Resumo: Este artigo abordará as influências recíprocas entre legislativo e judiciário no controle preventivo de constitucionalidade. Para este fim, será considerada a crise da tripartição dos poderes, ao mesmo tempo que busca-se esclarecer o panorama estrutural que as instituições brasileiras se inserem, elencando peculiaridade e pontos de conflito. Ademais, objetiva refletir sobre o sistema de freios e contrapesos que caracterizam a independência e harmonia dos órgãos constitucionalmente relevantes.
Palavras-chave: controle; constitucionalidade; preventivo.
Abstract: This article discusses reciprocal influences between legislative and judiciary in preventive control of constitutionality. To this end, it will be considered the crisis of modern theory of state, while it seeks to clarify the structural panorama that Brazilian institutions are included, listing uniqueness and points of conflict. Moreover, it aims to reflect on the system of checks and balances that characterize the independence and harmony of constitutionally relevant bodies.
Keywords: control; constitutionality; preventive.
Este artigo abordará as influências recíprocas entre legislativo e judiciário no controle preventivo de constitucionalidade. Para este fim, será considerada a crise da tripartição dos poderes, ao mesmo tempo que busca-se esclarecer o panorama estrutural que as instituições brasileiras se inserem, elencando peculiaridade e pontos de conflito. Ademais, objetiva refletir sobre o sistema de freios e contrapesos que caracterizam a independência e harmonia dos órgãos constitucionalmente relevantes.
Nesse sentido, este artigo tem foco na atuação da corte suprema no controle preventivo de constitucionalidade. Não há aqui, portanto, pretensão de avaliar o ativismo judicial, nos termos de apropriação da competência legislativa, pois o centro de estudo é outro. O objetivo principal engloba uma face específica das interações entre os dois poderes, em síntese, as consequências políticas do controle de constitucionalidade preventivo exercido pelo STF no exercício da função legislativa do Congresso Nacional.
Nesse contexto, procura-se compreender o sistema de controle preventivo brasileiro através do estudo dos seguintes pontos fundamentais: o direito de iniciativa, o desenvolvimento do processo e os efeitos, inclusive políticos, da decisão de inconstitucionalidade preventiva. Para se construir uma análise mais complexa, este artigo irá propor um diálogo com os sistemas jurídicos francês e português, tendo em vista a existência consolidada da apreciação a priori da atividade legislativa.
2. Crise da Tripartição dos Poderes
A teoria moderna da separação dos poderes estabelece três órgãos estatais fundamentais: legislativo, executivo e judiciário. A teoria da tripartição de poderes que teve suas bases esboçadas por Aristóteles[1], ganhou versão de Locke[2], e foi finalmente popularizada por Montesquieu[3] surgiu da necessidade de evitar uma concentração absoluta de poder.
No entanto, utilizar o modelo de separação dos poderes pensado pelos modernos seria, sem dúvidas, anacrônico e superficial. A sociedade contemporânea desenvolveu-se em direção à complexidade de instituições que fariam os modernos teóricos constitucionalistas confusos. Quem não ficaria?
No Brasil, por exemplo, existe o Tribunal de Contas da União, que apesar do nome não faz parte do Poder Judiciário, alguns até sustentam que não faz parte também do Poder Legislativo, seria apenas um órgão auxiliar do Congresso Nacional no exercício do controle externo (art. 72, CF). Seria, então, um quarto poder?
Apesar da clara repartição de competências prevista na Constituição, inspirada nos freios e contrapesos do federalismo norte-americano, observa-se hoje uma flexibilização ainda maior das funções do Estado, que vem assumindo sentido bem menos rígido, falando-se até em regime de colaboração de poderes.
"a ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão (...) e novas formas de relações entre os Poderes Legislativo e Executivo e destes com o Judiciário. A urgência em responder às necessidades coletivas obrigou a uma nova reformulação dos princípios de governo."[4]
Nesse mesmo emaranhado institucional, como explicar a posição do Ministério Público, que já esteve tão ligado ao Poder Judiciário, mas hoje detém "autonomia funcional, administrativa e financeira", guiado pelos princípios da indivisibilidade, unidade e independência funcional, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não seria apressado considera-lo um poder da república, pois, afinal, carrega todas as características inerentes à classificação. Porém, não é o que pensa a mais douta e celebrada doutrina jurídica.
Embora se perceba que a tripartição não é reflexo fiel da realidade, ela mantém-se como fundo teórico fundamental, orientando julgados, políticas públicas e organizando a gestão estatal.
A crise da repartição de poderes encontra entre teóricos que substituem o termo poder por função, considerando que aquele representa a força una e soberana do Estado e este demonstra as atividades típicas inerentes à condução e ao exercício do seu domínio. Assim, existem três funções: executiva, legislativa e judiciária. Ao legislativo cabe a criação legal e a fiscalização. Ao judiciário incumbe a aplicação da lei, geral e abstrata, ao caso concreto para a resolução de conflitos. Ao executivo compete a atividade administrativa e concretização de políticas públicas.
Nesse contexto, é preciso entender que as atividades relacionadas anteriormente constituem papéis típicos de cada "poder", de modo que, no exercício de funções atípicas, o legislativo poderá realizar atividade administrativa, como contratação de pessoal, bem como o executivo poderá legislar, como decretos regulamentares e autônomos, entre outras combinações previstas e reguladas constitucionalmente. Não há que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes nesses casos, uma vez que o texto magno consolida a independência e harmonia, prevendo a correlação inevitável entre as instituições.
Tendo a análise acima como pressuposto teórico para o desenvolvimento dessa análise, é preciso compreender as instituições governamentais em debate, uma vez que o foco desse estudo é a Legislativo e o STF.
O Poder Legislativo Federal brasileiro é formado pela Câmara, pelo Senado Federal e pelo Congresso Nacional. Cada uma dessas entidades possui competências próprias decorrente da Constituição. Em termos gerais, a Câmara é considerada a casa do povo, já o Senado é reconhecido como representante dos estados federados. O Congresso Nacional é a união desses dois órgãos.
A Câmara dos Deputados é formada por 513 deputados federais, representantes do povo (art. 45,CF/88), eleitos pelo sistema proporcional para um mandato de 4 anos. As cadeiras da casa são distribuídas conforme o coeficiente populacional estadual, flutuando entre o mínimo de 8 e o máximo de 70 deputados. Os Territórios Federais têm representação fixa, 4 cadeiras.
O Senado Federal representa os estados e o Distrito Federal, com a função de preservar o pacto federativo, sendo constituído por 81 senadores, eleitos pelo sistema majoritário, para um mandato de oito anos, com renovação parcial de 1/3 e 2/3 a cada 4 anos.
Já o Supremo Tribunal Federal, considerado o órgão mais alto da estrutura do Poder Judiciário, responde pela guarda da Constituição. Possui 11 membros, nomeados pelo Presidente da República e aprovados, após sabatina, pelo Senado Federal. A revista britânica The Economist, em 2009, classificou o STF como "o tribunal mais sobrecarregado do mundo, graças a uma infinidade de direitos e privilégios entrincheirados na Constituição nacional de 1988 (...) até recentemente, as decisões do tribunal não eram vinculadas aos tribunais inferiores. O resultado foi um tribunal que está sobrecarregado ao ponto de um motim. O Supremo Tribunal Federal recebeu 100.781 casos no ano passado."
O excesso de processos sob a jurisdição do tribunal decorre da atribuição de competências recursais, mas também de alçada originária. No que tange ao tema tratado neste artigo, a atuação originária prevalece sobre a recursal, pois a relevância constitucional da Casas Legislativas identifica o STF como o órgão com capacidade técnica, independência e autonomia suficientes para julgar as causas em que estão envolvidos.
Nesses casos, o STF atua, em regra, por meio de ADI, ADC, ADPF e MS. Primeiro, as ações do controle abstrato de constitucionalidade, ADI, ADC e de certo modo a ADPF, são utilizadas para questionar a compatibilidade com a carta magna de normas derivadas do exercício da função legislativa, ou seja, as leis.
Já o Mandado de Segurança (MS) é mecanismo jurídico apropriado para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ilegalidade ou abuso de poder. Além dessas funções, o MS é considerado pela doutrina como instrumento de controle preventivo de constitucionalidade de lei ou emenda constitucional, em razão da observância do devido processo legislativo constitucional.
Sobre este tema, em entrevista ao portal jurídico Conjur, o Ministro Celso de Mello declarou que o supremo somente tem deixado de conhecer de ações que, impugnando atos ou procedimentos das casas do Congresso Nacional, insurjam-se contra deliberações de natureza interna ou fundadas em prescrições de índole meramente regimental, pois, em tais situações, a superação de eventual disputa político-partidária no Parlamento deverá encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo.[5]
A atuação, nas condições expostas pelo Ministro, aconteceu no MS 33.353, impetrado pelo deputado federal Antônio José Imbassahy (PSDB/BA), que pedia a suspensão da sessão no Congresso Nacional.
No caso exposto, Celso de Mello entendeu que "a possibilidade extraordinária de intervenção jurisdicional, ainda que no próprio momento de produção das normas pelo Congresso Nacional, tem por finalidade assegurar aos parlamentares (e as estes, apenas) o direito público subjetivo, que lhes é inerente, de verem elaborados, pelo Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional, garantindo-se, desse modo, àqueles que participam do processo legislativo (mas sempre no âmbito da casa legislativa a que pertence o congressista impetrante) a certeza de observância da efetiva supremacia da Constituição, excluídos, necessariamente, no que se refere à extensão do controle judicial, os aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos interna corporis".[6]
Nesse sentido, quando estão em questionamento, através de MS, normas e atos interna corporis, em regra, o STF declina competência, da mesma forma como ocorre no controle concentrado. Esta posição é consequência do caráter regimental das discussões e não viola, portanto, o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição que indica que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Assim, apesar de afastar competência sobre atos interna corporis, o STF reconhece a relevância constitucional de assegurar o devido processo legislativo em um controle preventivo, uma vez que é realizado antes da promulgação da lei em questão. De fato, a jurisprudência do supremo reconhece apenas dois motivos legítimos para apreciação a priori de constitucionalidade de meros projetos normativos.
Somente em duas situações a jurisprudência do STF abre exceção a essa regra: a primeira, quando se trata de Proposta de Emenda à Constituição PEC que seja manifestamente ofensiva a cláusula pétrea; e asegunda, em relação a projeto de lei ou de PEC em cuja tramitação for verificada manifesta ofensa a algumas das cláusulas constitucionais que disciplinam o correspondente processo legislativo.[7]
Conforme é possível concluir do julgado acima, a posição do STF e da doutrina considera o controle preventivo como excepcional. Além disso, observa-se este tema gera uma série de questionamentos relevantes, alcançando, principalmente, a questão da compatibilização do controle de constitucionalidade com a teoria democrática, ou seja, sobre a legitimidade do controle de constitucionalidade exercido por órgão estranho ao Legislativo antes da promulgação da lei em si.
Em outras palavras, se o legislativo representa a vontade do povo, não caberia ao Judiciário negar o seu exercício. No entanto, quando esta vontade não encontra amparo no devido processo democrático, a vontade do legislativo é menos a vontade do povo e mais a vontade dos seus representantes, em um jogo político preocupante.
Assim, este artigo volta-se ao estudo do controle preventivo de constitucionalidade tendo em vista o complexo emaranhado institucional existente no Brasil contemporâneo. Ao final, este artigo objetiva ter contribuído para o aperfeiçoamento da matéria, mantendo em vista uma perspectiva legalista e republicana.
3. Controle de Constitucionalidade
Uma constituição representa, em termos gerais, as regras do jogo político que regulam uma sociedade e suas instituições democráticas. Nesse sentido, Hans Kelsen identificou a necessidade de um órgão central para atuar como guardião da Constituição.
Kelsen afirma que "o interesse de ser ter uma lei conforme a Constituição é um interesse público, que não coincide necessariamente com o interesse privado das partes implicadas no processo".[8]
O caso jurídico paradigma aconteceu nos EUA, no qual em Malbury v. Madison, em 1803, o Chefe de Justiça Marshall, reconheceu o direito-dever do Poder Judiciário de verificar a conformidade entre a lei e Constituição, naquele momento sob a forma do controle difuso.
Ademias, seguindo os preceitos Kelsenianos, a primeira constituição a utilizar este sistema de controle foi a Tchecoslováquia, seguida da Constituição da Áustria e da Espanha. O desenvolvimento da teoria gerou diferentes modelos de controle, distinguindo-se pelos órgãos decisórios, pelos efeitos do julgamento e pelo objeto de apreciação.
Enquanto Schmitt[9] defende que o controle de constitucionalidade deve ser de competência de um órgão político, dotado de legitimidade democrática, para Kelsen[10], o controle de constitucionalidade deve ser exercido por uma corte jurisdicional autônoma, especializada e imparcial. Waldron[11],posteriormente, continua a discussão, aquele defendendo que o parlamento deve dar a última palavra e este em defesa da supremacia decisória da Corte.
Quanto ao momento de controle, são aceitas as modalidades a priori (preventivo) e a posteriori (repressivo). O controle preventivo está, em regra, vinculado ao controle político e possui como características essenciais um órgão de controle de natureza política e um método político de discussão.[12]
Quanto ao controle preventivo, ganha expressão o Conselho Constitucional Francês[13] que realiza, diferente de seus homólogos europeus, controle exclusivamente a priori. Em consequência dessa análise, após a entrada em vigor da norma, nenhum juiz ou tribunal pode aceitar discussão sobre a constitucionalidade de uma lei.
Já em Portugal, existe a previsão do controle preventivo e do repressivo, que, por sua vez, pode ser exercido pela via de ação ou pela via de exceção.
Retomando, o objetivo do controle preventivo é impedir, vedar ou dificultar a vigência de normas indubitavelmente inconstitucionais; é evitar que um ato jurídico inconstitucional, especialmente uma norma inconstitucional, venha a ser promulgada e se torne válida e eficaz. Assim, essa modalidade de controle constitui, em essência, um instrumento de defesa da Constituição contra violações primárias, grosseiras e inequívocas, que justifiquem a fiscalização a priori.[14]
Sob a perspectiva histórica, vale ressaltar a lição do mestre Jorge Miranda:
O controle preventivo desponta como modalidade de controle particularmente nas constituições de pós Segunda Guerra Mundial (Itália, 1948; Alemanha, 1949; França,1946 e 1958), mas assume espaço significativo nas constituições das décadas de 70, 8e 90, afora outras constituições10. Apresenta-se tratado, de modo expresso, na Constituição de Portugal de 1976 (mantido, com algumas alterações nas reformas posteriores de 1982, 1989, 1992), num capítulo cujo rótulo por si é bastante elucidativo: "Da fiscalização preventiva de constitucionalidade" (art. 278). O modelo é seguido por algumas constituições de Estados lusófonos promulgadas nesta década; é assimilado pela Constituição da Espanha de 1978 e encontra, também, estampado em alguma constituições de Estados, antigas colônia francesas, que seguem o modelo francês.[15]
Os modelos Português e Francês se diferenciam substancialmente do modelo brasileiro, pois naqueles é permitido o controle preventivo sobre bases jurisdicionais. No Brasil, o escopo material de apreciação a priori é bem limitado.
Primeiro, no Brasil, o controle jurisdicional só é possível: (a) quando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja manifestamente ofensiva às cláusulas pétreas, ou (b) quando os procedimentos adotados no Congresso Nacional, relacionados à tramitação de projetos de leis ou de emenda constitucional, violarem flagrantemente a disciplina constitucional do processo legislativo.
O controle político preventivo, por sua vez, é possível nas Comissões temáticas na casas legislativas, com poder terminativo, bem como pelo veto presidencial, com possibilidade de reapreciação pelo Congresso Nacional. Assim, em regra, o controle preventivo no Brasil é tradicionalmente não jurisdicional.
Deste modo, como relatado anteriormente, a apreciação jurídica encontra um espaço muito pequeno, restando inerte quanto a erros grosseiros. Leis claramente inconstitucionais são promulgadas, entram em vigor, produzem efeitos em decorrência de um controle preventivo eminentemente político.
Outrossim, o controle preventivo depende de alguns pressupostos para ser funcional. O primeiro deles é a celeridade. A eficácia do controle preventivo está intimamente ligada à rapidez, uma vez que o objetivo é impedir a promulgação ou a continuidade do processo legislativo. Além disso, exige ausência de dilação probatória, prazos fixos e obrigatórios, ausência de precedente de impulso popular, rol de legitimados limitado, contraditório é reduzido. Essas restrições decorrem das circunstâncias de o controle preventivo não poder ser utilizado como instrumento político de retardação do processo legislativo.
Ademais, devido à ausência de controle preventivo jurisdicional, tem sido recorrente o enfraquecimento da presunção de constitucionalidade das leis, tendo como consequência o aumento dos questionamentos nos tribunais.[16] O controle difuso amplia ainda mais esse problema.
As leis estão submetidas ao jogo político e tem sua perspectiva jurídica relegada à segundo plano ou até mesmo esquecida. Argumentos jurídicos só são utilizados quando se prestam à atender uma vontade politicamente orientada. Assim, uma lei flagrantemente inconstitucional, que suscita sérias dúvidas sobre sua conformidade com a Constituição, pode entrar em vigor e produzir efeitos não desejáveis. Por isso, instrumentos como a medida liminar em controle de constitucionalidade e a modulação de efeitos são utilizados para amenizar esses problemas. O primeiro evita a produção de efeitos. O segundo procura conservar resultados quando a declaração de retroatividade enseja situações mais danosas que a manutenção das consequências.
Nesse contexto, também ganha importância a Ação Declaratória de Constitucionalidade, uma vez que só seria admitida quando demonstrada que "a controvérsia judicial que põe em risco a presunção de constitucionalidade do ato normativo em exame".[17] Esse tema será tratado na conclusão.
4. Controle preventivo em perspectiva comparada
Até este momento, este artigo expôs o arcabouço no qual está inserido o controle a priori da produção legislativa. Ademais, o controle preventivo pode ser classificado sob diversos aspectos. Pode ser externo ou interno, político ou jurisdicional. Pode ocorrer durante o processo legislativo, antes do processo legislativo ou depois do processo legislativo, mas antes da promulgação. Pode ser obrigatório ou facultativo, material ou formal, total ou parcial, puro ou misto, colegiado ou singular.
Em Portugal, segundo Jorge Miranda, não há sujeição automática de certos diplomas, nem uma pré-apreciação necessária de todos os diplomas. Para o exercício do controle, impõe-se a iniciativa do Presidente da República ou dos Ministros da República. A iniciativa exerce-se antes da ratificação quanto aos tratados; quanto às leis e aos decretos-leis, os diplomas referidos devem ser remetidos ao Tribunal Constitucional antes da promulgação das leis; e devem ser submetidos ao controle preventivo, antes da assinatura, os decretos de aprovação de acordos internacionais e os decretos legislativos regionais ou decretos regulamentares regionais. Interessante observar que, no caso de o Tribunal Constitucional não se pronunciar pela inconstitucionalidade, tanto o Presidente da República como o Ministro da República podem exercer o poder de veto, solicitando nova apreciação do diploma pela Assembléia respectiva ou comunicando-o ao Governo (art. 139º, 1 e 4, e art. 235º, 4). Já, ao contrário, o exercício do "veto político" preclude a iniciativa de fiscalização preventiva, salvo se houver modificação do texto pela Assembléia, em segunda deliberação.[18]
A Constituição francesa abriga os dois tipos de controle preventivo: o obrigatório e o facultativo. De um lado, a Constituição francesa demanda, obrigatoriamente, o exercício do controle preventivo no caso das leis orgânicas e dos regimentos parlamentares. Devem esses diplomas ser remetidos ao Conselho Constitucional antes da promulgação ou publicação. Nesses casos, a promulgação fica suspensa pelo prazo em que o Conselho deve-se pronunciar (1 mês ou 8 dias). O requerimento pode ser formulado pelo Presidente da República, Primeiro Ministro, Presidente da Assembléia Nacional e do Senado e, mais recentemente, por 60 deputados. O controle preventivo é facultativo no caso dos Tratados Internacionais quando aprovados, mas não publicados. As mesmas autoridades retro-indicadas podem solicitar o pronunciamento do Conselho Constitucional. Cabe ao Conselho Constitucional examinar a compatibilidade entre o tratado e a constituição. No caso de negativa, a revisão da constituição deve preceder à ratificação do tratado.[19]
A fiscalização preventiva em Portugal, disciplinada no artigo 278, é bastante ampla quanto ao objeto de controle. Incide sobre qualquer norma constante de tratado internacional, sobre decretos enviados ao Presidente da República para promulgação como lei ou decreto-lei, sobre acordo internacional remetido para a assinatura do Presidente da República. Incide, ainda, sobre decretos regulamentares regionais e decretos legislativos regionais.
Na França, o Conselho Constitucional exerce controle prévio sobre as leis orgânicas, antes de serem estas promulgadas; também exerce controle prévio sobre os regulamentos parlamentares e suas modificações. Em ambos os casos, o fundamento constitucional está no artigo 61 da Constituição, sendo que o Conselho Constitucional se recusa a examinar qualquer caso que envolva regulamentos parlamentares já em execução. Quando consultado com fundamento no mencionado artigo, o Conselho não pode recusar a examinar a questão. Em reforma introduzida em 1974, o alcance do artigo 61 foi ampliado para abranger também as leis em geral que, antes de sua promulgação, podem ser "deferidas" ao Conselho Constitucional mediante solicitação do Presidente da República, do Primeiro Ministro, do Presidente da Assembléia Nacional, do Presidente do Senado ou de sessenta deputados ou sessenta senadores.
No Brasil, a RFB organiza-se como um sistema presidencialista desde 1891, porém a modalidade preventiva de apreciação de conformidade com a Constituição não foi privilegiada. As constituições brasileiras adotaram o modelo americano de controle jurisdicional posterior, por meio do processo concreto ou abstrato.
Até 1988, o controle preventivo encontrava expressão apenas no chamado controle político de constitucionalidade, operado pelo Poder Executivo ou pelo próprio Poder Legislativo, a saber: o veto presidencial, veto preventivo, modelo de controle externo, fundado em motivo de inconstitucionalidade, e o pronunciamento das Comissões de Justiça das Casas Legislativas contrário à constitucionalidade de qualquer projeto ou ato submetido à sua censura (controle preventivo interno).
Assim, previam as Constituições de 1891 (art. 37, § 1º), 1934 (art. 45, caput), 1937(art. 66, § 1º), 1946 (art. 70, § 1º), 1967 (art.,62, § 1º) e 1969 (art. 59, § 1º) o veto presidencial fundado em motivo de inconstitucionalidade. Em todos os casos, o veto presidencial, modalidade de controle político externo, não era definitivo, mas superável pelo Congresso Nacional.[20]
O ilustre professor Jorge Miranda acrescenta que o objetivo do controle preventivo (ou da fiscalização preventiva, rótulo adotado pela Constituição de Portugal) é impedir, vedar ou dificultar a vigência de normas indubitavelmente inconstitucionais; é evitar que um ato jurídico inconstitucional, fundamentalmente, uma norma inconstitucional, venha a ser promulgada e se torne válida e eficaz. É, fundamentalmente, um instrumento de defesa da Constituição contra violações primárias, grosseiras e inequívocas, que justifiquem a fiscalização a priori. E, para tanto, deve ser extremamente bem definido e necessariamente muito limitado quanto ao seu objeto e alcance.
Destarte, ante o sistema vigente, não exite a previsão do controle preventivo jurisdicional de constitucionalidade, nos moldes existentes no direito comparado. Não é prevista a possibilidade de o Judiciário, em tese, impedir a tramitação (frustrando a iniciativa, discussão ou aprovação) de projetos de lei em curso no Congresso Nacional45 e a conseqüente conversão destes em lei, fundado em motivo de inconstitucionalidade.
Desse teor a Ação Direta de Inconstitunalidade nº 466-DF, interposta pelo Paro Socialista Brasileiro contra a Comissão Constituição e Justiça da Câmara, que emitiu proposta de Emenda Constitucional instituindo a pena de morte no Brasil diante consulta plebiscitária46, cujo teor foi o Ministro Celso de Mello. A súmula da decisão proferida nessa ação, ainda sede de Medida Liminar, enfatiza existir "controle preventivo abstrato no direito brasileiro" afora considerar ausência, no caso, de ato normativo que possibilite o ajuizamento da ação direta, nos termos da Constituição.
Convém transcrever parte de referida ementa:
"O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite o sistema de controle jurisdicional preventivo, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventi-va da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. Atos normativos in fieri, ainda e fase de formação, com tramitação não concluída, não ensejam e nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. Ao contrário do ato normativo que existe e que pode dispor de eficácia jurídica imediata, constituindo, por isso mesmo, uma realidade inovadora da ordem positiva , a mera proposição legislativa nada mais encerra do que simples proposta de direito novo, a ser submetida à apreciação do órgão competente, para que, de sua eventual aprovação, possa derivar, então, a sua introdução formal no universo jurídico.
A jurisprudência do Supremo Tribunal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão ,que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais ou estaduais, já promulgados, editados e publicados.
A impossibilidade jurídica de controle abstrato preventivo de meras propostas de emenda não obsta a sua fiscalização em tese quando transformadas em emendas à Constituição. Estas que não são normas constitucionais originárias não estão excluídas, por isso mesmo, do âmbito do controle sucessivo ou repressivo de constitucionalidade[21].
No controle difuso existe:
Exemplificando, via mandado de segurança, parlamentares, titulares do direito de iniciativa e de voto no processo legislativo, impedidos de exercerem tais direitos no cur-so da tramitação de um projeto de lei, postulam o reconhecimento desse seu direito "líquido e certo" ante o Poder Judiciário. Logrando acolhimento de sua pretensão, conseguirão, conseqüentemente, abortar a tramitação do projeto de lei em causa. Ante o argumento de que existe lesão de direitos, afasta-se a questão do controle de atos interna corporis ou das chamadas "questões políticas" pelo Judiciário.
É o caso do Mandado de Segurança nº 20.257-DF, impetrado contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a "deliberação de proposta tendente à abolição da república”, cujo Relator foi o Ministro Moreira Alves.
Veja-se parte da Ementa do Acórdão:
"Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república. Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas que sequer.
5. Controle do processo legislativo
Como visto acima, o controle jurisdicional preventivo encontra limites materiais na apreciação dos projetos de lei. Porém, dentro da doutrina e da jurisprudência, o controle do devido processo legislativo encontra-se pacificado e aceito como hipótese de questionamento de uma lei antes de sua promulgação. Nesse contexto, este capítulo terá foco nos seguintes pontos fundamentais: o direito de iniciativa, o desenvolvimento do processo e os efeitos, inclusive políticos, da decisão de inconstitucionalidade preventiva.
O processo legislativo tem seus preceitos estabelecidos na Constituição Federal e em atos internos de âmbito do Congresso Nacional. Em termos gerais, segundo José Afonso da Silva, conceitua-se como o "conjunto de atos que uma proposição normativa deve cumprir para se tornar uma norma de direito”.
Princípios do processo legislativo são aspectos objetivos e subjetivos: aqueles consistentes nos atos processuais legislativos; estes, nos órgãos e pessoas, que são os sujeitos desse processo. Assim, poderíamos dizer que o processo legislativo é o conjunto de atos (iniciativa,emenda, votação, sanção) realizados pelos órgãos legislativos e órgãos cooperadores para o fim de promulgar leis".[22]
Os princípios do Direito Parlamentar Brasileiro, grande parte deles definidos por José Afonso da Silva, são publicidade, oralidade, separação da discussão e votação, unidade da legislatura, exame prévio dos projetos por comissões parlamentares, sob a perspectiva jurídica, e outra parte derivada da Ciência Política e da prática parlamentar, como bicameralismo, democracia, simetria e não convalidação das nulidades.[23]
Segundo José Afonso da Silva, o processo legislativo pode ser didaticamente dividido nas seguintes fases: (1) iniciativa, (2) discussão, (3) votação, (4) sanção ou veto, e (5) promulgação e publicação.
Durante o processamento da proposta legislativa, o próprio Congresso Nacional tem possibilidade de obstar o seguimento de matéria contrária à constituição, o meio idôneo é a análise a priori das comissões parlamentares. O exame prévio do projeto por comissões parlamentares tem como objetivo de aperfeiçoar as proposições legislativas, através do debate especializado e técnico. Nesse ambiente, existe a possibilidade de audiências públicas, com a opinião de especialistas e posicionamento de grupos de interesse.
As comissões estudam as matérias relativas aos projetos, emitindo pareceres sobre sua constitucionalidade, juridicidade, adequação financeira, orçamentária, e sobre o mérito. Em regra, esses pareceres são, posteriormente, discutidos e votados em Plenário. A exceção são os projetos apreciados com poder conclusivo das comissões que, salvo recurso interposto para deliberação em Plenário da Casa, são apreciados exclusivamente pelas comissões (RICD, art. 24,II; RISF, art. 91).[24]
Segundo Carneiro, Santos e Netto, com
O advento da Constituição Federal de 1988, o papel das comissões foi ampliado e fortalecido, uma vez que elas desempenham funções primordiais para o aprimoramento da democracia brasileira. Essa valorização deveu-se, principalmente, à possibilidade de concluírem, em determinadas circunstâncias, o processo legislativo referente aos projetos de lei sem a necessidade da apreciação do Plenário das casas legislativas, o que se conhece como poder conclusivo das comissões. [25]
Após o exame das comissões, sendo aprovada pelo Legislativo, a proposta é, então, submetida ao crivo do chefe do executivo, que pode sancioná-la ou vetá-la. A Constituição estabelece expressamente limites, inclusive argumentativos, para o exercício do veto. Assim, a sanção pode se dar de maneira tácita ou expressa, além de poder ser fundamentado na inconstitucionalidade do projeto o veto jurídico ou na contrariedade ao interesse público o veto político. Ademais, mais uma vez, há manifestação de um tipo de controle de constitucionalidade político e prévio, pois se dá antes de a proposição tornar-se lei. Porém, o veto pode ser revertido por maioria absoluta dos membros, no Congresso Nacional.
Percebe-se, portanto, que o Judiciário está ausente de processo legislativo, salvo na atuação para preservar as etapas obrigatórias de formação da lei. Isso significa que o STF pode obstar o seguimento de um projeto legislativo, quando não forem observadas as normas constitucionais pertinentes, ou seja, quando houver violação do devido processo legislativo.
Esse controle preventivo, por interromper o debate no Parlamento, constitui um ponto de atrito na relação entre os poderes judiciário e legislativo. Sobre isso, Araújo e Nunes Júnior assentam:
O Supremo Tribunal Federal (...) tem entendido que o controle preventivo pode ocorrer pela via jurisdicional quando existe vedação na própria Constituição ao trâmite da espécie normativa. Cuida-se, em outras palavras, de um `direito-função' do parlamentar de participar de um processo legislativo juridicamente hígido. Assim, o § 4o do art. 60 da Constituição Federal veda a deliberação de emenda tendente a abolir os bens protegidos em seus incisos. Portanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que os parlamentares têm direito a não ver deliberada uma emenda que seja tendente a abolir os bens assegurados por cláusula pétrea[26].
No caso, o que é vedado é a deliberação, momento do processo legislativo. A Mesa, portanto, estaria praticando uma ilegalidade se colocasse em pauta tal tema. O controle, nesse caso, é pela via de exceção, em defesa de direito de parlamentar. "[27]
O instrumento do mandado de segurança é idôneo para questionar a conformidade do processo legislativo, direcionada ao próprio trâmite da lei ou da emenda, visando assegurar o fiel cumprimento das normas constitucionais.
A Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas que sequer se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição."9595 Texto do acórdão do MS 20.257/DF, considerado um leading case para várias decisões posteriores (Apud ibidem. p. 258).[28]
A respeito do mandado de segurança, ainda sob a Constituição de 1967/69, o Supremo Tribunal Federal, no MS 20.257, entendeu admissível a impetração de mandado de segurança contra ato da Mesa da Câmara ou do Senado Federal, asseverando que, quando "a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda (...), a inconstitucionalidade (....) já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição." Esse entendimento vem sendo seguido pelo Tribunal em diversos precedentes, o que demonstra que se adota controle preventivo de constitucionalidade, na modalidade incidental ou concreta. Trata-se de uma situação excepcional de controle preventivo de caráter judicial.[29]
Tal desenvolvimento jurisprudencial, com a consequente definição das hipóteses permissivas do controle preventivo, produz graves questionamentos quanto aos limites de atuação argumentativos e institucionais do Supremo Tribunal Federal em um contexto democrático complexo, isto é, caracterizado pela grande divergência entre os cidadãos a respeito de questões sociais, políticas, econômicas e jurídicas sensíveis.
Apesar de algumas discussões paralelas sobre a perda de objeto da ação mandamental, o Ministro Moreira Alves, redator para o acórdão, delineou em seu voto o que viria a se tornar a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal sobre o cabimento de Mandado de Segurança para intervir no processo legislativo:
Não admito mandado de segurança para impedir tramitação de projeto de lei ou proposta de emenda constitucional com base na alegação de que seu conteúdo entra em choque com algum princípio constitucional. E não admito porque, nesse caso, a violação à Constituição só ocorrerá depois de o projeto se transformar em lei ou de a proposta de emenda vir a ser aprovada. Antes disso, nem o Presidente da Casa do Congresso, ou deste, nem a Mesa, nem o Poder Legislativo estão praticando qualquer inconstitucionalidade, mas estão, sim, exercitando seus poderes constitucionais referentes ao processamento da lei em geral. A inconstitucionalidade, nesse caso, não será quanto ao processo da lei ou da emenda, mas, ao contrário, será da própria lei ou da própria emenda, razão por que só poderá ser atacada depois da existência de uma ou de outra. Diversa porém, são as hipóteses como a presente, em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do artigo 57), ou a sua deliberação (como na espécie). Aqui, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas que sequer se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, neste caso, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformarem em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição. E cabe ao Poder Judiciário nos sistemas em que o controle da constitucionalidade lhe é outorgado impedir que se desrespeite a Constituição. Na guarda da observância desta, está ele acima dos demais Poderes, não havendo, pois que se falar, a esse respeito, em independência de Poderes. Não fora assim, não poderia ele exercer a função que a própria Constituição, para a preservação dela, lhe outorga. Considero, portanto, cabível, em tese, o presente mandado de segurança.[30]
Já sob a vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal continuou a sedimentar sua jurisprudência sobre o tema, ressaltando corriqueiramente o caráter excepcional do controle preventivo, mas sempre destacando explicitamente suas hipóteses de cabimento e seus legitimados:
O controle de constitucionalidade tem por objeto lei ou emenda constitucional promulgada. Todavia, cabe ser exercido em caso de projeto de lei ou emenda constitucional quando a Constituição taxativamente veda sua apresentação ou a deliberação. Legitimidade ativa privativa dos membros do Congresso Nacional.[31]
Os legitimados para impetração do Mandado de Segurança estão limitados aos parlamentares, pois estes seriam os sujeitos da violação do direito ao devido processo legislativo.
O parlamentar no pleno exercício do mandado eletivo ostenta legitimidade ativa ad causam para impetrar mandado de segurança com a finalidade de prevenir atos no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizem com o processo legislativo constitucional. [32]
O controle de constitucionalidade preventivo baseia-se em uma ideia consistente, no qual se busca preservar a presunção de constitucionalidade das leis. Porém, não figura o controle preventivo entre os eleitos pela doutrina como ideal para a defesa da Constituição. Na verdade, não raro, sofre críticas. É o que mostra Ferreira Filho quando aduz:
Sem dúvida, grande vantagem haveria em impedir-se de modo absoluto a entrada em vigor de ato inconstitucional. Todavia, a experiência revela que toda tentativa de organizarum controle preventivo tem por efeito politizar o órgão incumbido de tal controle, que passa a apreciar a matéria segundo o que entende ser a conveniência pública e não segundo a sua concordância com a lei fundamental. Isso é mais grave ainda no que concerne à lei, que se considera, na democracia representativa, expressão da vontade geral, pois vem dar a um órgão normalmente de origem não popular uma influência decisiva na elaboração das leis.
O controle repressivo já aduz dúvidas sobre a compatibilidade com o regime democrático, o controle repressivo acentua ainda mais as preocupações. O controle preventivo impede o nascimento da lei, interrompe a vontade legislativa. Muito arduamente, este tipo de controle pode ser compatibilizado com o regime democrático. Surge, assim, a pergunta sobre o que é a vontade do povo? A vontade dos seus representantes? A vontade da Constituição?
A discussão a respeito da legitimidade da jurisdição constitucional, dessa maneira, adquire importância notória nos debates jurídicos e políticos contemporâneos, pois a preocupação com a instituição de uma ordem democrática exige uma explicação racional da atuação de seus órgãos formais.
Uma constituição em que falte a garantia da anulabilidade dos atos inconstitucionais não é plenamente obrigatória, no sentido técnico. Muito embora não se tenha em geral consciência disso, porque uma teoria jurídica dominada pela política não permite tomar tal consciência, uma Constituição em que os atos inconstitucionais, e e particular as leis inconstitucionais também permanecem válidos na medida em que sua inconstitucionalidade não permite que sejam anulados equivale mais ou menos, do ponto de vista propriamente jurídico, a um anseio sem força obrigatória. Toda lei, todo regulamento, e mesmo todo ato jurídico geral produzido pelos indivíduos, tem uma força jurídica superior à de tal Constituição, à qual no entanto são subordinados e da qual todos eles deduzes sua validade. O direito positivo zela para que possa se anulado todo ato excetuada a Constituição- que esteja em contradição com a norma superior.[33]"
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do alargamento de sua competência no texto constitucional de 1988, passou a desempenhar uma posição política central no cenário institucional brasileiro, de modo que à Corte cabe, usualmente, a última palavra sobre a resolução de controvérsias constitucionais sensíveis. Esse protagonismo do STF pode ser explicado por diversos fatores, sejam eles sócio-políticos, sejam eles mais relacionados com o desenvolvimento da técnica jurídica de controle de constitucionalidade.
O grau com que o judiciário é invocado para servir como árbitro nos conflitos entre as forças ou instituições políticas depende não apenas da força dos tribunais, mas também, deforma mais abrangente, dos padrões da disputa política.[34]
Taylor[35], em sentido semelhante, argumentou que os atores políticos utilizam os tribunais como recurso tático para retardar, impedir, desmerecer ou declarar sua oposição àquela matéria. Os custos de ingresso no judiciário seriam pequenos, quando comparados aos benefícios políticos que essa tática poderia gerar.
Por essas questões, o controle preventivo sob bases jurisdicionais encontra fundados óbices para se consolidar na cultura jurídica brasileira. Não é possível visualizar uma mudança na direção da doutrina e na jurisprudência, de modo que resta consolidado o controle repressivo como regra. O controle jurisdicional preventivo permanecerá excepcional.
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[1]ARISTÓTELES. Dos Três Poderes Existentes em Todo o Governo. In: ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 127-143
[2] LOCKE, John. Dos poderes legislativo, executivo e federativo da comunidade. In: LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: IBRASA, 1963. p. 91-93.
[3] MONTESQUIEU. Do Espírito das leis. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007.
[4] SILVA, José Afonso da. Processo Constitucional de Formação das Leis. 2a ed. São Paulo:Malheiros, 2006. p. 48.
[5]http://www.conjur.com.br/2014-dez-19/celso-mello-defende-controle-preventivo-constitucionalidade, acesso em 06/11/15
[6]Idem.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, MS 32.033/DF, Tribunal Pleno, Relator para Acórdão Ministro TeoriZavascki, Julgamento em20/06/2013, Publicação no DJ em 18/02/2014, p. 140.
[8] KELSEN, Hans. La garantiejurisdictionnele de la Constitution. La justice Constitutionnelle. Revenue du Droir Public et de la Science Politiqueen France et à l’étranger, LGDJm 1928, p. 25
[9]SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. São Paulo: Del Rey, 2006
[10]KELSEN, Hans. Quem deve ser o guardião da Constituição? In KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 237-298.
[11] WALDRON, Jeremy. The core of the case against judicial review. Yale Law Journal, v. 115, 2006. pp 1346-1406.
[12]LOBATO, Anderson Cavalcante. Para uma nova compreensão do sistema misto de controle de constitucionalidade: aceitação do controle preventivo. Revista de Brasília, n. 31, 1994..
[13] LUCHAIRE, François. Le Conseilconstitucionelest-iljuridiction:.Revue Du Droit Publick.
[14] FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Notas sobre o controle preventivo de constitucionalidade Revista de Brasília, n. 31, 1999..
[15] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Coimbra Ed, 1983, II, p. 305
[16] LOBATO, Anderson Cavalcante. Para uma nova compreensão do sistema misto de controle de constitucionalidade: aceitação do controle preventivo. Revista de Brasília, n. 31, 1994
[17] Voto do Min. Moreira Alves. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1-DF, in Ação Declaratória de Constitucionalidade, Coord. Ives Gandra da Silva Marins e Gilmar Ferreira Mendes, Saraiva, São Paulo, 1994, p. 202.
[18]FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Notas sobre o controle preventivo de constitucionalidade Revista de Brasília, n. 142, 1999.
[19] Jean Gicquel, DroitConstitutionnel et Institutions Politiques, Montchrestien, 1995, p. 766, menciona o controle exercido pelo Conselho Constitucional em via de ação e o controle prévio, mas aduz aexistência de um projeto de revisão da Constituição, sugerido por Robert Badinter, instituindo o controle por via de exceção na França.
[20] FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Notas sobre o controle preventivo de constitucionalidade Revista de Brasília, n. 142, 1999.
[21] Idem.
[22]SILVA, José Afonso da. Processo Constitucional de Formação das Leis. 2a ed. São Paulo:Malheiros, 2006. pp. 41-42.
[23] Idem.
[24] CARNEIRO, André Corrêa de Sá. Princípios do Processo Legislativo. Conversa Pessoal, ano X, no 115, jun 2010. Disponível em:http://www.senado.gov.br/senado/portaldoservidor/jornal/jornal115/processo_legislativo.aspx
[25]CARNEIRO, André Corrêa de Sá; SANTOS, Luiz Claudio Alves; NETTO, Miguel Gerônimo da Nóbrega. Curso de Regimento Interno. 2a ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2013. p. 171.
[26] ARAUJO, Luis Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. São Paulo: Verbotim, 2014.
[27]ARAUJO e NUNES JÚNIOR apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 257.
[28] Texto do acórdão do MS 20.257/DF, considerado um leading case para várias decisões posteriores.
[29] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1144-1145.
[30]BRASIL. Supremo Tribunal Federal, MS 20.257/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, Julgamento em 08/10/1980, Publicaçãono DJ em 10/04/1981, p. 337-339.
[31] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, MS 21.642/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Presidente, Julgamento em 25/01/1993, Publicaçãono DJ em 03/02/1993.
[32] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, MS 31.816/DF, Tribunal Pleno, Relator para Acórdão Ministro Teori Zavascki, Julgamento em 27/02/2013, Publicação no DJ em 13/05/2013.
[33] KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Trad. Alexandre Krug, Eduardo Brandão e Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
[34] TAYLOR, Matthew M. O Judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados Revista deCiências Sociais. Rio de Janeiro, v. 50, n. 2, p. 229-257, 2007.
[35] Idem.
Servidora no Superior Tribunal de Justiça. Graduação na Universidade de Brasília.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEMOS, Eliza Victória Silva. Controle preventivo e a (im)possibilidade de análise jurisdicional? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47574/controle-preventivo-e-a-im-possibilidade-de-analise-jurisdicional. Acesso em: 25 nov 2024.
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