RESUMO: O presente artigo tem por finalidade estudar a possibilidade de aditamento quantitativo de contratos administrativos decorrentes de atas de registro de preço, e a suposta contradição jurídica existente no Decreto Federal nº 7.982/2013 - que regulamenta o Sistema de Registro de Preços no âmbito da União - ante a impossibilidade de acrescer quantidade a ata já registrada.
Palavras Chave: Sistema de Registro de Preço. Ata de Registro de Preço. Contrato Administrativo. Aditivo Quantitativo.
ABSTRACT: The purpose of this article is to study the possibility of adding quantitative administrative contracts resulting from price registration records, and alleged legal contradiction existing in Federal Decree No. 7.982/2013 - which regulates the System of Price Registration in the Union – before the impossibility of adding a quantity to the minutes already registered.
Keywords: System of Price Registration. Price Registration Minutes. Administrative Contract. Additive Quantitative.
SUMÁRIO: I- Introdução; II - O objetivo precípuo da licitação e a funcionalidade do sistema de registro de preços; III - A suposta antinomia jurídica na possibilidade de ata de registro de preço não ser aditada quantitativamente ante a permissão nos contratos advindos do SRP; IV – Conclusão; Referências Bibliográficas.
I – Introdução
Este estudo tem por objetivo tratar da possibilidade de aditamento de contratos administrativos oriundos do Sistema de Registro de Preço, com base no artigo 65 da Lei Geral de Licitações, ante a impossibilidade de acréscimo nos quantitativos fixados na ata de registro de preço estabelecida no artigo 12,§ 1º, do Decreto nº 7.892/2013.
Trata-se, em breve síntese, de análise acerca da plausibilidade jurídica de realização de termo aditivo quantitativo em contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preço, com objetivo de acrescer até 25% (vinte e cinco por cento), com fulcro no art. 12,§ 3º, do Decreto Federal nº 7.892/2013, combinado com o art. 65, da Lei nº 8.666/1993.
Inicialmente, no que tange a alteração de quantitativo de contratos advindos do Sistema de Registro de Preço, poderia em tese falar que atualmente estaríamos diante de uma antinomia jurídica, já que há aparente contradição nos §§ 1º e 3º, do artigo 12, do Decreto Federal nº 7.892, que assim preceituam:
¨§ 1º É vedado efetuar acréscimos nos quantitativos fixados pela ata de registro de preços, inclusive o acréscimo de que trata o § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.
(...)
§ 3º Os contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preços poderão ser alterados, observado o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.¨
Segundo Suzana Rosseti, neste decreto existe a impossibilidade de se alterar o quantitativo fixado na ata de registro de preço e concomitantemente a este não permissivo, há a possibilidade de se modificar o quantitativo dos contratos advindos da ata. Conclui a respectiva autora que a mudança do quantitativo dos contratos poderia gerar mudança no que fora licitado e registrado ao final da ata. Ante este entendimento aquela tece os seguintes comentários[1]:
A partir da literalidade das regras, uma primeira conclusão forma-se no sentido de que não há a possibilidade de acrescer os quantitativos registrados em ata. Logo, a princípio, a discussão quanto à possibilidade de acrescer a ata é colocada em xeque. E os contratos? Será que o § 3º do art. 12 teve o condão de viabilizar os acréscimos de contratos celebrados com respaldo em ata de registro de preços?
Mais uma vez se utilizando de interpretação literal do dispositivo, seria possível entender que sim. No entanto, se não há a possibilidade de alterar quantitativamente o objeto registrado, e se assim entendermos possível quanto aos contratos, em última análise não se está acrescendo quantitativamente o escopo licitado e registrado?
Aliás, partindo dessa discussão, seria cogitável entender por uma imprecisão do legislador no que tange às nomenclaturas utilizadas no § 3º do art. 12, de modo que, quando autorizou a alteração de contratos, observado o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993, pretendeu abarcar hipóteses outras de alterações contratuais, que não os acréscimos quantitativos.
Assim, acompanhando os pensamentos de Suzana Rossetti, estaríamos diante de uma antinomia jurídica que poderia ser superada, avalizando a possibilidade de modificações contratuais, apenas no que se refere a circunstâncias diferentes de mudança de quantidade.
No entanto, apesar do entendimento acima exposto ser razoável, no presente texto tentaremos demonstrar, analisando sistemicamente, a impossibilidade de afirmar que há uma contradição jurídica nos dispositivos que regulamentam o Sistema de Registro de Preços no âmbito federal.
II – O OBJETIVO PRECÍPUO DA LICITAÇÃO E A FUNCIONALIDADE DO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS
Inicialmente podemos afirmar que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e para empresas públicas e sociedades de economia mista. Já os Estados, Distrito Federal e os Municípios possuem competência residual e supletiva para legislar sobre a matéria.
Ante a competência privativa da União, o procedimento licitatório no sistema jurídico pátrio surgiu, notadamente, com a finalidade de resguardar o interesse público, especialmente o primário[2].
Para se tutelar essa diretriz principiológica do Direito Administrativo, qual seja a supremacia do interesse público, a Lei nº 8.666, em seu artigo 3º, estabeleceu princípios básicos e norteadores do procedimento de licitação, a saber: princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.
É perceptível através de uma leitura rápida dos princípios acima mencionados que eles se apresentam em uma ligação cíclica, com o objetivo de garantir uma contratação impessoal e que ao final tutele, sobremaneira, os interesses da sociedade, realizando a melhor contratação possível defendendo o erário e por consequência o interesse público primário.
No que tange ao Sistema de Registro de Preços, inicialmente é necessário assinalar que tal sistemática tem como norma de regência o art. 15, da Lei nº 8.666/93, que apontam suas diretrizes gerais e foi regulamentada pela União através dos Decretos nº 3.901/2001 que posteriormente foi revogado pelo Decreto nº 7.892/2013.
Assim dispôs o ato normativo primário:
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;
II - ser processadas através de sistema de registro de preços;
III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;
IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade;
V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.
§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5o O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.
§ 6o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.
§ 7o Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;
II - a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação;
III - as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material.
§ 8o O recebimento de material de valor superior ao limite estabelecido no art. 23 desta Lei, para a modalidade de convite, deverá ser confiado a uma comissão de, no mínimo, 3 (três) membros.
Não se trata de modalidade de licitação, conforme bem asseverou o Acórdão nº 1.279/2008[3] do Tribunal de Contas da União, mas apenas um procedimento estabelecido na lei geral de licitações para se formar um cadastro de preços, através da concorrência ou do pregão.
Segundo Ronny Charles[4] “o registro de preços é um procedimento auxiliar permitido pela Lei, que facilita a atuação da Administração em relação a futuras prestações de serviços e aquisição gradual de bens. Em outras palavras, é um conjunto de procedimentos de registro formal de preços para contratações futuras.”.
Ora, tratamos apenas de um procedimento que ao final gerará uma ata de registro de preços, ou seja, um cadastro para futura contração, se necessário, e garantirá uma série de benefícios, se utilizada de forma correta, como: celeridade em diversos momentos na aquisição de bens e serviços; a oportunização de melhor planejamento à Administração Pública, otimizando a economicidade na contratação e tutelando deste modo o interesse público.
Após explanado sobre a funcionalidade básica do registro de preço na licitação, passemos a problemática de fundo deste artigo.
III – A SUPOSTA ANTINOMIA JURÍDICA NA POSSIBILIDADE DE ATA DE REGISTRO DE PREÇO NÃO SER ADITADA QUANTITATIVAMENTE ANTE A PERMISSÃO NOS CONTRATOS ADVINDOS DO SRP
A ata de registro de preço é o documento oriundo de licitação com o objetivo apenas de cadastrar os preços, os fornecedores e a forma da futura contração, se acaso for realizada.
Segundo Marcio Pestana[5] “A ata, à evidência, é o repositório documental no qual se consolidam os termos e as condições resultantes da realização do certame licitatório, ingressando e sendo mantida nos domínios de um sistema jurídico organizado de registro de preços, contendo todos os dados e informes relevantes envolvendo o fornecedor, os preços, as condições de fornecimento, enfim, tudo aquilo que é, de fato, pertinente, para que uma contratação possa ser posteriormente concretizada.”.
Destarte, da ata de registo de preço poderão decorrer vários contratos, alguns contratos ou até mesmo nenhum, pois dela gera-se apenas um cadastro para possível contratação pela administração publica que a gerencia, participa ou fez sua adesão, respeitados os ditames do decreto.
No que tange ao Sistema de Registro de Preços o chefe do executivo federal, através do poder regulamentar ou do poder normativo[6] no uso da competência privativa para expedir decretos regulamentares atribuídas no art. 84, IV, da Magna Carta, expediu o Decreto nº 7.982/2013, com o fito de dar cumprimento ao estabelecido no art. 15, da Lei nº 8.666/1993.
É importante assinalar que o decreto em comento não extrapolou os limites legais, de modo que não há motivo para tratar parte dele como um ato normativo secundário ilegal.
No que se refere à problemática em exame no presente trabalho, acerca da possibilidade de aditar ata de registro de preço e contratos oriundos do SRP, há dois dispositivos do decreto federal nº 7.982 que devem ser analisados. O artigo 12, § 1º, estabelece a impossibilidade de se aditar quantitativos na ata de registro de preços. Já o § 3º, permite a alteração de contratos, inclusive de acrescer quantitativos em contrato oriundo da ata, respeitados os preceitos do art. 65, da Lei nº 8.666.
Ora, o §1º do referido dispositivo veda os acréscimos de quantitativos na ata de registro de preços. Deste modo, após formalizada a ata com seu quantitativo estabelecido, ela não poderá ser acrescida. Segundo Jair Eduardo Santana[7] o objetivo deste dispositivo - que foi uma mudança expressa comparando-se ao revogado Decreto nº 3.901/2001 - consistiu em não distorcer a ideia e sistemática do Sistema de Registro de Preço.
De fato, parece-me que permitir o acréscimo da quantidade estimada inicialmente diretamente na ata e concomitantemente admitir a ampliação também no contrato oriundo daquela poderia gerar como consequência a violação ao limite determinado no §1º do artigo 65 da Lei 8.666/93, o que tornaria neste ponto o Decreto nº 3.901/2001 ilegal, por extrapolar sua competência regulamentar.
Diferentemente da situação pretérita acima apresentada, com a redação atual do decreto que regulamenta o art. 15, da Lei nº 8666/93, em seu art. 12, § 1º, veda o aditamento de acréscimo quantitativo na ata de registro de preço, e em seu § 3º afirma de forma cristalina que os contratos decorrentes do SRP poderão ser alterados, observados o disposto no art. 65 da Lei de Licitação. Assim aparentemente a novel regulamentação mostra-se coerente e sem excesso que extrapole seu poder de regulamentar que pudesse torná-lo ilegal.
Destarte, não vislumbro uma antinomia jurídica, na realidade a partir da nova regulamentação do Decreto nº 7.892/2013 estamos perante normas regulamentares distintas, com objetivos diversos e que não extrapolam os limites da lei geral de licitações e contratos da Administração Pública.
IV – CONCLUSÃO
O presente artigo surgiu em virtude da imensa utilização pela Administração Pública de atas de registro de preços e, portanto, das dúvidas surgidas na possibilidade de se aditar contratos advindos do SRP.
É importante ainda assinalar que a análise em comento levou em consideração o decreto federal e, portanto, no que tange aos demais entes federados é necessário analisar a regulamentação local. No entanto, não podemos deixar de apontar que boa parte dos decretos estaduais ou federais que regulamentam o sistema de registro de preço são praticamente cópias literais do Decreto Federal nº 7.982/2013, o que ocasionará a mesma conclusão deste estudo.
Diante desta dúvida objetiva, analisando as normas regulamentares que dispõe sobre o exposto, não vislumbro outra conclusão que não seja afirmar que não há antinomia jurídica no art. 12, §§ 1º e 3º, de modo que a possibilidade de se aditar contratos oriundos de ata de registro de preço é totalmente viável, desde que respeitado o estabelecido no art. 65 da Lei nº 8.666/93.
Por fim, a título informativo, atualmente a jurisprudência do Tribunal de Contas da União é totalmente favorável a possibilidade de se aditar contratos advindos de ata de registro de preço.
Referências Bibliográficas:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. Ed. São Paulo: Atlas, 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
Pestana, Marcio. Licitações públicas no Brasil: exame integrado das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002. 1.Ed. São Paulo: Atlas, 2013.
SANTANA, Jair Eduardo. Pregão presencial e eletrônico: sistema de registro de preço: manual de implantação, operacionalização e controle. 4.Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
Torres, Ronny Charles Lopes de. Lei de Licitações públicas comentadas. 7.ed.Salvador: Ed. JusPodivm,2015
http://www.zenite.blog.br/decreto-no-7-8922013-e-ai-o-art-12-possibilita-a-realizacao-de-acrescimos/.
[1] Disponível em:http://www.zenite.blog.br/decreto-no-7-8922013-e-ai-o-art-12-possibilita-a-realizacao-de-acrescimos/. Acesso em: 30 out.2016.
[2] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o interesse público secundário na realidade não seria o interesse público, pois seria apenas o interesse da Administração Pública, do aparato administrativo e não necessariamente da sociedade.
[3] O Acórdão 1.279/2008 julgado pelo Plenário em análise do julgamento assim dispôs de forma expressa “10.24 Análise: o registro de preços não é uma modalidade de licitação, e sim, um mecanismo que a Administração dispõe para formar um banco de preços de fornecedores, cujo procedimento de coleta ocorre por concorrência ou pregão. Em razão de ser um mecanismo de obtenção de preços junto aos fornecedores para um período estabelecido, sem um compromisso efetivo de aquisição(...)”
[4] Torres, Ronny Charles Lopes de. Lei de Licitações públicas comentadas. 7.ed.Salvador: Ed. JusPodivm,2015.p.154
[5] Pestana, Marcio. Licitações públicas no Brasil: exame integrado das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002. 1.Ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2013. P.268.
[6] Termo que segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro engloba o denominado poder regulamentar, pois o poder normativo não se exauriria apenas na competência normativa, sendo do mesmo modo faceta do poder normativo a possibilidade de regulamentar as leis para garantir seu fiel cumprimento
[7] SANTANA, Jair Eduardo. Pregão presencial e eletrônico: sistema de registro de preço: manual de implantação, operacionalização e controle. 4.Ed. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2014.
Procurador do Município de João Pessoa; Ex-Chefe da Procuradoria Fiscal do Município de João Pessoa, Chefe da Procuradoria Administrativa do Município de João Pessoa, Graduado pela Universidade Federal da Paraíba, Pós-graduando em Direito Tributário e Processo Tributário; Advogado e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAFAEL DE LUCENA FALCãO, . Aditivos quantitativos em contratos oriundos do sistema de registro de preços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47811/aditivos-quantitativos-em-contratos-oriundos-do-sistema-de-registro-de-precos. Acesso em: 22 nov 2024.
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