira mais desfavorável, mas sim que a contraprestação financeira obtida pelo serviço prestado deve guardar importância no sustento daquele. Não precisa haver, todavia, exclusividade de fonte de renda, sendo esta, caso existente, apenas mais um fator a ser considerada na análise do contexto fático. Deste modo, a simples ausência de dependência econômica não implica em inexistência da relação de emprego, desde que presentes os demais elementos hábeis a configuração da subordinação. Neste mesmo raciocínio, lição de Lorena Vasconcelos Porto:
“Desse modo, embora rejeitado como critério definidor do contrato de trabalho, a dependência econômica foi adotada, em várias situações concretas, como indício de subordinação jurídica, contribuindo, assim, para ampliar a interpretação desta última, sobretudo para abranger situações novas”[6].
Saliente-se ainda que, mesmo que não haja registro formal de jornada, com ausência de marcação do ponto, ainda assim será possível verificar a existência do poder diretivo do empregador e consequentemente a subordinação estrutural do empregado. O controle pode se ocorrer pelo controle da produção, no qual o empregador exige o atendimento de metas, e, de forma indireta, controla o tempo dispendido. Ressalte-se que, mesmo quando não existir quantitativo mínimo de produção, será possível reconhecer o poder diretivo, quando a dependência econômica do empregado, de modo que haja obrigatoriedade, de forma transversa, na consecução dos trabalhos pelo significado que aquela remuneração representa no sustento do trabalhador.
5. Conclusão
Verifica-se, portanto, que várias relações de trabalho atualmente existentes estão mascaradas sob o manto do conceito tradicional da subordinação jurídica, consistindo em fraude a efetivação dos direitos trabalhistas e importando em diminuição da dignidade do trabalhador.
Não se faz necessário qualquer alteração legislativa para completa adoção da ideia encampada pelo presente artigo, sendo possível adoção deste papel pela jurisprudência que, com fundamento nas correntes hermenêuticas mais modernas, podem aplicar uma interpretação histórico-evolutiva[7].
Conclui-se, então, que a adoção de interpretação expansiva, para considerar subordinado aquele trabalhador que se insira na atividade do empregador de forma necessária, implica na aplicação direta dos preceitos constitucionais e das previsões legais da CLT, com valorização do trabalho como ferramenta de crescimento pessoal do empregado na sociedade.
Bibliografia
Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 10 edição. São Paulo. LTr: 2016, 904 páginas.
Martins, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 11 edição. São Paulo. Editora Atlas S/A: 2011, 183 páginas.
Porto, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária. 1 edição. São Paulo. LTR: 2009, 280 páginas.
Villela, Fabio Goulart. Manual de Direito do Trabalho: teoria e questões. Rio de Janeiro. Elsevier: 2010, 479 páginas.
[1] Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
[2] Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
[3] Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 10 edição. São Paulo. LTr: 2016, p. 174.
[4]Villela, Fabio Goulart. Manual de Direito do Trabalho: teoria e questões. Rio de Janeiro. Elsevier: 2010, p. 110.
[5] Porto, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária. 1 edição. São Paulo. LTR: 2009, p. 63.
[6] Porto, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária. 1 edição. São Paulo. LTR: 2009, p. 63.
[7] Porto, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma releitura necessária. 1 edição. São Paulo. LTR: 2009, p. 268.
Auditora Fiscal do Trabalho. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduada em Novas Questões de Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMANDA EXPóSITO TENóRIO DE ARAúJO, . A subordinação estrutural como elemento da relação de emprego Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47017/a-subordinacao-estrutural-como-elemento-da-relacao-de-emprego. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.