RESUMO: O presente trabalho objetiva demonstrar a eficiência da repercussão geral, que atua como um filtro recursal no recurso extraordinário, e foi concebido como solução do fenômeno cunhado pela doutrina de “Crise do Supremo”, caracterizado pelo excesso de demandas em trâmite na Corte Suprema Brasileira, que tem como principais consequências a morosidade na resposta jurisdicional e o embaraço do Tribunal no exercício da função precípua, lhe atribuída pela Constituição. Como forma de auxiliar tal análise, deseja-se, também, desenvolver um estudo no sentido de identificar as principais concausas que deram origem a “Crise do Supremo”. Pretende-se, ainda, demonstrar os principais aspectos conceituais da repercussão geral, analisando, inclusive, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito dessa matéria, bem como apontar o impacto que o novo instituto gerou sobre o Recurso Extraordinário, alterando sua modelagem.
Palavras-chave: Repercussão Geral, Filtro Recursal, “Crise do Supremo”, Recurso Extraordinário.
1 INTRODUÇÃO
Os recursos dirigidos aos Tribunais de Cúpula apresentam grande importância para a ordem jurídica de um país. No Brasil, por exemplo, o Recurso Extraordinário, regulado pela própria Constituição, revela-se um imprescindível instrumento, permitindo que o Supremo Tribunal Federal, incumbido da guarda da Lei Maior, realize o controle de constitucionalidade com base em casos concretos.
A Corte Suprema brasileira, entretanto, encontra-se cada vez mais sobrecarregada por um grande contingente de processos, o que gera morosidade e compromete o exercício da função precípua que a Constituição lhe atribuiu. O quadro tornou-se tão crônico que começou a ser tratado pela doutrina como “Crise do Supremo”. Identificando o problema e buscando solucioná-lo, ao longo da história, o legislador brasileiro editou várias respostas normativas que não se mostraram eficazes.
Em 2004, objetivando remediar o problema de forma definitiva, o legislador constituinte promoveu uma série de reformas na Constituição Federal, tornando expressa na Constituição o direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva. No bojo dessa reforma, criou-se o instituto da repercussão geral, um filtro recursal, cujo objetivo é reduzir o número de demandas em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, pois, em face da situação que a Corte atualmente se encontra, é inviável que ela entregue a prestação jurisdicional com a qualidade e na velocidade que a sociedade dela espera.
Nasce daí a necessidade de se verificar se a repercussão geral não entrará para o rol das respostas normativas que não lograram êxito em solucionar a “Crise do Supremo”. Para tanto, pretende-se, primeiramente, identificar, com base na doutrina acerca do tema, quais são as concausas que conduziram ao problema.
Além disso, constata-se que a aplicação da repercussão geral como um novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário é relativamente recente. Impende-se, portanto, realizar uma elucidação acerca das principais características do instituto, com base na produção literária e, principalmente, em virtude de haver o legislador optado pela adoção de um conceito jurídico indeterminado para definição da repercussão geral, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Tal análise irá permitir a verificação do impacto que o novo instituto tem sobre o recurso extraordinário que, repise-se, é instrumento de grande importância para realização do controle de constitucionalidade brasileiro. Desde já, destaca-se que os aspectos procedimentais do instituto fogem ao escopo do presente trabalho, pelo que não serão analisados.
Por fim, objetivando-se aferir, estatisticamente, a eficiência da repercussão geral como filtro recursal no recurso extraordinário, deve-se efetuar uma comparação entre o número de recursos dessa classe que foram distribuídos e julgados na Corte nos últimos anos. Desse modo será possível constatar a contribuição dada pelo instituto para que o Supremo Tribunal Federal possa tornar o julgamento dessa classe processual, que abarrota a Corte, mais célere e eficaz, dando cumprimento ao novo mandamento constitucional estampado no artigo quinto.
2 A “CRISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”: PRINCIPAIS CAUSAS
Até a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal deveria responder não só pelos recursos que dissessem respeito às questões constitucionais, como também pelos referentes às questões federais.
A principal função atribuída pelo legislador constituinte de 1988 ao Supremo Tribunal Federal foi a de “guarda da Constituição”. Além dessa relevante atribuição, delegou-se ao STF as competências enumeradas no art. 102 da Constituição, que, segundo José Afonso da Silva[1], comportam divisão em três grupos:
(1) as que lhe cabe processar e julgar originalmente, ou seja, como Juízo único e definitivo, e são as questões relacionadas no inc. I; (2) as que lhe incumbe julgar, em recurso ordinário, e são as indicadas no inc. II; (3) e, finalmente, as que lhe toca julgar, em recurso extraordinário, e são as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida envolve uma das questões constitucionais referidas nas alíneas do inc. III.
Tal divisão é de extrema importância, pois foi com base nela que grande parte da doutrina identificou no Recurso Extraordinário a principal causa do abarrotamento do Supremo Tribunal Federal, conforme anota Rodolfo de Camargo Mancuso[2]:
Se considerarmos as competências do STF, não será difícil constatar que o acúmulo de serviço judiciário não deriva das causas de que ele conhece originalmente (CF, art. 102, I e alíneas): muitas delas não são apresentadas amiúde; outras resolvem-se no chamado juízo de deliberação, ou seja, de revisão sob o aspecto forma; em outras, cuida-se de julgamento de altas autoridades, por crimes comuns ou de responsabilidade. Também descartamos que a origem desse acúmulo esteja nas causas que envolvem crimes políticos (CF, art. 102, II, b), já que seu número não é particularmente expressivo. Quanto ao habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção denegados em única instância pelos Tribunais Superiores (CF, art. 102, II, a), e bem assim quanto às ações diversas no âmbito do controle direto de inconstitucionalidade de leis e atos do Poder Público (CF, art. 102, §§ 1º e 2º; art. 103, § 2º; Leis 9.868/99 e 9.882/99), malgrado sua inconteste relevância no contexto jurídico-político nacional, não parecem compor um volume de processos tão significativo a ponto de comprometer a marcha normal do serviço judiciário no STF.
De concreto, e atual, pois remanesce como causa mais palpável o próprio recurso extraordinário, pelo notável volume de processos que através dele chegam ao STF.
Da mesma forma, o Ministro José Carlos Moreira Alves[3] enfatiza o papel do recurso para o agravamento da “Crise do Supremo”, designando-a de “Crise do Recurso Extraordinário”.
Entretanto, não se pode dizer que o recurso extraordinário, per se, tornou-se a gênese da “Crise do Supremo”. Por óbvio, há uma série de fatores (históricos, estruturais, culturais e econômicos) que, ao longo do tempo, contribuíram para que o RE fosse alçado à principal fonte do problema.
Em primeiro lugar, pode-se citar a opção legislativa em adotar, para o sistema brasileiro, o modelo americano para uniformização do direito federal.
O Decreto 848/1890 que instituiu o recurso extraordinário era cópia quase literal dos dispositivos do Judiciary Act, de 1789, que dispunha acerca do writ of error.
Apesar de a adoção do modelo americano não ter, de início, gerado discordância entre a doutrina pátria[4], ao longo do tempo empreendeu-se fortes críticas à postura do legislador em não adaptar o instituto às peculiaridades da Federação brasileira, formada de maneira atípica, em um processo contrário ao do que se deu nos Estados Unidos[5]:
(...) a Federação brasileira formou-se de modo impróprio ou imperfeito. O simples enfraquecimento dos laços que atavam as províncias ao anterior Império unitário engendrou a novel União. Foram Estados-membros agregados à União, sem opção de liberdade, e aquinhoados com autonomia relativa e ilusória. As Federações perfeitas, próprias ou reais, formaram-se, bem ai contrário, através da associação de Estados soberanos preexistentes, os quais abdicavam por iniciativa própria da respectiva autonomia para construir a União (...).
Nos Estados federados, mostra-se essencial repartir as competências legislativas, mas, dentre as soluções admissíveis, a CF/1891 optou pela técnica da Federação própria ou típica. Em síntese, enumerou as competências da União, abandonado “o remanescente aos Estados. Ora, a União reteve amplíssima competência legislativa, quanto à formulação do chamado direito material (civil e penal), e, por isso, o pacto federativo padeceu de desequilíbrio estrutural congênito. Nunca se recuperou desse arranjo errôneo. A pluralidade de fontes legislativas é natural na Federação, mas ela pressupõe certo equilíbrio, distribuindo a respectiva aplicação, respeitando a origem da regra tanto quanto possível, entre órgãos judiciários federais e estaduais. A federação brasileira incumbiu a aplicação do direito federal aos tribunais dos Estados-membros.
E é na peculiaridade da divisão de competências na Federação brasileira que se assentam as principais críticas da doutrina[6].
Tal prática permitiu, até 1988, a interposição de RE em grande parte das causas na quais estivesse presente questão federal, tanto constitucional, como infraconstitucional, o que implicou em um grande número de recursos distribuídos ao Supremo Tribunal Federal.
Ao lado disso, O ex-Ministro José Carlos Moreira Alves salienta que outra causa da “Crise do Supremo” consistiria no “caráter extraordinariamente analítico da Constituição”[7].
Como é sabido, as Constituições podem ser classificadas em sintéticas ou analíticas. As sintéticas (ou concisas) enunciam tão somente regras básicas de organização do Estado e os preceitos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, como, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos. Em contraposição, existem as Constituições analíticas (ou prolixas), como a brasileira, que são compostas por uma grande quantidade de normas, objetivando tornar constitucional a tantos elementos do conjunto que compõe a vida de uma sociedade quanto possíveis[8].
O caráter excessivamente analítico da Constituição, que traz em seu texto uma infinidade de preceitos, desdobrado em seus vários artigos possibilitaria que qualquer questão judiciária seja submetida ao crivo do STF. Cite-se, como exemplos, os incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal[9], que tratam do devido processo legal, do direito à ampla defesa e do princípio do contraditório. Por meio desses três princípios, valendo-se de um pequeno “contorcionismo argumentativo” as partes podem submeter toda e qualquer questão processual à análise do STF[10].
No mesmo sentido, Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade opinam que “a Constituição Federal abriu as portas dos Tribunais Superiores em nome do ‘acesso à Justiça’, sem ponderar no impacto econômico e na eficiência das Cortes” [11].
A terceira causa apontada é o pequeno contingente de Ministros que compõe o Supremo Tribunal Federal.
Theotonio Negrão, já em 1974, sugeria que “ou se aumenta o número de seus juízes, ou se retira do STF função que não lhe é essencial, que vem a ser a que respeita à uniformização do entendimento do direito federal”[12].
Não obstante, entre aqueles que se opõem à opinião do renomado processualista está Rodolfo de Camargo Mancuso, que afirma que “se o número de ministros voltasse a ser de dezessete, como no Império: seis ministros a mais, por certo, não resolveriam a sobrecarga”[13]. Para ele, ainda, o acréscimo de Ministros tão somente contribuiria para o engrandecimento da máquina judiciária e para a “macrocefalia” do órgão judicial.
Por fim, pode-se apontar o valor excessivo conferido à função subjetiva (dikelógica, isto é, voltada à tutela dos interesses individuais das partes) do recurso extraordinário.
Muito embora a natureza do recurso extraordinário objetive evitar a ampla incidência da função, buscando a defesa da integridade do sistema constitucional, a abertura semântica verificada nas hipóteses de cabimento do recurso extraordinário permitiu que as partes, valendo-se da habilidade de seus procuradores, forçassem a admissibilidade do recurso extraordinário[14].
Tal quadro não poderia levar a situação diversa que ao agravamento da “Crise do Supremo Tribunal Federal”, como ensina Ulisses Schwarz Viana[15]:
[...] o Supremo Tribunal Federal, no regime anterior ao da repercussão geral do §3º do art. 102 da Constituição, via-se na contingência de receber milhares de recursos extraordinários que envolvem embates constitucionais surgidos incidentalmente nas relações processuais intersubjetivas (inter partes e intra processum). As quais, por sua reprodução em demandas individualizadas, crescem em proporções geométricas, resultando em número injustificável e insuportável de recursos extraordinários e agravos de instrumento sobre a mesma temática constitucional (questão constitucional).
A feição subjetiva do Recurso Extraordinário, então, aliada à dimensão territorial do Brasil, repartido em regiões bem distintas e desiguais entre si, o aumento vertiginoso da população nos últimos anos e o desenvolvimento econômico tiveram responsabilidade para o problema da “Crise do Supremo”.
Para Rodolfo de Camargo Mancuso, entretanto, não se pode imputar ao desarrolho do país, muito menos às suas dimensões territoriais, a responsabilidade pelo aumento vertiginoso de demandas protocoladas junto ao Poder Judiciário. O autor culpa o fenômeno sociocultural, denominado de “demandismo judiciário”[16] pelo quadro atual enfrentado no Poder Judiciário.
Especificamente na esfera recursal, tal fenômeno manifesta-se no desvirtuamento da mentalidade dos litigantes, que consideram regra a interposição dos recursos aos Tribunais Superiores, movidos, além de uma ínfima probabilidade de reforma, pela possibilidade de procrastinação do cumprimento das decisões judiciais que lhe são desfavoráveis[17]
Realizando um paralelo com as ciências econômicas, Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade afirmam que isso se deve, em grande parte, à prevalência do vetor “benefício” na equação “custo-benefício” da interposição do recurso: de um lado, tem-se a possibilidade de procrastinação e uma remota possibilidade de modificação da decisão, calcada em razões aleatórias, isto é, pretensões recursais que carecem de um prognóstico de efetiva reversão da decisão anterior (benefício); de outro, tem-se que as sanções estabelecidas a fim de coibir tal prática não apresentam caráter sancionatório suficiente para frear tal costume (custo). E mesmo que tivessem, salientam os autores, a falta de precedentes claros nos Tribunais (tanto superiores, quanto regionais) não facilita que se aponte, concretamente, o aspecto volitivo de procrastinação por parte do recorrente, dificultando, assim, a aplicação das sanções[18].
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o sistema de “precedentes obrigatórios”[19] e a possibilidade de condenação em honorários na esfera recursal[20], espera-se uma alteração nessa lógica.
3 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITUAIS A RESPEITO DA REPERCUSSÃO GERAL
Os problemas acarretados pela crise não passaram despercebidos pelos operadores do direito, que empreenderam diversas medidas ao longo da história para tentar diminuir o número de processos em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
A primeira grande medida que objetivou diminuir o processamento de recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal foi a exigência, pela Lei 3.396/58, de despacho para sua admissão. Aponta o ex-Ministro José Carlos Moreira Alves que, como somente as decisões que não admitiam o RE deviam ser fundamentadas, “muitas vezes, as presidências de Tribunais locais, utilizando-se da lei do menor esforço, mandavam subir o recurso até para não serem obrigadas à fundamentação”[21], mostrando, dessa forma, a ineficiência da medida. Posteriormente, em 1963, a Emenda Regimental criou a súmula, com o objetivo de facilitar a atividade de fundamentação das decisões[22].
Dois anos depois, a Emenda Constitucional 16/65 concedeu ao Supremo Tribunal Federal a competência de julgar representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos estaduais e federais. Com isso, objetivava-se, em um único julgamento, diminuir diretamente na fonte o número de recursos extraordinários para manifestação acerca da constitucionalidade da lei[23].
Entretanto, essas medidas não foram suficientes. A Emenda Consitucional nº 1/69, então, em seu artigo 119, parágrafo único, permitiu a criação, pelo Tribunal, de “óbices regimentais” à interposição do recurso extraordinário. O RITSF, aprovado em 1980, trazia previsão das hipóteses de não cabimento do Recurso Extraordinário, ressalvando, apenas, a admissibilidade do recurso que impugnava decisão que estivesse em “manifesta divergência com a ‘Súmula’ do Supremo Tribunal Federal ou relevância da questão federal”. Os “óbices regimentais”, todavia, não lograram a solução da “Crise do Supremo”[24]. Tanto é assim que a possibilidade de o STF exercer atividade legislativa nesse sentido não foi reproduzida na Constituição de 1988.
Em 1988, com a promulgação da Constituição, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, com o fim de que passasse a responder pelas questões infraconstitucionais.
Observa-se, assim, que várias foram as tentativas de reforma para superação da “Crise do Supremo”, que, uma por uma, foram mostrando-se insuficientes para frear o problema.
Diante desse cenário, objetivando remediar, de uma vez por todas, o problema há anos diagnosticado e tentar dar sobrevida à atividade judiciária, o legislador constituinte derivado promoveu nova reforma, de caráter mais drástico, frente aos números cada vez mais assustadores de processos em trâmite não só nos Tribunais Superiores, como também no Judiciário em geral, editando a Emenda Constitucional nº 45/2004, responsável, no ver de muitos autores, por uma verdadeira “Reforma no Judiciário”[25].
Dentre essas medidas, foi a previsão, no artigo 102, §3°, da Constituição, da necessidade de demonstração de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário:
Art. 102, §3º. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Ao que parece, o legislador Constituinte não se responsabilizou por determinar, ao menos minimamente, os contornos do que seria uma questão dotada de repercussão geral. Ante o permissivo constitucional, contudo, o legislador ordinário deu um passo à frente, editando a Lei 11.418/06, que acresceu ao Código de Processo Civil de 1973 o art. 543-A, que, em seu parágrafo primeiro, dispõe:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§1º: Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Redação similar é encontrada, atualmente, no artigo 1035, §1°, do CPC/2015[26].
A disposição legal, conforme observa Ulisses Schwarz Viana, gerou verdadeira “frustração da expectativa daqueles que, sob uma inspiração formalista, aguardavam uma definição legal abrangente e casuística da repercussão geral”. Isso porque, conforme se extrai das disposições legais supramencionadas, o legislador optou por dar certa vagueza aos conceitos, de forma a possibilitar a melhor aplicação do instituto.
Arruda Alvim, a propósito, antes da modificação empregada no Código de Processo Civil, já mencionava que “a regulamentação pela lei ordinária deverá disciplinar o instituto, mas não deverá acabar, propriamente por definir inteiramente, ou não, o que é repercussão geral”[27]. A tentativa de delimitação exaustiva das questões ou hipóteses que se enquadrariam ao instituto implicaria, segundo Ulisses Schwarz Viana, a “inviabilização, já no plano normativo, de qualquer possibilidade de sucesso do novel instituto”[28].
Tal vagueza proposital, contudo, a despeito de viabilizar o instituto, gerou dificuldades na doutrina na conceituação do instituto da Repercussão Geral.
Nestes anos de vigência do instituto da Repercussão Geral, a doutrina ainda não logrou determinar quais questões serão ou não englobadas pelo instituto, relegando o trabalho ao labor jurisprudencial, conforme se observa na lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha[29]:
O texto constitucional prescreve que o conteúdo normativo do que seja “repercussão geral” deve ser delimitado por lei federal. A Lei Federal n. 11.418/2006 tratou de fazê-lo (...) Trata-se, então, de conceito aberto, a ser preenchido por norma infraconstitucional, que se valeu de outros conceitos jurídicos indeterminados, para que se confira maior elasticidade na interpretação dessa exigência, que, afinal, terá a sua exata dimensão delimitada pela interpretação que fizer o Supremo Tribunal Federal.
Da mesma forma, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart lecionam que a delimitação do que consiste a repercussão geral deve ser feita pelo STF com base nas “circunstâncias concretas – sociais e políticas – em que a questão constitucional, discutida no caso concreto, está inserida”[30].
A vagueza, ao que parece proposital[31], dada pelo legislador aos dispositivos que delimitam os contornos da repercussão geral permite que se enquadre o instituto na categoria dos conceitos jurídicos indeterminados e, em hipótese alguma, deve ser encarada como alguma espécie de defeito ou imperfeição no texto do ordenamento jurídico.
Veja-se que a única delimitação feita pelo legislador está presente no terceiro parágrafo do art. 543-A, que aponta para “presunção absoluta de demonstração de repercussão geral”[32], ao dispor que “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”. Presume-se daí que, para o legislador, a divergência entre a decisão recorrida e o entendimento do STF já é argumento jurídico suficiente para ensejar o reconhecimento da Repercussão Geral[33].
No Código de Processo Civil de 2015, a presunção é estendida às hipóteses em que a decisão combatida “contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal” e “tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal”.
Afora essas exceções expressas no ordenamento jurídico, se o legislador tentasse enumerar outras questões com repercussão geral, poder-se-ia ter diminuição do rendimento do instituto jurídico por ele exaustivamente regulado[34].
A existência desses conceitos, outrossim, permite que a determinação legal sempre se mantenha atualizada, dispensando maiores e reiteradas intervenções legislativas do conteúdo dos dispositivos à medida que se alterem ideologias e paradigmas[35].
É importante registrar que, para Karl Engisch, conceito jurídico indeterminado é “um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”[36]. É formado sempre por um núcleo conceitual e um halo conceitual. O primeiro consiste em uma “noção clara do conteúdo e da extensão dum conceito”[37] (ex.: escuridão); enquanto o segundo seriam “onde as dúvidas começam” (ex.: horas do crepúsculo)[38].
Assim, no caso específico da “repercussão geral, se, por um lado, o conceito de “repercussão” (núcleo conceitual) não demanda maiores considerações, tendo em vista que é de fácil percepção, inclusive empírica, o mesmo não se pode dizer do que se apreende por “geral” (halo conceitual), uma vez que há necessidade de elucidação das diversas partes que compõe seu conceito.
Tal atividade dá-se a partir de duas dimensões, uma subjetiva, outra objetiva.
Quanto à primeira, Bruno Dantas entende por pertinente que, ao aplicar o instituto da repercussão geral, o operador do direito se valha da identificação de “grupos sociais relevantes”, apontando que tal tarefa facilitaria a percepção de que a questão impactaria ou não as pessoas que fizessem parte do referido grupo[39].
O primeiro passo para identificação do grupo social relevante seria a verificação de uma relação-base, seja ela fática ou jurídica[40]. Feito isso, inevitavelmente o intérprete defrontar-se-á com outro problema: a expressividade numérica do grupo.
Como é sabido, um dos princípios norteadores do Constitucionalismo brasileiro é o princípio da igualdade. Tal princípio, como ressalta José Afonso da Silva, “não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos”[41]. Assim, não deve o intérprete, na limitação dos contornos do que seria o adjetivo “geral”, considerar que a Constituição faz referência a uma integralidade ou totalidade, sob pena de excluir questões importantes a grupos minoritários[42].
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, pela redação do art. 102 da Constituição Federal brasileira[43], é incumbido da guarda da Constituição, a qual objetiva a tutela dos mais diversos grupos, sejam eles minorias ou maiorias. Seria inconcebível, então, que o STF tivesse por função a tutela dos interesses que representassem a sociedade apenas em sua totalidade, não atentando àqueles interesses de grupos marginalizados que fizessem parte de parcela minoritária da sociedade ou, ainda, àqueles que, dentro do grupo majoritário, não fossem unanimidade[44]-[45].
Isso, entretanto, não significa que ao STF é permitido a análise de questões “primariamente local”, sob pena de se desnaturar a função de filtro recursal inerente à repercussão geral. Só então, nas hipóteses em que se trate de grupos minoritários, deve-se considerar a relevância social da questão suscitada.
Na dimensão objetiva, desloca-se o foco para a questão discutida no recurso.
O art. 1035 do CPC/2015 dispõe que o intérprete deverá levar a cabo, para análise da existência ou não de repercussão geral, a presença de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem o interesse subjetivo do processo”.
Como é sabido, o sistema jurídico pode estabelecer comunicações com outros subsistemas sociais (denominadas comunicações extrasistemáticas[46]), dada a grande probabilidade de as atividades internas daquele sistema influir em outros. Com efeito, ao subordinar a admissibilidade do recurso extraordinário à existência de repercussão geral, não só se reconhece claramente tal possibilidade, como se passa a exigir do intérprete que observe o influxo da questão em outros sistemas[47].
Daí, com base no texto legal, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medida caracterizarem a repercussão geral de acordo com as comunicações estabelecidas entre o sistema jurídico e o sistema que recebe o influxo. Dessa forma, a repercussão geral poderia ser econômica, social, política ou jurídica em sentido estrito[48].
Na tentativa de obter a maior concreção possível a respeito dessas categorias, Rodolfo de Camargo Mancuso transporta os conceitos presentes no PL 3267/2000, direcionada a delimitar os contornos do requisito de transcendência para revista trabalhista, para Repercussão Geral[49]:
[...] (i) jurídica (“o desrespeito patente aos direitos humanos fundamentais ou aos interesses coletivos indisponíveis, com comprometimento da segurança e estabilidade das relações jurídicas”); (ii) política (“o desrespeito notório ao princípio federativo ou à harmonia dos Poderes constituídos”); (iii) social (“a existência de situação extraordinária de discriminação, de comprometimento do mercado de trabalho ou de perturbação notável à harmonia entre capital e trabalho”); (iv) econômica (“a ressonância de vulto da causa em relação a entidade de direito público ou economia mista, ou grave repercussão da questão na política econômica nacional, no segmento produtivo ou no desenvolvimento regular da atividade empresarial”).
Embora relevantes a balizar o intérprete na determinação do alcance das dimensões subjetiva e objetiva da “repercussão geral”, efetivamente, os contornos conceituais do instituto são definidos pelo próprio STF por meio de sua jurisprudência.
Até 14/07/2016, o Supremo Tribunal Federal havia decidido 871 casos de Repercussão Geral, sendo 595 questões reconhecidas e 274 negadas, sendo que duas ainda pendem de análise[50].
O primeiro caso analisado versou acerca da base de cálculo do PIS e da Cofins sobre a importação, no Recurso Extraordinário nº. 559.607, que teve como relator o Min. Marco Aurélio, sendo a Repercussão Geral do tema reconhecida por unanimidade de votos dos Ministros[51]. Ainda na seara tributária, é digno de transcrição o trecho do voto do Relator Min. Ricardo Lewandowski acerca da existência de repercussão geral na questão da “competência para alterar alíquotas do Imposto de Exportação”[52]:
Entendo que a presente questão constitucional oferece repercussão geral. A hipótese descrita nos autos possui relevância econômica, porquanto afeta não só os exportadores de couros e peles, como todos os demais exportadores.
Presente, ainda, a relevância jurídica, uma vez que a tese debatida nos autos revelará os limites dos dispositivos constitucionais tidos por violados.
Colhe-se do julgado acima, que, para aferir se a questão apresentava Repercussão geral, o Ministro valeu-se da especificação de um determinado grupo social que receberia os influxos da decisão do Recurso Extraordinário (no caso, exportadores). Posteriormente, identificou o motivo de a temática ser dotada de Repercussão Geral jurídica, pois seria responsável por determinar “os limites dos dispositivos constitucionais tidos por violados”, o que em se tratando de matéria tributária, ante o princípio da legalidade, é de extrema importância.
Em relação às temáticas atinentes aos direitos fundamentais, tem-se, por exemplo, a “aplicação retroativa de leis sobre planos de saúde”, que contou como Relatora a Min. Carmen Lucia[53]:
Além da transcendência de interesses, pois o universo de contratos de saúde é enorme, há relevância social e econômica no tema: a primeira, em face dos beneficiários de planos de saúde, que saberão, definitivamente, se lei nova sobre planos de saúde pode ou não ser aplicada aos contratos anteriormente firmados; a segunda, em relação às administradoras de planos de saúde, pois as modificações legais geram alterações no custo da manutenção do sistema. Pelo expostos, manifesto-me pela existência de repercussão geral do tema constitucional suscitado [...].
Assim, verifica-se que a Repercussão Geral do tema configura-se não tão somente por sua relevância, mas também por sua transcendência. Observa-se, outrossim, que, como fez o Min. Ricardo Lewandowski, a Min. Carmen Lúcia também estabeleceu um grupo social relevante, observando as influências que a decisão do Recurso Extraordinário possuiria sobre eles: no caso, há relevância social, pois os contratantes dos planos de saúde teriam certeza jurídica acerca da aplicação retroativa de lei reguladora e econômica, pois, por certo, as modificações promovidas alterariam os custos da manutenção dos planos de saúde.
A matéria previdenciária possui inúmeros temas dentre os que tiveram repercussão geral conhecida. Citem-se, como exemplos, a “incidência de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros da empresa”[54] e a “inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da Contribuição Previdenciária, incidente sobre a remuneração”[55].
Colhe-se, assim, que um dos fatores que os Ministros levam em conta para configuração de Repercussão Geral é a possibilidade de aquela temática ser objeto de um contingente elevado de demandas.
Outra área do Direito com grande número de casos de repercussão geral reconhecidos é o Direito Administrativo. Dentre eles, podem-se citar: “anulação de ato administrativo pela Administração, com reflexo em interesses individuais, sem a instauração de procedimento administrativo”[56] e “alcance das sanções impostas pelo art. 37, §4º, da Constituição Federal aos condenados por improbidade administrativa”[57].
Se a análise das matérias que tiveram sua repercussão geral reconhecida mostra-se importante, de igual forma é relevante tomar ciência das questões que não foram abarcadas pelo instituto.
Das 274 matérias negadas, 234 delas o foram por versarem acerca de questão infraconstitucional. Pode-se citar, dentre essas: “a necessidade de declaração de hipossuficiência para obtenção de gratuidade de justiça”[58], “incorporação a contrato individual de trabalho de cláusulas normativas pactuadas em acordos coletivos”[59] e “reajuste das tabelas dos serviços prestados ao SUS”[60].
As 40 remanescentes tiveram a repercussão geral não reconhecida por outros motivos.
O Recurso Extraordinário nº. 565.138-0/BA, que tinha como objeto a indenização por danos morais e matérias decorrentes de manipulação de resultados de partida de futebol, por exemplo, não teve a repercussão geral reconhecida em virtude de o Relator, Min. Menezes de Direito, acompanhado dos demais Ministros, com exceção ao Min. Marco Aurélio, considerar que a questão não transcendia o interesse individual da parte, como se pode ver do excerto da decisão abaixo[61]:
Manifesto-me no sentido de não haver repercussão geral da questão constitucional objeto do presente recurso extraordinário, tendo em vista não cuidar de nenhuma matéria relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que possa ultrapassar os interesses subjetivos da presente causa. Os danos morais indenizáveis, na situação dos autos, decorrem de fatos particulares e específicos do caso concreto, tais como o eventual entusiasmo do autor para acompanhar e torcer pelo seu time predileto e o fato dessa agremiação [...] ter sido rebaixada da segunda para terceira divisão do campeonato brasileiro. Assim, não extrapola os limites da causa ora julgada o fato de as instâncias ordinárias reconhecerem, mediante o quadro fático delineado nos autos, os danos morais infligidos ao autor.
A falta de transcendência, aliás, é uma das principais causas que levam os Ministros do Supremo Tribunal Federal a negarem a existência da repercussão geral no caso concreto, ao que leva a concluir que não basta a questão ser tão só relevante, impondo-se a conjugação dos dois fatores: transcendência e relevância[62].
Ao lado desses apontamentos teóricos, não se pode descurar que, com o advento do instituto, o recurso extraordinário sofreu grande influência, modificando sua modelagem anterior.
Antes da repercussão geral, preenchidos todos os requisitos legais e constitucionais, não haveria outra alternativa ao Supremo Tribunal Federal que não o conhecimento do recurso e posterior seu julgamento (mandatory jurisdiction).
Entretanto, conforme salientam Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, ao julgar Recursos Extraordinários, “somente as questões constitucionais que tenham repercussão geral é que hoje, em face da letra da CF, poderão ser objeto de exame do STF”[63].
Tem-se, então, a implementação de um verdadeiro filtro, impedindo que o STF analise toda e qualquer questão.
O estabelecimento do filtro recursal ocasionou relevante mudança no escopo do recurso extraordinário, maximizando sua feição objetiva[64]. Isso significa que se superou o antigo paradigma subjetivista do RE, redirecionando-o, agora, à função primordial do Supremo Tribunal Federal: a guarda da Constituição[65].
Em outras palavras, a repercussão geral implica o fortalecimento das funções paradigmática, nomofilática e uniformizadora, afastando o Recurso Extraordinário, cada vez mais, da função dikelógica, dando um novo perfil ao recurso[66].
4 A EFICIÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL COMO FILTRO RECURSAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Conforme leciona José Afonso da Silva, é um pressuposto das Federações a existência de um Tribunal de Cúpula, pertencente, mas sobreposto a todos os demais órgãos Judiciários, e que permita a interpretação do Direito positivo e, consequentemente, sua aplicação unitária em todo território nacional[67]. No Brasil, como é cediço, tal função é atribuída constitucionalmente ao Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos anos, pelos vários motivos aqui já expostos, o Tribunal de Cúpula brasileiro vem enfrentando dificuldades no exercício da importante função atribuída a ela pelo caput do art. 102 da Constituição, devido ao acúmulo de processos de sua competência.
Como já salientado, o problema principal que assola o STF é o excessivo número de recursos extraordinários em trâmite perante a Corte. De fato, as estatísticas elaboradas pela Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal apontam para o estado crítico que o Tribunal enfrentou nas últimas duas décadas em virtude do excesso de recursos dessa classe ingressando nos estoques da Corte:
QUADRO 1 ¾ |
Relação entre o Número de Recursos Extraordinários Distribuídos e o Número Total de Processos Distribuídos no Supremo Tribunal Federal (1990-2006) |
|||
Ano |
Recursos Extraordinários Distribuídos |
Total de Processos Distribuídos |
Percentual do Total Correspondente aos Recursos Extraordinários[68] |
|
1990 |
10.780 |
16.226 |
66,43% |
|
1991 |
10.518 |
17.567 |
59,87% |
|
1992 |
16.874 |
26.325 |
64,03% |
|
1993 |
12.281 |
23.525 |
52,20% |
|
1994 |
14.984 |
25.868 |
57,92% |
|
1995 |
11.195 |
25.385 |
44,10% |
|
1996 |
9.265 |
23.863 |
38,82% |
|
1997 |
14.841 |
34.289 |
43,28% |
|
1998 |
20.595 |
50.273 |
40,96% |
|
1999 |
22.280 |
54.437 |
40,92% |
|
2000 |
29.196 |
90.839 |
32,14% |
|
2001 |
34.728 |
89.574 |
38,77% |
|
2002 |
34.719 |
87.313 |
39,76% |
|
2003 |
44.478 |
109.965 |
40,44% |
|
2004 |
26.540 |
69.171 |
38,26% |
|
2005 |
29.483 |
79.577 |
37,04% |
|
2006 |
54.575 |
116.216 |
46,95% |
|
Fonte: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Processos Protocolados, Distribuídos e Julgados por classe processual – 1990 a 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 25 jul. 2011. |
||||
O crescente número de recursos extraordinários consistiria problema ainda maior se não fosse o notável trabalho dos Ministros do STF em conseguir julgar um número de recursos aproximado aos que são distribuídos anualmente:
QUADRO 2 ¾ |
Número de Recursos Extraordinários Distribuídos e Julgados em Comparação ao Número Total de Processos Julgados pelo Supremo Tribunal Federal (1990-2006) |
|||
Ano |
Recursos Extraordinários Distribuídos |
Recursos Extraordinários Julgados |
Total de Processos Julgados |
|
1990 |
10.780 |
10.680 |
16.449 |
|
1991 |
1.518 |
8.836 |
14.366 |
|
1992 |
16.874 |
11.990 |
18.236 |
|
1993 |
12.281 |
11.567 |
21.737 |
|
1994 |
14.984 |
16.344 |
28.221 |
|
1995 |
11.195 |
13.395 |
34.125 |
|
1996 |
9.265 |
9.937 |
30.829 |
|
1997 |
14.841 |
16.219 |
39.944 |
|
1998 |
20.595 |
18.205 |
51.307 |
|
1999 |
22.280 |
19.730 |
56.307 |
|
2000 |
29.196 |
28.896 |
86.361 |
|
2001 |
34.728 |
48.872 |
122.993 |
|
2002 |
34.719 |
34.396 |
83.097 |
|
2003 |
44.478 |
43.054 |
107.867 |
|
2004 |
26.540 |
35.793 |
101.690 |
|
2005 |
29.483 |
39.768 |
103.700 |
|
2006 |
54.575 |
45.588 |
110.284 |
|
Fonte: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Processos Protocolados, Distribuídos e Julgados por classe processual – 1990 a 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 14 jul. 2016. |
||||
A análise desses números conduz à conclusão de que a prestação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal está cada vez mais direcionada a uma resposta de massa, em números expressivos, chegando, atualmente, ao julgamento de aproximadamente 100.000 (cem mil) processos por ano. Tal modelo, todavia, não condiz com a relevante função atribuída pela Constituição à Corte Suprema brasileira, pois, mais importante que uma resposta jurisdicional de quantidade, seria uma resposta jurisdicional de qualidade.
Na perspectiva de Araken de Assis, o excesso de processos na Corte chegou ao ponto de comprometer “o funcionamento do STF e o desempenho de sua elevada missão constitucional”[69]-[70]. É inconcebível que o excesso de processos comprometa o exercício da função precípua do STF, sobretudo porque o Tribunal é responsável por promover a unidade na aplicação do direito nacional, sendo o direito das partes alcançado por via indireta. Em outras palavras, a função essencial de um recurso a um Tribunal de Cúpula é a tutela do direito (ius constitutionis), sendo o interesse das partes litigantes (ius litigatoris) atingido por mero reflexo.
A necessidade de um mecanismo seletor de causas surge, então, para permitir que os Tribunais de Cúpula dirijam suas atenções para seu principal papel, qual seja a garantia da supremacia da Constituição, direcionando sua atenção para questões que transcendam os interesses das partes envolvidas no litígio, que gerem impacto na sociedade.
A preocupação com a qualidade das decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal nasce em virtude de que as decisões das Cortes de Cúpula não correspondem meramente ao produto da prestação jurisdicional dada à parte, mas também a um ponto de referência para os casos semelhantes. Daí que alguns autores, pautando-se nas premissas da análise econômica do Direito (law and economics), chegam a considerá-las como sendo verdadeiros “bens públicos”.
Registre-se, contudo, que a concepção de bem público aqui adotada é a que deriva das ciências econômicas, ou seja, bens “ofertados pelo Estado em benefício da população, não sendo destinados (ou apropriados), pelo menos em princípio, a apenas um indivíduo ou agente em específico”[71], devendo-se afastar, para esse fim, a concepção jurídica de bem público, conceituada no Direito Administrativo.
Explicam Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade que os bens públicos emanam “externalidades” (ou economias ou deseconomias externas), isto é, o consumo desses bens, além de ser inevitável, produz efeitos que podem ser negativos (gerando prejuízos àqueles que se utilizam deles) ou positivos (refletem, do contrário, positivamente). O caráter de bem público das decisões judiciais dos Tribunais Superiores manifesta-se a partir do momento que sua utilidade não se restringe às partes processuais envolvidas no processo, propagando-se no universo jurídico. Tal fenômeno, bem se ver, tem ligação com a função paradigmática e uniformizadora que detém os recursos que permitem o acesso a essas Cortes[72].
Mais que justificável, pois, a existência de mecanismo que freie, na medida do possível, o ingresso de uma quantidade enorme de processos no Supremo Tribunal Federal anualmente.
Firmadas tais premissas, é possível verificar que, após a plena vigência do instituto da Repercussão Geral, dados da Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal já apontam para uma pequena diminuição no número de Recursos Extraordinários distribuídos em relação aos anos anteriores (29.796), bem como uma potencial elevação, em patamar não visto nas décadas anteriores, de recursos julgados: 49.465. Em 2008, houve queda significativa nos processos distribuídos (21.532), bem como de julgados (40.794). De acordo com a tendência de 2008, em 2009 e 2010, houve novas quedas nos Recursos Extraordinários distribuídos e julgados: no primeiro, 8.347 e 25.208; no segundo, 6.735 distribuídos e 24.353, respectivamente. Em 2011, foram 6.388 distribuídos e 20.125 julgados. De 2012 a 2014, o Supremo Tribunal Federal manteve o ritmo dos anos anteriores, proferindo, em média, o dobro de decisões em recursos extraordinários em relação ao número de processos desta espécie que lhe são distribuídos, o que contribui para a diminuição do estoque processual da Corte:
QUADRO 3 ¾ |
Número de Recursos Extraordinários Distribuídos e Julgados em comparação com o Total de Processos Distribuídos e Julgados no Supremo Tribunal Federal (2007-2011)[73] |
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Ano |
Número de REs Distribuídos |
Número Total de Processos Distribuídos |
Número de REs Julgados |
Número Total de Processos Julgados |
|
2007 |
29.796 |
64.262 |
49.465 |
93.474 |
|
2008 |
21.532 |
66.785 |
40.794 |
109.804 |
|
2009 |
8.347 |
42.697 |
25.208 |
94.317 |
|
2010 |
6.735 |
41.008 |
24.353 |
102.655 |
|
2011 |
6.388 |
38.109 |
20.125 |
97.380 |
|
2012 |
6.042 |
46.392 |
13.440 |
87.784 |
|
2013 |
6.224 |
44.170 |
11.130 |
78.441 |
|
2014 |
9.671 |
57.796 |
13.006 |
99.079 |
|
Fonte: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Processos Protocolados, Distribuídos e Julgados por classe processual – 1990 a 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 14 jul. 2016. |
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A análise dos números acima conduz à inegável conclusão que a repercussão geral vem alcançando seu objetivo primordial: a redução do número de recursos extraordinários em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, nesse relativamente curto período de vida do instituto, estatísticas da Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal apontam para uma diminuição de 64% dos processos recursais, bem como 58% no estoque de recursos tramitando perante a Corte[74].
Não fosse só a redução no número de processos, dados apontam concretamente para a importância da Repercussão Geral como um instrumento de potencialização da resposta jurisdicional do Supremo Tribunal Federal: no período foram devolvidos 108.770 processos com base no art. 543-B do Código de Processo Civil de 1973, equivalente ao artigo 1.036 do CPC de 2015.
Taís Schilling Ferraz aponta que esses números não devem ser considerados como mera diminuição da sobrecarga de processos que se encontravam em trâmite no Supremo Tribunal Federal, mas sim em uma nova forma de racionalização da prestação jurisdicional constitucional[75]:
Se é verdade que se reduziram os recursos extraordinários e agravos de instrumento protocolados, autuados e distribuídos no STF – e esta diminuição foi substancial, chegando à casa dos 60% - cresceu a efetividade da jurisdição constitucional, seja pela quantidade de conflitos individuais solucionados com uma única decisão, seja pela quantidade de temas relevantes que tiveram espaço na pauta do plenário nos últimos anos e que foram avaliados na plenitude.
Esta redução da distribuição, portanto, não significa mera diminuição da carga de processos do Supremo Tribunal Federal, nem implica prejuízo da sua missão jurisdicional ou do acesso individual à Justiça. Revela, isto sim, uma nova forma de prestar jurisdição em matéria constitucional, assegurando às questões de relevância social, política, econômica e jurídica um processo decisório rápido e plural e, na sequência, maior disseminação dos efeitos desta decisão, de forma a garantir a isonomia da aplicação das normas constitucionais.
Conclui-se, diante do exposto, ser a repercussão geral um importante instituto para impedir a banalização das decisões do Supremo Tribunal Federal. Em primeiro lugar, pois evita que questões que não promovam um impacto tão profundo na sociedade ou que não transcendam ao interesse das partes cheguem ao conhecimento da Corte; em segundo lugar, porque a redução do número de processos permitirá que os Ministros dediquem um maior tempo na análise das questões submetidas a seu crivo, o que implica, em tese, em uma melhora nas decisões proferidas pelo Tribunal. Na lição de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina [76]:
Essa figura impede que o STF se transforme numa 4ª instância e deve diminuir, consideravelmente, a carga de trabalho daquele Tribunal, resultado este que também acaba, de forma indireta, por beneficiar os jurisdicionados, que terão talvez uma jurisdição prestada com mais vagar, e haverá acórdãos, já que em menor número, que serão fruto de reflexões mais demoradas por partes dos julgadores. Enfim, se espera que, com essa possibilidade de seleção de matérias realmente importantes, não só para o âmbito de interesse das partes, se tenha jurisdição de melhor qualidade.
Em síntese, as estatísticas comprovam a eficiência da repercussão geral como um requisito específico de cabimento do recurso extraordinário – atuando na forma de filtro recursal – que objetiva afastar da análise do Tribunal questões que se restrinjam tão somente aos interesses individuais das partes que compõe o litígio, bem como permitir maior efetividade na resposta jurisdicional. A consequente redução do número de processos, como aponta a doutrina, implicaria em uma melhora nas decisões proferidos pelo Tribunal a respeito de questões de extrema relevância para sociedade, propiciando uma Justiça de melhor qualidade e beneficiando, dessa forma, os jurisdicionados.
5 CONCLUSÃO
Constatou-se que o recurso extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal, é um importante instrumento no controle de constitucionalidade, tendo em vista que permite sua realização com base em casos concretos. Entretanto, nos últimos anos, o aumento sucessivo e exacerbado do número de processos dessa classe culminou com aquilo que a doutrina cunhou de “Crise do Supremo” ou “Crise do Extraordinário”.
Obviamente que o recurso extraordinário, por si só, não ocasionou o problema. A gênese da crise está em uma conjuntura de fatores: a) a importação do modelo de uniformização de Direito Federal Americano, incompatível com a estrutura federalista brasileira, que atribui à União extensa competência legislativa, em contrapartida dos Estados e Municípios; b) o caráter analítico da Constituição de 1988, que possui uma série de normas que, embora formalmente constitucionais, não possuem materialmente essa características; c) embora não unânime, o pequeno contingente dos Ministros atuantes no Supremo Tribunal Federal; d) a feição subjetiva do recurso extraordinário até o advento da repercussão geral, isto é, preenchidos os requisitos de admissibilidade, o STF via-se obrigado a julgar o recurso extraordinário, mesmo que pautado em questões intersubjetivas, sem transcendência; e) o aumento da litigiosidade, ocasionado pelo desenvolvimento econômico e pelo aumento vertiginoso da população dos últimos anos; f) a cultura “demandista” do povo brasileiro, que vê no Judiciário a primeira opção na resolução dos conflitos, bem como não pondera a viabilidade da utilização dos recursos.
Durante vários anos, o legislador e o Supremo Tribunal Federal tentaram remediar o problema valendo-se de diversas respostas normativas, que não lograram a solução total do problema. Em 2004, entretanto, o legislador, inspirado pelo princípio da efetividade da prestação da tutela jurisdicional, propôs uma consubstancial reforma na Constituição, criando alguns poucos instrumentos para melhora da condição em que se encontra o Supremo Tribunal Federal. Dentre esses instrumentos, está a repercussão geral.
A principal função desse novo instituto é atuar como filtro recursal do recurso extraordinário, ou seja, permitir que a Corte analise tão somente os casos que apresentem relevância do ponto de vista social, econômico, político ou jurídico e, principalmente, que transcendam o interesse das partes.
A repercussão geral promoveu um significativo impacto na roupagem do recurso extraordinário, promovendo sua objetivação. Supera-se, assim, o antigo paradigma subjetivista do recurso, potencializando suas funções nomofiláticas, uniformizadora e, principalmente, paradigmática. Isso trará inúmeros benefícios à tutela jurisdicional, permitindo que seja mais efetiva e célere.
Nesse sentido, é grande a contribuição da repercussão geral na eliminação de duas espécies de recursos extraordinários que configuram um problema ao Supremo Tribunal Federal: os que versam sobre questões exclusivamente intersubjetivas e os que possuem idêntica controvérsia.
Os números de processos distribuídos e julgados de 1990-2006 apontam para o fato de que a resposta jurisdicional dada pelo Supremo Tribunal Federal está cada vez mais massificada, vulgarizada, uma resposta quantitativa, o que, por certo, pode diminuir a qualidade das decisões proferidas no âmbito daquele Tribunal. Reitere-se que a função essencial de um recurso dirigido a um Tribunal de Cúpula é a tutela do direito (ius constitutionis), sendo o interesse das partes litigantes (ius litigatoris) atingido por mero reflexo.
Fica clara, assim, a necessidade da instituição de um filtro recursal que selecione as causas que são levadas à análise do STF, pois as decisões emanadas por esse órgão jurisdicional, para alguns autores, devem ser consideradas verdadeiros bens públicos, ou seja, não se restringem às partes, gerando efeitos para toda a sociedade. Por isso, justifica-se que a repercussão geral realize um filtro e permita que somente as causas que transcendam os interesses das partes alcancem a jurisdição do Supremo Tribunal Federal.
Esses fatores apontam para a repercussão geral como um eficiente instrumento para promoção da racionalização e uma melhora na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. Corroborando tal afirmação estão as estatísticas da repercussão geral, que indicam uma diminuição de 64% dos processos recursais e de 58% do estoque de recursos em trâmite perante o STF. Resta evidente que, com um número menor de recursos ou com a possibilidade de que o julgamento de um deles afete os demais que possuam o mesmo objeto, o Supremo Tribunal Federal poderá exercer melhor sua função de guarda da Constituição.
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______ et al (coord.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005.
[1] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 559.
[2] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 11. ed. São Paulo: RT, 2010., p. 89.
[3] ALVES, José Carlos Moreira. Poder Judiciário. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 18, jan. 1997. p. 271.
[4] MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões relativas aos Recursos Especiais e Extraordinário. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 21.
[5] ASSIS, Araken. Manual dos Recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 686.
[6] Mattos de Peixoto foi um dos primeiros a criticar a “importação” do modelo norte americano: “Estas disposições, difusas e mal articuladas do dec. n. 848 (quão diversas das normas correspondentes, concisas e elegantes da Constituição do Governo Provisório, nas quase transparece o esmeril de Ruy Barbosa!) moldaram-se também pelo Judiciary Act, sem se levar em conta que as prescrições dessa lei, promulgada para um país onde os Estados federados legislam sobre direito substantivo, somente poderiam aplicar-se ao Brasil, se eles aqui tivessem igual competência, a menos que se quisesse erigir o Supremo Tribunal em instancia de revista, sempre que, interpretando a legislação federal, a justiça dos Estados decidisse contra o direito pleiteado pela parte com o apoio nessa legislação (PEIXOTO, 1935 apud DANTAS, 2009, p. 80).
[7] ALVES, José Carlos Moreira. Poder Judiciário. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 18, jan. 1997. p. 273.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 36.
[9] CRFB, art. 5º, LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
[10] ALVES, 2007, p. 274.
[11] TIMM, Luciano Benetti; TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. As recentes alterações legislativas sobre os recursos aos Tribunais Superiores: a repercussão geral e os processos repetitivos sob a ótica da law and economics. Revista de Processo, São Paulo, v. 178, dez. 2009. p. 162.
[12] NEGRÃO, 1974 apud MANCUSO, 2010, p. 68
[13] MANCUSO, 2010, p. 89.
[14] DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: Perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado e Questões processuais. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 256.
[15] VIANA, Ulisses Schwarz. Repercussão Geral sob a ótica da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 37.
[16] MANCUSO, 2010, p. 91.
[17] MANCUSO, 2010, p. 155.
[18] TIMM; TRINDADE, 2009, p. 156.
[19] CPC/2015, art. 927: “Os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (...) V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.
[20] CPC/2015, art. 85, §1°: “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”.
[21] ALVES, 1997, p. 33.
[22] Ibid., p. 34.
[23] MANCUSO, 2010, p. 80.
[24] José Miguel Garcia Medina sintetiza bem o insucesso das medidas descritas, quando expõe que “Procurou-se eliminar ou, pelo menos, amenizar o problema, com a criação de impedimentos ou óbices regimentais que determinassem a diminuição da quantidade de recursos extraordinários interpostos perante o Supremo Tribunal Federal. Tais tentativas, contudo, ou não lograram êxito, ou foram objeto de longas controvérsias, tendo sido substituídas por outra, adotada pela Constituição Federal de 1988: a criação de um novo Tribunal, chamado Superior Tribunal de Justiça, que passaria a abranger parte da competência outrora atribuída ao Supremo Tribunal Federal (MEDINA, 2009, p. 47).
[25] Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (coord.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005.
[26] CPC/2015, art. 1035, §1°: “O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.
[27] ALVIM, Arruda. Instituto da Repercussão Geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (coord.). Reforma do Judiciário: Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005. p. 73-74.
[28] VIANA, 2011, p. 43.
[29] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José da Cunha. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 8. ed. Bahia: JusPodivm, 2010. v. 3. p. 331.
[30] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento, 7. ed. São Paulo: RT, 2008. v. 1. p. 576.
[31] Para Arruda Alvim, a vagueza (ou “vaguidade”, como prefere o autor) é proposital: “a utilização da expressão repercussão geral, ainda que venha a ser objeto de disciplina por lei, está, em si mesma, carregada intencionalmente de vaguidade” (ALVIM, 2005, p. 73). Compartilham da mesma opinião Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (MARINONI; MITIDIERO, 2007, p.37).
[32] NETO, Luiz Orione. Recursos Cíveis. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 472.
[33] DANTAS, 2009, p. 287-288. Vale registrar, ainda, os comentários do doutrinador acerca do dispositivo: “[...] “segundo entendimento do legislador infraconstitucional estampado no dispositivo em análise, a mera divergência entre a decisão recorrida e a jurisprudência predominante é suficiente para causar impacto indireto em toda a sociedade brasileira, pois: i) ou a decisão recorrida está equivocada, e precisa ser ajustada ao entendimento prevalecente no STF; ou ii) houve substancial modificação no quadro fático e jurídico, ou mesmo alteração na compreensão e no convencimento dos ministros sobre o assunto, e é a jurisprudência do STF que merece ser alterada, para se ajustar ao novo cenário [...] Aqui, o que se observa é a preocupação do legislador com a segurança jurídica, a legalidade e a igualdade perante a lei. A opção política trazida pelo dispositivo teve o condão de retirar do STF o poder de eventualmente desconsiderar recursos extraordinário contrários à sua própria jurisprudência quando a questão constitucional neles versada for desprovida de impacto indireto sobre um largo segmento social”.
[34] ALVIM, 2005, p. 74.
[35] DANTAS, 2009, p. 237.
[36] ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 10. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 208.
[37] Ibid., p. 209.
[38] ENGISCH, loc. cit.
[39] DANTAS, 2009, p. 241.
[40] Ibid., p. 242.
[41] SILVA, 2009, p. 216.
[42] DANTAS, 2009, p. 240.
[43] CRFB, art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.
[44] DANTAS, op. cit., p. 241.
[45] Cabe registrar a opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso, pela qual é plenamente possível que questões locais ou regionais tenham repercussão geral: “O fato de a repercussão ter de ser geral não significa, necessariamente, que ela fique jungida aos temas de âmbito nacional, bastando observar, de uma lado, que os interesses metaindividuais (portanto, transcendentes!) compreendem não só danos repercutidos ao longo do território nacional, também, os danos de âmbito regional e local” (MANCUSO, 2009, p. 191).
[46] COLUCCI, Maria da Glória. Fundamentos da Teoria Geral do Processo. Curitiba: JM, 1999. p. 37.
[47] Veja-se a lição de Ulisses Schwarz Viana: “[...] propõe-se a viabilidade de identificação e de ocorrência de acoplamentos estruturais e de interpenetração do subsistema do direito com outros sistemas sociais parciais, por meio das decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas no campo funcional da repercussão geral da questão constitucional. A atuação do subsistema do direito, no campo da jurisdição constitucional, deve desenvolver-se dentro de um quadrocooperativo-comunicativo (acoplamentos) entre os subsistemas sociais que tenham valores comuns ou complementares (Luhmann, 1987a: 302), sejam eles econômicos, políticos ou sociais, aptos a apresentar repercussão geral em questões jurídico-constitucionais de interesse geral da sociedade brasileira” (VIANA, 2011, p. 150).
[48] WAMBIER; WAMBIER; MEDIDA, 2007, p. 245-247. Registre-se, aqui, alguns exemplos dados pelos doutrinadores das respectivas categorias de repercussão: “Relevância jurídica no sentido estrito existira, por exemplo, quando estivesse em jogo o conceito ou noção de um instituto básico do nosso direito, de molde a que aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente, como, por exemplo, a de direito adquirido [...] Relevância social haveria numa ação em que se discutissem problemas relativos à escola, à moradia ou mesmo à legitimidade do MP para a propositura de certas ações [...] Relevância econômico haveria em ações que discutissem, por exemplo, o sistema financeiro da habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais, como a telefonia, o saneamento básico, a infra-estrutura, etc. [...] Repercussão política haveria quando, por exemplo, de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais”.
[49] MANCUSO, 2009, p. 190.
[50] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Números da Repercussão Geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 14 jul. 2016.
[51] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 559.607/SC. Recorrente: União. Recorrido: Darioplast Indústria de Plásticos LTDA. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 26 de setembro de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/porta l/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+559607%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EPRCR%2E+ADJ2+559607%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao>. Acesso em: 26 jul. 2011.
[52] BRASIL, Supremo Tribunal Federal.. Recurso Extraordinário nº. 570.680/RS. Recorrente: Indústria de Peles Pampa LTDA. Recorrido: União. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 3 de abril de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP =AC&docID=526187>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[53] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 578.801/RS. Recorrente: Golden Cross Assistência Internacional de Saúde. Recorrido: Paulo Paes Vieira. Relatora: Min. Carmen Lúcia. Brasília, 16 de outubro de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pag inadorpub/paginador.jsp?d ocTP=AC&docID=558947>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[54] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 569.441/RS. Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Recorrido: Maiojama Participações LTDA. Relator: Min. Dias Toffoli. Brasília, 9 de dezembro de 2010. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=621106>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[55] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=536185>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[56] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 594.296/MG. Recorrente: Estado de Minas Gerais. Recorrido; Maria Ester Martins Dias. Relator: Menezes Direito. Brasília, 13 de novembro de 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=576053>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[57] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 791.811/SP. Recorrente: Antonio Sergio Baptista Advogados Associados S/C LTDA. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Min. Dias Toffoli. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=615439>. Acesso em: 2 ago. 2011.
[58] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 759.421/RJ. Recorrente: Giovanna Herdy Givisiez Battaglia, representada por sua mãe Rosimeire Herdy Givisiêz Battaglia. Recorrido: Nicho de Bichos LTDA. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, 10 de setembro de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID= 605825>. Acesso em: 11 ago. 2011.
[59] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº. 731.954/BA. Agravante: Walmir Araújo Clarindo. Agravado: Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A – EMBASA. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, 17 de setembro de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607176>. Acesso em: 11 ago. 2011.
[60] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 602.324/SC. Recorrente: União. Recorrido: Sociedade Beneficiente Lar da Fraternidade. Relatora: Min. Ellen Gracie. Brasília, 5 de novembro de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pagina dorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607060>. Acesso em: 11 ago. 2011.
[61] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 565.138/BA. Recorrente: Confederação Brasileira de Futebol – CBF. Recorrido: Carlos Alberto Santana Machado. Relator: Min. Menezes Direito. Brasília, 29 de novembro de 2007. Disponível em: <http://redir .stf.jus.br/paginadorpub/painador.jsp?docTP=AC&docID=499860>. Acesso em: 11 ago. 2011. Ressalte-se, que, nesse caso, o Min. Marco Aurélio considerou que a repercussão geral do tema residia no fato de “o precedente abrir margem a que determinado número de torcedores venham a entrar em juízo para reclamar indenização por dano moral presente a atuação de árbitro de futebol em certo jogo. É preciso que o Supremo sinalize o real alcance do inciso X do art. 5º da Constituição Federal, consoante o qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas [....]”.
[62] Corroborando o exposto: RE 566.198, RE 568.657-4/MS e RE nº. 570.690-7
[63] WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2007, p. 240.
[64] MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 962.
[65] VIANA, 2011, p. 45-46.
[66] DANTAS, 2009, p. 259
[67] SILVA, 1963, p. 3.
[68] Cálculo nosso.
[69] ASSIS, 2008, p. 707.
[70] Sobre o tema, relevante a lição de José Afonso da Silva: “É certo que o art. 102 diz que a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição. Mas não será fácil conciliar uma função típica de guarda dos valores constitucionais (pois, guardar a forma ou apenas tecnicamente é falsear a realidade constitucional) com sua função de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (base no critério de controle difuso), quando ocorrer uma das questões constitucionais enumeradas nas alienas do inc. III do art. 102, que o mantém como Tribunal de julgamento do caso concreto que sempre conduz à preferência pela decisão da lide, e não pelos valores da Constituição, como nossa história comprova. Não será, note-se bem, por culpa do Colendo Tribunal, se não vier a realizar-se plenamente como guardião da Constituição, mas do sistema que esta própria manteve, praticamente sem alteração, salvo a inconstitucionalidade por omissão e ampliação da legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade. Reduzir a competência do STF à matéria constitucional não constitui mudança alguma no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil” (SILVA, 2009, p. 559).
[71] TIMM; TRINDADE, 2009, p. 165.
[72] TIMM; TRINDADE, 2009, p. 166.
[73] É relevante registrar que os números retratados na tabela acima representam apenas o número de “Recurso Extraordinários” que ingressaram e que foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal, já que o setor de estatísticas do Tribunal passou a considerar a categoria “Recurso Extraordinário com Agravo” para fins de estatística tão somente em 2008. Se considerados esses números, confirma-se o ponto do presente trabalho de que a atividade do Pretório Excelso, hoje, é praticamente dirigida ao julgamento do apelo excepcional. Em 2014, por exemplo, considerando as duas categorias, dos 57.796 processos distribuídos, 48.113 deles eram recursos extraordinários. Foram julgados 80.183 processos dessa classe, o que corresponde a cerca de 80,9% dos julgamentos proferidos naquele ano pela Corte.
[74] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assessoria de Gestão Estratégica. Números da Repercussão Geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/port al/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 14 jul. 2016.
[75] FERRAZ, Taís Schilling, Repercussão Geral – Muito Mais Que Um Pressuposto de Admissibilidade. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário: Estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 104.
[76] WAMBIER, Luis Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. São Paulo: RT, 2007. v. 3. p. 241.
Formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), é especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura do Paraná. Atualmente exerce o cargo de Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BERTOLDI, Thyago de Pieri. A eficiência da repercussão geral como filtro recursal no recurso extraordinário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47049/a-eficiencia-da-repercussao-geral-como-filtro-recursal-no-recurso-extraordinario. Acesso em: 22 nov 2024.
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