O presente estudo visa contribuir para o aprimoramento da análise dos impactos no mundo jurídico da inserção em nosso texto constitucional do direito à mobilidade urbana eficiente e tecer comentários sobre a Lei n.º 12.587 de 3 de janeiro de 2012.
O tema é instigante, pois impacta a vida de todos e trata de valores extremamente vultosos para a economia brasileira. Somente com os problemas de mobilidade urbana na região metropolitana de São Paulo acredita-se que o nosso país perde 156 bilhões de reais ao ano. In http://agencia.fapesp.br/brasil_perde_r_1562_bilhoes_do_pib_com_a_morosidade_do_transito_em_sao_paulo/21984/
Para diminuir estes prejuízos e melhorar a vida dos brasileiros e estrangeiros que transitam por nossas vias houve a aprovação da Emenda Constitucional n.º 82 de 16 de julho de 2014, que inseriu o parágrafo 10.º ao art. 144 da Constituição Federal no texto constitucional e trouxe importantes inovações ao mundo jurídico, dentre elas a consagração do direito constitucional fundamental à mobilidade urbana.
A Emenda Constitucional possui a seguinte redação:
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 10:
"Art. 144.
§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e
II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei."(NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. (g.n.)
Num primeiro momento, cumpre indagar sobre a possibilidade ou não do exercício do poder constituinte derivado para criar este novo direito fundamental, e mais especificamente se há alguma afronta ao art. 60, §4º, à medida que as outras hipóteses de limitação ao poder constituinte derivado só devem ser observadas quando da apresentação formal da proposta de emenda constitucional, pois consubstanciam vedação circunstancial (art. 60, §§1º e 5º) ou meramente procedimental (art. 60, §§ 2º e 3º).
Num segundo momento, é necessário examinar os contornos deste direito fundamental e suas implicações no direito pátrio, inclusive a sua inserção no rol dos direitos fundamentais, portanto, a sua constituição em cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico.
Pois bem, as limitações materiais de que se ocupa o art. 60, §4º da CRFB tornam defesa a deliberação de proposta de emenda tendente I - a abolir a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes e IV - os direitos e garantias individuais.
Como se observa, a criação do direito fundamental à mobilidade urbana eficiente nem ao menos tangencia as limitações explicitadas no art. 60, §4º, incisos II e III, pois não diz respeito à separação dos poderes e ao voto. Suscita análise, porém, no tocante à forma federativa do Estado e aos direitos e garantias individuais.
Quanto à forma federativa de Estado é sabido que não se mostra possível qualquer deliberação no sentido de alterar a Constituição Brasileira tendente a desvirtuar o modo de ser federal consagrado pela repartição de competências entre os entes federados, que são a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. In http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp.
Como vimos de ver, não se trata de alteração ou transferência de competências de uma esfera da Federação para outra, por meio de Emenda Constitucional, não sendo afetado, portanto, o núcleo essencial de cada ente federado consubstanciado no poder de auto-organização, autogoverno e auto-administração de cada um dos entes federados.
A definição do direito fundamental à mobilidade eficiente não desrespeita as prerrogativas constitucionais de quaisquer dos entes federados, pelo contrário tende a garantir uma gestão mais eficiente no que toca à mobilidade urbana com benefícios evidentes à cidadania brasileira.
No que concerne ao direito constitucional à mobilidade urbana eficiente é certo que o rol dos direitos constitucionais fundamentais não se encontra exaustivamente arrolado no art. 5º da Constituição da República, tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido a possibilidade de extensão em matéria tributária, por exemplo, conforme decidido na ADI nº. 939[1].
Infere-se do aresto colacionado que os direitos e garantias individuais espraiam-se pelo texto constitucional e não estão restritos ao catálogo enunciado pelo art. 5º da Constituição cidadã, sendo válida previsão de outros direitos constitucionais por meio de emenda constitucional, como sucedeu no caso da constitucionalização do direito à moradia por Emenda Constitucional, no caso a de número 26 de 2000.
Como se nota, a mobilidade urbana eficiente é um fator determinante para o crescimento sustentado das cidades e forma eficaz para garantir o exercício pleno de toda uma plêiade de direitos constitucionais assegurados, pois todos os cidadãos possuem necessidade e o direito de se deslocar adequadamente.
Considerar a mobilidade urbana como um direito fundamental é uma forma de estabelecer normas para o uso do solo, uso dos transportes públicos motorizados ou não, principalmente o caminhar e a consolidação do direito à inclusão social no tocante às questões de acessibilidade das pessoas com necessidades especiais.
Em realidade, convém asseverar que inexiste empecilho a que o Constituinte derivado institua outros direitos fundamentais por meio de Emenda à Constituição Federal.
A instituição do direito constitucional à mobilidade urbana eficiente não vem a impedir ou inviabilizar o exercício dos demais direitos fundamentais previstos na Carta Magna e não tende a conflitar diretamente ou abolir qualquer deles.
Assentadas estas premissas, tem-se que o direito à mobilidade urbana eficiente pode ser assegurado como direito constitucional fundamental como o direito fundamental à moradia.
Como todo o direito fundamental a mobilidade urbana é inalienável, pois intransferível e inegociável, imprescritível, ou seja, nunca deixa de ser exigível, mesmo que não seja utilizado por muito tempo, irrenunciável, universal por que deve ser reconhecido para todos indistintamente e limitável apenas por outros direitos fundamentais de igual estatura constitucional.
Neste contexto, é importante asseverar que o direito à mobilidade urbana eficiente já fazia parte do nosso ordenamento jurídico em decorrência da promulgação da Lei n.º 12.587/12, mas com a aprovação da Emenda Constitucional o direito legalmente assegurado, agora passa a ter o status de direito constitucional fundamental.
De acordo com a lei a mobilidade urbana eficiente visa garantir a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas.
São objetivos claros deste novo direito contribuir para o acesso universal à cidade fomentando a concretização de condições de democratização na utilização dos meios de transporte.
De acordo com o art. 5.º da Lei 12.587/12 são princípios da política nacional de mobilidade:
Art. 5o A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos seguintes princípios:
I - acessibilidade universal;
II - desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais;
III - equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo;
IV - eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano;
V - gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana;
VI - segurança nos deslocamentos das pessoas;
VII - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços;
VIII - equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e
IX - eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.
O art. 6.º da lei da mobilidade define as diretrizes a serem seguidas:
Art. 6o A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes:
I - integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos;
II - prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado;
III - integração entre os modos e serviços de transporte urbano;
IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade;
V - incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes;
VI - priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado; e
VII - integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional.
Como é sabido, a partir da sua inserção no texto da nossa Carta Magna não será mais possível a supressão do direito à mobilidade urbana do nosso ordenamento jurídico, mesmo por ocasião de aprovação de emenda constitucional, por tratar-se de verdadeira cláusula pétrea.
Neste aspecto, é importante ter em conta que o adequado tratamento jurídico deste direito fundamental será capaz de revolucionar a mobilidade urbana no Brasil, com uma maior participação popular na sua efetivação, gerando enorme impacto social e econômico.
É preciso garantir que todos os cidadãos possuam o direito à mobilidade urbana eficiente. Em atenção ao mandamento constitucional é imperioso concordar que as cidades devem assegurar o direito à circulação em condições harmoniosas e adequadas, pois se trata de um direito fundamental constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos que deve ser verdadeiramente efetivado.
Nesta toada, impinge esclarecer que a problemática da mobilidade urbana abrange uma série de equipamentos públicos como ciclovias, ruas, avenidas, estradas, linhas de metrô, de trens urbanos, hidrovias, estacionamentos, calçadas, sinalização viária, e muitos outros.
Todo este complexo sistema deve ser organizado para garantir a qualquer pessoa o direito a percorrer determinado trajeto dentro das cidades em condições dignas.
Infelizmente, não é isto que acontece no dia a dia das nossas cidades, pois é extremamente comum convivermos com cenas que evidenciam à saciedade um estado de coisas verdadeiramente caótico e totalmente contrário ao direito fundamental em tela.
Todos nós conhecemos casos de transporte público super lotado, congestionamentos gigantescos, uma série enorme de riscos de acidentes de trânsito, violência urbana ligada ao trânsito inclusive com muitas mortes e sequelas geradas pela conhecida guerra no trânsito e muitos outros problemas ligados à temática da mobilidade urbana, que na grande maioria das vezes não é de fato eficiente.
São inúmeros os desafios que devem ser enfrentados para concretizar o direito à mobilidade urbana eficiente. Trabalho árduo e desafiador a todos os envolvidos nas soluções aos problemas existentes, os quais devem lutar incessantemente pela concretização de mais este direito fundamental.
NOTAS:
[1] Precedente citado nas seguintes obras consultadas: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2008; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Livraria do Advogado Editora, 2007; e, finalmente, TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Renovar, 2002.NO
Advogado da União, Mestre em Direito pela Universidade Mackenzie - SP e bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Rodrigo Fernando de Freitas. O direito fundamental à mobilidade urbana eficiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47689/o-direito-fundamental-a-mobilidade-urbana-eficiente. Acesso em: 22 nov 2024.
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