RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo ampliar a discussão acerca da responsabilidade estatal no tocante aos crimes cometidos por foragidos das prisões. Através de uma análise crítica com embasamento na doutrina e jurisprudência, será feito um estudo sobre os pontos de conflito doutrinários, dando enfoque ao debate jurisprudencial sobre o tema, que ainda não é pacífico entre os tribunais.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Estatal. Crimes cometidos por foragidos. Função da Pena. Penal. Administrativo.
ABSTRACT: This paper aims to broaden the discussion about state responsibility with regard to crimes committed by prison escapees. Through a critical analysis with basis in doctrine and jurisprudence, a study will be done on the points of doctrinal conflict, focusing on the jurisprudential debate on the subject, which is not disputed by the courts.
KEYWORDS: State Responsibility. Crimes committed by prison scapees. Function Pen. Criminal. Administrative.
I) INTRODUÇÃO:
Este trabalho pretende analisar criticamente o posicionamento doutrinário e jurisprudencial quanto à previsão legal sobre a responsabilidade do Estado no tocante aos crimes cometidos por presos foragidos.
O tema é polêmico, uma vez que não é pacífica a aplicação das teorias de responsabilidade objetiva e subjetiva do Estado nos casos de delitos praticados por quem deveria, de fato, estar recolhido sob a tutela estatal.
Será feita uma breve análise histórica desde a concepção da Teoria da Irresponsabilidade Estatal do Período Absolutista, até a modernidade, discutindo-se a responsabilidade objetiva e subjetiva do Estado.
O debate suscitado baseia-se, além das normas e princípios da Constituição (mais precisamente a aplicação do Artigo 37, §6º), no entendimento dos Superiores Tribunais e opinião Doutrinária sobre o assunto.
Por fim, sob um olhar Penalista, avalia-se a função da pena, e os motivos que ensejam o acautelamento de um indivíduo, ou seja, o caráter preventivo e ressocializador que permeia a prisão de um indivíduo, demonstrando que o Estado tem, novamente, responsabilidade.
II) DESENVOLVIMENTO:
1- Aspectos gerais do dever de indenizar:
A Responsabilidade Civil do Estado resume-se ao dever de indenizar quando, um agente público, realizando atividade pública causar danos a terceiros. Neste caso, o Estado deverá recompor os prejuízos causados por meio de indenização.
O renomado Doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello entende:
Responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado é a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2009, p. 983).
Complementando este entendimento, explica Fernanda Marinela:
Hoje, nos diversos ordenamentos jurídicos e no direito comparado, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, de forma pacífica, o Estado como Sujeito responsável pelos seus atos, tendo consequentemente, o dever de ressarcir as vítimas dos danos causados em razão de sua atuação. O dever de responder é inerente às regras de um Estado de Direito, mas não somente dessa lógica; a responsabilidade é também consequência necessária da crescente presença que adquire o elemento estatal nas relações em sociedade, interferindo cada vez mais nas relações individuais, o que acontece todos os dias. (MARINELA, 2010. p. 873).
Esse dever encontra fundamento nos princípios da legalidade e igualdade. Quanto ao primeiro princípio, a indenização decorre da prática de conduta ilegal, exercida em desconformidade com a norma, merecendo, deste modo, penalização do Estado em virtude de seus atos danosos. O último princípio decorre da prática de ato lícito, realizado em virtude do interesse público, em que haverá o dever de indenizar para que haja a repartição dos encargos sociais, ou seja, toda a coletividade será responsabilizada para que o lesado não arque com o ônus individualmente.
É importante destacar que o dever de indenizar resume-se aos danos anormais. Ou seja, o dano geral que ultrapasse o inconveniente natural e esperado da vida em sociedade, somado ao dano específico, que provoca prejuízos a um indivíduo ou grupo determinado. Estando presentes estes dois requisitos, o dano será antijurídico e, portanto, deve ser indenizado.
2- Fases da Responsabilidade Extracontratual do Estado:
Ao longo da história, a responsabilidade do Estado passou por modificações, para que hoje tenha elementos de adaptação que conciliem o poder superior estatal com a proteção necessária ao particular.
Analisando a evolução das teorias teremos:
a) Fase da Irresponsabilidade:
Representada pela frase “the king can do no wrong” (o rei não comete erros) ou ainda, “le roi ne peut mal faire”, na qual o Estado, por ser autoridade suprema, não fazia nada de errado, ditava a verdade, não podendo ser responsabilizado pelos danos decorrentes de sua atividade.
b) Fase Civilista:
Passou a admitir a responsabilidade do Estado baseada na ideia da culpa subjetiva, ou seja, para haver ressarcimento estatal, é necessário a vítima comprovar a conduta estatal, o dano, o nexo de causalidade e o elemento subjetivo - o dolo ou a culpa do agente público, assegurada a ação regressiva contra este.
c) Fase Publicista:
Com o tempo, a atuação estatal torna-se mais incisiva, precisando de uma maior proteção dos administrados e, para isso, previu-se a responsabilidade objetiva do Estado. É o posicionamento adotado no Brasil desde a Constituição federal de 1946, até a nossa atual Constituição.
3- Responsabilidade na Constituição de 1988:
De um modo geral, a responsabilidade civil do Estado é disciplinada pelo artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988:
Art.37, §6º: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Desta forma, é observado que a Constituição adotou, como regra geral, a teoria da responsabilidade objetiva na modalidade risco administrativo. Esta que se resume na ideia de que não é preciso comprovar-se o dolo ou a culpa do agente público, para que esteja caracterizado o direito à indenização ao lesado, devendo haver a comprovação apenas da conduta estatal, do dano ocorrido e do nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Esta teoria estende-se à União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios, Municípios, autarquias, fundações, associações públicas, além das entidades privadas prestadores de serviço público, tais quais as concessionárias, permissionárias de serviços públicos, empresas públicas e sociedades de economia mista.
4- Teorias da Responsabilidade Objetiva do Estado:
4.1- Teoria do risco integral
Sustenta que não há nenhum tipo de excludente que isente o Estado da responsabilidade objetiva pelos danos que causar ao particular. É uma teoria que favorece a vítima, mas impõe uma sensação de injustiça, em virtude de um radicalismo excessivo. É o caso de, por exemplo, um suicida se jogar na frente de um carro da prefeitura e merecer indenização pelas lesões que lhe forem causadas.
Esta teoria não foi acolhida por nenhum país moderno, muito mesmo pelo Brasil, para evitar que o Estado se torne um “Segurado Universal”, para não conduzir a um abuso ou iniquidade social.
Porém, excepcionalmente aplica-se esta teoria, no Brasil, nos casos de:
a) Acidentes de trabalho: O Estado tem obrigação de indenizar em qualquer caso.
b) Indenização coberta por segura DPVAT: O seguro é pago independente de identificar elemento subjetivo das condutas, devendo apenas comprovar-se a ocorrência do acidente e do dano.
c) Atentados Terroristas em aeronaves: Por medida de Lei, a União tomou para si a responsabilidade por danos ocorridos a bordo de aeronaves, em decorrência de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil, ou a bordo de aeronaves brasileiras operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público que estejam no estrangeiro.
d) Dano ambiental: Procura-se proteger amplamente o meio ambiente.
e) Dano Nuclear: O alto risco gerado pela prática desta atividade, autoriza a utilização de uma teoria mais radical.
4.2- Teoria do Risco Administrativo:
Como foi dito, essa teoria foi adotada pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro. Nela, são reconhecidas excludentes da responsabilidade estatal. Assim, haverá impedimento quanto à responsabilização do Estado nos casos em que não houver nexo de causalidade da ação. Ocorrendo nas hipóteses:
a) Culpa exclusiva da vítima: O prejuízo ocorreu em decorrência da ação exclusiva do particular. Lembrando que no caso de culpa concorrente, haverá concausas.
b) Força maior: eventos imprevisíveis, incontroláveis não poderão responsabilizar o Estado pelo dano sofrido pelo particular, exceto quando verificado que o dano ocorreu por omissão na prestação do serviço.
c) Culpa de terceiro: O prejuízo decorreu de pessoa estranha à administração pública.
5- Responsabilidade Subjetiva do Estado: Danos por Omissão:
Há casos em que o Estado não consegue impedir um resultado lesivo e através desta omissão, será responsabilizado. Deve ser comprovado que se o Estado tivesse cumprido com eficiência sua função, não teria ocorrido o resultado lesivo.
Nesses casos, o próprio Supremo Tribunal Federal vem entendendo que nos danos por omissão haverá responsabilidade subjetiva do Estado. A omissão dolosa seria o agente decidir omitir-se da conduta e a omissão culposa decorre da negligência do Estado em sua atuação.
Com relação aos danos causados por presos foragidos, esse Tribunal vem entendendo que não há nenhum tipo de responsabilidade estatal no caso de crimes cometidos algum tempo depois da fuga, nem sequer responsabilidade subjetiva do Estado, uma vez que ele não visualiza ligação entre a conduta comissiva ou omissiva do Estado e o cometimento do crime por foragido.
Não é a teoria que adotada neste trabalho. Pelo que vamos argumentar em sequência.
6- Tutela do Estado:
Nos casos de pessoas sob custódia estatal, é nítida a observância de que há uma responsabilidade muito maior do Estado quanto a esse indivíduo, do que em relação às sujeições da sociedade de um modo geral.
Por isso, nestes casos a responsabilidade estatal é objetiva na modalidade risco administrativo, inclusive quanto a atos de terceiros, situação na qual é mais acentuado o dever de vigilância e de proteção atribuído ao Estado.
É o exemplo da atenção especial tomada pelos Tribunais no tocante aos delitos cometidos entre os presos.
De outro modo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que a proteção estatal deve ser estendida aos detentos no interior do presídio, devendo protegê-los, impedindo que uns causem danos aos outros. É o que se observa conforme julgado o Recurso Especial 1054443/MT, STJ: “Danos morais. Legitimidade ativa da irmã. Responsabilidade Civil do Estado. Morte do Preso. Responsabilidade Objetiva”.
No caso acima citado, verificamos que a conduta criminosa não foi cometida por agente público, muito pelo contrário, foi cometida por outro criminoso sob tutela estatal. No entanto, entende-se que o Estado tem o dever de indenizar a família daquele preso que teve sua integridade violada.
O cerne da questão discutida decorre do fato de o Estado ter o dever de tutela sob os detentos que se encontram reclusos no sistema penitenciário.
Se no interior do presídio, os danos causados pelos detentos, contra outros detentos são de responsabilidade do Estado, muito maior deveria ser a responsabilidade estatal pelos danos causados por presos, que deveriam estar sob proteção estatal, mas fugiram da cadeia e cometerem crimes afetando duplamente a sociedade.
Destaca-se o efeito duplo, uma vez que esse tipo específico de delito gera uma sensação de insegurança social, em que a sociedade não tem a garantia de que ao ser capturado, o preso será mantido recolhido sob a custódia do Estado.
Além disso, tem-se a certeza de que não houve caráter ressocializador da pena aplicado ao apenado, que além de fugir, cometeu novos crimes. Deste modo, entende-se que por motivos muito mais consistentes, deveria o Estado ser responsabilizado objetivamente pelos crimes cometidos por foragidos dos presídios.
7- Responsabilidade do Estado no tocante aos presos foragidos da prisão:
A atuação estatal é imposta à sociedade que não tem como recusar sua presença, não tem como afastar sua ação, agindo de forma imperativa, independente da vontade do indivíduo. Em virtude da amplitude de seus poderes, nada mais justo que seja imposta maior responsabilidade e rigor quanto aos atos do Estado.
Nas palavras de Fernanda Marinela,
A função estatal é bastante ampla e engloba serviços e ações essenciais à coexistência pacífica dos seres em sociedade e à sua própria manutenção, portanto, quanto maior o risco, mais cuidado deve ser despendido e menor o nível de aceitação nas falhas, implicando consequente responsabilização. (MARINELA, 2010. p. 874).
Nesta esteira, defendemos a ideia de que deve ser atribuído ao Estado o dever de indenizar as vítimas de crimes cometidos por foragidos da prisão, pois o crime só ocorreu em virtude da falha no funcionamento da prestação do serviço público prisional, que não foi capaz de manter sob sua guarda o preso, numa situação em que o Estado tinha o dever legal de Tutela.
A própria Lei de Execução Penal( Lei 7.210/84) em seu artigo 10, dispõe:
Art.10: A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
O Estado que é responsável por garantir meios eficazes para manter os presos sob sua custódia, além de ser seu dever a busca pela ressocialização e qualidade básica de sobrevivência destes tutelados.
Ocorre que, é público o desgaste e falência do sistema carcerário brasileiro, no entanto, não podemos admitir que em virtude de uma falha administrativa, não sejam garantidos direitos inerentes àqueles que são vítimas da ação de foragidos da justiça.
Portanto, o fato de haver uma falha no sistema carcerário, não justifica ser deixada aquém a responsabilidade objetiva do Estado no tocante aos crimes cometidos por quem deveria, de fato, estar preso. Portanto, com absoluta certeza, há nexo entre os crimes cometidos por foragidos da prisão e atuação falha do Estado, não podendo admitir-se que o crime cometido no instante da fuga de um preso receba proteção estatal, conforme já houve julgados, mas o crime cometido algum tempo após a fuga deixe a vítima isenta de reparação indenizatória.
Alguns juristas vêm entendendo no mesmo sentido defendido neste trabalho. Há jurisprudências deferindo indenização à vítima de crime cometido por foragido, é o exemplo do Acórdão nº 70045986809 de Tribunal de Justiça do RS, Nona Câmara Cível, 14 de Dezembro de 2011:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL E MATERIAL. HOMICÍDIO. PAI E COMPANHEIRO DAS AUTORAS. FORAGIDO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DO DEVER JURÍDICO DE DILIGÊNCIA. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. PREQUESTIONAMENTO. Cumpre ao julgador apenas a fundamentação adequada à sua decisão, não sendo, pois, imprescindível à apreciação de todos os argumentos ou dispositivos legais invocados pela parte. Descabida a oposição de embargos declaratórios exclusivamente com fins de prequestionamento, sem apontar alguma das hipóteses do art. 535, do CPC. (Embargos de Declaração Nº 70045986809, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 14/12/2011).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FAUTE DU SERVICE PUBLIC CARACTERIZADA. ESTUPRO COMETIDO POR PRESIDIÁRIO, FUGITIVO CONTUMAZ, NÃO SUBMETIDO À REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL COMO MANDA A LEI. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro. Recurso extraordinário desprovido. (RE 409203, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 07/03/2006, DJ 20-04-2007 PP-00102 EMENT VOL-02272-03 PP-00480 LEXSTF v. 29, n. 342, 2007, p. 268-298).
No entanto, Jurisprudências que defendam a indenização independentemente da periculosidade do apenado, ainda são minoria.
8- Não aplicação da teoria subjetiva da responsabilidade estatal:
Entendendo-se os argumentos supracitados, vamos justificar o motivo da aplicação da teoria objetiva ao invés da aplicação da teoria subjetiva.
Inicialmente, a teoria subjetiva baseia-se na culpa ou dolo, neste caso se o Estado comprovar que não agiu com dolo e se comportou com diligência, prudência e perícia, não seria responsabilizado.
A Teoria do Risco Criado é a principal fonte de argumentação deste trabalho científico, uma vez que é utilizada quando o Estado cria situações que potencializam a ocorrência de um dano.
As situações mais comuns ocorrem justamente na guarda de pessoas ou coisas perigosas, expondo terceiros a risco, como é o caso dos presos nos presídios.
A polêmica encontra-se na aplicação Jurisprudencial das Teorias da Responsabilidade, uma vez que no caso de um preso que fuja de um presídio, invada uma casa próxima e pratique vários crimes gerando sérios prejuízos, o Estado deve ser responsabilizado. Na hipótese de outro preso que invada outra casa, alguns quilômetros distante do presídio, não haverá responsabilidade objetiva, porque a doutrina atual, STF e STJ entendem que não há nexo causal.
Porém, não é de se entender que esta mesma doutrina majoritária e o STJ reconheçam que, o crime praticado por preso perigoso e fugitivo contumaz gera responsabilidade objetiva do Estado. O Estado assume o risco com a guarda e sua inércia, conforme julgado:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Art. 37,§6º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.LATROCÍNIO COMETIDO POR FORAGIDO.NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO. PRECEDENTE. 1. A negligência estatal na vigilância do criminoso, a inercia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. 2. Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no art. 37,§6º , da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.( RE 573595 AgR, / RS- Segunda Turma, Relator: Min. Erus Grau, Julgamento:24.06.2008.DJe:14.08.2008).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LATROCÍNIO COMETIDO POR FORAGIDO. NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO. PRECEDENTE. 1. A negligência estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. 2. Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 573595 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-07 PP-01418).
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR CONDUTA OMISSIVA. CRIME PRATICADO POR PRESO FORAGIDO. CURTO INTERSTÍCIO ENTRE A FUGA E O HOMICÍDIO PRATICADO. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. NÃO COMPROVADA. INDENIZAÇÃO FIXADA EM PATAMAR RAZOÁVEL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELO E REEXAME CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.(10115 RN 2008.001011-5, Relator: Des. Dilermando Mota, Data de Julgamento: 03/12/2009, 1ª Câmara Cível).
Assim, entende-se que a aplicação da responsabilidade Objetiva garantiria à vítima maior proteção, uma vez que esta não se preocupara durante a instrução processual, em comprovar dolo ou culpa no serviço público, para que haja a caracterização do dever de indenizar.
Essa discussão ficaria a cargo do próprio Estado em uma possível ação regressiva contra os agentes responsáveis pela ineficiência no trabalho de segurança e manutenção do acautelamento dos presidiários.
9- Uma análise final sobre os aspectos fundamentais da teoria da pena, sua função social e a responsabilidade Estatal:
Antes de aprofundar o tema em questão, convém citar conhecido trecho de Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, que retrata bem a função da pena: “A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível [...] O seu fim [...] é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo” (BECCARIA, 2002).
Fazendo uma análise penalista sobre a questão da responsabilidade estatal sobre os crimes cometidos por foragidos, observa-se que o cerne da questão relaciona-se com a função social da pena e, consequentemente, o objetivo do Estado manter sob sua tutela os presos que cometem crimes punidos com reclusão.
Para isto, vamos analisar a teoria da Pena que possui mais simpatia no Direito Brasileiro e encontra mais equilíbrio do que as outras teorias sobre o tema, que tendem aos extremos da questão.
A teoria que adotada neste trabalho é, na sua generalidade, a adotada pelo sistema penal brasileiro, trata da unificação de duas teorias, quais sejam: as Teorias Absoluta e Relativa. Justifica-se esta teoria pela necessidade de conjugar os verbos reprovar e prevenir o crime. Daí surge a Teoria Mista ou Unificadora da Pena.
Analisando as teorias que a compõem, temos a Teoria da Retribuição, que toma como base o caráter da reprovação e retribuição do mal causado pelo infrator. Segundo entende Claus Roxin:
A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor pelo fato cometido (ROXIN, 1997. p.524).
Observando seus elementos, verificamos que não é uma teoria completamente adequada, uma vez que não devemos analisar a pena apenas como uma retribuição ao mal cometido, e é por isso que surge a junção com outra teoria da pena, para que fundindo suas ideias, tenhamos a real e mais adequada função da pena.
Assim, uniu-se à Teoria Relativa, que entende que a finalidade da pena seria a prevenção de futuros crimes. Divide-se em Prevenção Geral e Prevenção Especial. A primeira, analisada sob a ótica negativa, quer que a sociedade ao ver o criminoso pagando pelos seus delitos, desista de cometer crimes uma vez que as consequências seriam sérias. Já na sua ótica positiva, o que se deseja é a conscientização da sociedade no tocante aos valores morais, éticos e de boa convivência.
No caso da Prevenção Especial em sentido negativo, a finalidade da pena é retirar o delinquente do convívio social, impedindo que o mesmo venha a praticar novos delitos por um determinado período de tempo. Em seu sentido positivo, busca-se a intimidação e a ressocialização do indivíduo que cometeu o crime. O intuito é fazer com que o indivíduo desista de praticar novos crimes. Nas palavras de Paulo de Souza Queiroz:
“O fim da pena é evitar a reincidência. A prevenção de novos delitos já não se dirige, portanto, à generalidade das pessoas, mas, ao infrator da norma em particular”. O direito penal pretende, assim, como disse Basileu Garcia “a conversão do criminoso em homem de bem.”(QUEIROZ, 2001, p. 57).
Assim, verificamos que a ideia de responsabilizar o Estado pelos crimes cometidos por foragidos, encontra respaldo também na função social da pena, uma vez que ao tutelar o presidiário, o Estado assume a função de ressocializar o indivíduo, buscando, durante o período de reclusão, a reinserção do criminoso na sociedade, e não simplesmente castigá-lo por seu delito.
Se o preso foge e comete crimes, a responsabilidade do Estado deve ser duplamente imputada, uma vez que ele foi ineficaz na manutenção do acautelamento do preso e foi ineficaz em sua atuação ressocializadora.
III) CONCLUSÃO:
Por tudo que foi demonstrado, o objetivo deste trabalho é gerar a dúvida, o questionamento sobre qual é a forma mais correta de lidar com o tema.
Devemos levar em conta que o direito é dinâmico, mutável, e os entendimentos vão evoluindo ao longo da história, assim, o que se entendia há alguns anos, já vem sendo analisado sob uma nova ótica, e por isso, é válida a discussão sobre o tema, uma vez que hoje o posicionamento majoritário pode vir a ser, no futuro, minoritário.
Deste modo, esse trabalho defende que o mais adequado seria a adoção da Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado no tocante aos crimes cometidos por foragidos.
Utilizando a vasta literatura aplicada ao tema, bem como decisões e jurisprudências já utilizadas em nosso país, buscamos explicar os pontos pertinentes a nossa problemática explorando diversos posicionamentos através de leituras e pesquisas bibliográficas, para fundamentar esta teoria.
Não é simples expor uma teoria que confronta os entendimentos dos Tribunais Superiores, porém, esta não é uma justificativa para concordar completamente com seus posicionamentos.
Ser operador do Direito é, acima de tudo, ter senso crítico, e em um trabalho de conclusão de curso, há uma enorme abertura para a valorização do pensamento do bacharelando.
Nesse linear, abordou-se um tema polêmico, que merece mais atenção, principalmente quanto à finalidade da aplicação correta desta medida indenizatória, uma vez que é incontestável o sentimento de injustiça e insegurança causado e sentido por quem é vítima de um crime cometido por um foragido da justiça.
Buscou-se ampliar o olhar sobre a vítima, aquele que sofreu com uma grave lesão, e responsabilizar o Estado, aquele que, indiretamente, foi o responsável pelo prejuízo.
A intenção não é criar um Estado “superprotetor”, mas apenas imputar uma responsabilidade devido à ineficácia em manter o preso recolhido na instituição prisional, impedindo, deste modo, que este venha a fugir e cometer novos delitos.
O objetivo da responsabilização objetiva seria muito mais de haver uma política pública de proteção à sociedade, do que uma penalização ao Estado.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1- BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 2ª ed. – São Paulo: Martin Claret, 2008.
2- CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
3- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo:Malheiros, 2003.
4- FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes,1987.
5- LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso completo de Direito Civil. 2ª ed. São Paulo:Método.
6- MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus.
7- MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Saraiva.
8- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed. São Paulo : Malheiros, 1995.
9- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
10-ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por Atos das Forças Policiais. Belo Horizonte : Editora Líder, 2004, p. 162.
11-ROXIN, Claus. Direito penal – Parte geral, p. 81-82. Volume 1: 7 ed. Rio de Janeiro, p.524.
12-SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª edição ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
13-QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal. 2001. São Paulo: Saraiva.
Assessora de Promotor de Justiça Estadual; Graduação na Universidade Estadual da Paraíba, 2012.2; Pós Graduação: Direito Administrativo - Rede Anhanguera.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Larissa Veloso de. Responsabilidade civil do Estado no tocante aos crimes cometidos por foragidos da prisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47667/responsabilidade-civil-do-estado-no-tocante-aos-crimes-cometidos-por-foragidos-da-prisao. Acesso em: 22 nov 2024.
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