Resumo: O Benefício de Prestação Continuada consiste na concessão de um salário mínimo para pessoa portadora de deficiência ou idoso. Os critérios para sua outorga tem sofrido alteração ao longo do tempo, seja pelas modificações legislativas, seja pela evolução da interpretação de seus fatores no âmbito da Administração Pública e pelo próprio Poder Judiciário. A definição final de seus contornos foi dada através da interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a previsão legal, com vistas a alcançar o objetivo almejado pelo constituinte, conforme decisão analisada no presente, tendo havido, ao final, a positivação deste entendimento.
Palavras-chaves: benefício de prestação continuada. LOAS. Critério de concessão. Inconstitucionalidade do §3 o do art 20 art. da lei n. 8.742/93. Inclusão do §11 o no art. 20 da lei n. 8.742/93 pela lei 13.146/15.
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988 preceitua em seu art. 203, inciso V1, a garantia de um benefício mensal de um salário mínimo a pessoa com deficiência ou idoso, independentemente de contribuição anterior do seu beneficiário. Este preceito visa garantir a dignidade daquelas pessoas que se encontram em situação econômica desfavorável e que, por uma característica pessoal, não possam prover seu próprio sustento ou de tê-lo feito por sua família. Ele é a concretização de um dos fundamentos da República Federativa Brasileira, conforme previsão do art. 1, inciso III2, também da Carta Magna.
Este direito constitui um benefício assistencial denominado adiante de benefício de prestação continuada, de caráter individual, intransferível. Está inserido na área de atuação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A operacionalização para sua concessão compete ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), órgão do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, enquanto a organização de serviços, projetos e benefícios da Assistência Social compete ao SUAS - Sistema Único da Assistência Social.
Ele foi regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – adiante denominado apenas de LOAS (Lei n. 8.742/93), especificamente no caput do art. 203, dispositivo legal que foi ainda detalhado pelos Decretos n. 1.744/95, n. 6.214/07 e n. 7.617/11.
2. Requisitos para concessão do benefício de prestação continuada
O art. 20 da Lei n. 8.742/93 estabelece os requisitos para outorga do benefício de prestação continuada. Como requisitos comuns aos dois grupos beneficiados, exige-se: a) nacionalidade brasileira - podendo, excepcionalmente, ser concedido ao português equiparado que mantenha residência no país e desde que haja reciprocidade com brasileiros -; b) residência fixa no país; c) não recebimento de outros benefícios da Previdência Social, pois é inacumulável - ressalvada a possibilidade de percepção conjunta com a bolsa do deficiente aprendiz no período inicial de dois anos, com a assistência médica e com a pensão especial de natureza indenizatória; d) impossibilidade de manter o próprio sustento por si próprio ou por sua família, item que será pormenorizado em tópico específico.
Com relação ao idoso, é necessário comprovar ainda a idade superior a 65 anos, não havendo diferenciação entre homem ou mulher. Saliente-se, ainda, que o acolhimento em instituições de longa permanência, como asilos, não prejudica o direito do idoso ao recebimento do benefício, conforme previsto no § 5o do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
A pessoa portadora de deficiência, por sua vez, deverá demonstrar que, primeiramente, enquadra-se no conceito de pessoa com deficiência, comprovada esta por perícia médica realizada no âmbito do INSS. Este enquadramento foi recentemente alterado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15) e passa a constar do art. 20, § 2o , do referido diploma, conforme transcrito a seguir:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
3. Da ampliação do conceito de portador de deficiência
A tendência integracionista do portador de deficiência na sociedade foi abraçada pela Administração Pública, quando da realização da perícia pelo INSS, com a implantação de um novo modelo de avaliação de pessoa com deficiência, conceituado de forma mais ampla, por considerar o indivíduo no contexto social. Deste modo, a análise, atualmente, não se faz com base exclusivamente na comprovação da doença e de suas consequências, mas também com consideração das suas limitações sociais e culturais. Além disso, a dificuldade projetada pela deficiência deverá atender um limite temporal mínimo de dois anos para que seja considerada como "impedimento de longo prazo" (art. 20, § 10, da Lei n. 8.724/93).
Em 2005, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, através do INSS, constituíram um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com a finalidade de desenvolver estudos e pesquisas sobre Classificação de Deficiências e Avaliação de Incapacidades com vistas à proposição de parâmetros, procedimentos e instrumentos de avaliação das pessoas com deficiência para acesso ao benefício de prestação continuada.
Foram criados instrumentos documentais com pontuação de acordo com os graus de limitações físicas e sociais, o que outorgou ao processo de avaliação uma nova abrangência, possibilitando a concessão do benefício a uma parcela maior da população. A CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - OMS) foi adotada como parâmetro para a elaboração do novo instrumento de avaliação e sua regulamentação foi feita pelo Decreto n. 6.124/07, especialmente no art. 164, e foi implementada em junho de 2009.
Assim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência apenas veio fortalecer postura já adotada no âmbito do poder executivo, permitindo um acesso maior a este benefício. Isto porque a alteração destes paradigmas aumentou consideravelmente o quantitativo de aprovação de requerentes, criando condições de atender de forma mais significativa a proposição de políticas que visam a superação de barreiras por parte dos portadores de deficiência.
4. Da evolução jurisprudência e legal sobre o critério econômico de 1/4 da renda familiar
O § 3o do art. 20 da Lei n. 8.742/93 traz a seguinte previsão:
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. "
Este dispositivo legal fez surgir duas interpretações possíveis: que este seria um critério absoluto, com parâmetro puramente matemático; ou que seria um indício a ser considerado pelo Poder Executivo, no âmbito administrativo, e pelo Poder Judiciário, quando do julgamento de causas postas a sua apreciação, não se devendo ignorar outros elementos.
O Supremo Tribunal Federal, adiante denominado STF, inicialmente, considerou que este dispositivo era constitucional, no julgado da ADI 1232/DF, o que fez com que vários benefícios deixassem de ser concedidos na seara administrativa com base puramente neste critério econômico. Entretanto, de forma um tanto contraditória, quando da propositura de reclamações no próprio STF, o mesmo considerava outros elementos para determinar a concessão do benefício.
Finalmente, numa evolução jurisprudencial, o STF entendeu que este parágrafo seria inconstitucional (RE 567985/MT e RE 580963/PR5), mas não pronunciou sua nulidade, de forma que o texto normativo continuou a existir mesmo após sua decisão. Apenas restou indubitável que a interpretação a ser dada ao dispositivo não teria o poder de impedir a concessão do benefício, caso se considerasse existente a situação de miserabilidade com base em outros fatores.
Saliente-se que este caso é um exemplo de overrulling - quando uma decisão jurisprudencial consolidada é superada por uma nova interpretação. Esta possibilidade é imprescindível para garantir a atualidade do texto constitucional, não havendo vinculação do Pleno do STF nem mesmo as suas próprias decisões, tendo em vista que, a depender do contexto social, o mesmo dispositivo pode sofrer nova interpretação.
A decisão pela inconstitucionalidade do citado parágrafo fundamentou-se, entre outros argumentos, na intenção do constituinte, que, ao prever o benefício assistencial, no art. 203, inciso V, CF/88, visou atender o princípio da solidariedade social e da erradicação da pobreza. Neste viés, a consideração pura e simples do critério de renda familiar inferior a 1/4 de salário, com desvalorização de fatores distintos, contrariaria estes objetivos, gerando situações de injustiça.
Na esteira desta decisão, o Superior Tribunal de Justiça passou a também adotar esta posição, a exemplo da ementa abaixo transcrita:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO-MÍNIMO. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). 2. Hipótese em que o Tribunal de origem concluiu, com base na prova dos autos, que a agravante não preenche os requisitos legais, no que tange à comprovação da hipossuficiência econômica. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 3. Agravo Regimental não provido." (STJ - AgRg no AgRg no AREsp 617901 / SP - Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN - SEGUNDA TURMA - DJe 21/05/2015).6
Por último, adveio então alteração legislativa que optou por formalizar o entendimento jurisprudencial exposado, acrescentando um parágrafo no citado art. 20 da Lei n. 8.742/93, a seguir transcrito:
"§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento."
Assim, analisado o histórico do tratamento ofertado a exigência de renda familiar inferior a 1/4 para concessão do benefício assistencial ou de prestação continuada, conclui-se que este é apenas um dos elementos a ser considerado pelo poder concedente. A constatação de que o cidadão atende este critério causa uma presunção de miserabilidade, não devendo haver neste aspecto análise de outros fatores, ressalvando-se o reconhecimento de fraude. Contudo, não atendido o limite de 1/4 de salário mínimo, ficará o administrador/julgador livre para apreciar outros critérios, tais como, por exemplo, o quantitativo de gastos causados pela própria deficiência ou pela situação de velhice.
Bibliografia
-Cavalcante, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ comentados 2015. 1 edição. Manaus. Dizer o Direito: 2016, 1629 páginas.
- Experie?ncias na aplicac?a?o da CIF para concessa?o do BPC para as Pessoas com Deficie?ncia – trabalhando conceitos e instrumentos, consultado em http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_137.pdf.
- Constituição Federal de 1988, consultada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
- Lei n. 8.742/93, consultada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm.
- Lei n. 13.146/15, consultada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm.
- Decreto n. 6.214/07, consultado em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6214.htm.
- Decreto n. 7.617/11, consultado em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7617.htm.
- Portaria Conjunta MDS/INSS nº 1 de 24/05/2011, consultado em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=229219.
- Informativo 702 do STF, consultado em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28re+567985%29&base=baseInformativo.
- STJ - AgRg no AgRg no AREsp 617901 / SP - Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN - SEGUNDA TURMA - DJe 21/05/2015, consultado em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=617901&b=ACOR&p=true&l=10&i=2, extraído em 15/07/16.
Auditora Fiscal do Trabalho. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduada em Novas Questões de Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMANDA EXPóSITO TENóRIO DE ARAúJO, . Análise crítica da evolução dos critérios para concessão do benefício de prestação continuada para pessoa portadora de deficiência e para o idoso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47035/analise-critica-da-evolucao-dos-criterios-para-concessao-do-beneficio-de-prestacao-continuada-para-pessoa-portadora-de-deficiencia-e-para-o-idoso. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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