Resumo: A condenação em danos morais não está, em regra, atrelada à condenação em danos materiais. Há, no entanto, situações especiais em que isso pode ocorrer. O trabalho traz primeiramente a regra, que é a não ocorrência do dano moral pelo mero descumprimento contratual e, posteriormente passa a analisar questão específica em que surge o dano in re ipsa. É dada ênfase ao descumprimento contratual no que tange a atrasos salariais por esse ser um pleito bastante recorrente nos tribunais trabalhistas. Por fim é apresentada hipótese em que o juiz pode se desvencilhar da regra e até da exceção e utilizar-se do livre convencimento motivado para sentenciar, pois é ele que, diante do caso concreto, tem mais condições para averiguar se, de fato, ocorreu ou não um dano moral.
Palavras-chave: Dano Moral. Descumprimento.contratutal. Direito do trabalho.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa dissertar sobre o dano moral em decorrência de descumprimento contratual. O fato de o empregador desrespeitar suas obrigações seria motivo suficiente para uma condenação em danos morais? Se não, quais seriam os requisitos necessários para que se caracterize o dano de ordem moral?
Serão analisadas algumas situações e, com base no posicionamento dos tribunais e da doutrina, serão feitas as conclusões consideradas juridicamente mais adequadas, inclusive analisando-se hipótese em que é possível presumir a ocorrência do dano. Por óbvio não há intenção de esgotar o tema ou fazer conclusões absolutas devido ao grande grau de subjetivismo que é inerente ao assunto dano moral.
2. DESENVOLVIMENTO
É válido iniciar a abordagem do assunto tratando da competência para julgar os casos de indenização por dano moral pleiteado por empregado em face do empregador. Esta competência é indiscutivelmente da Justiça do Trabalho, em decorrência da Emenda Constitucional nº 45 do ano de 2004 que alterou, entre outros dispositivos, o art. 114 da Carta Magna. Importante destacarmos especialmente os incisos I e VI do citado artigo, que afirmam ser a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive aquelas de indenizações por dano moral ou patrimonial.
Carmem Feijó (2012, online) tratou do assunto em sua matéria disponibilizada no site do Tribunal Superior do Trabalho, segundo a autora:
As reclamações trabalhistas voltadas para a reparação de dano moral começaram a chegar à Justiça do Trabalho a partir da Emenda Constitucional 45/2004, que, ao ampliar a sua competência, incluiu, no artigo 114 da Constituição da República, a previsão de processar e julgar ‘as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho’.
Superada a questão da competência, cumpre-se a missão de discernir se o descumprimento contratual é suficiente para ensejar uma reparação por danos morais. O assunto é de grande importância não só no campo doutrinário como, principalmente, na prática. Um entendimento firmado no sentido de ser cabível ou incabível a reparação por danos morais em razão de descumprimento contratual tem repercussão direta na maioria esmagadora dos processos que tramitam na justiça do trabalho, pois na maioria das vezes que o empregado ingressa na via judicial isso ocorre como consequência do descumprimento de pelo menos um dos deveres do empregador. Como exemplo podemos citar um caso bastante comum de pleito por danos morais por descumprimento contratual, que é aquele em que o empregado pede uma reparação em razão de atrasos no pagamento dos salários, principal obrigação do empregador.
Mas afinal, podemos afirmar que o descumprimento do contrato é conduta suficiente para configurar um dano moral? Ricardo Resende (2014, p. 302) entende que “o simples descumprimento contratual não tem o condão de causar dano moral. Ainda que cause aborrecimentos e contrariedade, a jurisprudência não aceita, neste caso, a configuração de dano moral, até mesmo para não banalizar o instituto”. Para o autor, portanto, o fato do empregador descumprir o mandamento do parágrafo primeiro do art. 459 da CLT, segundo o qual “quando o pagamento houver sido estipuado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequent ao vencido”, não seria suficiente para configurar um dano de ordem moral. Se assim ocorresse, completa Resende “toda condenação material seria seguida por uma condenação por dano moral”. Contudo, é importante mencionar, que é feita a ressalva na obra de Resende no sentido de ser devida a indenização no caso em que o descumprimento contratual provaca notório constrangimento ao empregado.
A posição adotada pelo doutrinador supracitado nos parece bem coerente. É verdade que nem toda condenação material deve ser suficiente para gerar uma indenização por dano moral. A reparação pelo descumprimento do contrato deve ser, em regra, a reparação material, ou seja, as verbas devidas. Em alguns casos a própria legislação prevê o pagamento de multas como forma de desestimular o empregador a reincidir na prática abusiva, podendo a condenação em danos morais resultar em verdadeiro “bis in idem” caso não haja fundamento adequado.
Para que possamos compreender melhor quando seria de fato cabível a condenação por danos morais, trago o conceito de dano moral de Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.359), vejamos:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.
Para que seja configurado o dano moral, portanto, é necessário que o empregado seja atingido em seu íntimo. Precisa ser comprovado o real prejuízo de ordem moral e não apenas o descumprimento contratual. O dano moral é aquela lesão a direito da personalidade capaz de causar verdadeira angústia e mal-estar, não se confunde com o mero dissabor.
Neste sentido o seguinte julgado do Tribunal Superior do Trabalho:
Recurso de revista. Dano moral. Descumprimento de obrigações trabalhistas. Pressupostos. Ausência. 1. Inferindo-se da moldura fática delineada pelo TRT de origem tão somente o descumprimento de obrigações trabalhistas, consistentes no atraso de 2 (dois), 1 (um) e 6 (seis) dias no pagamento dos salários de junho, julho e agosto de 2008, sem que seja consignada situação que, por si só, configure lesão a direitos imateriais do empregado, não se vislumbra a presença dos pressupostos ensejadores da indenização por dano moral, decorrente da responsabilidade civil subjetiva do empregador. 2. Recurso de revista de que não se conhece, no aspecto (TST, 4ª Turma, RR- 183-19.2011.5.04.0205, Red. Min. João Oreste Dalazen, j. 18.09.2013, DEJT 19.12.2013).
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar que o TST e também parcela da doutrina entendem que quando há atraso reitarado dos salários fica configurado o dano in re ipsa, que é o dano moral presumido, ou seja, aquele que independe da comprovação do grande sofrimento experimentado pela vítima. Isso se dá, em parte, em decorrência do caráter alimentar do salário, pois este é fonte de subsistência do empregado e de sua família. Esclarecedora é a lição de Maurício Godinho Delgado (2013, p. 654):
A principal obrigação do empregador é o pagamento tempestivo dos salários, parcela que constitui a principal vantagem trabalhista do empregado em face de seu contrato laborativo (arts. 457 e 458, caput, da CLT). Os salários, como se sabe, têm natureza alimentícia, exatamente por cumprirem papel basilar no tocante ao cumprimento de necessidades básicas, essenciais mesmo, da pessoa humana e de sua família, quais sejam, alimentação, moradia, educação, saúde, lazer e proteção à maternidade e à infância... Ora, o atraso reiterado, significativo, dos salários do empregado constitui infração muito grave, ensejando repercussões trabalhistas severas (a rescisão indireta, por exemplo: art. 483, “d”, CLT), além de manifestamente afrontar o patrimônio moral do trabalhador, uma vez que, a um só tempo, afronta-lhe diversos direitos sociais constitucionais fundamentais (art. 6º, CF/88), além de lhe submeter a inegável e desmesurada pressão psicológica e emocional. Naturalmente que pequenos atrasos, isto é, disfunções menos relevantes, embora possam traduzir ilícito trabalhista, não teriam o condão de provocar a incidência do art. 5º, V e X, da Constituição, e art. 186 do Código Civil. Porém sendo significativos e reiterados esses atrasos, não há dúvida de que incide o dano moral e a correspondente obrigação reparatória.
No mesmo sentido temos decisão do Tribunal Superior do Trabalho:
(...) 4. Indenização por danos morais em decorrência do atraso no pagamento dos salários. Há entendimento nesta Corte de que o simples atraso no pagamento das verbas rescisórias, por si só, não enseja a reparação por dano moral. Somente quando houver grave atraso ou a falta de pontualidade contumaz no pagamento de salários mensais ao trabalhador é que se pode dizer que houve ofensa aos direitos da personalidade, e consequentemente, a reparação por dano moral. Nesse caso, em virtude do caráter aliimentar da verba, esta é absolutamente indispensável para atender neessidades inerentes à própria dignidade da pessoa natural, tais como alimentação, moradia, saúde, educação, bem-estar – todos eles direitos sociais fundamentais na ordem jurídica do País (art. 6º, CF). Recurso de revista conhecido e não provido. Recurso de revista adesivo parcialmente conhecido e provido (TST, 2ª Turma, RR-12900-55.2009.5.04.0004, Rel. Des. Convocado: Valdir Florindo, j. 11.12.2013, DEJT 19.12.2013).
Enfatizamos que para que o atraso nos salários possa, por si só, configurar o dano in re ipsa é necessário que os atrasos sejam reiterados e significativos. O pagamento dos salários é, de fato, a principal obrigação do empregador e a incerteza do momento em que o empregado irá receber a contraprestação pelo trabalho prestado realmente pode ocasionar as mais variadas problemáticas para esse empregado. Há casos em que o empregado passa vários meses trabalhando sem receber salário e isso certamente afetará a ele e a sua família.
Obviamente que na prática o discernimento ficará a cargo do julgador, pois é o juiz que, diante do caso concreto, tem melhores condições de avaliar a situação fática. Mas os entendimentos supracitados certamente são um norte a ser seguido para a condenação ou não em danos morais em razão de um descumprimento contratual.
3. CONCLUSÃO
De todo o exposto, extraímos que, como regra, o mero descumprimento contratual não tem o condão de justificar uma condenação em danos morais, uma vez que esta é decorrência de ofensa ao patrimônio imaterial da pessoa humana, o que, geralmente, deve restar comprovado nos autos.
No entanto vislumbramos situações em que o dano moral é presumido. No caso de atrasos salariais podemos dizer que isso ocorre quando os atrasos são reiterados e significativos conforme pudemos constatar em decisões jurisprudenciais e em ensinamentos doutrinários.
Não podemos olvidar que a análise da ocorrência ou não de um dano moral é dotada de extrema subjetividade e que pode acontecer de, em um caso concreto, a situação não se amoldar às diretrizes traçadas no presente trabalho. Neste caso o juiz deve decidir da forma mais coerente, ainda que de forma distinta dos tribunais superiores, desde que fundamentadamente. Nosso ordenamento jurídico resguarda situações como essas, e por isso as decisões dos tribunais, em regra, não são vinculantes.
Além disso, vigora em nosso ordenamento o princípio do livre convencimento motivado conforme art. 131 do Código de Processo Civil de 1973 e art. 371 do Código de Processo Civil de 2015, aplicável subsidiariamente ao processo trabalhista por força do disposto no art. 769 da CLT que dá guarida à decisão do magistrado baseado em seu discernimento.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
______. Código de processo civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
______. Código de processo civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
______. Consolidação das leis do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
______. Constituição Federal de 1988. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013.
FEIJÓ, Carmem. Notícias do TST. Brasília, 22 set. 2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/ busca-de-noticias?p_p_id=buscanoticia_WAR_buscanoticiasportlet_INSTANCE_xI8Y&p_p_ lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_count= 2%20&advanced-search-display=yes%20&articleId=2435311%20&version=1.5%20&groupId =10157%20&entryClassPK=2435313>. Acesso em: 12 set. 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.
RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho. 4ª ed. Ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014
Advogado (OAB/CE 29324)/ Servidor Público / Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza / Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Paulo Eduardo Feitosa. Dano moral em decorrência do descumprimento contratual no âmbito trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47230/dano-moral-em-decorrencia-do-descumprimento-contratual-no-ambito-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
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