RESUMO: O presente estudo trata do instituto da desapropriação, forma supressiva de intervenção na propriedade privada que, como prerrogativa da Administração Pública, assegura a consecução do interesse público. A desapropriação é regulada de forma geral pelo Decreto-lei 3.365/41, regramento que traça as linhas gerais da desapropriação por utilidade pública, mas que é considerado a “lei geral das desapropriações”, expondo os sujeitos, o procedimento e os requisitos necessários para a tomada compulsória da propriedade do bem. Cumpre ressaltar que os sujeitos indiciados no artigo 3º do Decreto-Lei 3.365/41 não são propriamente os sujeitos ativos do processo expropriatório. Sujeito ativo é a pessoa jurídica que pode expropriar o bem, mediante a declaração de utilidade ou interesse social. Tais entidades podem promover a desapropriação, uma vez que os bens expropriados serão transferidos para o seu patrimônio, no entanto, não são aptas a submeter o bem à força expropriatória.Por fim, o trabalho esclarece os pressupostos da garantia constitucional da justa e prévia indenização, explicitando todas as suas peculiaridades.
Palavras-chave: intervenção do Estado na propriedade privada, desapropriação, supremacia do interesse público sobre o interesse privado, modalidades expropriatórias, sujeitos, prévia e justa indenização, função social da propriedade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo a análise do instituto da desapropriação, forma de intervenção na propriedade privada que culmina na transferência compulsória da propriedade ao agente expropriante. O instituto é um importante instrumento utilizado pelo Poder Público na persecução do interesse público.
A desapropriação é regulada, em sua maior parte, pelo Decreto-lei 3.365/41, consistindo no procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, usando de suas prerrogativas, transfere para si, mediante prévia indenização e declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.
Para entendermos o procedimento expropriatório, devemos partir de seus princípios autorizadores: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a necessidade do atendimento à função social da propriedade.
1. A DESAPROPRIAÇÃO E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Antes de ingressarmos na verdadeira análise do tema a ser abordado, devemos nos atentar à fixação dos limites do conceito de desapropriação e o seu real significado. A desapropriação é a forma pela qual o Estado, ou seja, a Administração Pública intervém na propriedade privada, tomando para si, compulsoriamente, sua titularidade.
Várias são as formas de intervenção pública na propriedade privada, sendo elas, a título de exemplo, a servidão administrativa, a requisição, a ocupação temporária, as limitações administrativas, o tombamento, o parcelamento e as edificações compulsórios, o registro e a desapropriação. Com a instituição destes atos, há supressão ou restrição dos direitos dominiais sobre a propriedade em função do interesse público.
A Constituição Federal regulamenta a intervenção do Estado na propriedade, dispondo em seu art. 22, incisos I, II, e III, sobre a competência para legislar sobre o direito da propriedade, a requisição e a desapropriação, sendo, em todos estes casos, competente a União Federal. Já em relação à competência para legislar sobre o condicionamento ao uso e sobre as restrições administrativas, a divisão se dá entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Há ainda que diferenciar, neste momento, a intervenção restritiva da intervenção supressiva. Na intervenção restritiva, a Administração Pública apenas restringe ou condiciona o uso da propriedade, sem retirá-la do particular. A propriedade continuará a pertencer à mesma esfera jurídica, a prerrogativa imposta pela intervenção restritiva é a de que deverá o particular seguir os padrões requisitados pelo Poder Público. Por outro lado, na intervenção supressiva, o Estado transfere para si, por meio da coerção, a propriedade privada, sob o amparo do interesse público. Neste particular, a expropriação, forma de intervenção à qual atentaremos mais detidamente, é o único (maior) expoente da intervenção supressiva.
Levando em consideração as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, a desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se de um instituto de Direito Público que autoriza a supressão do patrimônio particular por parte da Administração Pública em função do interesse público e mediante prévia indenização. Um exemplo de desapropriação é a supressão de um imóvel urbano para a construção de uma rua ou praça, devidamente fundamentada pelo interesse público e com a prévia indenização.
Para Maria Sylvia Zanella di Pietro,
a desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização[1].
Já nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles,
desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (CF , art. 5º , XXIV ), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF , art. 182 , 4º , III ), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de Reforma Agrária, por interesse social. (CF , art. 184) [2].
Cabe ressaltar que a desapropriação consiste na transferência do bem atingido para o acervo do expropriante, tendo como requisito essencial a fundamentação em motivos de utilidade pública ou interesse social, além da necessidade pública, quedando-se ilegítima caso não atenda a tais pressupostos.
Nas palavras do grande estudioso sobre o tema José Cretella Júnior,
em sentido genérico, desapropriação é o procedimento complexo de direito público, pelo qual a Administração, fundamentada na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, obriga o titular de bem, móvel ou imóvel, a desfazer-se desse bem, mediante justa indenização paga ao proprietário[3].
Podemos reconhecer o esboço da atual desapropriação já na primeira Constituição Brasileira, de 1824, que em seu artigo 179, inciso XXII, atribuiu plenitude ao direito de propriedade, acrescentando que se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, ele será previamente indenizado do valor dela.
Deste modo, caso a Administração Pública necessitasse da propriedade de particular, deveria pagar uma indenização prévia equivalente ao valor total do bem. Coube à lei ordinária estabelecer quais as possibilidades de desapropriação. A Lei nº 422 de 1826 foi a encarregada de determinar quais seriam os quadros de necessidade pública e utilidade pública.
No entanto, desde 1821, já era resguardado o direito à indenização paga pelo Poder Público de acordo com o Decreto de 21/05/1821, o qual está transcrito a seguir:
Decreto de 21 de maio de 1821.
Prohibe tomar-se a qualquer, cousa alguma contra a sua vontade, e sem indenização. Sendo uma das principais bases do pacto social entre os homens a segurança de seus bens; e Constando-Me que com horrenda infracção do Sagrado Direito de propriedade se commettem os atentados de tomar-se a pretexto de necessidades do Estado, e Real Fazenda, efeitos de particulares contra a vontade destes, e muitas vezes para se locupletarem aquelles, que os mandam violentamente tomar; e levando sua atrocidade a ponto de negar-se qualquer título para poder requerer a devida indemnização: Determino que da data deste em diante, a ninguém possa tomar-se contra sua vontade cousa alguma de que fôr possuidor, ou proprietário; sejam quaisquer que forem as necessidades do Estado, sem que primeiro de comum acordo se ajuste o preço, que lhe deve por a Real Fazenda ser pago no momento da entrega; e porque pode acontecer que alguma vez faltem meios proporcionaes a tão promptos pagamentos: Ordeno, nesse caso, que ao vencedor se entregue Título aparelhado para em tempo competente haver sua indemnização, quando ele sem constrangimento consinta em lhe ser tirada a cousa necessária ao Estado e aceite aquelle modo de pagamento. Os que o contrario fizerem incorrerão na pena do dobro do valor a benefício dos ofendidos. O Conde de Arcos, do Conselho de Sua Magestade, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brazil, e Estrangeiros, o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos necessários.
Palacio do Rio de Janeiro em 21 de maio de 1821.
Com rubrica do Príncipe Regente.
Conde de Arcos.
A Constituição de 1891 também resguardou o direito de propriedade em toda a plenitude, com a exceção dos casos em que se configurasse a desapropriação (art. 72, §17):
Art. 72, §17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.
Editou-se em 26/08/1903 o Decreto 1.021, que determinou a aplicação a todas as obras de competência da União e do Distrito Federal o Decreto 816 de 10/07/1855, alterando algumas circunstâncias. Ainda em 1903, passou a vigorar o Decreto 4.956, aprovando a regulamentação da consolidação e alteração do processo sobre as expropriações por necessidade ou utilidade pública para obras da União e do Distrito, o qual continuou vigente até a edição do Decreto-lei 3.365 de 1941.
Importante ressaltar que, em diversos artigos, a desapropriação foi tratada pelo Código Civil Brasileiro de 1916.
Já na Carta Constitucional de 1934 manteve-se o direito de propriedade, suprimindo o vocábulo “plenitude” e destacando que a indenização deveria ser prévia e justa, expressão omitida na Lei Maior de 1937. Cumpre também destacar que foi na vigência da Constituição de 1937 que se concebeu o Decreto-lei nº 3.365 de 21/06/1941, norma jurídica de grande relevância para o presente estudo, ainda em vigência no nosso ordenamento jurídico, embora com algumas discussões acerca de alguns dispositivos, como o debate acerca da recepção ou não do artigo 15 pela Constituição de 1988.
A Constituição de 1946 fez menção à indenização prévia, justa e em dinheiro.
A Carta de 1967 preservou as mesmas modalidades de desapropriação, versando sobre ela no §22 de seu art. 150, in verbis:
Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§22. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, VI, §1º. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.
Posteriormente, a Lei Maior de 1988 tornou possível a desapropriação com o pagamento da indenização em títulos da divida pública, por não estar a propriedade cumprindo a sua função social, sendo de competência exclusiva do Município.
A Carta de 1988 trouxe também, em seu artigo 243, a expropriação-confisco, criando uma espécie de desapropriação sem indenização, que tem como objeto as terras nas quais se cultivam plantas psicotrópicas proibidas por lei.
1.1. MODALIDADES DE DESAPROPRIAÇÃO
Vale lembrar que a desapropriação é o procedimento administrativo que visa despojar o particular de um bem de sua propriedade, transferindo a titularidade dessa propriedade ao Poder Público, mediante justa indenização.
Por não prever nenhum título anterior, trata-se de uma forma originária de aquisição da propriedade, pois não há transferência da propriedade por parte do antigo proprietário, não subsistindo relação entre o domínio atual e o anterior.
Duas modalidades de desapropriação foram consagradas pela Constituição Federal de 1988, a saber, a clássica, também denominada comum ou ordinária e a especial, também chamada de extraordinária.
A desapropriação ordinária é consagrada pelo art. 5º, XXIV, in verbis:
a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.
Essa é a desapropriação ordinária, que pode ser promovida pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
Já no artigo 182, §4º, III, CF, encontra-se a desapropriação extraordinária, a qual é direcionada à urbanização, estando os artigos 182 e 183 da Lei Maior regulamentados pela Lei 10.257/01. O artigo 182 elenca alguns requisitos para que seja possível a desapropriação extraordinária: estar o imóvel incluído no plano diretor; não ser edificado ou utilizado, ou ainda ser subutilizado; ser facultada a exigência por lei municipal de que o proprietário promova seu adequado aproveitamento; houver sucessividade das penas de parcelamento ou edificação compulsórios; houver imposto progressivo no tempo sobre a propriedade predial e territorial; e, ocorrer o pagamento em títulos da dívida pública assegurado o valor real da indenização e os juros legais. Na desapropriação extraordinária, o bem particular não pode estar cumprindo a sua função social, portanto, mesmo sendo obrigatória a indenização, esta não será prévia nem em dinheiro, sendo paga em títulos da dívida pública.
Podemos dividir a desapropriação extraordinária ainda em duas outras modalidades específicas: a desapropriação para observância do plano diretor e a desapropriação para fins de reforma agrária.
A desapropriação para observância do plano diretor é regulada pelo próprio artigo 182, o qual permite ao Poder Público municipal, mediante lei específica, promover desapropriação com pagamento mediante título da dívida pública, de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Já a desapropriação para fins de reforma agrária é admitida nos artigos 184 a 186 da Constituição, os quais possibilitam a expropriação de imóvel rural que não cumpra a sua função social, sendo tal desapropriação privativa da União e realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Os requisitos do presente instituto são: a configuração do interesse social; a incidência sobre propriedade rural que não esteja cumprindo a sua função social; a justa e prévia indenização paga em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, com cláusulas de preservação de seu valor real; e, o pagamento das benfeitorias úteis em dinheiro. Segundo Lucas Abreu Barroso,
[...] desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é atuação da vontade do Estado, mediante indenização, consistindo na retirada de bem de um patrimônio, em atendimento à composição, apaziguamento, previdência e prevenção impostos por circunstancias que exigem o cumprimento de um conjunto de medidas que visem a melhor distribuição da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio[4].
Por seu turno, a Lei Complementar nº 76, de 06/07/1993, que sofreu alterações pela Lei Complementar nº 88, de 23/12/1996, trata da desapropriação extraordinária de propriedade rural que não cumpre sua função social.
Dentre as características está a competência, a qual é exclusiva da União, diferenciando-se da outra modalidade de desapropriação extraordinária, a qual observa o plano diretor e compete ao Município. Ademais, não deve incidir sobre a pequena e média propriedade rural, a não ser que seu proprietário possua outra, sem alcançar também a propriedade produtiva, estando tais conceitos delimitados pela Leu nº 8.629/93.
Subsiste ainda a necessidade de tratar sobre a desapropriação de glebas de terra em que exista cultivo de plantas psicotrópicas, a qual está autorizada pelo artigo 243 da Carta Constitucional e disciplinada pela Lei nº 8.257 de 26/11/1991.
Prescreve o artigo 243 da Constituição Federal de 1988 que:
as glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Trata-se uma modalidade especial da desapropriação, pois não há, quando configurada tal hipótese, o direito à indenização em qualquer de suas formas. Em razão disso, é denominada pela doutrina como expropriação-confisco, por ter a natureza confiscatória. Importante ressaltar que apenas as plantas psicotrópicas ilícitas, ou seja, constantes no rol elaborado pelo Ministério da Saúde, ensejam tal expropriação. Portanto, apenas as espécies vegetais elencadas pelo Ministério da Saúde possibilitam o confisco, sendo tal rol eminentemente taxativo.
Ponto interessante a levantar é que persiste divergência sobre a extensão da área sob a qual incidirá a expropriação-confisco, esclarecendo José Carlos dos Santos Filho que:
pode surgir dúvida quanto à extensão em que se dará esse tipo de expropriação, vale dizer, se, localizada a cultura ilegal em parte da propriedade, a expropriação alcançaria toda a área ou apenas a área em que há o cultivo. A Constituição e a Lei 8.257 /91 referiram-se às glebas de qualquer região do país, sem fazer qualquer alusão à área total ou parcial. Em consequência, entendemos que a desapropriação deve alcançar a propriedade integralmente, ainda que o cultivo se dê apenas em parte dela. O proprietário tem o dever de vigilância sobre sua propriedade, de modo que é de se presumir que conhecia o cultivo. Para nós, a hipótese só vai comportar solução diversa no caso de o proprietário comprovar que o cultivo é processado por terceiros à sua revelia, mas aqui o ônus da prova desse fato se inverte e cabe ao proprietário. Neste caso, parece-nos não se consumar o pressuposto que inspirou essa forma de expropriação. Em síntese: não há desapropriação parcial; ou se desapropria a gleba integralmente, se presente o pressuposto constitucional, ou não será caso de expropriação, devendo-se, nessa hipótese, destruir a cultura ilegal e processar os respectivos responsáveis[5].
Existe ainda uma forma de desapropriação que não é uma modalidade prevista em lei, mas uma realidade processual consagrada pela jurisprudência: a desapropriação indireta ou “expropriação às avessas”, como denomina parte da doutrina. A desapropriação indireta nada mais é do que a que ocorre sem que se observe o procedimento legal, sendo comparada ao esbulho, podendo ser atacada por meio de ação possessória. É toda intervenção estatal que impossibilite o uso e o gozo do bem, diminuindo consideravelmente ou eliminando o seu conteúdo econômico.
Para Celso Ribeiro Bastos, a desapropriação indireta é
o apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder Público, uma vez que não obedeceu ao procedimento previsto pela lei. Esta desapropriação pode ser impedida por meio de ação possessória, sob a alegação de esbulho. Entretanto, a partir do momento em que a Administração Pública der destinação ao imóvel, este passa a integrar o patrimônio público, tornando-se insuscetível de reintegração[6].
Insta dizer que tal modalidade expropriatória deve ser obstada em tempo hábil, uma vez que após a destinação pública ser dada pelo Poder Público, não pode mais o particular reivindicar o imóvel, pois os bens já agregados ao patrimônio público não são mais passíveis de reivindicação.
Ocorre também a chamada desapropriação indireta quando a Administração cria limitações ou servidões que impedem totalmente o proprietário de gozar todos os poderes inerentes ao domínio, pois como tais ônus podem afetar de forma lícita apenas em parte o direito de propriedade, quando atacam a sua totalidade, fica o Poder Público obrigado a desapropriar o bem para evitar um prejuízo maior ao administrado.
Segundo Hely Lopes Meirelles,
(...) não passa de esbulho de propriedade particular e como tal não encontra apoio em lei. É a situação de fato que vai generalizando em nossos dias, mas que a ele pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados ao domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente[7].
Embora “às avessas”, esta forma expropriatória permite a indenização, uma vez que o particular não pode ser prejudicado sem nenhuma contraprestação, a qual deve também ser pleiteada em tempo hábil, extinguindo-se o direito em cinco anos, de acordo com o artigo 10, parágrafo único, do Decreto-lei nº 3.365/41, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.183/01.
Há ainda, duas espécies de desapropriação que, embora não sejam tão recorrentes, não podem passar despercebidas. Há possibilidade de que ocorram as hipóteses denominadas desapropriação por zona ou extensiva e desapropriação de bem público.
Na primeira modalidade aqui tratada, há uma extensão da expropriação às áreas que se supervalorizem devido à obra ou serviço público instituído pela desapropriação principal. Desta forma, embora a regra geral seja a de que a desapropriação atinja a objeto determinado, é possível que ela alcance área maior que a necessária sempre que houver a valorização extraordinária de tal área em razão de uma obra pública. Tal modalidade de desapropriação encontra-se prevista no art. 4º do Decreto lei n. 3.365/41, segundo o qual a
desapropriação poderá abranger a área contínua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizam extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.
Cumpre ressaltar que a valorização extraordinária ocorre quando o valor dos terrenos contíguos eleva-se de uma maneira excepcional em relação aos outros terrenos em mesma situação, não estando configurada com uma mera valorização do preço, mas com uma verdadeira supervalorização em função do serviço ou obra pública.
De acordo com os ensinamentos de José Cretella Júnior,
desapropriação por zona ou desapropriação extensiva é o procedimento expropriatório que abrange, além do imóvel necessário, útil ou de interesse social, a faixa territorial adjacente ou contígua, fundamentando-se a desapropriação ou na necessidade dessa zona contígua para melhoria e aperfeiçoamento do serviço ou na supervalorização dessa zona contígua em consequência da desapropriação da zona necessária[8].
Um exemplo desta forma de desapropriação seria a situação na qual o Estado desaproprie um bem para a construção de uma obra pública que trará uma valorização anormal aos bens vizinhos, sendo que, respaldado no art. 4º supramencionado, poderá a Administração Pública estender à área circunvizinha o instituto jurídico utilizado.
A desapropriação do próprio bem público ocorre quando alguma entidade de hierarquia superior desaproprie bem de outra entidade inferior hierarquicamente. Por exemplo, é admissível que a União desaproprie bens de Estados e Municípios ou de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista criadas pelo Município, Estado-membro, Distrito Federal ou de concessionárias dessas pessoas jurídicas. Qualquer pessoa política pode desapropriar bens de suas entidades, sendo que um Estado pode desapropriar bens apenas dos Municípios situados em seu território, jamais bens de outro Estado.
Bem oportunamente, o parágrafo 2º do artigo 2º do Decreto-Lei 3.365/41 determina que os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa. Neste particular, interessante é a figura da autorização legislativa do expropriante, estando presente apenas no caso da desapropriação de bens públicos, representando um pressuposto essencial para tal instituto juntamente com a hierarquia expropriatória.
Enfim, em linhas gerais, são estas as modalidades da desapropriação, divergindo a doutrina em alguns pontos sobre as denominações, na tentativa de delimitar a diferença conceitual. Para fins de entendimento dos conceitos, grande contingente doutrinário estabelece que a expropriação é a tomada da propriedade pelo Estado, sendo a desapropriação uma forma de expropriação que tem como requisito a indenização, e o confisco uma modalidade de expropriação sem indenização, como sanção a algum ato ilícito.
1.2. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS NORTEADORES DA ATIVIDADE EXPROPRIATÓRIA.
Em um primeiro momento, devemos aqui conceituar o termo “princípio” para um entendimento mais eficaz acerca do capítulo. Os princípios são normas gerais que auxiliam na interpretação das demais normas jurídicas, indicando os caminhos a serem seguidos pelos aplicadores da lei, visando eliminar lacunas, fornecendo harmonia e coerência ao ordenamento jurídico. A palavra princípio tem origem no latim principium, significando, em uma acepção vulgar, início, começo, origem. Segundo F. de Castro, em citação feita por Bonavides,
os princípios, nesta perspectiva, são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade[9].
Já Celso Antônio Bandeira de Mello define princípio como um
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmônico[10].
Diversos são os princípios norteadores da Administração Pública, como o princípio da publicidade, da eficiência, da razoabilidade, da autotutela, da supremacia do interesse público sobre o privado, da função social da propriedade, da moralidade, da continuidade da prestação do serviço público, entre outros.
Para não transcendermos ao tema do estudo apresentado, nos ateremos aos princípios fundamentadores do instituto jurídico da desapropriação, o qual, apesar de sofrer a incidência de outros princípios administrativos, recebe maior interferência de apenas dois: o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e o Princípio da Função Social da Propriedade.
Difícil é a determinação do que seria o Princípio da Supremacia do Interesse Público, uma vez que não há um conceito fixo, visto que se trata de um fundamento geral sobre o qual se sustenta o sistema jurídico-administrativo. É um princípio basilar que atua como a viga de toda a Administração Pública, embora não tenha recebido conceituação expressa pelo legislador constituinte, havendo apenas presença implícita. Deste modo, tal princípio, como fundamento geral da Administração Pública, atinge todos os demais princípios norteadores da atividade administrativa
Devemos, primordialmente, fazer uma diferenciação entre o Interesse Público primário e o secundário. Este último, também denominado interesse da Administração Pública, não é público, não sendo qualitativamente similar aos interesses dos particulares, pois as satisfações que o norteiam destoam das particulares. A seu turno, o Interesse Público primário é a fusão dos interesses apresentados pelos indivíduos como participantes da Sociedade na qualidade de cidadãos.
Explica Celso Antônio Bandeira de Melo que
o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem[11].
Sendo assim, a inferência lógica que se obtém é a de que deve haver uma íntima correlação entre o interesse público propriamente dito (primário) e o interesse imediato do Estado (secundário).
Por outro prisma, sabemos que o Estado apresenta interesses próprios que não se aproximam do Interesse Público propriamente dito, ou seja, do interesse público primário.
Ainda segundo Celso Antônio Bandeira de Melo:
Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa, mas que só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o interesse público primário[12].
Importante esclarecer que o interesse público abordado pelo princípio ora em foco é apenas o interesse público primário, uma vez que o secundário não goza das prerrogativas atribuídas à Administração Pública para atingir o seu fim, pois não persegue o fim público, mas sim o interesse do próprio Estado.
Em observação aos ensinamentos de Diogenes Gasparini, temos que
No embate entre o interesse público e o particular há de prevalecer o interesse público. (...) Com efeito, nem mesmo se pode imaginar que o contrário possa acontecer, isto é, que o interesse de um ou de um grupo possa vingar sobre o interesse de todos. Assim ocorre na desapropriação, na rescisão por mérito de certo contrato administrativo e na imposição de obrigações aos particulares por ato unilateral da Administração Pública, a exemplo da servidão administrativa[13].
Nota-se, em observação a tal conceito, que o Princípio do Interesse Público orienta todo o regime jurídico-administrativo, estando este adstrito àquele. Tal primazia é inerente ao exercício do Poder Público, devendo o Estado buscar sempre o interesse geral, ou seja, o interesse público primário, com o auxílio de todas as prerrogativas atribuídas à Administração pelo ordenamento jurídico.
O interesse público, como se nota é uma dimensão, uma manifestação coletiva dos direitos individuais, podendo ser considerado, de forma bastante ampla, como um interesse da coletividade. Desta forma, como elucida Celso Antônio Bandeira de Mello:
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é o princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência[14].
É um requisito inerente à ideia de sociedade. Em decorrência de tal princípio, goza a Administração do poder de constituir terceiros em obrigações com a utilização de atos unilaterais, sendo estes imperativos.
Maria Sylvia Zanella de Pietro, denominando-o também de princípio da finalidade pública, afirma que este
está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento de sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação[15].
De acordo com as lições da doutrinadora, o princípio discutido se encontra expresso no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, exigindo o parágrafo único que haja atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei (inciso II).
Embora grande parte da doutrina não considere tal dispositivo como um conceito que abranja o princípio em todas as suas facetas, este artigo tem bastante relevância no estudo do que vem a ser o interesse público, tendo uma íntima relação com a sua definição completa. Vale ressaltar que tais poderes ou competências configuram prerrogativas atribuídas ao Poder Público para que realize efetivamente o interesse público, sendo, como denominam os estudiosos, poderes-deveres, devendo ser exercidos obrigatoriamente, não devendo se omitir às competências conferidas por lei.
Portanto, cabe concluir que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é um princípio que orienta todo o ordenamento jurídico e a sociedade, uma vez que deve existir um interesse da coletividade como um todo que se sobreponha ao interesse individual, para que seja possível o convívio social. Dessa forma, tal fundamento de todo o regime jurídico-administrativo concede poderes-deveres à Administração Pública, como instrumentos para o alcance da finalidade pública, que é efetivar o interesse geral, não podendo o Poder Público jamais se omitir ou se desviar de tal fim.
Outro princípio de igual relevância para o instituto jurídico da desapropriação é o princípio da Função Social da Propriedade, tendo surgido como uma resposta do universo jurídico às transformações sociais pelas quais a sociedade, de modo geral, vem passando, a partir do incremento crescente do desenvolvimento, da evolução e da urbanização, dentre outros fenômenos sociais.
Além de tais modificações sociais, é incontestável o aumento do intervencionismo estatal nas relações sociais, ainda que privadas, combatendo comportamentos não adequados à sociedade atual, o que podemos perceber com o dirigismo contratual, a função social do contrato e a própria função social da propriedade. A regulação de relações privadas pela Administração Pública justifica-se frente a fenômenos econômicos e sociais, que exigem a proteção estatal dirigida a um convívio em sociedade adequado à finalidade social perseguida pela própria Administração, em uma linguagem ampla, à finalidade alvejada pelo interesse público.
Com efeito, com a limitação da propriedade, visando o bem social, percebe-se certa publicização do Direito Civil, pois, como já mencionado, o Poder Público passa a regular algumas relações privadas, impondo restrições à autonomia da vontade particular.
A tal respeito, a Constituição Federal de 1988 contempla o princípio da Função Social da Propriedade no rol dos direitos e garantias individuais, em seu artigo 5º, inciso XXIII, o qual determina que a propriedade atenderá à sua função social. Não obstante, a Carta Constitucional ainda inclui a função social da propriedade como princípio da ordem econômica e social, no art. 170, III. Deste modo, da mesma forma que o direito à propriedade é garantido constitucionalmente, cumprimento da função social da propriedade também é exigido por matéria constitucional. Insta dizer que há espécies de desapropriação, já relatadas anteriormente, que levam em consideração tal princípio, pois uma vez descumprida a função social da propriedade e cumpridos alguns requisitos elencados pela Lei Maior, haverá a desapropriação-sanção, podendo atingir imóveis urbanos ou rurais que não cumpram a sua função social. Portanto, o direito de propriedade é garantido constitucionalmente, mas apenas enquanto cumpre a sua função social.
Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro
a propriedade tem uma função social de modo que ou o seu proprietário a explora e a mantém dando-lhe utilidade, concorrendo para o bem comum, ou ela não se justifica[16].
Entendimento que reforça a concepção de que a função social é um requisito indispensável ao uso regular e justo da propriedade, porquanto um imóvel que nada acrescenta à sociedade como um todo, uma vez que o proprietário não o utiliza, tendo em vista uma finalidade geral, é apenas um ônus para a comunidade, impedindo o seu efetivo desenvolvimento e a busca da justiça social. A renomada estudiosa do tema ainda pondera que a Constituição não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o seu direito seja condicionado ao bem-estar geral[17].
O que nos remete novamente à íntima relação entre o direito de propriedade e a exigência de que sua utilização não se afaste da satisfação à sua função social.
A função social da propriedade é, além de um objetivo ao direito de propriedade, um elemento do próprio direito de ser proprietário. Segundo entendimento de José Afonso da Silva
a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens[18].
Portanto, o cumprimento da função social da propriedade torna-se um requisito para a garantia do direito de propriedade, uma vez que o proprietário que não utilizar sua propriedade segundo a sua função social poderá sofrer sanções impostas pela Administração Pública.
O doutrinador ainda ensina que
Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princípios da ordem econômica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque submetendo-o aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela só é legítima enquanto cumpra uma função dirigida à justiça social[19].
Celso Antônio Bandeira de Melo postula, em harmonia ao já exposto, que
Parece fora de dúvida que a expressão ''função social da propriedade'' comporta não apenas o primeiro sentido, a que dantes se aludiu, mas também esta segunda acepção a que agora nos estamos reportando. Com efeito, se alguma hesitação pudesse existir quanto a isto, bastaria uma simples inspeção visual no art. 160 da Carta do País - tantas vezes referido - para verificar-se que nele está explicitamente afirmado ser finalidade da ordem econômica e social realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social. Ora bem, uma vez que estas finalidades hão de ser realizadas com base, entre outros princípios, no da ''função social da propriedade'' (item III), é óbvio que esta foi concebida tomando em conta objetivos de justiça social[20].
Importante definir o que vem a ser a comentada expressão “justiça social”. Recorremos, para tanto, ao conceito elaborado por Eros Roberto Grau:
''Justiça social'', inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista[21].
Inevitável é a conclusão de que o objetivo da função social da propriedade é a justiça social. Portanto, tem-se que o princípio em comento visa uma repartição de riquezas de modo mais igualitário, o que é, indubitavelmente, uma indispensável necessidade social, vez que a Constituição da República Federativa do Brasil elenca, entre os seus objetivos fundamentais, a redução das desigualdades sociais e regionais.
1.3. SUJEITOS DA DESAPROPRIAÇÃO
Primeiramente, há que se esclarecer que os sujeitos indiciados no artigo 3º do Decreto-Lei 3.365/41 não são propriamente os sujeitos ativos do processo expropriatório. Sujeito ativo é a pessoa jurídica que pode expropriar o bem, mediante a declaração de utilidade ou interesse social. Tais entidades podem promover a desapropriação, uma vez que os bens expropriados serão transferidos para o seu patrimônio, no entanto, não são aptas a submeter o bem à força expropriatória.
Em linhas gerais, os sujeitos ativos da desapropriação são o Poder Executivo, o Poder Legislativo, os estabelecimentos de caráter público, os concessionários de serviços públicos, as entidades de economia mista, e, excepcionalmente, algumas pessoas de direito privado.
Segundo o artigo 2º do Decreto-lei nº 3.365/41, in verbis: art. 2º. Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Nota-se, portanto, que o referido dispositivo trata tão somente da desapropriação fundamentada pela utilidade pública, não abrangendo todas as outras hipóteses.
Em caso de desapropriação por interesse social, tendo em vista a sua maior diversidade, deve-se trabalhar com três hipóteses distintas: a primeira delas, consubstanciada no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição, e regulada pela Lei nº 4.132/62, é de competência também da União, dos Estados, do Município, do Distrito Federal e dos Territórios; já a prevista no artigo 182, §4º também da Lei Maior, estando regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), é de competência exclusiva do Município, não podendo ser promovida pelos outros entes mencionados; a terceira e última situação, é a que tem fundamento no artigo 184 da Carta Constitucional, o qual discorre sobre a desapropriação com fins de reforma agrária, estando sujeita ao Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e à Lei Complementar nº 76/93, , sendo que essa competência somente será exclusivamente da União quando o imóvel rural for desapropriado para reforma agrária, não abrangendo indiscriminadamente toda e qualquer propriedade rural.
Celso Antônio Bandeira de Mello lista como
beneficiários da desapropriação as pessoas de Direito Público, ou pessoas de Direito Privado delegadas ou concessionárias de serviço público, podendo ocorrer excepcionalmente em favor de pessoa de Direito Privado que exerça atividade inerente ao interesse público[22].
Seguindo tal linha de raciocínio, insta mencionar que o STF já determinou a validade de desapropriação efetuada em favor da Fundação Getúlio Vargas[23].
Em relação ao sujeito passivo, temos que serão o proprietário, como também aqueles titulares de direitos reais, em suas variadas espécies. Insta dizer que o expropriado pode ser tanto pessoa física quanto jurídica, tanto privada, quanto pública, nos casos de desapropriação de bem público, já estudado anteriormente.
Há que se abrir um parêntese neste caso para se indagar sobre a possibilidade de um Município expropriar bem de outro Município. Forçoso é reconhecer que tal procedimento é inadmissível, uma vez que há igualdade política e legal entre os Municípios, sendo que o §2º do art. 2º da Lei de Desapropriações dispõe que deve haver hierarquia entre o expropriante e o expropriado, sendo este uma entidade menor do que aquele. Celso Antônio Bandeira de Mello deixa clara sua posição ao afirmar que
efetivamente, é intolerável o exercício da desapropriação de bem estadual por outro Estado ou bem municipal por outro Município quando os interesses postos em entrechoque são ambos interesses públicos. Dado o equilíbrio jurídico deles, o pretendido expropriante não tem em seu favor a maior abrangência ou relevância de interesse que o torne sobrepujante, para servir-lhe de causa do ato expropriatório[24].
Embora sejam apenas estes os sujeitos ativos e passivos da desapropriação, há que se diferenciar a competência para promover a desapropriação da competência daquele que simplesmente a executa. A competência executória é de toda e qualquer pessoa política ou administrativa, podendo, ainda, ser delegada na forma da lei, ganhando efetividade mediante ato declaratório, enquanto a competência para promover é do ente dotado de direito subjetivo de expropriar.
1.4. REGULAÇÃO JURÍDICA
Atualmente, a desapropriação é regulada pelo Decreto-lei nº 3.365/41, o qual, apesar de extemporâneo, ainda é a legislação aplicável ao procedimento expropriatório, tendo passado por algumas alterações interpretativas.
Insta relembrar que a expropriação está consagrada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIV.
Embora o Decreto-lei 3.365/41 seja a principal legislação sobre o procedimento expropriatório, os dispositivos que tratam da desapropriação não estão concentrados totalmente nele, encontrando-se determinações sobre o tema em diversas outras leis. A Carta Constitucional, por exemplo, trata ainda da expropriação em seus vários dispositivos, como os artigos. 182, 184 e 243.
A Lei 8.629 de 25/02/1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária também regulamenta a desapropriação, principalmente no que tange à sua modalidade que almeja a reforma agrária.
O próprio Código Civil Brasileiro (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) também trata da desapropriação, listando-a como uma das formas de perda da propriedade e regulando a sua posição frente a vários institutos inerentes ao direito privado.
Portanto, embora em todo o ordenamento jurídico existam normas referentes à desapropriação, a principal legislação aplicável ao tema continua sendo o Decreto-Lei 3.365/41.
1.5. A INDENIZAÇÃO, SUA OBRIGATORIEDADE E FIXAÇÃO.
Primeiramente, cabe aqui transcrever novamente o art. 5º, XXIV, de nossa Carta Constitucional, o qual determina que
a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.
Essa é a desapropriação ordinária, a qual pode ser promovida pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Pela simples leitura de tal dispositivo, percebemos que a indenização é um requisito imprescindível e constitucional para que ocorra a desapropriação, havendo apenas uma única exceção, pois os casos enquadrados no art. 243 da Constituição não permitem a indenização, ocorrendo a já mencionada expropriação-confisco.
Conforme leciona o renomado jurista Pontes de Miranda:
Quando a Constituição diz que a indenização há de ser justa e prévia impede qualquer critério de fixação e prestação da indenização que não seja justa ou não seja prévia. Foi assim que a técnica jurídica afastou o princípio clássico da não-intervenção para poder tornar admissível o princípio da intervenção conforme pressupostos precisos[25].
Portanto, não se vislumbra a ocorrência do procedimento expropriatório sem que haja indenização, uma vez que sua ausência torna toda a medida inconstitucional, contrariando o ordenamento jurídico, salvo nos casos de confisco, como já explicitado.
Há que se ressaltar que não basta a presença da indenização, ela deve ser justa e prévia para que a desapropriação seja válida. Há necessidade de que o patrimônio do expropriado não seja desfalcado, tendo a indenização função de recompor o que lhe fora subtraído em função da expropriação, não causando o empobrecimento do sujeito ativo ou do sujeito passivo, devendo corresponder exatamente ao valor diminuído a um e somado ao outro.
O art. 27 do Decreto-lei 3.365/41 prescreve que:
Art. 27- O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição o interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos 5 (cinco) anos, à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu.
§ 1º - A sentença, que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido, condenará o desapropriante a pagar honorários de advogado, sobre o valor da diferença.
§ 2º - A transmissão da propriedade decorrente de desapropriação amigável ou judicial, não ficará sujeita ao Imposto de Lucro Imobiliário.
O dispositivo determina como se procederá a fixação da indenização, indicando o que o juiz deve ter como fundamento para a determinação do valor, devendo mencionar na sentença todos os fatos motivadores de seu convencimento, não estando preso exclusivamente a tais elementos, podendo utilizar ainda outros meios de análise para fixar o quantum indenizatório. Assim, os critérios do art. 27 não são rígidos e obrigatórios, podendo ser até mesmo ignorados em razão de outra forma de fixação que se mostre mais efetiva.
A estimativa dos bens para efeitos fiscais determina o valor da indenização em relação ao imposto predial e ao imposto territorial urbano, que tem como base de cálculo o valor venal do imóvel. Tal análise, apesar de parecer das mais acertadas, deverá ser feita pelo juiz com grande cautela, pois frequentes são as falhas inerentes ao estabelecimento do valor venal dos imóveis para efeitos fiscais.
O preço da aquisição do bem e o interesse do proprietário também devem ser considerados para a fixação da indenização. Aqui devemos fazer a mesma ressalva feita quanto ao último meio de exame mencionado, o juiz deve ter em vista possíveis falhas para que se evite o desatendimento à compensação patrimonial já referida, pois não é raro que os contratantes, ao realizarem um contrato de compra e venda, atribuAM valor em desconformidade com a realidade apenas para burlar os impostos.
Há que se observar ainda o estado de conservação do bem expropriado, ou seja, o aspecto do bem, a forma como ele se encontra, tanto internamente quanto externamente. O critério de segurança não se confunde com o estado de conservação, sendo também levado em conta e referindo-se à estabilidade, à própria segurança que o bem oferece, pois a falta desta causa desvalorização a qualquer bem.
O valor venal dos bens da mesma espécie nos últimos cinco anos também deve ser analisado. O valor venal é o valor praticado no mercado, a quantia real atribuída ao bem numa contratação de compra e venda, excluídos os fatores especulativos. Ocorre que, também este elemento não é seguro, tendo em vista a inflação presente em nosso mercado, devendo ser observado, sim, mas com reservas e muito cuidadosamente.
Por fim, deve-se levar em conta na fixação do quantum indenizatório a valorização ou depreciação da área remanescente pertencente ao réu. Quando se expropria apenas parte do imóvel, a porção remanescente pode se valorizar em função das obras ou serviços implantados, podendo ainda ocorrer o contrário, ou seja, a desvalorização. Devido à justeza da indenização, a desapropriação não pode beneficiar ou prejudicar o expropriado, portanto, tanto a valorização da área remanescente quanto a desvalorização devem ser observadas quando do cálculo da indenização.
Maria Sylvia Zanella de Pietro, em sua obra, explicita com acerto as parcelas que devem ser incluídas no cálculo da indenização.
Primeiramente, deve-se levar em consideração o valor do bem objeto de desapropriação, incluindo-se as benfeitorias do imóvel preexistentes ao ato expropriatório, sendo que em relação às benfeitorias posteriores serão pagas apenas as benfeitorias necessárias e as úteis, estas últimas desde que realizadas com anuência do expropriante, a teor do artigo 26, §1º do Decreto-lei nº 3.365/41. Construções feitas posteriormente, mesmo que seja concedida licença pelo Município, não são incluídas no valor da indenização, o que se depreende da Súmula nº 23 do STF.
Em seguida, observa-se os lucros cessantes e os danos emergentes.
Analisa-se, também, os juros compensatórios, quando houver imissão provisória na posse, contando-se a partir de tal imissão, sendo sua base de cálculo a diferença entre o valor inicialmente ofertado pelo Poder Público e o valor da indenização. Devem ser observadas as súmulas nº 164 do STF, segundo a qual no processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse ordenada pelo juiz, por motivo de urgência,nº618, também do STF, que discorre que na desapropriação, direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12% ao ano, e a súmula nº 69 do STJ, a teor da qual na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel.
Os juros moratórios também deverão ser ponderados, incidindo sobre a mesma base de cálculo, no montante de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele no qual o pagamento deveria ser feito também devem ser incluídos no cálculo.
Há que se atentar também aos honorários advocatícios, calculados sobre a diferença entre a oferta inicial e o valor da indenização, acrescido de juros moratórios e compensatórios.
Outra parcela a ser levada em conta é a composta pelas custas e despesas judiciais.
Por fim, deve-se levar em consideração a correção monetária, calculada a partir do laudo de avaliação e a despesa com desmonte e transporte de mecanismos instalados e em funcionamento[26].
CONCLUSÃO
Por meio do estudo apresentado sobre a desapropriação no ordenamento jurídico brasileiro, sua origem, seus fundamentos e o desenvolvimento do processo administrativo que deve ser realizado para a sua ocorrência, percebemos que, por se tratar de uma limitação na propriedade privada que autoriza a supressão do direito de propriedade do particular e a transferência da titularidade do bem ao Poder Público, deve ser realizada com a observância da legalidade e da publicidade, uma vez que há restrição da esfera de direitos do administrado.
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[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 3ª ed. (1975), 4ª ed. (1976), 5ª ed. (1977), 6ª ed. (1978), 15ª ed. (1990). São Paulo: RT. P. 814.
[3] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Ed. Forense: 1980. P. 11.
[4] BARROSO, Lucas Abreu. O direito agrário na constituição. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 166.
[5] Informativo STF- Brasília, 23 a 27 de março de 2009 - Nº 540.
[6] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 384.
[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. P. 872.
[8] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Ed. Forense: 1980. P. 144.
[9] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 228-229.
[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 9ª. Ed. São Paulo, Malheiros, 1997, pág. 572.
[11] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 9ª. Ed. São Paulo, Malheiros, 1997. P. 98.
[12] Ob. Cit. 99.
[13] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo / Diogenes Gasparini – 14 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 20.
[14] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 9ª. Ed. São Paulo, Malheiros, 1997. P. 96.
[15] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002, P. 82.
[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. S. Paulo: Atlas, 2002. P. 139.
[17] Ob. Cit. P. 140.
[18] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. Edª. São Paulo: Malheiros, 1999, P. 286.
[19] Ob. Cit. P. 790.
[20] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos aspectos da função social da propriedade no Direito Público,p. 44. Escrito sob a égide da antiga CF.
[21]GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1.988, p. 245.
[22] Ob. Cit. P. 877.
[23] STF, RDA 77/238.
[24] STF, RDA 29/56.
[25] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1, de 1969, Forense, 3ª. edição, Tomo V. p. 400.
[26] Ob. Cit. P. 184-186.
Advogado da União. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Eduardo Henrique. Noções básicas sobre desapropriação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47130/nocoes-basicas-sobre-desapropriacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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