RESUMO: Este trabalho analisa a possibilidade de Estados e Municípios estabelecerem a licença-prêmio para os agentes públicos componentes de seus quadros. Destaca-se a autonomia política-administrativa das entidades federativas, a qual abarca a relação entre agente público e Administração Pública. A juridicidade também é mencionada, salientando a necessidade da atuação administrativa estar de acordo com o ordenamento jurídico como um todo. No que tange especificamente à licença-prêmio, são abordados os casos em que a mesma pode ser convertida em pecúnia, as características desse direito, assim como o prazo prescricional que alcança o instituto.
Palavras-chave: Juridicidade; licença-prêmio; agentes públicos.
Em obediência ao caput do art. 37 do texto constitucional, a Administração Pública é guiada pelo princípio da legalidade, o qual, ao contrário do ocorre para os particulares, permite a atuação administrativa somente nas hipóteses em que haja autorização legal.
Nada obstante, a doutrina contemporânea tem conferido sentido mais consentâneo com o ideário decorrente do pós-positivismo jurídico. De fato, as Cartas Constitucionais em conjunto com os direitos fundamentais, em virtude da proteção da dignidade da pessoa humana, ganharam importância após todas as atrocidades ocorridas no período da Segunda Guerra Mundial.
Com isso, a concepção de legalidade é ampliada para de juridicidade. Assim, a atividade administrativa deve se dar em conformidade não só com a lei em sentido formal, mas com todo o ordenamento jurídico, notadamente com a Carta da República.
Quanto ao regime jurídico, os agentes públicos dividem-se em 3 (três) categorias, a saber: a) agentes políticos – os quais possuem as funções definidas pela Constituição e desenham os destinos fundamentais do Estado; b) servidores públicos militares ou civis, podendo estes serem ocupantes de cargo público de provimento efetivo, de provimento em comissão e cargo temporário; e c) agentes particulares colaboradores – são particulares que exercem funções especiais que podem ser classificadas como públicas, v.g., jurados e mesários
Tanto os comissionados, como os funcionários públicos, os quais integram o quadro de pessoal efetivo da Administração Pública, são regidos em sua relação funcional com a respectiva entidade administrativa por meio de Estatuto do Funcionalismo, na forma vigente do art. 39 da Carta Cidadã. Isto é ratificado pela Lei nº 8.112/90, que regulamenta o regime dos servidores civis com a União e com pessoas jurídicas de direito público federal, definindo que são servidores os ocupantes de cargos públicos, na forma de seu art. 2º.
Muito embora o instituto da licença por assiduidade tenha sido excluído no âmbito federal, desde a Lei nº 9.527/97, que alterou a Estatuto dos Servidores Federais, nada impede que Estados e Municípios venham a garantir o direito à licença-prêmio para os seus agentes. Isto porque a relação entre agente público e Administração Pública encontra-se inscrita no âmbito de autonomia política-administrativa das entidades federativas, garantida pelo caput do art. 18 da CRFB.
Contudo, mostra-se imprescindível destacar que a referida licença não pode ser contabilizada para efeito de contagem fictícia de tempo de contribuição, uma vez que o constituinte estabelece vedação em tal sentido, conforme se infere da leitura do parágrafo 10 do art. 41 da Constituição.
Com o intuito de estabelecer um norte interpretativo, será utilizada a legislação do Município de Nova Iguaçu. De acordo com o art. 68 da legislação em análise, o servidor, após cada qüinqüênio, ininterrupto de exercício, fará jus a 3 (três) meses de licença com remuneração integral. Em outras palavras, após 5 (cinco) anos de efetivo exercício das funções administrativas, o servidor pode gozar de um trimestre de licença sem prejuízo da sua remuneração.
Não obstante a omissão da legislação municipal em tela no que concerne à regulamentação do instituto em análise no caso de ocorrência de aposentadoria, a jurisprudência consolidou-se, de modo uníssono, pela possibilidade da conversão em pecúnia da licença-prêmio adquirida e ainda não gozada em decorrência da vedação ao enriquecimento sem causa.
O instituto do enriquecimento sem causa encontra guarida no art. 884 do CC, o qual preceitua que aquele que se enriquecer à custa de outrem sem justo motivo, deverá restituir o que foi ganho indevidamente, com a correspondente atualização monetária. É certo que tal disposição funciona como um soldado de reserva, isto é, sua utilização é direcionada para os casos em que não existe regulamentação adequada para a situação, assim como acontece na aludida hipótese.
A título de esclarecimento, cumpre reproduzir precedentes do E. TJERJ sobre a questão para se tornarem parte integrante do presente artigo:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. DIREITO À INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ÚLTIMA REMUNERAÇÃO COMO BASE DE CÁLCULO. PROVIMENTO. 1. Recurso contra sentença em demanda na qual pretende a autora a condenação do Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de importância correspondente a cento e cinquenta dias não gozados de licença-prêmio, até a ocasião da sua aposentadoria. 2. Apelada que faz jus à indenização correspondente às licenças não gozadas, isto porque, se assim não se reconhecesse, ocorreria enriquecimento ilícito do Estado, independente de ter ou não o apelado requerido a fruição da licença. 3. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. 4. Última remuneração da servidora como base de cálculo a ser adotada para apuração do montante devido. Precedentes do E. STJ. 5. Apelo provido. (Apelação 0295812-29.2013.8.19.0001, REL. DES. ADOLPHO ANDRADE MELLO - Julgamento: 30/09/2014 - NONA CÂMARA CÍVEL)
AÇÃO DE COBRANÇA. MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO. SERVIDORA PÚBLICO MUNICIPAL. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA, CONVERSÃO EM PECÚNIA QUANDO DA APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DE LICENÇA PRÊMIO EM DINHEIRO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ENTENDIMENTO DO E. STJ NO MESMO SENTIDO. A INDENIZAÇÃO CONCERNENTE À LICENÇA PRÊMIO DEVE TER POR BASE A REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR QUANDO DE SUA APOSENTADORIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (Apelação 0065886-55.2011.8.19.0001, REL. DES. HELENA CANDIDA LISBOA GAEDE - Julgamento: 19/08/2014 - DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL)
REEXAME NECESSÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. APOSENTADORIA. PRETENSÃO DE CONVERSÃO EM PECÚNIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL INOCORRENTE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 77, XVII, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO QUE NÃO IMPEDE A APRECIAÇÃO DA QUESTÃO. DEVE SER ASSEGURADO AO SERVIDOR A INDENIZAÇÃO EM PECÚNIA CORRESPONDENTE AOS PERÍODOS DE LICENÇA NÃO GOZADOS, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO. (REEXAME NECESSARIO 0065408-81.2010.8.19.0001, REL. DES. ALCIDES DA FONSECA NETO - Julgamento: 24/10/2013 - DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)”
Nessa ordem de ideias, em virtude do princípio da juridicidade, objeto de comentários linhas acima, as entidades federativas devem respeitar não somente aquilo que se encontra expressamente previsto nas respectivas leis. É preciso que haja cumprimento de princípios, também considerados normas jurídicas, em especial daqueles que procuram resguardar valores constitucionalmente tutelados.
Portanto, a Administração Pública, na espécie, deve observar o princípio da segurança jurídica em seu aspecto subjetivo, concretizado pela legítima expectativa dos particulares e de seus próprios agentes de vir a usufruir direito consignado em lei, ainda que não haja regulamentação específica nos casos em que a aposentadoria acontece antes do correspondente exercício.
Na hipótese de falecimento, a licença-prêmio por assiduidade é regulamentada pelo art. 70 do Estatuto dos Servidores do Município de Nova Iguaçu, in verbis:
Art. 70 – No caso de falecimento do funcionário, as licenças-prêmio já adquiridas e não gozadas, serão convertidas em pecúnia, em favor dos beneficiários da pensão.
Caso haja a morte de servidor aposentado com licenças-prêmio em aberto, os seus herdeiros não terão direito a qualquer valor, uma vez que a supracitada norma refere-se, em conformidade com a interpretação literal, aos funcionários, o que exclui a situação dos aposentados que já tiveram o seu vínculo funcional extinto.
Todavia, é oportuno destacar que uma vez ocorrendo a aquisição do direito, não se mostra cabível a exclusão da referida parcela patrimonial por norma infraconsticucional. Isto porque haveria violação do inciso XXXVI do art. 5º da CRFB, o qual proíbe a edição de lei que venha a vilipendiar direito adquirido dos indivíduos.
Nesse passo, cabe lembrar que o direito não socorre a quem dorme, sendo necessário investigar o momento em que o ato de aposentadoria do servidor falecido foi publicado para definir a partir de quando se iniciou o prazo prescricional, que após o transcurso de um lapso temporal obsta que o titular venha concretizar sua pretensão.
Tratando-se de passivo do Município de Nova Iguaçu, aplica-se o art. 1º do Decreto nº 20.910/32, que estabelece o prazo de cinco anos para o exercício da pretensão:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Nesta ordem de ideias, insta ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça tem o posicionamento pacífico de que o início do decurso do período prescricional para a conversão da licença-prêmio em pecúnia ocorre com a aposentadoria. Por todos, colaciona-se o seguinte precedente:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. TEMPO DESERVIÇO PRESTADO SOB A ÉGIDE DA CLT. CONTAGEM PARA TODOS OS EFEITOS. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. PRESCRIÇÃO. TERMO AQUO. DATA DA APOSENTADORIA. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC. 1. A discussão dos autos visa definir o termo a quo da prescrição do direito de pleitear indenização referente a licença-prêmio não gozada por servidor público federal, ex-celetista, alçado à condição de estatutário por força da implantação do Regime Jurídico Único. 2. Inicialmente, registro que a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que o tempo de serviço público federal prestado sob o pálio do extinto regime celetista deve ser computado para todos os efeitos, inclusive para anuênios e licença-prêmio por assiduidade, nos termos dos arts. 67 e 100 , da Lei n. 8.112 /90.Precedentes: AgRg no Ag 1.276.352/RS , Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 18/10/10; AgRg no REsp 916.888/SC , Sexta Turma, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), DJe de 3/8/09;REsp 939.474/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 2/2/09; AgRg no REsp 957.097/SP , Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 29/9/08. 3. Quanto ao termo inicial, a jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a contagem da prescrição quinquenal relativa à conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada e nem utilizada como lapso temporal para a aposentadoria, tem como termo a quo a data em que ocorreu a aposentadoria do servidor público. Precedentes: RMS 32.102/DF, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 8/9/10; AgRg no Ag 1.253.294/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 4/6/10; AgRg no REsp 810.617/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 1/3/10; MS 12.291/DF, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Terceira Seção, DJe 13/11/09; AgRg no RMS 27.796/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 2/3/09; AgRg no Ag 734.153/PE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 15/5/06. 4. Considerando que somente com a aposentadoria do servidor tem inicio o prazo prescricional do seu direito de pleitear a indenização referente à licença-prêmio não gozada, não há que falar em ocorrência da prescrição quinquenal no caso em análise, uma vez que entre a aposentadoria, ocorrida em 6/11/02, e a propositura da presente ação em 29/6/07, não houve o decurso do lapso de cinco anos. 5. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1254456/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 02/05/2012).”
Destarte, se houver transcorrido o quinquídio legal, o aposentado ou seus herdeiros, na hipótese de falecimento, o direito à conversão da licença-prêmio por assiduidade encontra-se impossibilitado, não cabendo qualquer pretensão contra a Administração devedora.
CONCLUSÃO
Do exposto, registra-se que hodiernamente a legalidade estrita aplicada para a Administração Pública encontra-se em processo de franca superação para a ideia de juridicidade, em que a atuação administrativa resta conformada por todo o ordenamento jurídico, sobretudo pelas regras e princípios constitucionais.
Os ocupantes de cargo público efetivo e em comissão estão submetidos ao regime jurídico único da correspondente unidade federativa, o qual deve ser um regime estatutário, de sorte a conferir as garantias necessárias para o exercício livre e independente de suas funções.
A licença-prêmio por assiduidade é um direito garantido nos estatutos do funcionalismo, em grande parte dos entes federativos, de modo a incentivar o exercício contínuo das funções por seus servidores, que, futuramente, serão agraciados com período de descanso sem prejuízo dos valores remuneratórios.
Tendo em vista a exclusão do instituto em análise do plano federal, utilizou-se como parâmetro a legislação do Município de Nova Iguaçu, que o consagrou como fruto de sua autonomia política garantida no texto constitucional.
Ainda que a legislação não preveja a possibilidade de conversão da licença em tela para pecúnia, o seu cabimento encontra-se pacificado nas cortes pátrias independentemente de qualquer previsão legal com fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa e no princípio da legítima confiança, que pode ser extraído da defesa da segurança jurídica estampada no caput do art. 5º da CRFB.
Quanto à conversão em valores pecuniários na hipótese de falecimento, a legislação em destaque restringe o benefício apenas ao servidor em exercício, excluindo tal direito, de maneira transversa, do servidor aposentado.
Contudo, em homenagem ao inciso XXXVI do art. 5º da CRFB, é preciso realizar interpretação conforme ao texto constitucional da norma municipal para garantir o acesso dos herdeiros aos valores oriundos de eventual conversão de licença-prêmio em aberto, uma vez que legislação infraconstitucional não pode macular direito adquirido.
Por derradeiro, destaca-se que o direito em questão não é perpétuo, por isso, a Corte da Cidadania estabelece a publicação da aposentadoria como marco inicial da prescrição para o exercício da pretensão, sendo certo que o prazo em questão é de 5 (cinco) anos, na forma do entendimento firmado, sob o rito dos recursos repetitivos, no REsp 1251993/PR.
Referências Bibliográficas
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LEI nº 9.527/97 de 10 de dezembro de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9527.htm. Acesso em 29 de julho de 2016.
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
ARAGÃO, Alexandre Santo de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Assessor jurídico na Procuradoria Geral do Município de Nova Iguaçu.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Alan do Nascimento. Considerações a respeito da licença-prêmio por assiduidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47469/consideracoes-a-respeito-da-licenca-premio-por-assiduidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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