RESUMO: O ordenamento jurídico brasileiro sofreu, desde a Constituição de 1824, inúmeras inovações no campo das inelegibilidades. A ampliação das hipóteses de inelegibilidade por parte do legislador, bem como através da interpretação constitucional, culminaram por emprestar uma força moralizante ao instituto e impedindo candidaturas de pessoas cujas condutas sejam incompatíveis com o livre exercício do mandato. Além de estabelecer parâmetros para a aplicação das inelegibilidades trazidas pela Lei Complementar nº 135/10, o TSE, e sobretudo o STF, validaram a aplicação da norma e laboraram para conferir maior racionalidade ao ordenamento constitucional, sempre em benefício da sociedade.
Palavras-chave: inelegibilidades; moralização da política; livre exercício do mandato; LC nº 135/10.
A) Introdução
Na lição de José Jairo Gomes, inelegibilidade pode ser conceituada como “o impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo. Em outros termos, trata-se de fator negativo cuja presença obstrui ou subtrai a capacidade eleitoral passiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exercer mandato representativo" (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 151).
De forma mais concisa, Rodrigo López Zilio conceitua inelegibilidade como sendo “o direito de ser eleito, ou, em sentido mais largo, de participar do processo eletivo, com vista a obter acesso a um mandato” (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3ª Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. P. 142).
Como se vê, a inelegibilidade configura um requisito negativo, ou seja, uma condição que um pretenso candidato não deve possuir para pleitear determinado mandato eletivo, diferenciando-se, assim, das condições de elegibilidade, assim consideradas como condições positivas que devem estar presentes para que um cidadão concorra em um certame eletivo.
Essa distinção é muito bem analisada pelo sempre lembrado José Jairo Gomes (op. cit. p. 152), quando ao distinguir inelegibilidade, inalistabilidade e condições de elegibilidade, assim leciona:
“A inalistabilidade expressa impedimentos relativos ao alistamento eleitoral, de sorte que a pessoa não pode inscrever-se eleitora, ficando tolhida sua capacidade eleitoral ativa. Já as condições de elegibilidade são requisitos positivos que o cidadão deve preencher para ser candidato a cargo eletivo; aqui encontra-se em jogo a capacidade eleitoral passiva, o jus honorum.”
De outro lado, o elemento nuclear da inelegibilidade, ou seja, seu traço distintivo como instituto jurídico, está adstrito a sua finalidade precípua, a qual, em regra, busca preservar a liberdade de voto e a legitimidade e normalidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, além de objetivar a proteção da probidade administrativa e a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato (art. 14, § 9º, da CF/88).
Nesse sentido, a doutrina costuma discorrer acerca de diversas classificações de inelegibilidades.
Em relação à abrangência da inelegibilidade, pode ser considerada relativa, quando direcionada para determinados cargos eletivos, ou absoluta, quando acarretam em impedimento para todo e qualquer cargo eletivo, sendo esse o caso das inelegibilidades do analfabeto, dos estrangeiros e dos conscritos (MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 726-727)
Por outro lado, a inelegibilidade pode ser considerada constitucional, quando expressamente prevista na Constituição Federal, ou infraconstitucional, caso em que o legislador complementar, valendo-se do permissivo do § 9º do art. 14 da CF/88, institui novas causas de inelegibilidade seguindo as diretrizes ali descritas.
Ademais, também pode ser direta, na hipótese de incidir sobre o próprio incurso em determinada circunstância, ou atingir terceiros que, a despeito de não incidirem em nenhuma causa de inelegibilidade, possuem certo vínculo com determinado sujeito e por tal razão são impedidos de pleitear mandatos eletivos (a exemplo da hipótese do art. 14, § 7º, da CF/88).
A delimitação do conceito de inelegibilidade e a evolução de sua aplicabilidade prática, sempre visando a atender aos cânones do art. 14, § 9º, da CF/88, é de importância ímpar para um melhor aprimoramento da democracia, sendo imperioso o estudo detalhado, o que é objeto do presente trabalho.
B) Evolução Histórica
A Constituição Imperial de 1824, cujo sistema eleitoral era baseado no voto censitário, estabelecia causas de inelegibilidade relativa e absoluta. As absolutas eram aquelas previstas nos arts. 92 a 95, incluindo critérios baseados na renda de cada pessoa, e até mesmo a hipótese de não professar a religião oficial, o que impedia qualquer cidadão de pleitear mandatos eletivos. De outra banda, o maior exemplo de inelegibilidade relativa era estabelecido pelo art. 11, incisos II e III, da Lei Saraiva (Decreto nº 3.029/1881), os quais determinavam o seguinte:
“Art.11 Não podem ser votados para Senador, Deputado á Assembléia Geral ou membro de Assembléa Legislativa Provincial:
(...)
II. Na Côrte e nas provincias em que exerceram autoridade ou jurisdicção:
Os Presidentes de provincia;
Os Bispos em suas dioceses;
Os commandantes de armas;
Os generaes em chefe de terra e mar;
Os chefes de estações navaes;
Os capitães de porto;
Os inspectores ou directores de Arsenaes;
Os inspectores de corpos do exercito;
Os commandantes de corpos militares e de policia;
Os secretarios de Governo Provincial e os secretarios de Polícia da Corte e Provincias;
Os inspectores Thesourarias de Fazenda geraes ou provinciaes, e os chefes de outras repartições de arrecadação;
Os inspectores ou directores de instrucção publica, e os lentes e derectores de faculdade ou outros estabelecimentos de instrucção superior;
Os inspectores das Alfandegas;
Os desembargadores;
Os juizes de direito;
Os juizes municipaes, de orphãos e os juizes substitutos;
Os chefes de Policia;
Os promotores publicos;
Os curadores geraes de orphãos;
Os desembargadores de relações ecclesiasticas;
Os vigarios capitulares;
Os governadores de bispado;
Os vigarios geraes, provisores e vigarios foraneos;
Os procuradores fiscaes, e os dos Feitos da Fazenda e seus ajudantes.
III. Nos districtos em que exercerem autoridade ou jurisdicção:
Os delegados e subdelegados de Polícia.”
A Carta de 1891, em relação à inelegibilidade absoluta, apenas previa a não-alistabilidade (art. 70, § 2º), o que reduziu sobremaneira as hipóteses anteriormente previstas. No caso das inelegibilidades relativas, inaugurou-se a categoria das inelegibilidades reflexas, ainda que apenas para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, conforme o disposto no art. 47, § 4º, nos seguintes termos:
“Art. 47 - O Presidente e o Vice-Presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação e maioria absoluta de votos.
(...)
§ 4º - São inelegíveis, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente os parentes consangüíneos e afins, nos 1º e 2º graus, do Presidente ou Vice-Presidente, que se achar em exercício no momento da eleição ou que o tenha deixado até seis meses antes.”
A Lei Maior de 1934 promoveu uma ampliação dos casos de inelegibilidades absoluta, conforme estabelecido no art. 112, tornando inelegíveis os Chefes do Ministério Público, os membros do Poder Judiciário, inclusive os membros da recém criada Justiça Eleitoral, a qual foi criada com o advento de um Código Eleitoral, mas constitucionalizada pela Constituição de 1934 (CÂNDIDO. Joel. Direito Eleitoral Brasileiro. 8ª Edição, São Paulo: Edipro, 2000, p.22).
Ademais, ampliou os casos de inelegibilidade relativa para o cargo de Presidente da República, conforme art. 52, § 6º, atingindo os parentes consanguíneos e afins até o terceiro grau do Presidente em exercício ou que não houvesse renunciada um ano antes da eleição.
A despeito da recém-promulgada Constituição de 1934, esta foi dotada de pouca eficácia prática, porquanto fora instaurado em 1937 o Estado Novo, no qual Getúlio Vargas extinguiu a Justiça Eleitoral e pôs sob prerrogativa da União a competência para legislar sobre Direito Eleitoral. Como, à época, outorgou-se ao Presidente da República o poder de legislar, por meio de Decretos-lei, sobre matérias da competência legislativa da União (art. 180 da CF/37), isso implicou na concentração do controle das eleições sob o crivo do Presidente da República. Manteve-se, ainda, uma única hipótese de inelegibilidade destinada exclusivamente aos não-alistáveis, permitindo, ademais, que oficiais das Forças Armadas, mesmo não-alistáveis, pudessem ser candidatos a cargos eletivos.
Após o fim do Estado Novo foi promulgado um novo Código Eleitoral em 1945. O diploma regulava casos de inelegibilidade relativa para o cargo de Presidente da República e autorizava a Justiça Eleitoral a organizar eleições. Nessa toada, a Constituição de 1946 repetiu a inelegibilidade dos não-alistáveis, incluindo os oficiais das Forças Armadas, inelegíveis no regime anterior.
Com o advento da Ditadura Militar e da Constituição de 1967, profundamente alterada pela Emenda Constitucional nº 1/69, houve uma grande alteração no sistema eleitoral, consagrando-se o bipartidarismo, além de uma série de mudanças em tema de inelegibilidades. A Lei Complementar nº 5/1970 instituiu vários casos de inelegibilidades absolutas e relativas, a qual em seu art. 1º, I, alínea “b”, estabeleceu uma causa de inelegibilidade absoluta destinada precipuamente àqueles que contrariassem o regime militar, o que impedia a candidatura de cidadãos imbuídos do espírito democrático tão temido pelos militares.
Com o fim da Ditadura Militar e o advento da Constituição Federal de 1988, cujo espírito e influências democráticas são indiscutíveis, houve uma nova regulamentação no campo das inelegibilidades, conforme previsto no art. 14 da Lei Maior, além do permissivo de seu § 9º, autorizando a fixação de novas causas de inelegibilidade através de lei complementar, sendo tais causas regulamentadas pela Lei Complementar nº 64/1990, a qual fora profundamente alterada pela Lei Complementar nº 135/2010, também conhecida como Lei da Ficha Limpa.
C) Inelegibilidade na Constituição de 1988 e inelegibilidade como sanção
Nessa toada, a atual carta magna estabelece diversas hipóteses de inelegibilidades em seu art. 14.
Segundo o art. 14, § 4º CF/88, são considerados inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Em que pese haver referência ao fato de serem considerados inelegíveis os inalistáveis, a doutrina costuma afirmar que não se trata verdadeiramente de causa de inelegibilidade, mas sim de condição de elegibilidade.
Sobre o tema, veja-se a lição de José Jairo Gomes (op. cit. p. 158), nos seguintes termos:
“Impende registrar a falta de técnica da Constituição ao erigir o transcrito § 4º, pelo qual são “inelegíveis os inalistáveis”. Inalistáveis são os estrangeiros e, durante o período de serviço militar obrigatório, os conscritos (CF, art. 14, § 2º). É assente que o alistamento eleitoral condiciona a própria cidadania. Enquanto o inalistável não apresenta capacidade eleitoral ativa nem passiva, o inelegível encontra-se privado da segunda. Assim, a tautológica dicção constitucional afirma ser inelegível aquele que, por ser inalistável, já não o seria de qualquer forma. Assera, em outros termos, ser inelegível o inelegível”.
Do mesmo modo é o entendimento exposto pelo Min. Sepúlveda Pertence, quando em voto proferido no julgamento da ADI nº 1.063, salientou “a impropriedade terminológica, no art. 14, § 4º, de chamar ‘inelegibilidade’ a alistabilidade e a alfabetização do eleitor, quando a alfabetização, à luz da distinção conceitual, seria claramente uma condição de elegibilidade, e a alistabilidade é menos que isso: é um pré-requisito de uma condição de elegibilidade que é o alistamento”.
No ponto, insta salientar que considerar o analfabeto como inelegível constitui iniciativa bastante adequada do Constituinte de 1988, porquanto seria deveras temerário admitir a possibilidade de um cidadão que não possui um nível mínimo de escolaridade assuma um relevante mandato eletivo, pois o fato é que, para a independência no exercício do mandato, o eleito deve possuir, quando menos, conhecimentos mínimos do vernáculo para enfrentar toda a burocracia estatal diária e as incumbências do mister para o qual fora eleito. Diversa seria a hipótese de exigir-se dos candidatos elevados níveis de escolaridade, situação que culminaria no alijamento de boa parte da população do cenário democrático.
Sobre o tema, entende o TSE que a aferição da alfabetização pode ser efetuada a partir de declaração do próprio punho preenchida na presença de juiz eleitoral ou serventuário da justiça, como assentado no recente julgamento do AgR-REspe nº 12.767, de relatoria da Min. Luciana Lóssio e julgado em 13 de novembro de 2012. Ademais, como defendido pela Min. Nancy Andrighi nos autos do AgR-REspe nº 17.903 de 4 de dezembro de 2012, “o fato de o candidato ter participado de eleições anteriores não gera presunção da sua condição de alfabetizado”. Na mesma toada, também se admite a realização de exame pela Justiça Eleitoral para aferir a condição de alfabetizado, pois “o teste de alfabetização, aplicado pela Justiça Eleitoral, visa à verificação da não-incidência da inelegibilidade, a que se refere o art. 14, § 4º, da Carta Magna, constituindo-se em instrumento legítimo”, como sustentado pelo Min. Marcelo Ribeiro no REspe nº 30.465 de 24 de setembro de 2008.
De outro modo, o art. 14, § 5º da CF, estabelece o seguinte, in verbis:
“Art. 14. (...)
§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”.
Conforme o supracitado dispositivo estabelece-se uma inelegibilidade devido ao anterior exercício dos mandatos de Presidente, Governador e Prefeito, salvo a hipótese de uma única de reeleição, numa clara tentativa de impedir a perpetuação de cidadãos no poder. Caso contrário, haveria uma clarividente deturpação do sentido emprestado ao princípio republicano, o qual reclama uma alternância no Poder como elemento central da democracia (sobre as características do republicanismo: SOUZA NETO, Cláudio; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 216-219).
A dita inelegibilidade atinge também os que houverem substituídos ou sucedido os titulares dos cargos de chefe do Poder Executivo. Frise-se que na anterior redação da Constituição Federal, não havia a previsão de reeleição, sendo essa hipótese inaugurada pela Emenda Constitucional nº 16/97, situação permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso para o cargo de Presidente da República. O permissivo foi questionado no âmbito do STF pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.805/DF e, embora a medida acauteladora tenha sido indeferida ainda no ano de 1998, o mérito ainda pende de julgamento definitivo.
No mesmo sentido, bastante interessante o posicionamento do TSE, de que é exemplo o caso do AgR-REspe nº 4.198.006, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, de 27 de outubro de 2010, ao vedar a prática do chamado “prefeito itinerante”, conforme seguinte ementa:
“Recurso contra expedição de diploma. Mudança de domicílio eleitoral. ‘prefeito itinerante’. Exercício consecutivo de mais de dois mandatos de chefia do executivo em municípios diferentes. Impossibilidade. Violação ao art. 14, § 5º da Constituição Federal. [...]. 2. A partir do julgamento do Recurso Especial nº 32.507/AL, em 17.12.2008, esta c. Corte deu nova interpretação ao art. 14, § 5º, da Constituição Federal, passando a entender que, no Brasil, qualquer Chefe de Poder Executivo - Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito Municipal - somente pode exercer dois mandatos consecutivos nesse cargo. Assim, concluiu que não é possível o exercício de terceiro mandato subsequente para o cargo de prefeito, ainda que em município diverso. 3. A faculdade de transferência de domicílio eleitoral não pode ser utilizada para fraudar a vedação contida no art. 14, § 5º, da Constituição Federal, de forma a permitir que prefeitos concorram sucessivamente e ilimitadamente ao mesmo cargo em diferentes municípios, criando a figura do ‘prefeito profissional’. 4. A nova interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição Federal adotada pelo e. TSE no julgamento dos Recursos Especiais nos 32.507/AL e 32.539/AL em 2008 é a que deve prevalecer, tendo em vista a observância ao princípio republicano, fundado nas ideias de eletividade, temporariedade e responsabilidade dos governantes. 5. Agravos regimentais não providos.”
O entendimento é bastante louvável e foi corroborado pelo STF, no julgamento do RE nº 637.485/RJ, à frente o Min. Gilmar Mendes, pois configuraria uma burla ao sistema eleitoral e indicaria uma tentativa de perpetuação no poder incompatível com o princípio republicano, como já salientado.
De outra banda, o art. 14, § 6º, da CF/88, estabelece o seguinte:
“§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.”
Assim, os titulares do cargo de Presidente, Governador e Prefeito, caso queiram concorrer a outros mandatos eletivos, devem renunciar aos respectivos mandatos até 06 (seis) meses antes do pleito eleitoral, não incidindo o prazo de desincompatibilização para a hipótese de buscarem a reeleição, o que, a despeito das condutas vedadas a agentes públicos previstas no art. 73 da Lei nº 9.504/97, infelizmente torna bastante elevada a influência da máquina pública durante as campanhas eleitorais, sobretudo através da utilização abusiva de posições públicas em prol de determinadas candidaturas.
A hipótese do art. 14, § 7º, da CF/88, consagra uma inelegibilidade reflexa, como se vê do dispositivo abaixo transcrito:
“§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
Analisando-se literalmente o dispositivo supracitado, poder-se-ia concluir que a inelegibilidade atinge tão-somente o cônjuge e os parentes consanguíneos e afins até o segundo grau. No entanto, o TSE estende tal previsão para além dos ditames expressos na Constituição Federal, em tudo se adequando à finalidade da norma, razão pela qual atinge os casos de união estável e também concubinato, pois, nas palavras do Min. Felix Fischer no bojo do REspe nº 22.784 de 05 de maio de 2008,“a convivência marital, seja união estável ou concubinato, gera inelegibilidade reflexa em função de parentesco por afinidade”. Ademais, mesmo antes do STF equipar a união homoafetiva à hipótese de união estável, conforme julgamento da ADPF 132/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, o TSE também estendia a inelegibilidade reflexa aos casos de união homoafetiva, conforme se extrai no caso do REspe nº 24.564 de 01 de outubro de 2004, à frente o Min. Gilmar Mendes.
Em casos assim, a inelegibilidade atinge apenas os cargos do mesmo território de circunscrição do titular da chefia do Executivo, admitindo-se que o parente possa se candidatar em outras circunscrições. Perceba-se, todavia, que os atingidos pela inelegibilidade por força de vínculo com o Presidente da República não poderão disputar eleições em qualquer nível, pois sua circunscrição atinge todo o território nacional. Frise-se que a presente hipótese não alcança os titulares de mandatos eletivos que intentem reeleição, por expressa previsão da Constituição Federal.
No ponto, também é imprescindível citar o Enunciado nº 18 da Súmula Vinculante do STF ao dispor que "a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal”, muito embora tenha realizado distinção quanto à hipótese de extinção do vínculo conjugal pela morte de um dos cônjuges, conforme RE nº 758.461/PB, Rel. Min. Teori Zavascki.
Por fim, o art. 14, § 9º prevê o seguinte:
“§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Com base no permissivo constitucional supracitado, foi promulgada a Lei Complementar nº 64/1990, que prescrevia algumas causas de inelegibilidade, ainda que restritas, a qual foi alterada pela Lei Complementar nº 135/2010, diploma fruto de iniciativa popular.
Muitas das hipóteses do referido diploma infraconstitucional podem ser classificadas como verdadeiras espécies de inelegibilidade-sanção, as quais derivam da prática de condutas não-compatíveis com o exercício de mandatos eletivos. Tal espécie diferencia-se das chamadas inelegibilidades inatas, pois estas últimas derivam de estados pessoais ou circunstanciais de determinadas pessoas, ao passo que aquelas são oriundas de atos ilícitos devidamente sancionados pelo ordenamento jurídico.
Como leciona o sempre lembrado José Jairo Gomes (op. cit. p. 153/156):
“Toda inelegibilidade apresenta uma causa específica. Enquanto algumas são consequência de sanção, outras se fundam na mera situação jurídica em que o cidadão se encontra, situação essa que pode decorrer de seu status profissional ou familiar. Exemplo do primeiro caso é dado pelo inciso CIV do art. 22 da LC nº 64/90, em que ao agente é imposta a sanção de inelegibilidade como consequência da prática de abuso de poder
(...)
A inelegibilidade-sanção ou cominada decorre da prática de certas ações vedadas pelo ordenamento jurídico; a conduta ilícita é também sancionada como inelegibilidade”.
São previstas na Lei Complementar nº 64/90 (com as devidas alterações preconizadas pela Lei Complementar nº 135/2010) causas de inelegibilidade absolutas (art. 1º, I e alíneas) como inelegibilidades relativas (demais hipóteses do mesmo art. 1º e outros dispositivos).
D) Inelegibilidades na Lei Complementar nº 64/90 e inovações da Lei Complementar nº 135/2010
A Lei complementar nº 135/2010, uma das primeiras leis de iniciativa popular a serem promulgadas no Brasil e que ficou rotulada como Lei da Ficha Limpa, promoveu uma série de alterações na Lei Complementar nº 64/90, a qual era o único diploma infraconstitucional a dar aplicabilidade ao art. 14, § 9º da CF/88.
A primeira grande mudança refere-se aos prazos de inelegibilidade. Isso porque, na sistemática da Lei Complementar nº 64/90, não havia uma padronização entre o lapso temporal de duração da sanção de inelegibilidade, o qual variava de 03 (três) a 08 (oito) anos, a depender da conduta praticada pelo agente. Na lógica atual, houve uma padronização da duração da sanção de inelegibilidade, agora com duração de 08 (oito) anos.
A única ressalva se dá quanto ao início da contagem do referido prazo, porquanto o dies a quo é variável. Exemplo disso é o caso da inelegibilidade decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, quando o início do prazo para a contagem da inelegibilidade se dá a partir do cumprimento da pena, sendo certo que durante a execução penal o condenado estará privado dos direitos políticos e, portanto, inelegível, por força do art. 15, III da CF/88.
Outra grande inovação foi a possibilidade da inelegibilidade decorrer não apenas com o transito em julgado de determinadas ações judiciais. Permite-se, agora, a incidência de causas de inelegibilidade quando houver decisão proferida por órgão colegiado, inovação esta introduzida no art. 1º, I, alíneas “d”, “e”, “h”, “j”, “l”, “n” e “p”, da Lei Complementar nº 64/90, o que trouxe grandes discussões acerca da violação do princípio da presunção de inocência no STF. O tema, dada sua relevância, será abordado em tópico específico, sendo apenas imperioso ressaltar o efeito moralizador da previsão, porquanto, como se sabe, o inexorável lapso temporal para atingir o trânsito em julgado, na atualidade, repassava um grande sentimento de impunidade para a sociedade.
Da mesma forma, foi ampliado o rol de crimes que acarretam a inelegibilidade, acrescentando-se ao rol taxativo os crimes contra o patrimônio privado, o mercado de capitais e os falimentares (art. 1º, I, alínea “e”, número 2), crimes de racismo; tortura; terrorismo; hediondos (art. 1º, I, alínea “e”, número 7); crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (art. 1º, I, alínea “e”, número 6); crime de redução à condição análoga a de escravo (art. 1º, I, alínea “e”, número 8); crimes contra a vida e a dignidade sexual (art. 1º, I, alínea “e”, número 9); crimes praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando (art. 1º, I, alínea “e”, número 10), além dos crimes contra o meio ambiente e a saúde pública (art. 1º, I, alínea “e”, número 3).
Como a previsão de inelegibilidade decorrente de decisão proferida por órgão colegiado poderia sujeitar-se à nunca afastável possibilidade de reversão, inseriu-se, do mesmo modo, a possibilidade concessão de efeito suspensivo ao recurso cabível contra a decisão que a decretar, conforme previsão do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/90. Desta feita, o órgão colegiado ao qual couber apreciar o recurso poderá conferir efeito suspensivo à decisão, desde que assim o requeira a parte interessada e haja plausibilidade na pretensão recursal, sob pena de preclusão.
Por outro lado, buscou-se limitar os casos de inelegibilidade decorrente de ato de improbidade administrativa, nos moldes do art. 1º, I, alínea “l”. Isso porque, no dispositivo legal apenas há a previsão de inelegibilidade decorrente de ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, ao passo que o art. 15, V, c/c art. 37, § 4º, ambos da Constituição Federal, não distinguem em que hipóteses os atos de improbidade administrativa acarreta na suspensão dos direitos políticos.
É que, como se sabe, é cediço o entendimento de que a Lei nº 8.429/92 tipifica em seus arts. 9º (atos que importam enriquecimento ilícito do agente), 10 (atos que causem prejuízo ao erário) e 11 (atos que atentam contra os princípios da Administração Pública), como atos de improbidade administrativa, prevendo para todos a modalidade dolosa e apenas para os casos do art. 10 a modalidade culposa. Assim, uma vez restringindo a inelegibilidade aos atos dolosos que impliquem em enriquecimento ilícito do agente ou que cause dano ao erário, não albergou a Lei da Ficha Limpa a hipótese de atos ímprobos que atentem contra os princípios da administração pública, fazendo uma restrição onde o constituinte não o fez, razão pela qual afigura-se, em certo ponto, uma incompatibilidade do dispositivo com a Constituição Federal.
Todavia, em relação aos atos culposos que causam dano ao erário, andou bem o legislador, pois, em casos assim, não há uma intenção do agente em praticar determinada conduta, apenas faltando com o dever de cuidado, sendo desproporcional cominar a sanção de inelegibilidade para tais hipóteses, ressalva essa também preconizada em relação aos crimes culposos, nos termos do art. 1º, § 4º da Lei Complementar nº 64/90. Desse modo, se um crime culposo não acarreta hipótese de inelegibilidade, tampouco poderia um ato de improbidade culposo importar a incidência da sanção.
Outra grande inovação ocorreu no caso do art. 1º, inciso I, alínea “k” da LC nº 64/90. Segundo o dispositivo, a renúncia ao mandato eletivo, nos casos em que houver representação ou petição capaz de autorizar processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, Constituição Estadual ou Lei Orgânica, poderá implicar em inelegibilidade, previsão que em tudo visa a acabar com os frequentes casos em que parlamentares renunciavam ao mandato quando do surgimento de notícias de condutas reprováveis sem que houvesse sanção para tanto. Vale salientar, ainda, que a previsão é inteiramente compatível com o disposto no art. 55, § 4º, da Constituição Federal, ao dispor que “A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º”.
Inseriu-se, na mesma toada, a hipótese de inelegibilidade decorrente de decisão sancionatória proferida por órgão profissional competente (v.g. OAB, CFM e etc.), decisão essa sempre sujeita a apreciação do Poder Judiciário, conforme disposto no art. 1º, inciso I, alínea “m” da Lei Complementar nº 64/90.
Por fim, também foram acrescentadas as inelegibilidades aplicáveis àqueles que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo judicial ou administrativo (art. 1º, inciso I, alínea “o”), as pessoas físicas e jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais (art. 1º, inciso I, alínea “p”), além da inelegibilidade dos magistrados e dos membros do MP que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar (art. 1º, I, alínea “q”).
No mais, foram mantidas as demais espécies de inelegibilidade, apenas unificando o prazo de duração em 08 (oito) anos, como já anteriormente salientado.
E) Principais questões decorrentes da Lei Complementar nº 135/2010
Inconformados com as grandes mudanças moralizadoras do sistema eleitoral, diversos segmentos ajuizaram demandas no Supremo Tribunal Federal, de modo a questionar a compatibilidade da Lei da Ficha Limpa com os ditames da Constituição Federal, o que culminou no famoso julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29/DF e nº 30/DF, além da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/DF, todas de relatoria do Min. Luiz Fux.
No referido julgamento foram analisadas diversas questões relativas à Lei Complementar nº 135/2010, ganhando relevo, para os fins do presente trabalho as seguintes questões: i) sua aplicabilidade para fatos anteriores a sua publicação; ii) aplicabilidade ao mesmo ano em que entrou em vigor e compatibilidade com o art.16 da CF/88; iii) constitucionalidade das novas causas de inelegibilidade; iv) ampliação dos prazos de inelegibilidade; v) atuação dos Tribunais de Contas; e vi) inelegibilidades e limites da presunção de inocência.
Devido à relevância das questões, sua análise deve-se dar de maneira pormenorizada.
E.1) Retroatividade das disposições da Lei Complementar nº 135/2010
O Min. Luiz Fux, em voto proferido naquele julgamento conjunto das ADC’s nº 29 e 30 e da ADI nº 4.578, após abordar a questão da admissibilidade da via do controle concentrado, abordou a aplicabilidade das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 135/2010 a fatos anteriores a sua promulgação.
Defendeu o Ministro, no que foi acompanhado pela maioria de seus pares, que não haveria qualquer óbice à aplicação das alterações aos fatos anteriores, pois, como bem salientou, deveria ser feita uma distinção entre retrospectividade e retroatividade mínima, porquanto “nesta são alteradas, por lei, as consequências jurídicas de fatos ocorridos anteriormente – consequências estas certas e previsíveis ao tempo da ocorrência do fato –, naquela a lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente”, sendo certo que a retrospectividade não seria incompatível com a Constituição Federal, haja vista que o mesmo STF admitiu tal possibilidade no caso do julgamento da ADI nº 3.105 e ADI nº 3.128, quando o STF, versando sobre as alterações da Emenda Constitucional nº41/2003, chancelou os diversos regimes previdenciários atribuídos aos servidores, a depender da data de ingresso no serviço público.
Ademais, também seria o caso de frisar, na linha defendida pelo Min. Fux, que não há direto adquirido à candidatura, mas sim uma adequação de determinado sujeito às ‘regras do jogo’, ou seja, ao regime jurídico estabelecido pela Constituição e pelas Leis Complementares para que possa concorrer a determinado cargo eletivo, razão pela qual não haveria qualquer violação ao art. 5º, XXXVI da CF. Como bem salientou o Min. Fux:
“Em outras palavras, a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, consubstanciada no não preenchimento de requisitos “negativos” (as inelegibilidades)”.
De outra banda, também seria o caso de enfatizar o exposto pela Min. Carmem Lúcia, no sentido de que, ao fazer menção à vida pregressa do candidato, a Carta Magna autoriza a análise de fatos anteriores, lição essa que, de fundo não apenas jurídico, mas também sociológico, bem explica o entendimento:
“Sobre a aplicação da norma a fatos pretéritos há de se enfatizar que o que se passa na vida de alguém não se desapega de sua história e é este ser inteiro que se propõe a ser representante dos cidadãos, pelo que a vida pregressa compõe a persona que se oferece ao eleitor e o seu conhecimento é de interesse público para se chegar à conclusão quanto à sua aptidão moral para a representação por ele pretendida.
Portanto, não se cuida, aqui, de insistir-se que o que passou acabou e não pode tolher alguém em se oferecer à representação popular.
Afirma a Constituição que pode e assim é e deve ser: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger...a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato...”.
A despeito dos entendimentos contrários do Min. Gilmar Mendes e do Min. Celso de Mello, ambos no sentido de que, por tratar-se de inelegibilidade-sanção, haveria a hipótese de cominação de uma sanção superveniente a um fato praticado antes da edição da lei, violando-se o princípio da irretroatividade das leis, a tese vencedora foi a de que as alterações oferecidas pela Lei Complementar nº 135/2010 podem ser aplicadas a fatos anteriores.
E.2) Constitucionalidade das novas causas de inelegibilidade
Quanto à constitucionalidade das novas causas de inelegibilidades, o entendimento vencedor foi o de que não haveria, na hipótese, qualquer espécie de inconstitucionalidade.
Primeiramente, salientou-se que a Constituição Federal, com base no permissivo do art. 14, § 9º, autoriza a Lei Complementar estabelecer novas causas de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, além da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Ademais, concluiu-se que o direito de ser candidato não era absoluto e, considerado como tal, poderia ser restringido com base em outros postulados constitucionais, além de, num juízo de ponderação, ser possível restringir o jus honorum (direito de ser votado), com base em diretrizes outras, a exemplo da probidade administrativa e do princípio democrático.
Os seguintes trechos da ementa do julgado bem esclarecem a questão, nas passagens a seguir:
“5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.
6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.
8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.
9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal”.
Insta salientar, de outro modo, que em respeito ao princípio da isonomia, nos casos de inelegibilidade decorrente de decisão proferida por órgão colegiado, decidiu-se que o tempo de inelegibilidade aplicado entre a decisão do órgão colegiado e o transito em julgado seria abatido do tempo da inelegibilidade após o transito em julgado, para que não houvesse dupla sanção por um mesmo fato. Aplicou-se à hipótese a lógica da detração.
E.3) Inelegibilidade e Processo Eleitoral: discussão e posicionamento do STF
De outro lado, entendeu o STF que as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 135/2010 não poderiam ser aplicadas ao pleito eleitoral realizado no mesmo ano de sua publicação, sem que houvesse ofensa ao art. 16 da CF, segundo o qual: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, como já havia sido decidido pelo mesmo Pretório Excelso no julgamento do RE nº 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes.
No entanto, em primoroso voto acerca do tema, a Min. Carmem Lúcia expressou grandes lições acerca do que se poderia compreender por processo eleitoral. Segundo a Ministra, a qual se baseou no julgamento da ADI nº 3.345, de relatoria do Min. Celso de Mello, “ele tem início na fase das convenções partidárias para a escolha de candidaturas (fase pré-eleitoral), atravessa a campanha e as eleições propriamente ditas, concluindo-se com a diplomação dos candidatos eleitos e de seus suplentes (fase pós-eleitoral). Esse elemento objetivo de interpretação afigura-se decisivo para o deslinde da atual controvérsia”.
Nesse sentido, entendeu a Ministra que as alterações poderiam ser aplicadas ao pleito eleitoral de 2010, pois o processo eleitoral não havia sequer iniciado. Cumpre, desta feita, transcrever as lições proferidas pela il. Magistrada, nos seguintes termos:
“A jurisprudência deste Supremo Tribunal e a doutrina constitucional estão conformes em que, não demonstrando de que modo a Lei complementar n. 135 provocaria danos para a igualdade de oportunidades entre os candidatos, ou deformações capazes de afetar a normalidade das eleições, ou ainda, como representaria manobra casuística que viesse a favorecer este ou aquele candidato, partido ou coligação em disputa, não se há cogitar de norma nova provocadora de alteração do processo eleitoral.
Como penso ter demonstrado nas premissas até aqui afirmadas, a jurisprudência desta Casa consagrou o entendimento de que a incidência do art. 16 não é automática, ou seja, não alcança toda e qualquer lei que trate de eleições e que entre em vigor no mesmo ano de realização destas, considerando-se, de toda sorte, não o calendário civil, mas o calendário constitucional, a saber, um ano contado retroativamente à data da eleição.
Tenho, portanto, que essa jurisprudência é perfeitamente ajustável ao caso ora em exame, ou seja, a Lei Complementar n. 135, de 7.6.2010, não agrediu, antes cumpriu as finalidades éticas resguardadas pelo art. 16 quando promoveu geral, ampla e isonômica alteração relativamente apenas aos casos de inelegibilidades.
(...)
Há legislação complementar sobre inelegibilidades a iniciar a sua vigência e aplicação em ano eleitoral, mas antes da fase de convenções para escolha de candidatos, e, consequentemente, antes do período legal para apresentação e julgamento dos pedidos de registro de candidaturas.
Patente, assim, que a Lei Complementar n. 135/2010 não alterou o processo eleitoral em sentido estrito, ou seja, aquele resguardado de mudanças casuísticas pelo art. 16 da Constituição. E não o fez pelo simples fato de que o processo eleitoral ainda não havia sequer começado quando da entrada em vigor da Lei Complementar n. 135, tendo sido ela promulgada em 7.6.2010.
Ainda que fosse possível admitir definição ampliada do que venha a ser o processo eleitoral, a compreender também suas fases preparatórias, como a fixação do domicílio eleitoral ou mesmo a filiação partidária, a serem estabelecidos pelos pretensos candidatos com pelo menos um ano de antecedência da data das eleições, não seria possível desconsiderar o sentido estrito de processo eleitoral definido por este Supremo Tribunal em processo de controle concentrado de constitucionalidade (ADIn n.3345).”
Em que pese as primorosas lições da Min. Cármem Lúcia, o entendimento contrário foi o prevalente, não havendo sido a Lei Complementar nº 135/2010 aplicada ao pleito do mesmo ano.
E.4) Ampliação dos prazos de inelegibilidade
Outra questão muito debatida pelo Plenário do STF foi a ampliação dos prazos de inelegibilidade, os quais foram reputados excessivos por parte dos requerentes, o que violaria o princípio da razoabilidade.
Todavia, entendeu-se que os prazos anteriores, muitas vezes inferiores aos prazos dos mandatos eletivos (alguns eram de cinco e até mesmo três anos, inferiores, portanto, ao lapso dos mandatos de Senador e Deputado Federal), bastante inócuos, pois na eleição subsequente poderia o cidadão tido como inelegível pleitear nova candidatura.
Assim, não fora vislumbrado qualquer excesso na ampliação dos prazos, conforme bem salientou o Min. Ricardo Lewandovski, ao salientar que:
“Considerando tratar-se de uma opção legislativa, de iniciativa popular, aprovada por ampla maioria congressual e sancionada, sem ressalvas, pelo Chefe do Poder Executivo, entendo que não seria lícito ao julgador aplicar, de forma discricionária, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade para restringir o âmbito de incidência da norma, pois tal equivaleria a permitir que este se substituísse ao legislador, em clara violação do princípio constitucional da separação dos poderes, salvo, evidentemente, em face de flagrante teratologia, o que, a toda evidência, não ocorre na espécie.
Ressalto, por fim, que não há falar em critério desproporcional na fixação de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, uma vez que esse tempo, a meu ver, é o mínimo que o legislador poderia ter estabelecido. Isso porque o prazo de 8 (oito) anos coincide: i) com o mandato de Senador da República; ii) com o tempo em que o Chefe do Executivo pode permanecer no poder, contando com a reeleição; e iii) com a “inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública” como consequência de impeachment, prevista no art. 52, parágrafo único, da Constituição.
Na redação anterior do art. 1º, I, da Lei de Inelegibilidades, as alíneas b, c, d, e, e h estabeleciam o prazo de 3 (três) anos de inelegibilidade, a alínea f, fixava 4 (quatro) anos, e a alínea g, previa 5 (cinco) anos.
Entretanto, na realidade, esses prazos eram praticamente inócuos. Isso porque o estado de inelegibilidade, na maioria dos casos, cessava antes mesmo do término do mandato.
(...)
Por essas razões, o legislador complementar procurou superar a falta de efetividade dos citados dispositivos, uniformizando, por meio da “Lei da Ficha Limpa”, o prazo de inelegibilidades para 8 (oito) anos nas alíneas b, c, d, e, f, g, h, j, k, l, m, n, o, p e q do inc. I do art. 1º da LC 64/90, garantindo, assim, o mínimo de eficácia normativa aos valores constitucionais protegidos pela norma, em clara homenagem aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da isonomia.”
Desta feita, entendeu-se que a ampliação dos prazos de inelegibilidade não violaria a constituição Federal, haja vista que efetuada dentro dos patamares da proporcionalidade e razoabilidade.
E.5) Atuação dos Tribunais de Contas
As Cortes de Contas, cujas funções precípuas são estabelecidas pelos arts. 70 a 75 da Constituição Federal, realizam importante papel de fiscalização e julgamento das contas de gestores públicos, sendo atuação bastante técnica e voltada precipuamente ao o descontrole no dispêndio de verbas públicas.
A importância dos Tribunais de Contas na estrutura do Estado Brasileiro é muito bem apontada por Carlos Ayres Britto que, após enfatizar a desvinculação do Tribunal de Contas da União da estrutura do Congresso Nacional e sua ampla independência no controle das contas públicas, salienta que:
“Tão elevado o prestígio conferido ao controle externo e a quem dele mais se ocupa, funcionalmente, é reflexo direto do princípio republicano. Pois, numa República, impõe-se responsabilidade jurídica pessoal a todo aquele que tenha por competência (e consequente dever) cuidar de tudo que é de todos, assim do prisma da decisão como do prisma da gestão. E tal responsabilidade implica o compromisso da melhor decisão e da melhor administração possíveis. Donde a exposição de todos eles (os que decidem sobre a “res publica” e os que a gerenciam) à comprovação do estrito cumprimento dos princípios constitucionais e preceitos legais que lhes sejam especificamente exigidos.” (BRITTO, Carlos Ayres. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.I, nº 9, dezembro 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 10/05/2016)
No tocante às inelegibilidades, a atuação dos Tribunais de Contas possuíam importante relevo, principalmente em relação à causa de inelegibilidade prevista na redação original do art. 1º, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar nº 64/90.
É de se dizer isso, porquanto na redação do supracitado dispositivo, seriam inelegíveis “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão”.
Nessa toada, era suficiente que os Tribunais de Contas rejeitassem as contas de determinados detentores de cargos ou funções públicas por regularidade insanável, o que ocorria nas hipóteses do art. 16, inciso III, alíneas “a”, “b”, “c”, e “d”, da Lei nº 8.443/92, nos seguintes termos:
“Art. 16. As contas serão julgadas:
(...)
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos”
Assim, a decisão proferida pelas Cortes de Contas, em tais hipóteses, ensejaria a incidência da referida inelegibilidade, a menos que houvesse questionamento judicial sobre a suspensão da inelegibilidade. Frise-se que, num primeiro momento, entendia o TSE que a mera propositura de ação judicial para questionar a inelegibilidade seria suficiente para suspendê-la, o que culminou com a edição do enunciado sumular nº 1, segundo o qual “proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar nº 64-90, Art. 1º, I, g)”. Todavia, o entendimento foi posteriormente alterado para exigir um pronunciamento judicial, quando menos em sede de tutela antecipada, para que houvesse a suspensão da inelegibilidade, conforme se extrai, dentre outros, do julgamento do julgamento do AgR-REspe nº 32.039, rel. Min. Eros Grau, de 18 de dezembro de 2008.
A despeito disso, a alteração promovida pela Lei Complementar nº 135/2010, a qual condicionou a incidência dessa hipótese de inelegibilidade à existência de ato doloso de improbidade administrativa, poderia ser considerada, num primeiro momento, como um certo retrocesso.
Isso porque, ao exigir a prática de ato doloso de improbidade administrativa para a incidência da inelegibilidade, a nova lei terminou por exigir das Cortes de Contas a aferição de que a rejeição das contas por irregularidade insanáveis sejam oriundas de atos ímprobos dolosos, o que extrapola as atribuições dos Tribunais de Contas, porquanto a aferição da existência de ato doloso de improbidade administrativa é função precípua do Poder Judiciário. Assim, poder-se-ia afirmar que, além da rejeição das contas, seria necessário um pronunciamento da Justiça Comum sobre o tema.
No entanto, tal entendimento não merece prosperar, sendo bastante transcrever as lições do sempre lembrado José Jairo Gomes (op. cit. p. 187), quando primorosamente salienta que:
“Além de insanável, a caracterização da inelegibilidade em apreço ainda requer que a irregularidade “configure ato doloso de improbidade administrativa”. Vale frisar não ser exigida a condenação do agente por ato de improbidade administrativa, tampouco que haja ação de improbidade em curso na Justiça Comum. Na presente alínea g, o requisito de que a irregularidade também configure “ato doloso de improbidade administrativa” tem a única finalidade de estruturar a inelegibilidade. Logo, é da Justiça Eleitoral a competência para apreciar essa matéria; e a competência aí é absoluta, porque ratione materiae. É, pois, a Justiça Especializada que dirá se a irregularidade apontada é insanável, se configura ato doloso de improbidade administrativa, e se constitui ou não inelegibilidade. Isso deve ser feito exclusivamente com vistas ao reconhecimento de inelegibilidade, não afetando outras esferas em que os mesmos fatos possam ser apreciados. Destarte, não há falar em condenação em improbidade administrativa pela Justiça Eleitoral, mas apenas em apreciação e qualificação jurídica de fatos e circunstâncias relevantes para a estruturação da inelegibilidade em apreço. Note-se, porém, que havendo condenação emanada da Justiça Comum, o juízo de improbidade aí afirmado vincula a Justiça Eleitoral.”
Como se vê, deve-se compreender a alteração legislativa não como uma exigência de prévia condenação por parte da Justiça Comum, mas um mero reconhecimento fático, pela Justiça Eleitoral, que a rejeição de contas por ato insanável se deu pela prática de ato doloso de improbidade administrativa.
É que, como se sabe, vige no ordenamento jurídico brasileiro a relativa independência das instâncias administrativa, civil e penal, de modo que a influência determinante de um pronunciamento em uma das searas sobre as demais depende de previsão expressa na legislação, a exemplo da previsão do art. 935 do Código Civil.
Desse modo, tem-se como perfeitamente compatível com as funções do Tribunais de Contas a possibilidade de reconhecer a prática dolosa de ato de improbidade administrativa, forte na independência de instâncias.
E.5) Julgamento por órgão colegiado e limites da presunção de inocência
Senão o tópico mais controverso das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 135/2010, mas que gerou grandes discussões no Plenário do STF, a inovação acerca da ocorrência de inelegibilidade em determinadas situações em que não há o transito em julgado de demandas judiciais, mas tão somente uma decisão proferida por órgão colegiado e, portanto, sujeita a recurso, ainda que despido de efeito suspensivo, causou grandes controvérsias acerca de sua compatibilidade com o princípio da presunção de inocência insculpido no art. 5º, LVII da CF/88.
Isso porque, como se sabe, o princípio da presunção de inocência inaugura não só uma regra de julgamento pelo magistrado, mas também um dever de tratamento em relação ao acusado do cometimento de infrações, porquanto seu estado de inocência deve ser mantido como tal, a menos que haja prova contundente em sentido contrario de modo a autorizar a prolação de uma sentença condenatória.
Nas palavras de Aury Lopes Jr.:
“É um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos.” (LOPES JR. Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 11).
Assim, para todos os efeitos, até o transito em julgado de uma sentença condenatória, o acusado deve ser presumido inocente, seja pelo julgador, seja por qualquer órgão da Administração Pública, entendimento este que encontra respaldo em jurisprudência do Pretório Excelso, a exemplo do julgamento do HC nº 94.404/SP, de relatoria do Min. Celso de Mello, quando restou assim consignado:
“O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.”
Nessa toada, discutia-se, no âmbito do STF, a validade da incidência de causas de inelegibilidade em casos em que não ocorrera o transito em julgado de decisões proferidas pelo Poder Judiciário, apenas com uma decisão proferida por órgão colegiado.
Alguns Ministros, a exemplo do Min. Gilmar Mendes, Min. Dias Toffoli e Min. Celso de Mello, afirmavam que o princípio em tela impediria a incidência das novas causas de inelegibilidade em circunstâncias tais, tendo em vista que, enquanto mantido o estado de inocência, jamais seria possível aplicar uma sanção de tal natureza, sendo certo que, assim o fazendo, estaria o STF a admitir uma aplicação antecipada de sanção, não sendo assegurado, do mesmo modo, o devido processo legal.
No entanto, prevaleceu o entendimento no sentido contrário, sendo vencedor o voto condutor do relator.
Sobre o tema, o Min. Luiz Fux teceu várias digressões sobre a ótica de diversos ramos do direito (penal, eleitoral e constitucional), concluindo não haver óbice à incidência das causas de inelegibilidade em destaque.
Isso porque, num primeiro momento, afirmou o Ministro que a presunção de inocência não seria uma norma-princípio, mas sim uma norma-regra (sobre a distinção entre normas-princípio e normas-regra: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2005), cuja incidência deveria ser restrita ao âmbito do Direito Penal, sob pena de haver uma grande exacerbação de sua aplicabilidade, o que impediria a incidência de outros valores consagrados constitucionalmente, quais sejam, a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, como tais consagrados pelo art. 14, § 9º da Carta Magna. Nesse sentido, a regra não teria aplicação no Direito Eleitoral, sendo certo que, enquanto na pendência de processo penal o réu deveria ser tratado como inocente no próprio âmbito criminal, não haveria qualquer impedimento na irradiação de efeitos decorrente de acórdão colegiado para o âmbito eleitoral, ainda que passível de recurso, pois deveria haver a valorização daquelas diretrizes consagrados no art. 14, § 9 º, da CF/88, como já acima salientado.
Ademais, segundo o Relator, de há muito a sociedade brasileira não só busca, mas necessita, de políticos mais honestos, que possam conduzir, com probidade, a máquina pública e solucionar os grandes problemas sociais do país, sob pena de desvirtuarem-se os postulados estabelecidos em nossa carta magna, sendo, por essa razão, necessária e coerente o estabelecimento de regras como previstas na nova Lei Complementar nº 135/2010.
Confira-se, nesse sentido, o seguinte trecho do voto condutor:
“A presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar nº 135/10. Essa nova postura encontra justificativas plenamente razoáveis e aceitáveis. Primeiramente, o cuidado do legislador na definição desses requisitos de inelegibilidade demonstra que o diploma legal em comento não está a serviço das perseguições políticas. Em segundo lugar, a própria ratio essendi do princípio, que tem sua origem primeira na vedação ao Estado de, na sua atividade persecutória, valer-se de meios degradantes ou cruéis para a produção da prova contra o acusado no processo penal, é resguardada não apenas por esse, mas por todo um conjunto de normas constitucionais, como, por exemplo, as cláusulas do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI) e a vedação da tortura – à qual a Constituição Federal reconheceu a qualidade de crime inafiançável (art. 5º, XLIII) – e do tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).
Demais disso, é de meridiana clareza que as cobranças da sociedade civil de ética no manejo da coisa pública se acentuaram gravemente. Para o cidadão, hoje é certo que a probidade é condição inafastável para a boa administração pública e, mais do que isso, que a corrupção e a desonestidade são as maiores travas ao desenvolvimento do país.
(...)
Em outras palavras, ou bem se realinha a interpretação da presunção de inocência, ao menos em termos de Direito Eleitoral, com o estado espiritual do povo brasileiro, ou se desacredita a Constituição. Não atualizar a compreensão do indigitado princípio, data maxima venia, é desrespeitar a sua própria construção histórica, expondo-o ao vilipêndio dos críticos de pouca memória.”.
No mesmo sentido, como salientou o Min. Joaquim Barbosa em voto proferido naquele mesmo julgamento:
“As hipóteses que tornam o indivíduo inelegível não são punições engendradas por um regime totalitário, mas sim distinções, baseadas em critérios objetivos, que traduzem a repulsa de toda a sociedade a certos comportamentos bastante comuns no mundo da política. Os que adotam esses comportamentos não podem, obviamente, ter pretensão legítima a ascender à condição de representante do povo. Porque não são penas, as inelegibilidades não guardam pertinência com o princípio da presunção de inocência, isto é, não exige, para a sua configuração, que se dê margem a especulações de caráter subjetivo a respeito dos fatos que as gerou.
(...)
Mesclar princípios pertencentes a searas constitucionais distintas é, a meu ver, atitude defesa ao juiz constitucional, sobretudo se o objetivo explícito ou implícito é a conservação das mazelas sócio-políticas que afligem cada país”.
Por tais argumentos, além de outros brilhantemente proferidos pela Min. Cármem Lúcia e pelo Min. Ricardo Lewandowski, prevaleceu o entendimento de que a presunção de inocência não seria óbice às causas de inelegibilidade relativas a decisões proferidas por órgãos colegiados, porquanto não extensível ao Direito Eleitoral, além de que sua aplicação deveria ser restringida para autorizar a incidência de outros valores igualmente consagrados pela Carta Magna.
F. Conclusão
Das breves análises aqui realizadas, bem se vê que houve, em certo aspecto, não só um aprimoramento do conceito de inelegibilidade no decorrer do tempo, como também a ampliação de várias hipóteses de sua incidência, em tudo visando a uma melhor adequação do sistema eleitoral aos ditames da Constituição Federal, além de uma maior eficácia social do próprio instituto.
Ademais, a jurisprudência do TSE e do STF vem delimitando de maneira bastante precisa os contornos das inelegibilidades, por vezes conferindo caráter mais restritivo às inelegibilidades e, em outros aspectos, conferindo interpretação extensiva ao Texto Constitucional.
Nesse sentido, espera-se uma maior evolução da matéria na doutrina e principalmente na jurisprudência, de modo a impedir candidaturas de pessoas despreocupadas com a coisa pública e que busquem tão somente ao “exercício profissional” de cargos eletivos, o que só colabora com a proliferação de diversas mazelas existentes na sociedade brasileira.
Uma evolução em termos de inelegibilidades e de Direito Eleitoral pode significar um novo passo, um novo rumo para o Brasil, com a eleição de políticos mais sérios, honestos, envolvidos com a coisa pública e que possam trilhar caminhos que, de fato, contribuam para a realização de todas as promessas estabelecidas pelo constituinte de 1988. Esse é o grande desejo de toda sociedade brasileira.
F) Bibliografia
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2005.
BRITTO, Carlos Ayres. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.I, nº 9, dezembro 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 10/05/2016.
CÂNDIDO. Joel. Direito Eleitoral Brasileiro. 8ª Edição, São Paulo: Edipro, 2000, p.22
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.
LOPES JR. Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 11.
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 726-727.
SOUZA NETO, Cláudio; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 216-219.
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3ª Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, foi Delegado de Polícia Federal entre 2014 e 2016. Atualmente é Advogado em Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Fernando Caldas Bivar. Inelegibilidades: evolução conceitual, LC nº 135/10 e jurisprudência atual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47116/inelegibilidades-evolucao-conceitual-lc-no-135-10-e-jurisprudencia-atual. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
Precisa estar logado para fazer comentários.