DEBORAH MARQUES PEREIRA: Docente do Curso de Direito da Faculdade Guanambi - FG. Mestra em Desenvolvimento Social (sub área Direito Urbanístico). Coordenadora do Observatório FG do Semiárido Nordestino. Líder do Núcleo Direito à Cidade.
RESUMO: O instituto da usucapião se classifica como uma forma originária de aquisição da propriedade. Deste modo, diante da relevância desse instituto, na contemporaneidade vem sendo acirradas as discussões e divergências em relação ao bem passível de ser usucapido. Neste contexto, o presente trabalho objetiva analisar o instituto da usucapião de bem público frente às determinações constitucionais e civilistas, tendo em vista a apelação cível nº 1.0194.10.011238-3/001³, exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em 2014, que reconheceu a prescrição aquisitiva de bem público, uma vez que se trata da primeira decisão que concedeu a usucapião de bem público, com base no exercício da função social da propriedade pública. Para tanto, utilizou-se uma revisão bibliográfica, consubstanciada nas principais doutrinas que versam sobre a presente temática, bem como revistas científicas. Nessa seara, o instituto da usucapião vem gerando diversos embates doutrinários e jurisprudenciais. Contudo, observa-se que o exercício da função social deve ser estendido não só aos bens particulares, mas também em relação aos bens públicos, fato esse demonstrado nos autos da apelação mencionada.
Palavras-chave: Bem. Função. Propriedade. Público. Usucapião.
ABSTRACT: The usucapio institute is classified as an original form of ownership acquisition. Thus, given the importance of this institute, in contemporary times, discussions and disagreements in relation to the good that can be usucapted have been stimulated. In this context, this paper aims to analyze the usucapio of public good in the face of constitutional and civilists determinations, regarding the civil appeal No. 1.0194.10.011238-3/001, determined by the Justice Court of Minas Gerais in 2014, which recognized the public good acquisitive prescription, since it is the first decision granting the public good usucapio, based on the social function practice of public property. Therefore, it was used a literature review, based on the main doctrines that deal with this theme, as well as scientific journals. In this area, the usucapio of the institute has generated many doctrinal and jurisprudential conflicts. However, it is observed that the social function practice should be extended not only to private property, but also in relation to public goods, as demonstrated in the case of the mentioned appeal.
Keywords: Function. Good. Property. Public. Usucapio.
1 INTRODUÇÃO
Dentre os institutos que comporta os Direitos Reais tem-se o instituto da usucapião, que consiste em um modo originário de aquisição da propriedade, a fim de se efetivar o exercício da função social da propriedade, consagrado como garantia fundamental na Constituição Federal de 1988 (GONÇALVES, 2014).
Desse modo, infere-se que a exigência do cumprimento da função social da propriedade, inserta no art. 5º, inciso XXIII, da Carta Maior, além de ser uma penalidade ao proprietário desidioso, tem como escopo influenciar o efetivo cumprimento da função social da propriedade (FARIAS & ROSENVALD, 2009).
No entanto, em que pese a exigência da observância do cumprimento da função social da propriedade, a Carta Maior e o Código Civil dispõem que os bens públicos são insuscetíveis de serem usucapidos. Desse modo, o constituinte, ao dispor sobre os bens públicos, estabeleceu uma vedação ao reconhecimento da prescrição aquisitiva no que tange aos bens públicos. Tal posicionamento encontra-se presente também na Súmula nº 340 do Superior Tribunal Federal (BRASIL, 2015).
Salienta-se que, apesar da regra da imprescritibilidade inserta na legislação constitucional e infraconstitucional, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em uma decisão inédita, reconheceu a prescrição aquisitiva de um bem público em detrimento de particulares, ao priorizar a aplicação do princípio da função social da propriedade pública (TJ/MG, 2014).
Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade do reconhecimento da usucapião de bem público à luz do princípio da função social da propriedade, tendo em vista a importância jurídica e social de se realizar um estudo acerca da aplicação da função social da propriedade em bens públicos que estão destituídos de uma destinação pública, durante o lapso temporal considerável.
Para alcançar o fim aqui pretendido, buscou-se num primeiro momento realizar breves apontamentos das principais caracterizações dos bens públicos, acerca do instituto da usucapião no ordenamento jurídico brasileiro, sua conceituação, fundamentos e requisitos.
Em um segundo momento, após uma breve visão sobre os institutos supra, propôs-se a discorrer sobre como a doutrina e a jurisprudência pátria vinham se posicionando acerca da possibilidade da usucapião de bem público, bem como uma análise de alguns julgados proferidos pelos Tribunais de Justiça, de modo a exemplificar o até então exposto. Por fim, propôs-se realizar um estudo pormenorizado da apelação cível nº 1.0194.10.011238-3/001.
Logo, justifica-se a presente abordagem pela necessidade de discussão acadêmica sobre o alcance do exercício da função social da propriedade, que na contemporaneidade vem sendo discutida a extensão desse princípio para a propriedade pública, não podendo o poder público se esquivar de atender o ditame constitucional que é o exercício da função social.
2 Principais caracterizações do bem público
Para que haja uma melhor compreensão acerca do objetivo do presente trabalho, faz se mister tecer breves comentários a respeito dos bens públicos, bem como a classificação dispensada a estes no ordenamento jurídico pátrio.
O Código Civil de 2002 dedicou um capítulo para dispor sobre os bens púbicos e privados, em seu art. 98 encontra-se o conceito dispensado a esses bens, in verbis: “são bens públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem” (BRASIL, 2015, p. 164).
Com o exposto, observa-se que o Código Civil, ao conceituar os bens em geral, optou por dividi-los em duas espécies, podendo os bens serem públicos ou particulares. Nesse diapasão, vale acrescentar, o entendimento de Mello (2010, p. 913) que ao conceituar os bens públicos, determina que:
Bens públicos são todos os bens que pertencem ás pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público (estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público.
Nessa esteira, o legislador conceituou os bens públicos como sendo os bens pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público, ou caso não pertençam a estas, estejam destinados a prestar serviço público, podendo ser, assim, todos os bens que integram o patrimônio da administração direta e indireta.
De acordo com Di Pietro (2014), o Código Civil de 1916 utilizou uma teoria tripartite para classificar os bens públicos, podendo ser: bens de uso comum, bens de uso especial e bens dominicais. Registra-se que essa classificação foi utilizada pelo constituinte no Código Civil de 2002, em seu art. 99, ipis litteris:
Art. 99. São bens públicos: I- os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II- os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III- os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado (BRASIL, 2015, p. 164).
Com o fito de esclarecer a classificação prevista no artigo supramencionado, Di Pietro (2014) assevera que o legislador utilizou-se do critério da afetação e destinação dos bens para classificá-los, existindo assim, duas modalidades de bens públicos, os bens de domínio público do Estado (bens de uso comum do povo, de uso especial), e os bens de domínio privado do Estado (que englobam os bens dominicais), não possuindo estes destinação específica.
Desse modo, os bens dominicais ou dominais, apesar de fazerem parte dos bens pertencentes ao domínio público, não estão afetados por nenhum destino público, nem subordinados a um interesse público específico, o que os diferencia dos bens de uso comum e os bens de uso especial que possuem destinação específica. Nesse sentido, aduz Meirelles (2010, p. 551) que os bens dominicais podem ainda ser classificados como sendo bens patrimoniais disponíveis, conforme lição:
Bens dominicais ou do patrimônio disponível: são aqueles que, embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim ou, mesmo, alienados pela Administração, se assim o desejar. Daí porque recebem também a denominação de bens patrimoniais disponíveis ou de bens do patrimônio fiscal.
Consoante o posicionamento de Di Pietro (2010, p. 1), os bens dominicais apesar de fazerem parte do domínio público, não estão subordinados a um interesse público específico, o que os diferencia dos bens de uso comum e os bens de uso especial, assim, leciona que:
Os bens dominicais, por não serem destinados ao uso comum do povo nem ao uso especial da Administração Pública, são utilizados para as mais diversas finalidades públicas; podem ser objeto de alienação ou de exploração para obtenção de renda; podem ser cedidos gratuita ou onerosamente para fins educacionais, esportivos, culturais, artísticos ou industriais; podem ser utilizados como instrumento de fixação do homem do campo; podem ser objeto de exploração agrícola, de cultivo, de urbanização, de industrialização e de tantos outros usos de interesse social.
Ademais, os bens públicos ainda podem ser divididos em bens públicos materiais e formais, conforme prelecionam Farias & Roselvan (2009) ao afirmarem que os bens formalmente públicos seriam aqueles bens passíveis de serem usucapidos, uma vez preenchidos os demais requisitos necessários, tendo em vista que apesar de estarem registrados em nome da pessoa jurídica de Direito Público, estão excluídos de qualquer forma de ocupação, por sua vez os bens materialmente públicos seriam aqueles bens que são dotados de alguma função social, ou seja, são aptos a preencher os critérios de legitimidade e merecimento.
Todavia, além da classificação destinada aos bens públicos no atual Código Civil, os autores supramencionados admitem a possibilidade de uma nova classificação referente a esses bens, de modo a classificá-los em bens formalmente e materialmente públicos, bem como é possível admitir a usucapião dos bens classificados como formalmente públicos tendo em vista que não estão afetados por nenhuma destinação por parte do Estado (BRASIL, 2015).
3 A USUCAPIÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Para uma melhor compreensão acerca do instituto da usucapião no ordenamento jurídico brasileiro, faz se necessário tecer breves apontamentos sobre seu conceito, fundamentos, bem como seus principais elementos característicos.
O termo usucapião deriva de capere (tomar) e de usus (uso), que pode ser interpretado como tomar pelo uso, a palavra usucapião pode ser empregada no gênero feminino ou masculino, uma vez que o Código Civil de 1916 utilizou o termo no masculino, e o então Código Civil vigente emprega a palavra no gênero feminino, de acordo com a origem latina do vocábulo (VENOSA 2014).
Sendo assim, a palavra usucapião pode ser empregada tanto no gênero feminino como no gênero masculino, conforme dispõem os autores Pereira (2003), Rizzardo (2004), Venosa (2014), Gonçalves (2014) dentre outros autores. Salienta-se que o vocábulo usucapião será empregado no presente trabalho no gênero feminino, estando assim, em consonância com o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2015).
O instituto da usucapião pode ser conceituado como sendo um modo de aquisição da propriedade pelo decurso do tempo, uma vez observados os requisitos instituídos em lei, como bem assevera Pereira (2014). Assim, para que possa ser usucapido um bem imóvel, é necessário que o possuidor esteja na posse da propriedade há um tempo, e somado a esse tempo, é necessário que estejam presentes os demais requisitos previstos em lei. Nesse mesmo sentido, é interessante colacionar o conceito de usucapião utilizado por Gomes (2010, p. 180), que assim preceitua:
Usucapião é, no conceito clássico de Modestino, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei: usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit. A usucapião é, com efeito, um modo de aquisição da propriedade, por via do qual o possuidor se torna proprietário.
Desse modo, conforme exposto, o instituto da usucapião pode ser compreendido como uma forma de aquisição da propriedade e, em contrapartida, como uma maneira de perder a propriedade, tendo em vista que aquele que mantiver a posse prolongada durante certo lapso temporal e preencher os requisitos exigidos em lei poderá tornar-se proprietário. Discorrendo acerca do instituto, leciona Venosa (2014, p. 216) o seguinte:
[...] usucapião deve ser visto doravante sob uma perspectiva mais dinâmica, que necessariamente fará acrescer alguns dos princípios básicos que tomamos com dogma no sistema de 1916. O presente Código assume uma nova perspectiva com relação à propriedade, ou seja, seu sentido social. Como o usucapião é o instrumento originário mais eficaz para atribuir moradia ou dinamizar a utilização da terra, há um novo enfoque no instituto.
Entrementes, o instituto da usucapião não consiste apenas no reconhecimento da prescrição aquisitiva em face daquele que manteve a posse prolongada durante certo lapso temporal, mas tem como real objetivo acrescentar uma utilidade social a determinada propriedade diante da inércia do seu proprietário.
O instituto da usucapião, consoante assevera Diniz (2014), possui como principal fundamento a contribuição para a paz social, permitindo, assim, a consolidação da propriedade, ou seja, o possuidor que unindo posse e tempo poderá consolidar sua situação. Em sentindo semelhante Gonçalves (2014, p. 258), aduz que:
O fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na convivência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segunda consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece firmeza da propriedade.
Observa-se que a usucapião visa garantir a real utilização da propriedade, de modo que o reconhecimento da prescrição aquisitiva beneficia aqueles que possuíram o bem de forma útil, durante certo lapso temporal, diante da ausência de destinação econômica da propriedade por parte do proprietário.
Dessarte, de acordo com Gonçalves (2014), para que haja o reconhecimento da prescrição aquisitiva de um bem imóvel é necessário o exercício da posse prolongada no tempo, bem como o preenchimento de alguns requisitos previstos em lei. Nestes termos, pode-se então pontuar que para que haja a usucapião de uma propriedade é indispensável que reste caracterizada o exercício da posse.
O atual Código Civil, ao dispor sobre o instituto da usucapião, elencou as suas espécies nos artigos 1.238 a 1.242 (BRASIL, 2015). Ao discorrer acerca do instituto da usucapião Cassaniga (2003), assevera que o Código Civil prevê quatro modalidades de usucapião de bens imóveis, sendo estas: a Usucapião Extraordinária e Ordinária dispostas nos artigos 1.238 e 1.242; e a Usucapião Urbana e Pro-labore, previstas nos artigos 183 e 191 da Constituição Federal e artigos 1.240 e 1.239 do Código Civil.
3.1 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA USUCAPIÃO
Dessarte, para haver o reconhecimento da usucapião é indispensável o preenchimento de alguns requisitos previstos em lei, e neste contexto, para uma melhor compreensão acerca do instituto em tela, a partir de agora, abre-se um parêntese para discorrer sobre os principais elementos necessários para sua configuração.
Assim sendo, de acordo com Gomes (2010), para ocorrer o instituto da usucapião é preciso a observância de certos requisitos, sendo estes: requisito pessoal que se refere as pessoas a quem interessa, requisitos reais que concernem as coisas, e direitos que são suscetíveis de serem usucapidos e por fim, os requisitos formais que são os elementos característicos do instituto, podendo ser: elementos comuns que referem-se a posse o tempo, e os elementos especiais que são o justo título e a boa fé.
Dado isso, depreende-se dos apontamentos supramencionados que para que haja o instituto a usucapião é indispensável o preenchimento de certos requisitos, que podem ser divididos entre os requisitos pessoais, reais e por último os requisitos pessoais, estes por sua vez são comuns a toda espécie de usucapião. Nesse mesmo sentido, dispõe Santos (2010, p. 18-19) que:
Os requisitos formais são aqueles que compreendem os elementos necessários e comuns do instituto. Entretanto, classificam-se como pressupostos comuns: a posse revestida de ‘animus domini’ (intenção de dono), a posse prolongada (lapso temporal que está exercendo a posse), a posse continua (posse sem intervalo que deve ser exercida pelo possuidor) e a posse justa.
Assim, para que possa haver o reconhecimento da prescrição aquisitiva de um imóvel, é indispensável o preenchimento dos requisitos previstos em lei, nesse cenário, pode-se afirmar que os elementos comuns consistem na posse e no lapso temporal em que a posse foi exercida.
Dessa forma, tendo em vista tratar-se de um elemento comum para o reconhecimento da usucapião, nesse momento passa-se a tecer breves considerações acerca do instituto da posse, bem como os principais assuntos que envolvem a temática.
Existem duas teorias de grande repercussão na doutrina e nas legislações, que objetivam fixar a noção de posse através de análises minuciosas dos elementos que consideram essenciais à sua conceituação, de modo que, tem-se de um lado a teoria subjetiva de autoria de Friedrich Carl Von Savigny e de outra banda, a teoria objetiva desenvolvida por Rudolf Von Ihering, consoante aduz Gomes (2010). Nessa quadra, diante da existência das teorias para conceituação do instituto da posse, realizar-se-ão breves apontamentos a respeito da teoria objetiva e teoria subjetiva.
A seu turno, Gomes (2010) aduz que a obra desenvolvida por Savigny foi uma tentativa de reconstrução da elaboração da posse no Direito Romano, de modo que para ele a posse deveria ser composta por dois elementos: o corpus e o animus, sendo o corpus elemento material, que pode ser traduzido como o poder físico da pessoa sobre a coisa, enquanto o animus seria o elemento intelectual, ou seja, representa a vontade de ter a coisa como sua.
Demais disso, verifica-se que na teoria desenvolvida por Savigny, denominada teoria subjetiva, para que haja o exercício da posse é necessário a presença de dois elementos, o corpus e o animus, que por sua vez podem ser traduzidos como o poder exercido sobre a coisa e a vontade de possuí-la.
De outra banda, tem-se a teoria desenvolvida por Rudolf Von Ihering, que de acordo com Efraim Filho & Azevedo (2010), para Ihering, a posse não seria o poder físico sobre a coisa, mas sim a exterioridade da propriedade.
Assim, de acordo com a teoria objetiva desenvolvida por Ihering, para que seja caracterizada a posse não é necessário o elemento animus, bastando apenas o elemento corpus, que consiste na exterioridade da propriedade. No ponto, torna oportuna a referência das considerações tecidas por Ihering (2003, p. 87-88) em sua obra a Teoria Simplificada da Posse:
De acordo com a teoria dominante, esta vontade deve tentar possuir a cousa como se fora uma cousa própria (animus domini). Na falta de uma vontade semelhante, existirá então aquilo que em certos casos, segundo parece, se deve entender como posse, não no sentido jurídico, mas no sentido natural (detenção, mera apropriação). Essa doutrina é falsa; a verdadeira explicação na diferença reside, não na natureza particular na vontade de possuir; a qual nunca se orienta senão para apreensão da cousa, e sim na disposição legal que, segundo a diversidade da relação (causa possessionis), faz surgir, ora a posse, ora a simples detenção.
Vale frisar que Rudolf Von Ihering (2003), ao conceituar o instituto da posse, desmistifica o conceito apresentado por Savigny, tendo em vista que a vontade do particular em possuir a coisa influencia no momento da apreensão da coisa, no entanto, para que possa existir a posse é necessária apenas a exteriorização da posse, estando o elemento animus incluso no elemento corpus.
Entrementes, observa-se que ao dispor sobre o instituto da usucapião e consequente da necessidade de estar presente o requisito “posse”, impende avivar a respeito da função social da posse. De modo que, a posse não constitui apenas um requisito para o reconhecimento da usucapião, mas, doravante, deve ser visto como um meio de estimular a obtenção do direito à moradia, direito este previsto constitucionalmente, estando em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Após discorrer sobre as teorias da posse, nesse momento, abre-se um parêntese para fazer menção ao instituto da função social da posse, tendo em vista que o exercício da posse não consiste apenas em um dos principais requisitos para aquisição de uma propriedade, mas trata-se também de um modo de concretização de direitos previstos constitucionalmente, consoante Farias & Rosenvald (2009, p. 39) frisam em sua obra que:
[...] a função social é uma abordagem diferenciada da função social da propriedade, na qual apenas sanciona a conduta ilegítima de um proprietário que não é solidário perante a coletividade, mas se estimula o direito à moradia como direito fundamental de índole existencial, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Cumpre perceber que a função social da propriedade recebeu positivação expressa no Código Civil (art. 1.228, §1º), mas o mesmo não aconteceu com a função social da posse. Contudo, a ausência de regramento no direito privado em nada perturba a filtragem constitucional sobre este importante modelo jurídico, pois o acesso à posse é um instrumento de redução de desigualdades sociais e justiça distributiva.
Assim, observa-se que apesar de não estar expressamente previsto no Código Civil a respeito da função social da posse, é de salutar importância o seu cumprimento, visto que é um meio de garantia de direitos previstos constitucionalmente.
É oportuno registrar que o Código Civil de 2002 traz em seu artigo 1.196 o conceito de possuidor, dispondo que: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes a propriedade” (BRASIL, 2015, p. 234).
Demais disso, verifica-se que, para a legislação civil, será considerado possuidor aquele que estiver de fato exteriorizando o exercício da posse. De igual sorte, Farias & Rosenvald (2009, p. 31) frisam ainda em sua obra:
Ao conceituar a posse da mesma maneira que seu antecessor, o Código Civil de 2002, filia-se à teoria objetiva, repetindo a nítida concessão à teoria subjetiva no tocante à usucapião como modo aquisitivo de propriedade que demanda o anims domini de Savigny. Com efeito, predomina na definição da posse a concepção de inhering. A teor do artigo 1.196, “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes a propriedade”. Assim, pela letra do legislador, o possuidor é quem, em seu próprio nome, exterioriza alguma das faculdades da propriedade, seja ele proprietário ou não.
Desta feita, o Código Civil de 2002 ao trazer o conceito de possuidor, filiou-se à teoria objetiva desenvolvida por Ihering, na qual afirma que para que haja a posse é preciso que esteja precisamente somente o elemento corpus, ou seja, que haja exteriorização do exercício da posse (BRASIL, 2015).
Após os apontamentos iniciais acerca da posse, como as teorias que buscam conceitua-la, o conceito de possuidor, cumpre salientar, que para que possa ser reconhecida a usucapião de um imóvel, é necessário não apenas a o exercício da posse, exige-se, ainda, que a posse seja mansa, pacifica e contínua, com bem preceitua Diniz (2010, p. 162), em sua obra:
A posse deve ser mansa e pacífica, isto é, exercida sem contestação de quem tenha legítimo interesse, ou melhor, do proprietário contra quem se pretende usucapir. Se a posse for perturbada pelo proprietário, que se mantém solerte na defesa de seu domínio, falta um requisito para a usucapião. Para que configure a usucapião é mister a atividade singular do possuidor e a passividade geral do proprietário e de terceiros, ante aquela situação individual.
Observa-se que para que possa haver a usucapião de determinada propriedade é salutar a observância de alguns requisitos, e dentre estes é necessário que esteja comprovado que realmente houve o exercício da posse por parte do possuidor, e que esta tenha sido exercida de forma mansa, pacífica e contínua, de modo que durante o lapso temporal em que o possuidor esteve no imóvel, não houve nenhuma interrupção por parte do proprietário.
Portanto, é exigível que para aquisição por usucapião seja exercida a posse e que esta perdure por algum tempo, no entanto, o tempo exigível varia de acordo com a espécie de usucapião, conforme preleciona Gonçalves (2014, p. 228), em sua obra:
[...]Para a extraordinária, é exigível o tempo de quinze anos (art. 1.238), que se reduzira a dez anos (parágrafo único) se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo (posse-trabalho). Para a ordinária, em que o possuidor deve ter justo título e boa-fé, basta o prazo de dez anos (art. 1.242). Será de cinco anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base na transcrição constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (parágrafo único).
Cumpre observar, que o legislador estipulou que para que possa ser reconhecida a prescrição aquisitiva de uma propriedade, é preciso que a posse seja exercida durante um lapso temporal, no entanto, o prazo determinado não constitui um lapso temporal fixo, podendo este variar de acordo com a espécie de usucapião.
Salienta-se que no presente trabalho não abordará as espécies de usucapião dispostas no atual Código Civil, tendo em vista que o objetivo aqui delimitado não é realizar um estudo aprofundado do instituto da usucapião, mas sim trabalhar a perspectiva do bem público na usucapião.
4 PROPRIEDADE PÚBLICA E A FUNÇÃO SOCIAL
Inicialmente, é necessário realizar algumas considerações sobre o direito à propriedade, as transformações que ocorreram ao longo do tempo, bem como a necessidade da observância do exercício da função social da propriedade, para, ao final, dispor sobre a função social no que tange aos bens públicos.
A saber, conforme dispõe Gobbo (2007), o direito à propriedade no Direito Romano possuía um caráter individualista, revestido de caráter absoluto e intangível, no entanto, a partir do século passado a propriedade passou a ter um caráter social. Assim sendo, o direito à propriedade nem sempre foi visto como um direito de cunho social. Nesse cenário, sublinha Pinto (S.t.n):
A doutrina da função social da propriedade alcançou sua maturidade na obra de Augusto Comte, que fora secretário de Saint- Simon, a partir da qual alcançou ampla aceitação. As idéias comteanas foram introduzidas no mundo jurídico por Leon Duguit que defendeu a função social da propriedade como superação da concepção individualista de propriedade consagrada no Código Civil napoleônico.
Desse modo, o direito de propriedade deixou de ser visto como um direito individualista e passou a ser direcionada para o bem comum, gozando de um status de direito fundamental, de modo a contribuir para o desenvolvimento social, conforme prevê o art. 5º, XXIII da Carta Magna (BRASIL, 2015).
Ademais, impede salientar que a garantia do direito à propriedade inserta na atual Constituição Federal, passou por um processo ao longo das Constituições brasileiras anteriores. Nesse cenário, dispõe Lima (2011), que o conceito de propriedade no Brasil sofreu várias mudanças, a começar pela Constituição Imperial, na qual garantia o direito de propriedade em sua plenitude, posteriormente a Constituição Republicana de 1981, que defendia a mesma ideia que a Constituição ora mencionada. Destaca-se ainda, que a previsão da garantia do direito a propriedade permaneceu nas Constituições de 1934, 1937, 1942, bem como a Constituição de 1946, na qual passou a exigir que o uso da propriedade estivesse condicionado ao bem estar-social. E, por fim, na Constituição de 1967, dispôs sobre a propriedade como função social, e finalmente, na Constituição de 1988, passou a ser uma garantia fundamental.
Assim, observa-se dos posicionamentos supramencionados, que o direito de propriedade passou por transformações ao longo do tempo, uma vez que deixou de ser um direito de caráter individualista, tornando-se um direito de cunho social. Registra-se, ainda, que no ordenamento jurídico brasileiro, a proteção ao direito de propriedade também passou por transformações, até ser inserido entre o rol de direitos e garantias fundamentais.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2015), em seu Capítulo I, ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, consagrou a função social da propriedade como um princípio fundamental, em seu art. 5º, incisos XXII e XXIII, ao afirmar que a propriedade deverá atender a sua função social, ipis litteris: “[...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]”(BRASIL, 2015, p. 7).
O legislador, ao versar sobre a função social da propriedade no artigo ora mencionado, condicionou o direito à propriedade ao cumprimento de sua função social, como bem referem os autores Farias & Rosenvald (2009, p. 277):
É fundamental ressaltar que a tutela constitucional da propriedade, alinhavada no art. 5º, inciso XXII, é imediatamente seguido pelo inciso XXIII, disciplinando que "a propriedade atenderá a sua função social". Esta ordem de inserção de princípios não é acidental. Inexiste incompatibilidade entre a propriedade e a função social, mas uma obrigatória relação de complementariedade, como princípios da mesma hierarquia. Não se pode mais conceder proteção à propriedade pelo mero aspecto formal da titularidade em razão do registro.
Por conseguinte, o direito à propriedade deve ser exercido em consonância com observância da função social, devendo esse direito ser submetido a um interesse coletivo.
A função social da propriedade possui, ainda, previsão legal no Título VII, art. 170 da CRFB/1988, incluída entre o rol de princípios da ordem econômica, a respeito dessa previsão constitucional (BRASIL, 2015).
Por fim, a Constituição Federal de 1988, ao versar em seu Capítulo II sobre Política Urbana e no Capítulo III acerca da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, dispôs em seus artigos 182 e 186, respectivamente, sobre a observância da função social da propriedade (BRASIL, 2015). Nessa quadra, Abe (2007, p. 8) leciona que:
Alerte-se que a Constituição Federal prevê expressamente a função social da propriedade urbana (art. 182) e a função social da propriedade agrária (art. 186), havendo dispositivos constitucionais que traçam o perfil de cada uma, embora, ambas venham a ser detalhadas no plano infraconstitucional. O art. 182, §4.º, da Constituição Federal, prevê que o imóvel urbano cumpre a função social quando atende as exigências da ordenação da cidade previstas no plano diretor. Ou seja, compete ao plano direto, que é uma lei municipal, definir a função social urbana que se traduz na indicação do uso adequado do solo urbano definido dentro do planejamento urbano da cidade.
Dessa feita, o constituinte determinou que a propriedade urbana atenderá à sua função social quando estiver em consonância com exigências previstas no Plano Diretor. Por sua vez, o constituinte ao elevar a função social da propriedade como uma garantia constitucional, criou uma limitação ao exercício do direito de propriedade, de modo que a propriedade deverá atender à sua função social, devendo assim estar em consonância com o interesse coletivo.
É oportuno registar que, de acordo com Di Pietro (2006), a Constituição adotou o princípio da função social da propriedade privada de forma expressa, e também o inseriu de forma implícita em alguns dispositivos constitucionais que versam sobre a política urbana, o princípio da função social da propriedade. Desse modo, apesar de não estar previsto de forma expressa na Carta Maior, deve-se observar que a Constituição não deixou de exigir a observância do princípio da função social no que se refere aos bens públicos, de modo que os bens públicos devem atender a sua função social (BRASIL, 2015). Em sentido semelhante entende Pires (2006, p. 16):
Pensar que a disciplina da função social da propriedade está voltada unicamente para a propriedade privada nos parece um erro, decorrente única e exclusivamente de uma construção teórica originária da distribuição topográfica de parte do princípio dentre os direitos e garantias individuais em face do Estado. Mas como ficou salientado anteriormente, não só nas disposições do artigo 5º da Constituição Federal há previsão acerca da função social, que disciplina a ordem econômica e social.
Vislumbra-se, diante do exposto, pode-se pontuar que tanto a propriedade privada quanto a propriedade pública devem exercer a sua função social, seja pelo fato do constituinte ter previsto expressamente a sua incidência ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais, quer seja pelo fato de estar inserida entre os princípios e ordem econômica e social.
Em sentido semelhante entende Fortini (2004), que não ser dispensado tratamento diferenciado entre a propriedade pertencente a titulares da Administração Pública e os bens pertencentes aos particulares, de modo que toda e qualquer propriedade deve cumprir a sua função social. Assim, conforme mencionado, não há que se falar em aplicação do princípio da função social somente no que se refere aos bens privados, devendo haver sim a incidência desse princípio nas propriedades pertencentes aos bens públicos.
5 DETERMINAÇÕES CONSTITUCIONAIS E CIVILISTAS A RESPEITO DE USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO
Até o presente tópico, realizou-se um estudo prévio acerca do instituto da usucapião, sua conceituação, fundamentos, principais elementos caracterizadores, bem como sobre a propriedade e sua função social, de modo a facilitar a compreensão do tema objeto do presente artigo.
Assim, após a explanação dos assuntos mencionados, buscar-se-á demonstrar como a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, dispõem acerca da possibilidade da usucapião dos bens públicos em seus dispositivos e como a doutrina e jurisprudência pátria tem se posicionamento a respeito (BRASIL, 2015).
5.1 PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DA AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE PÚBLICA ATRAVÉS DA USUCAPIÃO
A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre aplicação do instituto da usucapião no que diz respeito aos bens públicos, estabeleceu como regra a imprescritibilidade dos bens públicos, consoante disposto no art. 183, §3º, e art. 191, parágrafo único, respectivamente:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua morada ou de sua família, adquirir-lhe-à o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. [...] §3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião [...] Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior à cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (BRASIL, p. 62- 63).
A seu turno, os artigos supramencionados permitem observar que o constituinte optou por absolutizar a regra da imprescritibilidade no que tange aos bens públicos, independentemente da destinação que estes possuam, de modo a garantir uma proteção especial a esses bens, sob o fundamento da incidência da supremacia do interesse público sobre o privado, como bem leciona Farias & Rosenvald (2009).
Entrementes, de acordo com Carvalho Filho (2014, p. 11172), não há possibilidade de se invocar o reconhecimento da possibilidade da usucapião de bens públicos, uma vez que o legislador foi claro ao estabelecer a mencionada vedação, afirma que:
O novo Código Civil espancou qualquer dúvida que ainda pudesse haver quanto à imprescritibilidade dos bens públicos, seja qual for a sua natureza. É verdade que há entendimento no sentido de que é vedado o usucapião apenas sobre bens materialmente públicos, assim considerados aqueles em que esteja sendo exercida atividade estatal, e isso porque somente estes estariam cumprindo função social. Dissentimos, concessa venia, de tal pensamento, e por mais de uma razão: a uma, porque nem a Constituição nem a lei civil distinguem a respeito da função executada nos bens públicos e, a duas, porque o atendimento ou não, à função social somente pode ser constatado em se tratando de bens privados; bens públicos já presumidamente atendem àquela função por serem assim qualificados.
Assim, Carvalho Filho (2014) acredita que a função social da propriedade deve ser invocada somente no que tange aos bens particulares, uma vez que se presume que os bens públicos por si sós já atendem sua função social.
Concessa vênia, há autores que pensam de modo diferente do posicionamento ora exposto, dentre alguns autores destaca-se Fortini (2004, 117):
A Constituição da República, ao afastar a possibilidade de usucapião de bens públicos, pretendeu acautelar os bens materialmente públicos, ou seja, aqueles que, pela função a que se destinam, exijam proteção, sob pena de sacrificar o interesse público. Interpretação diversa se distancia da correta exegese da Constituição da República porque implica a mitigação da exigência constitucional de que a propriedade pública e a privada cumpram função social.
Diante do exposto, é possível afirmar que há posicionamentos divergentes quanto à exigência do cumprimento da função social no que concerne a propriedade pública. No tópico a seguir, far-se-á uma análise sobre o posicionamento utilizado pelo atual Código Civil.
5.2 DETERMINAÇÃO CIVILISTA SOBRE IMPRESCRITIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS
O Código Civil de 2002, coadunando com a disposição constitucional mencionada no tópico anterior, estabeleceu que não há que se falar na possibilidade de usucapião de bem público, assim como reza o art. 102: “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião” (BRASIL, 2015).
Entretanto, apesar do Código Civil de 2002 prevê expressamente que os bens públicos não são suscetíveis de aquisição por usucapião (BRASIL, 2015), os autores Farias & Rosenvald (2009, p. 278), não coadunam com a mencionada vedação, assim sendo, aduzem que:
Por fim, o art. 102 do Código Civil adverte que os bens públicos não estão sujeitos à usucapião. O legislador foi radical ao deixar claro que a impossibilidade de usucapião atinge todos os bens públicos, seja qual for a natureza ou a finalidade.
[...]Detecta-se, ademais, em análise civil-constitucional que a absoluta impossibilidade de usucapião de bens públicos é equivocada, por ofensa ao valor (constitucionalmente contemplado) da função social da posse, e em última instância, ao próprio princípio da proporcionalidade. Os bens públicos poderiam ser divididos em materialmente e formalmente públicos. Estes seriam aqueles registrados e nome da pessoa jurídica de Direito Público, porém excluídos de qualquer forma de ocupação, seja para moradia ou exercício de atividade produtiva. Já os bens materialmente públicos seriam aqueles aptos a preencher critérios de legitimidade e merecimento, postos dotados de alguma função social.
Com efeito, os autores Farias & Rosenvald (2009), em posicionamento contrário ao adotado pela maioria da doutrina, que salientam não ser possível usucapião de bem público, como por exemplo: Carvalho Filho (2014), dentre outros autores que asseveram que os bens públicos ainda podem ser classificados como materialmente e formalmente públicos, havendo assim, a possibilidade de usucapião no que tange aos bens formalmente públicos pelo fato de não possuírem nenhuma afetação.
Coadunando com o posicionamento supra, a autora Di Pietro (2014) assevera que lamentavelmente a Constituição de 1998 proibiu qualquer modo de usucapião de bem público, tanto na zona rural (art. 183, §3º), quanto na zona urbana (art. 191, parágrafo único), tal vedação retirou um dos instrumentos de acesso à propriedade pública, tendo em vista que tirou do particular que cultivava terras públicas o exercício da função social da propriedade, fato esse que configura um retrocesso à utilização da propriedade. Dessarte, ao ser inserida a regra da imprescritibilidade dos bens públicos, subtraiu-se a possibilidade de em certas situações ser exercida a função social da propriedade pública.
6 USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO E POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL PÁTRIO
A Constituição Federal e o Código Civil dispõem em seus artigos 183, §3º e art.191, respectivamente, sobre a impossibilidade do reconhecimento da prescrição aquisitiva de bens públicos (BRASIL, 2015). De igual sorte, a doutrina brasileira e a jurisprudência pátria de modo quase unânime adotaram a regra da imprescritibilidade dos bens públicos encartada nos artigos mencionados, com bem assevera Fortini (2004). Neste contexto, de modo exemplificativo, pode-se apresentar o entendimento dos tribunais de justiça ao depararem com demandas que pleiteiam o reconhecimento de usucapião de bem público. Logo, segue a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal, in verbis:
PROCESSO CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BEM PÚBLICO. USUCAPIÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 102 DO CÓDIGO CIVIL, E SÚMULA 340 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O juiz é o destinatário da prova, cabendo a ele decidir sobre a necessidade de sua realização. Não há cerceamento de defesa pelo indeferimento de produção de prova oral quando as provas documentais juntadas aos autos são suficientes para o deslinde da questão. 2. Tratando a demanda de mera detenção de bem público, mostra-se irrelevante o exame do tempo de ocupação do imóvel, pois se refere a bem insuscetível de apropriação pelo particular e que não pode ser objeto de usucapião (artigo 102 do código civil, e súmula 340 do supremo tribunal federal). 3. A notificação para desocupação do terreno, lastreada em decisão judicial, não se caracteriza prática de ato ilegal ou de abuso de poder por parte da TERRACAP, mas mero exercício de suas atribuições legais. 4.Recurso conhecido e improvido (Apelação Cível nº 20130110287859. 3ª Turma Cível DF. Relator: Getúlio de Moraes Oliveira. Julgado em: 08/01/2014).
A decisão em tela afirma ser irrelevante o aferimento do tempo de ocupação do imóvel, visto que trata-se de bem público, estando configurado apenas a mera detenção, uma vez que é insuscetível a apropriação pelo particular, não podendo ser objeto de usucapião. .
Em sentindo semelhante à decisão ora apresentada, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em sede de apelação que julgou improcedente a ação de usucapião ajuizada em face do Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista que trata-se de patrimônio público. Assim, passa-se a analisar:
APELAÇÃO CÍVEL. BENS IMÓVEIS. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMPROCEDÊNCIA. BEM PÚBLICO. Tratando-se de bem público, afetado para uso especial (área que integra Colônia Penal Agrícola), tem-se a insuscetibilidade de usucapião da área, por força da expressa vedação contida no art. 183, § 3º, da CRFB, reproduzida pelo art. 102 do Código Civil de 2002. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70067176735, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 15/12/2015).
No caso apresentado, vislumbra-se que o acórdão por decisão unânime negou provimento ao recurso de apelação, ocasião em que rechaçou a possibilidade de usucapião de bem público, consoante regra inserta no artigo 183, §3º da Constituição Federal.
Vale frisar que, o Superior Tribunal Federal editou a Súmula nº 340, conforme mencionado nas ementas acima, na qual veda a possibilidade de usucapião de bens públicos, mas precisamente acerca dos bens dominicais, assim dispõe: “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião” (BRASIL, 2015, p. 2019).
Neste aspecto, é possível notar que a doutrina brasileira e as jurisprudências dos Tribunais de Justiça brasileiros, conforme exemplificados acima, bem como no tópico anterior, de forma quase unânime, posicionam-se de modo a não reconhecer a possibilidade de usucapião de bem público, tampouco restar configurada a posse dos bens públicos ocupados, mesmo que esta tenha sido exercida com animus domini.
Destarte, apesar dos posicionamentos jurisprudenciais supramencionados, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em sede da apelação cível nº 1.0194.10.011238-3/001, em uma situação excepcional, manteve a decisão proferida na Comarca de Coronel Fabriciano/MG, que reconheceu a aquisição prescritiva de um bem público em favor de alguns moradores que ali. A referida decisão é objeto de estudo do presente trabalho, em razão disso será abordada em tópico destinada para esse fim, como verá a seguir. (TJ/MG, 2014).
7 ANÁLISE FÁTICA E JURÍDICA DA APELAÇAO CÍVEL Nº 1.0194.10.011238-3/001 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
No dia 09 de setembro de 2013, em uma decisão inédita, o juiz titular da Vara da Fazenda Pública de Coronel Fabriciano, Marcelo Pereira da Silva, no bojo do processo nº 194.10.11238-3, julgou improcedente a ação reivindicatória, pleiteada pelo Departamento de Estradas de Rodagens de Minas Gerais – DER, que objetivava a desocupação de uma área pública estadual de 36 mil metros quadrados em desfavor de 10 famílias que ali residiam há mais de 30 anos, sendo a maioria destas famílias formadas por servidores e ex-servidores do DER/MG (TARTUCE, 2014).
De modo inovador, o MM. Juízo reconheceu a prescrição aquisitiva em face dos moradores, após analisar as particularidades do caso em tela. Desse modo, interessante colacionar um trecho da referida sentença, observa-se:
Com efeito, como bem salientou o ilustre representante do Ministério Público, malgrado ainda prevaleça na jurisprudência e na doutrina o entendimento de não ser cabível o usucapião de bens públicos, vem surgindo uma corrente, com a qual me coaduno, no sentido de que a matéria deve ser analisada em conformidade com os princípios constitucionais e com a realidade social ora vívida. À luz desse entendimento, a visão rígida acerca da previsão legal da imprescritibilidade do bem público deve ceder lugar a uma interpretação conforme, histórica e teleológica, de modo a priorizar a função social da propriedade e evitar odiosas injustiças (CORONEL FABRICIANO, 2013, p. 292/293)
Depreende-se do trecho referido que, ao reconhecer a usucapião de bem público, o magistrado levou em consideração todo o contexto histórico e a realidade social vivida pelos moradores da propriedade, fundamentando-se que apesar do bem pertencer a um ente público, a propriedade deve atender à sua função social.
Insta salientar, que apesar das peculiaridades ora mencionadas, MM. Juiz aduz, ainda, que havia grande probabilidade de ser reconhecida a prescrição aquisitiva, em razão de existir uma lei em vigor autorizando expressamente o DER a doar os imóveis citados ao Município de Antônio Dias, bem como somando-se a esse fato, entendeu-se estar presentes os requisitos que possibilitam o reconhecimento da usucapião, uma vez que restou configurado a existência da posse mansa, pacífica e ininterrupta da propriedade por mais de 30 anos (CORONEL FABRICIANO, 2013).
Ademais, o Ministério Público ao emitir parecer nos autos da decisão em tela, manifestou-se de forma favorável ao reconhecimento da usucapião de bem público, fundamentando-se na aplicação do princípio da função social, veja-se:
Não se pode permitir num país como o Brasil, em que, infelizmente, milhões de pessoas ainda vivem à margem da sociedade, que o Estado, por desídia ou omissão, possa manter-se proprietário de bens desafetados e sem qualquer perspectiva de utilização para o interesse público, se desobrigando ao cumprimento da função social da propriedade (CORONEL FABRICIANO, 2013, p. 285).
Com efeito, o Parquet ao manifestar-se na ação reivindicatória pleiteada pelo DER/MG, entendeu ser favorável à aquisição prescritiva do bem pertente a este, uma vez que a propriedade ora pleiteada encontrava-se desafetada e em disparidade com o exercício da função social da propriedade, bem como não é condizente com a realidade brasileira permitir que pessoas que vivem em condições mínimas de subsistência possam ser privadas de possuir uma moradia em detrimento da manutenção de uma propriedade pertencente ao Estado, na qual não há destinação.
Ademais, após a prolação da sentença na Comarca de Coronel Fabriciano, o DER/MG interpôs recurso de apelação (sob nº 1.0194.10.011238-3/001), em face da decisão que reconheceu a prescrição aquisitiva de bem pertencente a este em desfavor de: Claudio aparecido Gonçalves Tito, Moraci Santos Melo Tito, Fatima Maria Lopes Tito, Expedito Cassimiro Rosa, José Cassimiro de Oliveira, Rosilene Carvalho de Oliveira, José Pedro de Oliveira Ramos, Marco Aurélio Gonçalves Tito e outro (a)(s), Maria das Dores Silva Rosa, Maria Ferreira das Graças Oliveira, Maria Margarida de Oliveira, Fernando Inácio de Oliveira, Ivonete Aparecida Gonçalves Tito e outros (TJ/MG, 2014). Dito isso, a partir de agora passa-se a analisar a referida apelação.
No dia 08/05/2014, a 5ª Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar recurso de apelação interposto pelo DER/MG, manteve a decisão proferida pelo MM. Juiz Marcelo Pereira da Silva, que julgou procedente o pedido contraposto pelos moradores da propriedade, consistindo no reconhecimento do domínio dos imóveis aos moradores que ali estabeleceram moradia (TJ/MG, 2014).
A seu turno, apesar da maioria da doutrina e jurisprudência rechaçarem a possibilidade de usucapião de bens públicos por haver previsão constitucional e civilista, a respeito da imprescritibilidade destes bens, consoante assevera Fortini (2004), o Tribunal de Justiça/MG na apelação supra, reconheceu a prescrição aquisitiva em face de dez famílias que residiam há cerca de 30 anos, em uma área pública estadual de 36 mil metros quadrados, pertencente ao Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), para melhor elucidação segue abaixo a ementa:
EMENTA: APELAÇÃO CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA – DETENÇÃO – INOCORRÊNCIA – POSSE COM “ANIMUS DOMINI” – COMPROVAÇÃO – REQUISITOS DEMONSTRADOS – PRESCRIÇÃO AQUISITIVA – EVIDÊNCIA – POSSIBILIDADE – EVIDÊNCIA – PRECEDENTES - NEGAR PROVIMENTO.
- “A prescrição, modo de adquirir domínio pela posse contínua (isto é, sem intermitências), ininterrupta (isto é, sem que tenha sido interrompida por atos de outrem), pacífica (isto é, não adquirida por violência), pública (isto é, exercida à vista de todos e por todos sabida), e ainda revestida com o animus domini, e com os requisitos legais, transfere e consolida no possuidor a propriedade da coisa, transferência que se opera, suprindo a prescrição a falta de prova de título preexistente, ou sanando o vício do modo de aquisição”.(Apelação Cível nº 1.0194.10.0112383/001, TJMG. 5ª Câmara Cível. Rel. Des. Barros Levenhagen. Julgado em: 08/05/2014).
No caso em análise, o Tribunal de Justiça/MG, entendeu que o tempo em que as 10 famílias permaneceram no imóvel pertence ao DER/MG, restou caracterizada a posse com “animus domini”, restando, assim, preenchidos os requisitos necessários para a prescrição aquisitiva.
O presente caso foi julgado por três desembargadores, quais sejam: Versiani Penna, Luiz Carlos Gambogi e Barros Levenhagen, sendo este o relator. Salienta-se que a decisão foi por unanimidade, de modo que os desembargadores supramencionados seguiram o voto do relator. Nesse momento, abre-se um parêntese para apresentar os fundamentos que subsidiam a presente decisão.
O relator Levenhagen reconheceu a existência da posse na propriedade pertencente ao DER, uma vez que as famílias que ali habitavam comportavam-se como se donos fossem, bem como rechaçou o argumento utilizado pelo DER/MG, de que não restou configurada a posse, mas sim a mera detenção, para isso faz menção aos argumentos utilizados pela perícia técnica. Nesse sentido, imperioso colacionar trecho do voto do relator:
O que acontece neste caso, é que os moradores (ex-funiconários do DER-MG), pouco a pouco foram edificando suas casas no local do acampamento. Com o tempo, as famílias foram crescendo, criando-se vínculo com a propriedade e desde então se passaram aproximadamente 30 anos. Hoje, uma pequena vila, dotada de infraestrutura como: asfalto, energia elétrica, mina e uma pequena igreja. Está área ocupada pelos magistrados, corresponde aproximadamente a 26% do imóvel. O restante encontra-se livre (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2014, p. 4).
Após os argumentos acima expendidos, é possível observar que o relator supracitado afastou a possibilidade de caracterização de mera detenção da propriedade, visto que os moradores ali presentes permaneceram na propriedade aproximadamente por três décadas, local onde comportavam-se como se donos fossem, uma vez que construíram suas casas, e aos poucos tornou-se um local dotado de infraestrutura.
Denota-se que, é possível extrair do voto do relator acima mencionado, que as famílias que habitam o imóvel comportaram-se como se donos fossem, de modo há não restar dúvida quanto a existência da posse.
Frise-se, ainda, que o período que em ali residiram não é considerado como detenção, tendo em vista que para a caracterização da detenção é necessário que a existência de uma situação de dependência econômica, consoante disposto na lição de Diniz (2014, p. 898), in verbis:
[...] detentor da posse é aquele que, até prova em contrário, em razão de sua situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a uma outra pessoa (possuidor direito ou indireto), exerce sobre o bem não uma posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em obediência a uma ordem ou instrução. É o que ocorre, p. ex., com os empregados em geral ou prestadores de serviços (como motorista, faxineira, cozinheira etc) caseiros, almoxarifes, administradores, bibliotecários, diretores de empresas, que são considerados detentores de bens sobre os quais exercem posse própria.
Denota-se, verifica-se que a principal diferença entre posse e detenção reside no fato de que, para o exercício da posse é imprescindível que o possuidor comporte-se como se dono fosse, a seu turno, a detenção consiste em uma situação, onde há dependência econômica, ou seja, não está presente a vontade de ser possuidor.
Tendo em vista a argumentação utilizada pelo relator na apelação em tela, tem-se que não havia nenhuma relação de subordinação entre as famílias que ali residiam com o DER/MG.
Além de ter reconhecido o exercício da posse, alegou-se, ainda, a existência de posse mansa e pacífica do imóvel, uma vez que estas famílias residiram ali por aproximadamente 30 anos. Nesse sentido, impede colacionar o entendimento de Gonçalves (2014, p. 284):
Posse ad usucapionem é a que contém os requisitos exigidos pelos arts. 1.238 a 1.242 do Código Civil, sendo o primeiro deles o ânimo de dono (animus domini ou animus rem sibi habendi) [...] segundo requisito da posse ad usucapionem é que seja mansa e pacífica, isto é, exercida sem oposição [...] como terceiro requisito, deve a posse ser contínua, isto é, sem interrupção. O possuidor não pode possuir a coisa a intervalos, intermitentemente.
Assim, conforme consta no acórdão, as 10 famílias que residiam na propriedade pertencente ao DER/MG permaneceram por aproximadamente 30 anos, de modo pacífico e sem nenhuma oposição por parte do DER, estando de acordo os requisitos necessários para a usucapião.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na contemporaneidade tem surgido a discussão do exercício da função social da propriedade, tanto público, como privada. Diante disso, o presente estudo apontou sobre a possibilidade ou não da ocorrência da usucapião sobre bens públicos, frente à observância do cumprimento da função social da propriedade pública.
Salienta-se que há uma proibição tanto constitucional, quanto infraconstitucional, a respeito da imprescritibilidade da usucapião sobre os bens públicos. No entanto, é imperioso ressaltar que há também uma exigência constitucional no que tange ao exercício da função social da propriedade.
Entrementes, em decorrência do cumprimento da função social da propriedade, destaca-se a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (apelação nº 1.0194.10.0112383/001), que trouxe uma inovação para a reflexão do exercício da função social, uma vez que declinou a propriedade para particulares de forma coletiva, retirando de um bem público a possibilidade aquisitiva de propriedade (TJ/MG, 2014).
Assim, ao proferir a apelação nº 1.0194.10.0112383/001, o Tribunal de Justiça/MG fundamentou sua decisão com base no cumprimento da função social da propriedade pública, uma vez que o exercício da função social deve ser invocado tanto no âmbito da propriedade privada, quanto na propriedade pública, visto que se trata de uma garantia constitucional prevista na Carta Magna (TJ/MG, 2014)
Sendo assim, a apelação cível nº 1.0194.10.0112383/001, objeto de análise do presente trabalho, ao reconhecer a usucapião de um bem público, trouxe uma inovação jurisprudencial na seara do direito brasileiro. No entanto, impede avivar que a referida decisão fora proferida após a realização de uma análise pormenorizada das peculiaridades presentes no caso concreto.
Nessa seara, torna-se imprescindível refletir sobre as novas formas de se pensar o exercício da função social da propriedade, inclusive no que se refere na utilização da função social do bem público, tendo em vista as mínimas condições de vida presentes na realidade de grande parte de brasileiros.
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Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Guanambi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REGO, Danielly Novais do. Usucapião de bem público: análise fática e jurídica da Apelação cível nº 1.0194.10.011238-3/001 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47613/usucapiao-de-bem-publico-analise-fatica-e-juridica-da-apelacao-civel-no-1-0194-10-011238-3-001-do-tribunal-de-justica-do-estado-de-minas-gerais. Acesso em: 22 nov 2024.
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