RESUMO: A Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal, editada à época da vigência da Constituição Federal de 1967 não tem respaldo dentro do atual sistema jurídico. A evolução do tema ao longo das diversas constituições deixa claro que o atual cenário jurídico não outorga mais ao TCE a possibilidade de declarar a constitucionalidade de leis e atos jurídicos. Em sendo assim, o presente artigo busca fazer uma curta viagem na análise do sistema de controle de constitucionalidade e nos precedentes sobre o tema para avaliar se ainda está vigente a Súmula 347 do STF.
ABSTRACT: The Precedent 347 of the Supreme Court, issued at the time of the Constitution of 1967 has no support within the current legal system. The evolution of the theme throughout the various constitutions makes it clear that the current legal scenario does not grant more to the TCE the possibility of declaring the constitutionality of laws and legal acts. That being so, this article seeks to make a short trip in the analysis of judicial review system and precedents on the subject to determine if it is still in force Precedent 347 of the STF.
INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade é, sem dúvida alguma, o campo do direito constitucional que mais avançou e sofreu modificações ao longo de pouco menos de 30 (trinta) anos de vigência da Constituição de 1988.
Nesse contexto de mutações e novas interpretações do sistema de compatibilidade das normas e atos com a Carta Magna, o presente trabalho busca avaliar se, dentro do atual cenário jurídico, ainda está vigente e pode ser aplicada a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal – STF, que outorga aos Tribunais de Contas o poder de apreciar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público.
A importância do estudo se dá no momento em que as Cortes de Contas passam por verdadeiro empoderamento do seu papel de controle e fiscalização das ações do Poder Executivo, vide todo o desenrolar da reprovação das contas de Governo da ex Presidenta, Dilma Rousself[1]. O tema será revisitado dentro do contexto de publicação da referida Súmula, no desenvolvimento do controle de constitucionalidade ao longo de todas as Constituições vigentes no ordenamento jurídico Brasileiro. Ainda, será cotejado ante a diversas manifestações do Supremo e de diversos Tribunais de Justiça, quanto a atual inaplicabilidade da Súmula nº 347. Vejamos.
O Tribunal de Contas
O Tribunal de Contas é órgão técnico autônomo incumbido de auxiliar o Poder Legislativo, sem caráter de subordinação, no controle externo da Administração[2]. O legislador constituinte previu a sua regulamentação ao longo dos Artigos 71 e seguintes da Constituição Federal de 1988.
A renomada doutrina leciona que a “organização do primeiro Tribunal de Contas com características próximas às atuais foi obra de Napoleão Bonaparte que, mediante o Decreto Imperial de 28/09/1807, reorganizou a Cour des Comptes francesa, como modelo de tribunal administrativo para os Estados Modernos. A Cour des Comptes presta assistência ao Parlamento e ao Poder Executivo, atuando como autoridade judicial”.
No Brasil, a primeira manifestação de uma Corte de Contas veio através do Presidente Deodoro da Fonseca ao assinar o Decreto nº 966-A, de 7 de novembro de 1890, criando o Tribunal de Contas para o exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesas da República.
Inspirado nos ideais do então Ministro da Fazenda, o advogado Ruy Barbosa, que com maestria definiu o papel daquele novo organismo criado:[3]
[...] corpo de magistratura intermediário à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil. [...] Convém levantar, entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura, e intervindo na administração, seja não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias, por um veto oportuno aos atos do executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha rigorosa das leis de finanças. [...] Nada teremos feito, em tão melindroso assunto, o de mais alto interesse, entre todos, para o nosso futuro, enquanto não erguermos a sentinela dessa magistratura especial, envolta nas maiores garantias de honorabilidade, ao pé de cada abuso, de cada germe ou possibilidade eventual dele.
Pois bem, consolidando o seu papel ao longo de mais de um século, o Prof. Uadi Lammêgo Bulos magistralmente conceitua o Tribunal de Contas como “órgãos públicos e especializados de auxílio. Visam orientar o Poder Legislativo no exercício do controle externo, sem, contudo, subordinarem-se a ele. Por isso, possuem total independência, cumprindo-lhes, primordialmente, praticar atos administrativos de fiscalização.”[4].
Ainda, o Ministro Celso de Mello assevera que “os Tribunais de Contas ostentam posição eminente na estrutura constitucional brasileira, não se achando subordinados, por qualquer vínculo de ordem hierárquica, ao Poder Legislativo, de que não são órgãos delegatários nem organismos de mero assessoramento técnico. A competência institucional dos Tribunais de Contas não deriva, por isso mesmo, de delegação dos órgãos do Poder Legislativo, mas traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição da República”[5].
E é exatamente no exercício de suas prerrogativas de fiscalização que surge a edição da Súmula 347 do STF. Dentro dessa análise de legalidade, legitimidade e economicidade que se debate a possibilidade de controle de constitucionalidade de atos e leis do Poder Público.
A Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária realizada em 13.12.1963, pautada em precedente firmado no RMS 8372, em que figurou como o relator, o então Ministro Pedro Chaves,afirmou: "há que se distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos poderes do Estado". A sua referência legislativa, à época, era o art. 77 da Constituição Federal de 1946.[6]
Dentro desse contexto fora editada a Súmula 347 do STF:
Súmula 347: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.
Conforme anota o Prof. Uadi Lammêgo Bulos, embora o Tribunal de Contas “..não detenham competência para declarar a inconstitucionalidade das leis ou dos atos normativos em abstrato, pois essa prerrogativa é do Supremo Tribunal Federal, poderão, no caso concreto, reconhecer a desconformidade formal ou material de normas jurídicas incompatíveis com a manifestação constituinte originária. Sendo assim, os Tribunais de Contas podem deixar de aplicar ato por considera-lo inconstitucional, bem como sustar outros atos praticados com base em leis vulneradoras da Constituição (Art. 71., X). Reitere-se que essa faculdade é na via incidental, no caso concreto, portanto”.[7]
O Ministro Marco Aurélio, em recente decisão, posicionou-se pela validade da Súmula 347:
Descabe a atuação precária e efêmera afastando do cenário jurídico o que assentado pelo Tribunal de Contas da União. A questão alusiva à possibilidade de este último deixar de observar, ante a óptica da inconstitucionalidade, certo ato normativo há de ser apreciada em definitivo pelo Colegiado, prevalecendo, até aqui, porque não revogado, o Verbete nº 347 da Súmula do Supremo. De início, a atuação do Tribunal de Contas se fez considerado o arcabouço normativo constitucional."[8]
"Assim, a declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de Contas da União, do art. 67 da Lei n° 9.478/97, e do Decreto n° 2.745/98, obrigando a Petrobrás, conseqüentemente, a cumprir as exigências da Lei n° 8.666/93, parece estar em confronto com normas constitucionais, mormente as que traduzem o princípio da legalidade, as que delimitam as competências do TCU (art. 71), assim como aquelas que conformam o regime de exploração da atividade econômica do petróleo (art. 177). Não me impressiona o teor da Súmula n° 347 desta Corte, (...). A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional. No entanto, é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988." (MS 25888 MC, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento em 22.3.2006, DJ de 29.3.2006)
No entanto, como será visto, é importante analisar o atual contexto do sistema de controle de constitucionalidade e o entendimento majoritário da jurisprudência para avaliar a vigência desta prerrogativa no seio do Tribunal de Contas. Vejamos.
Da Evolução do Controle de Constitucionalidade e o papel do STF na CF/88
O Controle de Constitucionalidade é um mecanismo de garantia da supremacia das normas constitucionais. Dentro do contexto de supremacia, a Constituição é a norma localizada no vértice da pirâmide das legislações, com todas as demais tem o dever de observância aos seus mandamentos.
MASSON (2016, p.1123), a respeito da estrutura hierárquica das normas estabelecida por Kelsen, compreende:
Nosso autor estruturou o ordenamento normativo de forma estritamente jurídica, baseando-se na constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior. Segundo ele, no mundo das normas jurídicas, uma norma só pode receber validade de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em normas superiores fundantes – que regulam a criação das normas inferiores – e normas inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior.[9]
É nesse contexto que o controle de constitucionalidade “é uma atividade de fiscalização da validade e conformidade das leis e atos do poder público à vista de uma Constituição Rígida, desenvolvida por um ou vários órgãos constitucionalmente designados”[10].
Em resumo, o controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade ou adequação da lei ou do ato do poder público em face da Constituição.
Existem, basicamente, dois modelos de controle de constitucionalidade: o modelo difuso ou americano e o modelo concentrado/europeu ou austríaco.
O modelo americano, consagrado no famoso caso Marbury x Madison, julgado em 1803, por obra do Chief Justice John Marshall, dentro do exercício do que se denomina judicial reviem of legislation do direito norte americano, é considerada a criação jurídica mais importante daquele País.
De outro lado, o controle concentrado de constitucionalidade do modelo austríaco consagra a verificação de compatibilidade das normas para apenas um órgão superior judicial ou para um órgão que trate apenas de matérias de controle de constitucionalidade. Na mesma linha MENDES (2014, p. 1030) disserta:
O controle concentrado de constitucionalidade (austríaco ou europeu) defere a atribuição para o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou a uma Corte Constitucional. O controle de constitucionalidade concentrado tem ampla variedade de organização, podendo a própria Corte Constitucional ser composta por membros vitalícios ou por membros detentores de mandato, em geral, com prazo bastante alargado.[11]
Nesse mesmo sentido, MASSON (2016, p. 1161):
Como peça jurídica central da organização constitucional da Áustria foi previsto um Tribunal Constitucional e Kelsen, como criador e projetista deste, foi eleito por todos os partidos da assembleia Nacional como membro vitalício da Suprema Corte Austríaca. Em referido Tribunal, externo ao Poder Judiciário e absolutamente independente em relação aos três Poderes clássicos, inaugurou-se a tese de declaração de invalidade das leis através da atuação dos “legisladores negativos”. Os membros deste tribunal (e unicamente deste, e não dos demais órgãos do Poder Judiciário, para evitar um “governo de juízes”) possuíam atribuição institucional de julgar as leis e retirá-las do ordenamento jurídico, revogando-as total ou parcialmente.[12]
Pois bem, após a II Guerra Mundial, houve difusão do modelo europeu, diante da maior segurança do depósito de poderes a instituições colegiadas. Representava tal direcionamento ao receio da arbitrariedade das autoridades, terminando por representar uma superação ao tradicional modelo americano até então exclusivamente difundido.
No Direito Brasileiro o sistema de controle de constitucionalidade, como dito, vem sofrendo diversas evoluções e avanços. Medidas que serão analisadas, pontual e sinteticamente, ao longo das diversas constituições.
A Constituição de 1824 nada manifestava a respeito do controle de constitucionalidade. Dada a influência francesa, esta Constituição não consagrou qualquer método de controle judicial constitucional, dedicando, exclusivamente, o poder de criar e reformar normas ao Poder legislativo.
De outro lado, a Constituição de 1891, a denominada Constituição Republicana - dada a sua implantação após a Proclamação da República em 1889 - instaurou o controle difuso de constitucionalidade no ordenamento normativo brasileiro, o qual já era largamente difundido na América do Norte. Nesta mesma sintonia, relata LENZA (2015; p. 293):
A partir da Constituição Republicana de 1891, sob a influência do direito norte-americano, consagra-se, no direito brasileiro, mantida até a CF/88, a técnica de controle de constitucionalidade de lei ou ato com indiscutível caráter normativo (desde que infraconstitucionais), por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência e organização judiciária. Trata-se do denominado controle difuso de constitucionalidade, repressivo, posterior, ou aberto, pela via de exceção ou defesa, pelo qual a declaração de inconstitucionalidade se implementa de modo incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao mérito. [13]
Mais especificadamente, o controle difuso já era consagrado pelo Decreto n. 848/1890 (Constituição Provisória), a Constituição de 1891 apenas recepcionou essas disposições, reconhecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para reavaliar as decisões das Justiças dos Estados, em sede de última instância. In verbis:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL ( DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891)
Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I - processar e julgar originária e privativamente:
a) o Presidente da República nos crimes comuns, e os Ministros de Estado nos casos do art. 52;
b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade;
c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros;
d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados;
e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e Tribunais de outro Estado.
II - julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60;
III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81.
§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
§ 2º - Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a Justiça Federal consultará a jurisprudência dos Tribunais locais, e vice-versa, as Justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos Tribunais Federais, quando houverem de interpretar leis da União.
É esse momento histórico que sedimenta no ordenamento jurídico pátrio a verificação de compatibilidade de leis com a Constituição na via difusa.
Chama atenção que nessa época entendia-se que era inviável o controle pela via abstrata. O então Ministro Rui Barbosa, Relator da Constituição de 1891, compreendia que o controle de constitucionalidade era questão de interpretação do texto normativo, e não um poder legislativo negativo.[14]
Avançando, a Constituição de 1934, ao estabelecer uma nova ordem constitucional, inseriu algumas alterações relevantes para o sistema de controle, como, por exemplo, a imposição de que a declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser declarada pela maioria dos membros de um Tribunal.
É o que segue LENZA (2015; p. 293):
A Constituição de 1934, mantendo o sistema de controle difuso, estabeleceu, além da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a denominada cláusula de reserva de plenário (a declaração de inconstitucionalidade só poderia ser pela maioria absoluta dos membros do tribunal) e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva.
Além disto, a mais relevante inovação foi a declaração de inconstitucionalidade com intuito de evitar a intervenção federal, confiada aos poderes do Procurador Geral da República.
Com relevante influência da Constituição Ditatorial da Polônia de 1935, a Carta Magna de 1937 estabeleceu a possibilidade de o Parlamento revisar as decisões do Judiciário em sede de controle de constitucionalidade. A lição de MENDES (2014; p.1062):
A Carta de 1937 traduz um inequívoco retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade. Embora não tenha introduzido qualquer modificação no modelo difuso de controle (art. 101, III, b e c), preservando, inclusive, a exigência de quórum especial para a declaração de inconstitucionalidade (art. 93), o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia o Chefe do Executivo submetê-la novamente ao Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 de votos em cada uma das Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal.
Desta feita, a referida Carta, bem verdade, instituiu um mecanismo de revisão das decisões emanadas de verificação de compatibilidade constitucional.
A Constituição de 1967 sustentou todas as disposições referentes ao controle difuso de constitucionalidade, porém não recepcionou a modalidade de controle abstrato apresentada pela EC n. 16/1965.
Por outro lado, a Emenda de 1969 previu o controle de constitucionalidade de lei municipal em face de Constituição Estadual, com o fito de intervenção no Município.
A Constituição de 1988 ampliou, significativamente, os mecanismos de verificação de compatibilidade com a Carta Magna, já que conservou a representação interventiva, dilatou a legitimação para apresentação de ações constitucionais (ampliando, posteriormente pela EC n. 45/2004), inseriu uma nova modalidade de Ação de Controle, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), estabeleceu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC).
Perante isto, AFONSO DA SILVA (2014; p.554-555) conclui:
O Brasil seguiu o sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério difuso por via de defesa com o critério concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade, incorporando também, agora timidamente, a ação de inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, a e III, e 103). A outra novidade está em ter reduzido a competência do Supremo Tribunal Federal a matéria constitucional. Isso não o converte em Corte Constitucional. Primeiro porque não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura fundado no critério difuso, que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará a ser um tribunal que examinará a questão constitucional com critério puramente técnico-jurídico, mormente porque, como Tribunal, que ainda será, do recurso extraordinário, o modo de levar a seu conhecimento e julgamento as questões constitucionais nos casos concretos, sua preocupação, como é regra no sistema difuso, será dar primazia à solução do caso e, se possível, sem declarar inconstitucionalidades.[15]
E foi ainda a Constituição de 1988 que, ao criar o Superior Tribunal de Justiça – STJ, atrelou ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da Constituição Federal.
Avançando ainda, a EC nº 03 de 17 de março de 1993 introduz relevantes modificações no sistema concentrado de controle de constitucionalidade. Diversos artigos da Carta de 88 tiveram suas redações alteradas.
No artigo 102, I, a introduziu-se a “Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal” acrescentando-se o §2º:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.
Instrumentalizando o sistema de controle, foram editadas as Leis nº 9.868/99 e 9882/99, que sedimentam e regulamentam a ADI, ADC e ADO e ADPF.
Fica claro, portanto, que a Constituição Federal de 1988 trouxe ao Supremo Tribunal Federal a prerrogativa de guardião da Constituição, tendo o legislador instrumentalizado toda uma sistemática de ferramentas e meios de controle de compatibilidade das normas ao texto constitucional.
E é exatamente dentro desse novo contexto que se pontua a superação da Súmula 347 do STF, afastando dos Tribunais de Contas, órgãos administrativos, o papel de verificação da compatibilidade de normas à Constituição Federal. As linhas que seguem ponderarão à respeito de diversas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, e correlacionará tais argumentos a nova sistemática de precedentes da Lei nº 13.015/2015 – Novo Código de Processo Civil.
A superação da Súmula 347 do STF.
Como visto, a Súmula n. 347 do Supremo Tribunal Federal tem como base o art. 77 da Constituição de 1946.
Mesmo que não formalmente revogada, no entender do Ministro Gilmar Mendes, ao relatar o Mandado de Segurança de n. 25888/DF, deve ser superada:
Assim, a declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de Contas da União, do art. 67 da Lei nº 9.478/97, e do Decreto nº 2.745/98, obrigando a Petrobrás, conseqüentemente, a cumprir as exigências da Lei nº 8.666/93, parece estar em confronto com normas constitucionais, mormente as que traduzem o princípio da legalidade, as que delimitam as competências do TCU (art. 71), assim como aquelas que conformam o regime de exploração da atividade econômica do petróleo (art. 177). Não me impressiona o teor da Súmula n. 347 desta Corte, segundo o qual "o Tribunal de Contas, o exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público". A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional nº 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional. No entanto, é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988.
No mesmo sentido, o Mandado de Segurança de n. 27744/DF, em que figura como Relator o Ministro Eros Grau, discute a possibilidade do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP - exercer controle de constitucionalidade em decisões administrativas tomadas pelo órgão.
Em suas palavras, o Nobre Ministro sustenta a tese de que a declaração de inconstitucionalidade seria uma atuação exclusivado Poder Judiciário, como se vislumbra a seguir:
A declaração de inaplicabilidade do preceito aos casos concretos e às [16]hipóteses futuras é expressiva do exercício de controle concentrado de constitucionalidade pelo Conselho Nacional do Ministério Público, órgão administrativo que não detém competência para tanto. O próprio relator do PCA o reconhece ao negar seguimento ao pedido por considerar que embute pretensão de exercício de controle concentrado de constitucionalidade. A jurisprudência desta Corte recusa o exercício de controle de constitucionalidade por órgãos administrativos.
No mesmo seguimento, precedentes: MS 25.986, Rel. Min. Celso de Mello; MS 26.783, Rel. Min. Marco Aurélio; MS 27.743 Rel. Min. Cármen Lúcia; MS 26.808, Rel. Min. Gilmar Mendes; MS 27.232, 27.337 e 27.344, Rel. Min. Eros Grau.
Nesse contexto, o próprio Pretório Excelso tem se posicionado de forma crescente e contínua no sentido de que não cabe a outros órgãos que não exercem função jurisdicional apreciarem ou não a constitucionalidade de lei para sua aplicação. E, como sabido, o Tribunal de Contas possui natureza jurídica de órgão administrativo, técnico, de controle e auxiliar do Poder Legislativo. Ou seja, não é investido de caráter jurisdicional.
Algumas Constituições Estaduais tem deixado expresso que o papel de controle e guardião das normas estaduais compete exclusivamente ao Poder Judiciário, afastando, por via direta, o exercício de tal desiderato pelo TCE[17].
Ainda, nesse mesmo sentido diversos Tribunais de Justiça pelo País tem se posicionado pela impossibilidade de controle de constitucionalidade pelo Tribunal de Contas, ante a superação da Súmula 347 do STF, vide, ad exemplum, decisão dentro do julgamento do Mandado de Segurança nº 0005228.16.2013.8.22.0000, o Pleno do TJ RO reconheceu a impossibilidade do TCE realizar controle de constitucionalidade, in verbis:
O Mandado de Segurança foi impetrado por Humberto da Silva Guedes objetivando o restabelecimento definitivo do pagamento da pensão destinada a ex-governador, por haver o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, com base na Súmula 347 do STF, negado executoriedade à Lei Estadual n. 276/90.
A segurança foi concedida, à unanimidade, com base no voto por mim proferido, ocasião em que argumentei que, apesar da existência da Súmula 347 do STF, no caso em exame o Tribunal de Contas não se acha investido de atribuições institucionais que lhe permitam proceder ao controle de constitucionalidade, a não ser nos limites de suas atribuições. Explico:
A Súmula 347 do STF assim dispõe:
O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.
Referida Súmula foi editada em 1963, tendo como base o art. 77 da Constituição Federal de 1946, há muito revogado, e num contexto constitucional completamente diferente do atual.
O referido art. 77 não compreendia todas as competências que hoje contém o art. 71 bem como não continha disposição expressa, como a do inc. IX, o qual demonstra ser a atuação do Tribunal de Contas de mera observância da ordem legal.
O contexto constitucional em que foi aprovado o verbete da Súmula 347 do STF, era indubitável o fato de que órgãos não-jurisdicionais, mormente o Tribunal de Contas da União, poderiam afastar a incidência de normas consideradas inconstitucionais, ao fundamento de que a recusa à aplicação de lei inconstitucional não se confundia com a declaração de sua inconstitucionalidade. Atualmente, não se vislumbra distinção entre uma coisa e outra, isso porque exerce o controle incidental de constitucionalidade o juiz ou tribunal que afasta a aplicação da norma, em face da inconstitucionalidade, mesmo sem a declaração ou reconhecimento expresso na decisão.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 71, lista as competências da Corte de Contas, donde se extrai que não foi outorgado ao Tribunal de Contas o poder de apreciar a constitucionalidade de leis ou atos normativos do Poder Público. Inclusive, o inciso IX demonstra que a atuação do referido órgão é no plano, apenas, da legalidade, jamais da constitucionalidade. De acordo com o referido inciso, o Tribunal de Contas deve velar pelo escorreito cumprimento da lei, não cabendo, portanto, questionar lei válida e vigente, e que é usada pelo administrado no exercício de suas atividades, sob pena de perverter a ordem constitucional.
Ainda, em conformidade com o artigo 5º, LIII, da Constituição Federal, ninguém será julgado senão pela autoridade competente, e o §1º do dispositivo referido deixa claro que tal garantia tem aplicação imediata, não podendo o Tribunal de Contas, por não ter competência, declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos.
Doutrina o Ministro Carlos Ayres Brito que as Cortes de Contas não são órgãos exercentes da função jurisdicional do Estado:
[...] os Tribunais de Contas não exercem a chamada função jurisdicional do Estado. A função jurisdicional do Estado é exclusiva do Poder Judiciário e é por isso que as Cortes de Contas: a) não fazem parte da relação dos órgãos componenciais desse Poder (o Judiciário), como se vê da simples leitura do art. 92 da Lex Legum; b) também não se integram no rol das instituições que foram categorizadas como instituições essenciais a tal função (a jurisdicional), a partir do art. 127 do mesmo Código Político de 1988.¿ ( O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. O Novo Tribunal de Contas: Órgão Protetor dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo.)
Ora, diante de um sistema de controle de constitucionalidade, não se mostra razoável que órgãos desprovidos de natureza jurisdicional possam avocar competência tipicamente judiciária para emitir juízo de adequabilidade entre atos normativos primários e a Lei Maior, em manifesta subversão da unidade racional que o sistema busca emprestar à fiscalização de constitucionalidade das leis.
Assim, o controle de constitucionalidade que recai sobre normas já integradas ao sistema de direito positivo é de competência privativa do Poder Judiciário, e os órgãos estatais diversos só poderão realizar atipicamente tal controle se o texto constitucional assim expressamente autorizar, o que não ocorre em relação ao Tribunal de Contas.
O princípio de constitucionalidade das leis, que confere segurança e estabilidade às relações jurídicas, somente pode ser elidido por órgãos que detenham competência constitucional expressa para dizer se o ato normativo ou lei questionado se coaduna ou não com a Constituição.
Ressalte-se que admitir que órgãos constitucionais despojados de funções jurisdicionais se neguem a aplicação de lei formal válida, ao fundamento de sua inconstitucionalidade, estar-se-ia compactuando com verdadeira instabilidade do sistema normativo vigente.
Esse entendimento foi adotando ainda, monocraticamente, nos seguintes casos:
Min. Lewandowski, MS 26.410/MC, Dje 02/03/2007; Min. Cármem Lúcia, MS 27.743, Dje 12/12/2008; Min. Eros Grau, MS 27.232, DJe 19/05/2008 e MS 27.337, DJe 27/05/2008; Min. Ellen Gracie, MS 28.745, Dje 12/05/2010; Min. Dias Toffoli, MS 29.468, Dje 19/12/2010. Referidas decisões ainda não transitaram em julgado. Entretanto, não se tem notícia de decisão recente do STF reconhecendo a competência do Tribunal de Contas para essas hipóteses.
Dessa forma, não há como conceber o exercício do controle de constitucionalidade pelo Tribunal de Contas, o qual não desempenha atividade jurisdicional e não é destinatário de competência constitucional atípica para, no exercício de suas funções, declarar a inconstitucionalidade de atos normativos ou leis.
É cediço que as leis e atos normativos editados pelo Poder Público são protegidos pelo princípio da presunção de constitucionalidade das leis, e em decorrência disso, tem-se que serão considerados constitucionais, válidos, legítimos até que venham a ser formalmente declarados inconstitucionais por um órgão competente para desempenhar esse mister.
No entanto, tanto o TCU[18], quanto diversos Autores, cite-se, por exemplo, em homenagem ao belo trabalho, o Prof. Luiz Henrique Lima, pautados em jurisprudência ultrapassada, anterior, inclusive, a edição da Carta Constitucional de 1988[19], continuam a defender e sustentar o controle de constitucionalidade pelos Tribunais de Contas.
Alguns pontos merecem destaque nesse momento.
Primeiro, a enorme quantidade de oportunidades em que os TCE´S tem exercido o papel de controle de constitucionalidade. Em rápida pesquisa no sitio eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, apenas no primeiro semestre de 2016, o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia declarou inconstitucional, em casos concretos e abstratos, mais de 10 (dez) Leis Estaduais e Municipais (Ex.: DOE nº 1125 – 08.04.2016 – Proc. 01817/15; DOE nº 1134 – 25.04.2016 – Proc. Nº 3398/15 e Proc nº 1817/15; DOE 1177 – 27.06.2016 – Proc nº 5010/2012). Considerando a quantidade de processos analisados e a quantidade de seções, significa que a cada 2 (duas) semanas é feita a declaração de inconstitucionalidade de uma norma.
De outro lado vige no ordenamento brasileiro a presunção de constitucionalidade das normas. Uma vez promulgada e sancionada uma lei, possui a presunção iuris tantum (relativa) de constitucionalidade.
Como ensina LUÍS ROBERTO BARROSO[20]:
“a presunção de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente, uma presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido contrário do órgão jurisdicional competente (...). Em sua dimensão prática, o princípio se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: (a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; (b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmarse a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor”.
Em sendo assim, até ulterior decisão do Poder Judiciário quanto a inconstitucionalidade do dispositivo normativo, não pode o Tribunal de Contas afastar a aplicação da norma para realizar o seu desiderato. Partir da inviabilidade do quanto determinado no comando normativo, para avaliar a conduta do administrado e/ou aplicação de recursos públicos, para, ao final, apurar a responsabilidade do administrado.
Esse caminho vulnera, integralmente, o próprio princípio da legalidade. Como diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “o Estado só pode segundo a lei e só pode segundo a forma de lei”[21].
Canotilho afirma que a prevalência ou primazia da lei reflete-se sob três enfoques[22]:
(1) a lei é o acto da vontade estadual juridicamente mais forte; (2) prevalece ou tem preferência sobre todos os outros actos do Estado, em especial sobre os actos do poder executivo (regulamentos, actos administrativos); (3) detém a posição de topo da tabela da hierarquia das normas, ou seja, desfruta de superioridade sobre todas as outras normas de ordem jurídica, salvo, como é óbvio, as constitucionais.
Na sequência, finaliza o constitucionalista português que nenhum ato infra legal deve ofender a primazia da lei, caso contrário será considerado inválido. É nesse sentido que a supremacia legal traduz-se em duas dimensões: uma positiva, que se relaciona à exigência de observância ou de aplicação da lei, e outra negativa, que implica a proibição de desrespeito ou de violação da lei.
Dentro desse contexto, salvo declaração expressa e irrestrita de inconstitucionalidade do dispositivo ou ato normativo não pode o Tribunal de Contas, sob a prerrogativa de controle da economicidade e da legalidade, afastar norma vigente, para efetuar o controle ao administrado.
CONCLUSÃO
Observando a evolução da jurisprudência sobre a matéria, em especial, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e de diversas Cortes espalhadas pelo País, é necessário superar a aplicação da Súmula 347 do STF.
A releitura de todo ordenamento jurídico, em especial, com a sistemática dos precedentes judiciais implantado pelo novo Código de Processo Civil[23], exige do aplicador do direito a compreensão de que, não além de estar superada, a Súmula 347 não tem respaldo na atual dinâmica de Corte Constitucional que o STF foi alçado pós CF/88.
REFERÊNCIAS
Bernardes, Juliano Taveira e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira. Direito Constitucional. Tomo II. Editora JusPodivm. 4ª Edição.
Apud Silva: Rui Barbosa e as finanças públicas brasileiras. In: Rui Barbosa, uma visão do controle do dinheiro público, TCU, 2000, p. 51.
Bulos, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. P. 1237.
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STF: MS 31439 MC, Relator Ministro Marco Aurélio, Decisão Monocrática, julgamento em 19.7.2012, DJe de 7.8.2012.
MASSON, Nathália, manual de direito constitucional – 4 ed. Ver. Ampl. E atual. – Salvador – BA. JusPODIVM, 2016. P.1123.
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MENDES, Gilmar Ferreira, curso de direito constitucional – 9º ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1030.
MASSON, Nathália, manual de direito constitucional – 4 ed. Ver. Ampl. E atual. – Salvador – BA. JusPODIVM, 2016. P.1161.
LENZA, Pedro, direito constitucional esquematizado – 19 ed. São Paulo; Saraiva, 2015.
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SILVA, J.A, curso de direito constitucional positivo, p. 554-555.
TCU: Decisão nº 663/2002 (Ata nº 21/2002 – Plenário).
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 164 – 165.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “O Princípio da legalidade”. In Revista da Procuradoria Geral do Estado. São Paulo: (10):9- 20, junho de 1977.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 721-722.
[1] Parecer pela Reprovação das Contas de Governo da Presidência da República dos Exercícios de 2014 e 2015.
[2] Bernardes, Juliano Taveira e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira. Direito Constitucional. Tomo II. Editora JusPodivm. 4ª Edição.
[3] Apud Silva: Rui Barbosa e as finanças públicas brasileiras. In: Rui Barbosa, uma visão do controle do dinheiro público, TCU, 2000, p. 51
[4]Bulos, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. P. 1237
[5] ADI 4.190, j. 10.03.2010
[6] BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 30 out. 2016.
[7] Bulos, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. P. 815
[8] MS 31439 MC, Relator Ministro Marco Aurélio, Decisão Monocrática, julgamento em 19.7.2012, DJe de 7.8.2012
[9] MASSON, Nathália, manual de direito constitucional – 4 ed. Ver. Ampl. E atual. – Salvador – BA. JusPODIVM, 2016. P.1123.
[10] Cunha Jr., Dirley. Curso de Direito Constitucional. Editora JusPOdivm. 7ª Edição. P. 259
[11] MENDES, Gilmar Ferreira, curso de direito constitucional – 9º ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1030.
[12] MASSON, Nathália, manual de direito constitucional – 4 ed. Ver. Ampl. E atual. – Salvador – BA. JusPODIVM, 2016. P.1161
[13] LENZA, Pedro, direito constitucional esquematizado – 19 ed. São Paulo; Saraiva, 2015.
[14] Judicial review é um poder de hermenêutica, e não um poder de legislação – BARBOSA, Rui, os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo, in Trabalhos jurídicos, cit, p. 83.
[15] SILVA, J.A, curso de direito constitucional positivo, p. 554-555.
[16] Informativo 781-STF – créditos para o site Dizer o Direito 1 – CNMP não possui competência para realizar controle de constitucionalidade de leiO CNMP não possui competência para realizar controle de constitucionalidade de lei, considerando que se trata de órgão de natureza administrativa, cuja atribuição se resume a fazer o controle da legitimidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público federal e estadual (art. 130-A, § 2º, da CF/88). Assim, se o CNMP, julgando procedimento de controle administrativo, declara a inconstitucionalidade de artigo de Lei estadual, ele exorbita de suas funções.
[17] Art. 88, §6º, da Constituição do Estado de Rondônia. Art. 88, §6º: É de competência exclusiva dos órgãos do Poder Judiciário o controle difuso ou concreto de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal
[18] TCU: Decisão nº 663/2002 (Ata nº 21/2002 – Plenário)
[19] O controle de constitucionalidade exercido pelo TCU é o chamado controle difuso ou incidental, ou repressivo, e com efeitos restritos às partes, relativas aos processos submetidos a sua apreciação, e em matérias de sua competência. Conforme acentua Farias: 12 O controle de constitucionalidade que exerce o Tribunal de Contas insere-se na sua missão institucional e na sua competência constitucional de fiscalizar, a tempo, a aplicação de recursos públicos e a gestão do patrimônio público. Consiste em alertar o Chefe do Poder Executivo que, caso pratique atos com espeque em norma considerada verticalmente incompatível pelo Tribunal de Contas, a Corte considerará irregular o ato. Na expressão do Ministro Roberto Rosas: Caso o ato esteja fundado em lei divergente da Constituição, o Tribunal de Contas pode negar-se à aplicação, porque ‘há que distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos Poderes do Estado (RMS 8.372, Rel. Min. Pedro Chaves, j. 11/12/1961). Lima, Luiz Henrique. Controle Externo. Editora Método. P. 206.
[20] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 164 – 165
[21] Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. “O Princípio da legalidade”. In Revista da Procuradoria Geral do Estado. São Paulo: (10):9- 20, junho de 1977. Ao destacar que o princípio da legalidade, sob a visão da vontade geral, está associado ao Estado de Direito (no modelo de Montesquieu e Rousseau), diz ainda o autor que “o pano de fundo deste pensamento é sempre a idéia de que a lei há de ser a expressão da Justiça, há de ter um conteúdo de Justiça”
[22] Canotilho, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 721-722
[23] A fim de que não paire dúvidas, é bom que se repita a expressão contida no caput do dispositivo (Art. 927): “os juízes e tribunais observarão”. Não se trata de faculdade, e sim de imperatividade. De início, pode-se pensar que o CPC/2015 está afastando a independência dos juízes e o princípio da persuasão racional, que habilita o magistrado a valer-se do seu convencimento para julgar a causa. Entretanto, ontologicamente, não há diferença entre a aplicação da lei ou do precedente, a não ser pelo fato de que, de regra, este contém mais elementos de concretude do que aquela. Tal como no sistema positivado, também no stare decisis o livre convencimento do juiz incide sobre a definição da norma a ser aplicada – aqui por meio do confronto da ratio decidendi extraída do paradigma com os fundamentos do caso sob julgamento -, sobre a valoração da provas e finalmente sobre a valoração dos fatos pelo paradigma escolhido, levando-se em conta as circunstâncias peculiares da hipótese sobre julgamento.Assim, havendo precedente sobre a questão posta em julgamento, ao juiz não se dá opção para escolher outro parâmetro de apreciação do Direito. Somente lhe será lícito recorre à lei ou ao arcabouço principiológico para valorar os fatos na ausência de precedentes. Pode-se até utilizar de tais espécies normativas para construir a fundamentação do ato decisório, mas jamais se poderá renegar o precedente que contemple julgamento de caso idêntico ou similar. Essa força normativa cogencial encontra a sua racionalidade no fato de que cabe ao STJ interpretar a legislação infraconstitucional e ao STF dar a última palavra sobre as controvérsias constitucionais. Assim, por mais que o julgador tenha outra compreensão da matéria sub judice, a contrariedade só terá o condão de protelar o processo por meio de sucessivos recursos, e consequentemente, de adiar a resolução da controvérsia. [23]
Procurador do Estado de Rondônia. Assessor Jurídico Chefe da Secretaria do Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão. Especialista em Advocacia Pública pela AVM Faculdade Integrada. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2005). Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Processual Civil. Atua como Advogado nas áreas Cível, Tributário, Comercial e Trabalhista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Artur Leandro Veloso de. A superação da Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47880/a-superacao-da-sumula-347-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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