RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar a relação que deve ser estabelecida entre os elementos da proteção ambiental e o princípio da função social da propriedade. Serão apresentados os meios relevantes para a implementação do direito fundamental ao meio ambiente sadio, nos termos da Constituição Federal de 1988 e sua compatibilidade com a preservação da propriedade urbana e a função socioambiental. Buscar-se-á destacar o papel do Estado regulador como protetor dos direitos fundamentais e responsável pela promoção do desenvolvimento econômico como liberdade do individuo e da coletividade.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Regulador. Meio Ambiente. Propriedade Privada. Desenvolvimento Econômico. STF.
ABSTRACT: This present article is scope to analyze the relationship to be established between the elements of environmental protection and the principle of social function of property. Relevant means will be presented for the implementation of the fundamental right to a healthy environment, under the Federal Constitution of 1988 and its compatibility with the preservation of urban property and the environmental function. We intent highlight the role of the regulatory state as protector of fundamental rights and responsible for promoting economic development as freedom of the individual and the collective.
KEYWORDS: Regulatory State. Environment. Private Property. Economic Development. STF.
1 INTRODUÇÃO
O início do século XX foi marcado pelo surgimento do Estado do Bem Estar Social onde o Estado passa a ser o agente do processo econômico intervindo na autonomia privada. Em verdade, como bem destaca Mário Julio de Almeida Costa (2009, p.204), o que se percebeu foi uma verdadeira publicização ou ainda uma socialização do direito privado, e não se pode concluir coisa diversa do que a abertura de modernos horizontes, novos conceitos e princípios norteadores, especialmente à luz do texto constitucional.
Assim, muitos dogmas, conceitos e valores foram modificados durante o século XX e no caso do Brasil, particularmente com a vigência da Constituição Federal de 1988 observou-se a necessidade de ser feita uma leitura do Código Civil e das demais legislações infraconstitucionais à luz da Constituição Federal Brasileira, razão pela qual o direito à propriedade privada e à liberdade do exercício passou a ser interpretada não apenas em consonância com o princípio da função social mas também de uma função ambiental e econômica.
Conceitos atrelados a ideia de propriedade e meio ambiente deixam de ser observados apenas com seu caráter privatístico originário a partir da constitucionalização do direito privado dando relevo a presente pesquisa que será desenvolvida tomando por base apenas a doutrina pátria.
Destaque-se que, na década de 90, verificou-se no Brasil uma verdadeira reestruturação e privatização de diversos setores da economia que levaram a uma redefinição do papel do Estado que passa a assumir uma função de regulador e fiscal dos serviços públicos em substituição a sua atuação como interventor direto.
É incontroverso ser dever do Estado garantir o desenvolvimento econômico em compatibilidade com a promoção do bem estar de todos vivendo em uma ambiente ecologicamente equilibrado, equilíbrio este que deve ser obtido através do exercício da função regulatória. Ocorre que o Estado não poderá intervir de forma direta no exercício que cada particular exerce sobre sua propriedade, especialmente quando esta atenda aos ditames de sua função social.
Desta feita, buscaremos na presente pesquisa analisar a partir de pesquisa doutrinária e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que mecanismos o Estado regulador poderá se valer para promoção da compatibilização do desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente, atuando de forma a não causar uma intervenção abusiva sobre o exercício da propriedade privada.
2 O DIREITO DA PROPRIEDADE E A PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A interpretação da Constituição é dominada pela força dos princípios, por tanto, para sua correta interpretação é indispensável entender a dimensão a ser dada a cada princípio que a norteia. Para Humberto Ávila (2004, p.70)
os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Na lição de Artur Cortez Bonifácio (2008, p.30) sendo a Constituição um sistema de normas formais e materialmente superiores, as quais se validam por si próprias, os princípios nela explícitos e implícitos devem ser tratados com relevo, não podendo a interpretação afastar-se dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, especialmente a liberdade de exercício do direito de propriedade.
O direito de propriedade é um direito com status de direito fundamental, segundo dispõe o artigo 5º. XXII, sendo-lhe garantida a preservação de um conteúdo mínimo essencial, irredutível. Ademais, apresenta-se como princípio da ordem econômica, sendo importante para a implementação do equilíbrio nas relações econômicas e sociais, especialmente atingindo um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é a redução das desigualdades, devendo ser analisado em consonância com outros princípios constitucionais.
A leitura atual do direito de propriedade como direito fundamental absoluto deve ser feita levando em consideração a existência de proibições expressas em normas de direito privado como ocorre com as normas de vizinhança, ou nas disposições condominiais, e especialmente na proibição de exercício do direito de propriedade com perturbação a segurança, a saúde ou o sossego. Destaca Fábio Konder Comparato (1999 p.384) que
desde a fundação do constitucionalismo moderno, com a afirmação de que há direitos anteriores e superiores às leis positivas, a propriedade foi concebida como um instrumento de garantia da liberdade individual, contra a intrusão dos Poderes Políticos. As transformações do Estado contemporâneo deram à propriedade, além dessa função, também a de servir como instrumento de realização da igualdade social básica e da solidariedade coletiva para os fracos e desamparados.
Neste contexto, possui o proprietário uma obrigação de fazer que consiste em dar uma função socioambiental da qual não poderá afastar-se. Segundo Fiorella D´Angelo apud José Afonso da Silva (2010, p.74)
a função social mesma acaba por posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se, conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de faculdades atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas.
Ao acolher o princípio da função socioambiental da propriedade, a Constituição Federal de 1988, atribuiu ao particular, e ao Estado na qualidade de regulador das atividades privadas, o dever de certas finalidades de interesse coletivo, neste caso, promoção de um desenvolvimento sustentável, em oposição ao princípio da autonomia privada. Neste sentido, vejamos o disposto por Andreas J. Krell (2010. p. 175), segundo o qual:
Tem-se, portanto, no âmbito dos bens e valores ambientais e urbanísticos, em vez de um direito privado absoluto, a ser restringido posteriormente por imposições na base do “poder de polícia”, mas um direito que, em virtude de sua função social, já “nasce limitado”.
Importante destacar o que preceitua o parágrafo primeiro do artigo 1228 do Código Civil brasileiro ao confirmar o caráter constitucional dado ao Direito Civil que estabelece que
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
A promulgação do Estatuto da Cidade é uma expressa consequência da importância dada pela Constituição Federal de 1988 ao princípio da proteção jurídica ambiental que integrou o texto constitucional como fruto de movimento social representando direito fundamental de terceira geração. Nestes termos, destacou o Ministro Celso de Mello no Mandado de Segurança n. 22164-0 (1995) ao atestar que
O direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais abrangente, à própria coletividade social.
Também demonstrando o reconhecimento do princípio da proteção ambiental, o Superior Tribunal de Justiça na Resp. 343.741 PR 2a Turma de relatoria do Ministro Franciulli Neto aduziu que o dever a recomposição de uma propriedade privada cujo meio ambiente foi ecologicamente degradado é uma obrigação de natureza propter rem, razão pela qual a responsabilização civil passa em caso de alienação da coisa para o adquirente, já que é a propriedade que deve cumprir com sua função socioambiental. Bem destaca Andreas J. Krell (2010, p.185) que em referida decisão o
tribunal limitou e modelou o exercício do direito de propriedade a luz do dever fundamental de proteção ambiental, estatuído pelo artigo 225 da Constituição Federal, fazendo preponderar a perspectiva social-objetiva sobre a individual-subjetiva e contrariando a tendência de certo descaso dos integrantes do judiciário brasileiro com a tutela ambiental, os quais, nos casos que envolvem questões de defesa ecológica e urbanística, até hoje costumam dar preferencia aos interesses privados.
Deve o Estado assegurar a proteção a um mínimo ecológico de existência, compatível com o amplo exercício do direito de propriedade e da atividade econômica.
3 O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A ATUAÇÃO DO ESTADO REGULADOR
3.1 Conceito de Desenvolvimento
Para Amartya Sen (2010, P.10) “o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente”.
Na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, o desenvolvimento foi reconhecido como um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa o constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes. Ademais, dispôs em seu artigo primeiro, que o direito ao desenvolvimento tratar-se de direito humano, senão vejamos:
Art. 1º. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos de autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais.
Os direitos individuais cedem espaço para os direitos da coletividade, dando uma nova dimensão ao princípio da dignidade da pessoa humana, que fundamenta todos os direitos humanos, dentre os quais, o citado direito ao desenvolvimento. No atual contexto, ao referir-se a desenvolvimento, está se referindo a um todo integrado, qual seja, desenvolvimento econômico, ambiental, social e humano.
3.2. Desenvolvimento sustentável, o Estado Regulador e crescimento econômico
Dentre os princípios que norteiam o direito ambiental, o princípio do desenvolvimento sustentável ocupa posição de predominância, mormente porque irá, numa escala axiológica, influenciar, complementar e orientar os demais, viabilizando o trato correto, seguro e adequado à temática ambiental.
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMAD - definiu o desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.”
Trata-se de princípio que preconiza a revitalização do crescimento da economia global de modo a reduzir a degradação ambiental e a pobreza, posto que os modelos existentes de desenvolvimento não são sustentáveis a longo prazo, sendo seu pressuposto a mudança no crescimento econômico, para torná-lo menos intensivo e mais eqüitativo em seus impactos.
Segundo Welber Barral e Gustavo Assed Ferreira (2006, p.13), deve-se entender por desenvolvimento sustentável “o desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”.
Este princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico, mas encontrar um meio termo, um equilíbrio entre a economia e o meio-ambiente, uso adequado, racional e responsável dos recursos naturais e da propriedade, respeitando-os e preservando-os para a gerações atuais e subseqüentes, por representar a atividade econômica muitas vezes uma imensurável degradação ambiental.
A importância de encontrar este equilíbrio e preservar o meio ambiente (direito de terceira geração) transcende o direito de cada Estado, passando a ocupar importante espaço nos compromissos firmados no âmbito internacional, dentre eles as Declarações firmadas na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de Estocolmo/1972, do Rio de Janeiro/1992 , bem como no Protocolo de Quioto.
Nas Declarações da Conferência ocorrida no Rio de Janeiro encontra-se expresso no decorrer do princípio nº 4, que “para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele”.
A comunhão entre crescimento da economia e meio ambiente, é uma busca constante para se obter um desenvolvimento sustentável, e neste contexto, a propriedade privada aparece como um expoente represente da acumulação de riquezas e da expansão da economia.
Ocorre que a análise do desenvolvimento sustentável não envolve somente os aspectos econômico e ambiental, mas também político. Assim, em busca de atingir este equilíbrio, o Estado como interventor no processo econômico tem por função justamente regular e controlar a atividade econômica, de modo a reduzir a degradação ambiental, posto que em uma sociedade capitalista a busca pelo lucro não pode sobrepujar os interesses da coletividade.
O livre exercício da atividade econômica, mesmo que independente da autorização pelos órgãos públicos há de se amoldar ao todo constitucional, sob pena de contrariar a lei maior, e, conseqüentemente, ser extirpada do seio social. Para tanto o Estado atua como agente normativo e regulador, fiscalizando, incentivando e planejando de forma determinante para o setor público e indicativa para o privado.
Ocorre que referida intervenção não pode ofender a direito fundamental do livre exercício da propriedade privada, apagando por completo o seu conteúdo mínimo.
Percebe-se assim, que resta indubitável a importância da economia e do desenvolvimento humano. Como bem destaca André Rafael Weyermuller (2010, p.35) não é mais possível regredir nesse sentido, mesmo sendo necessário um retrocesso em alguns aspectos centrais como na queima de combustíveis fósseis.
Desta feita, o “desenvolvimento econômico” há de ser “sustentável”, vale dizer, inserido no complexo indissociável e indivisível que une homem e natureza, concretizando entre ambos um convívio sóbrio e saudável, ecologicamente equilibrado, propiciando ao homem de hoje e ao de amanhã, uma sadia qualidade de vida, e neste contexto o Estado Regulador atua buscado a preservação do tão necessário equilibro.
Os tribunais pátrios e a doutrina não chegaram a um estado de pacificação e firmeza quando a garantia constitucional do direito a propriedade. Não existe uma definição quanto à possíveis excessos de limitação ao seu exercício, frente a previsão constitucional de proteção ao meio ambiente como objetivo da República Federativa do Brasil, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com preservação do direito de propriedade e a proteção integral ao meio ambiente, como um direito material a coletividade a ser protegido.
Decisões do Supremo Tribunal Federal referente a região do Pantanal Matogrossense e a região da Serra do Mar em meados da década de 90 representam verdadeiros leading cases onde o tribunal constitucional brasileiro busca fixar conceitos de função social da propriedade relacionados a manutenção do ecossistema, preocupando-se assim em abarcar defesa da promoção de um desenvolvimento sustentável. Segue trecho da ementa referente a Mandado de Segurança onde se discutiu direito de propriedade e sua função socioambiental na região do pantanal mato-grossense:
REFORMA AGRARIA - IMÓVEL RURAL SITUADO NO PANTANAL MATO-GROSSENSE - DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184)- POSSIBILIDADE – (...) A UNIÃO FEDERAL - MESMO TRATANDO-SE DE EXECUÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE REFORMA AGRARIA - NÃO ESTA DISPENSADA DA OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR, NO DESEMPENHO DE SUA ATIVIDADE DE EXPROPRIAÇÃO, POR INTERESSE SOCIAL, OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE, EM TEMA DE PROPRIEDADE, PROTEGEM AS PESSOAS CONTRA A EVENTUAL EXPANSAO ARBITRARIA DO PODER ESTATAL. A CLÁUSULA DE GARANTIA DOMINIAL QUE EMERGE DO SISTEMA CONSAGRADO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA TEM POR OBJETIVO IMPEDIR O INJUSTO SACRIFICIO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E VISTORIA EFETUADA PELO INCRA. (...) A VISTORIA EFETIVADA COM FUNDAMENTO NO ART. 2., PAR. 2. , DA LEI N. 8.629/93 TEM POR FINALIDADE ESPECIFICA VIABILIZAR O LEVANTAMENTO TECNICO DE DADOS E INFORMAÇÕES SOBRE O IMÓVEL RURAL, PERMITINDO A UNIÃO FEDERAL - QUE ATUA POR INTERMEDIO DO INCRA - CONSTATAR SE A PROPRIEDADE REALIZA, OU NÃO, A FUNÇÃO SOCIAL QUE LHE E INERENTE. O ORDENAMENTO POSITIVO DETERMINA QUE ESSA VISTORIA SEJA PRECEDIDA DE NOTIFICAÇÃO REGULAR AO PROPRIETARIO, EM FACE DA POSSIBILIDADE DE O IMÓVEL RURAL QUE LHE PERTENCE - QUANDO ESTE NÃO ESTIVER CUMPRINDO A SUA FUNÇÃO SOCIAL - VIR A CONSTITUIR OBJETO DE DECLARAÇÃO EXPROPRIATORIA, PARA FINS DE REFORMA AGRARIA. (...) POSSIBILIDADE JURÍDICA DE EXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS NELE SITUADOS, PARA FINS DE REFORMA AGRARIA. - A NORMA INSCRITA NO ART. 225, PARÁGRAFO 4., DA CONSTITUIÇÃO NÃO ATUA, EM TESE, COMO IMPEDIMENTO JURÍDICO A EFETIVAÇÃO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE ATIVIDADE EXPROPRIATORIA DESTINADA A PROMOVER E A EXECUTAR PROJETOS DE REFORMA AGRARIA NAS AREAS REFERIDAS NESSE PRECEITO CONSTITUCIONAL, NOTADAMENTE NOS IMÓVEIS RURAIS SITUADOS NO PANTANAL MATO-GROSSENSE. A PROPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, AO IMPOR AO PODER PUBLICOO DEVER DE FAZER RESPEITAR A INTEGRIDADE DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL, NÃO O INIBE, QUANDO NECESSARIA A INTERVENÇÃO ESTATAL NA ESFERAL DOMINIAL PRIVADA, DE PROMOVER A DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS PARA FINS DE REFORMA AGRARIA, ESPECIALMENTE PORQUE UM DOS INSTRUMENTOS DE REALIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE CONSISTE, PRECISAMENTE, NA SUBMISSAO DO DOMÍNIO A NECESSIDADE DE O SEU TITULAR UTILIZAR ADEQUADAMENTE OS RECURSOS NATURAIS DISPONIVEIS E DE FAZER PRESERVAR O EQUILIBRIO DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 186, II), SOB PENA DE, EM DESCUMPRINDO ESSES ENCARGOS, EXPOR-SE A DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO AQUE SE REFERE O ART. 184 DA LEI FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. - O DIREITO A INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE - TIPICO DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - CONSTITUI PRERROGATIVA JURÍDICA DE TITULARIDADE COLETIVA, REFLETINDO, DENTRO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, A EXPRESSAO SIGNIFICATIVA DE UM PODER ATRIBUIDO, NÃO AO INDIVIDUO IDENTIFICADO EM SUA SINGULARIDADE, MAS, NUM SENTIDO VERDADEIRAMENTE MAIS ABRANGENTE, A PROPRIA COLETIVIDADE SOCIAL. ENQUANTO OS DIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO (DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS) - QUE COMPREENDEM AS LIBERDADES CLASSICAS, NEGATIVAS OU FORMAIS - REALCAM O PRINCÍPIO DA LIBERDADE E OS DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO (DIREITOS ECONOMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS) - QUE SE IDENTIFICA COM AS LIBERDADES POSITIVAS, REAIS OU CONCRETAS - ACENTUAM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, OS DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUE MATERIALIZAM PODERES DE TITULARIDADE COLETIVA ATRIBUIDOS GENERICAMENTE A TODAS AS FORMAÇÕES SOCIAIS, CONSAGRAM O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E CONSTITUEM UM MOMENTO IMPORTANTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO, EXPANSAO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS, CARACTERIZADOS, ENQUANTO VALORES FUNDAMENTAIS INDISPONIVEIS, PELA NOTA DE UMA ESSENCIAL INEXAURIBILIDADE. CONSIDERAÇÕES DOUTRINARIAS. (STF - MS: 22164 SP , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 30/10/1995, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 17-11-1995 PP-39206 EMENT VOL-01809-05 PP-01155)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho procurou demonstrar que o Estado, em sua função reguladora deve buscar criar mecanismos passíveis de encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a proteção ao meio ambiente e o uso pleno da propriedade privada.
Percebemos que existe no Brasil uma dificuldade em pacificar o conceito e a extensão do princípio da função social da propriedade, abandonando o foco que seria a sua compatibilidade com outras garantias constitucionais, em especial com a proteção ao meio ambiente para a formação de um desenvolvimento sustentável.
Conclui-se que a função social da propriedade não pode ser concebida como um ônus exclusivo imposto ao proprietário pelo Poder Público nem pode ser resultado de ações públicas excessivas e arbitrárias, mesmo que com fundamento na proteção do meio ambiente, direito humano de terceira geração.
Não restam dúvidas que ao proprietário deve ser dada a possibilidade de exploração econômica do meio ambiente, não esvaziando seu conteúdo mínimo, reconhecendo a obrigação deste de preservar o espaço e os recursos naturais, sob pena de sofrer punição a ser fixada pelo judiciário.
Para atingir o equilíbrio entre a proteção ambiental e o direito de propriedade é importante integrar a proteção ao meio ambiente ao processo de desenvolvimento econômico-social. Sempre que o direito de propriedade respeita a função social, promove o desenvolvimento racional ou sustentável.
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Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIRA, Natália Luiza Lima Dantas. A atuação do Estado regular em busca da preservação de uma propriedade socioambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47154/a-atuacao-do-estado-regular-em-busca-da-preservacao-de-uma-propriedade-socioambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
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