Resumo: O direito eleitoral trata do sufrágio popular, abrangendo os aspectos dos direitos políticos e do processo eleitoral. É regido por uma série de princípios, que buscam fundamentá-lo e guiá-lo dentro do ordenamento jurídico. Dentre eles, destacam-se os princípios da soberania popular, da isonomia, da celeridade e da anterioridade eleitoral.
Palavras-chave: direito eleitoral; princípios; soberania popular; isonomia; celeridade; anterioridade eleitoral.
Introdução
O direito eleitoral é o ramo do direito público que versa sobre as normas e procedimentos relacionados ao sufrágio popular, tratando, dentre outros temas, de direitos políticos e do processo eleitoral. Ele preza, principalmente, pela manutenção do Estado democrático. Para garantir isso, o direito eleitoral deve seguir um conjunto de princípios responsáveis por fundamentar o direito.
Há uma série de definições do vocábulo “princípio”. Para alguns autores, o sentido dessa expressão divide-se em dois: o moral e o lógico. O primeiro consiste nas qualidades positivas de algum indivíduo. Quando se fala que alguém tem princípios, o que significa é que essa pessoa é ética, honesta, de boa moral. Já o segundo se refere ao princípio como uma razão fundamental e geral, que serve como molde de determinada ciência ou arte.
Aplicando o conceito lógico de princípios ao direito, tem-se que os princípios são, portanto, regras fundamentais que ditarão os sentidos que as normas devem seguir, para que se garanta os preceitos fundamentais da sociedade. No direito eleitoral, esses princípios são encontrados, em grande parte, na Constituição Federal.
São diversos os princípios que podem ser encontrados no direito eleitoral. Estes podem ser divididos em fundamentais e processuais. Os primeiros consistem na democracia, na democracia partidária, no Estado Democrático de Direito, na soberania popular, no poder republicano, no federativo, no sufrágio universal, na legitimidade, na moralidade, na probidade e na isonomia. Já os segundos, de natureza processual, equivalem ao princípio da anterioridade ou anualidade eleitoral, da celeridade, dentre outros.
O rol de princípios do direito eleitoral é bastante extenso. Além dos citados anteriormente, ainda há outros presentes dentro dessa sistemática. Contudo, existem alguns que devem ser analisados mais profundamente, por constituírem grande parte do direito eleitoral e por nele terem um papel especial. São eles: a soberania popular, a isonomia, a celeridade e a anterioridade eleitoral.
Princípio da soberania popular
Para definir o conceito de “soberania popular”, deve-se, primeiramente, compreender o significado de “poder”. O poder pode ser dividido em físico, moral e político. O primeiro consiste na atuação sobre o mundo natural. Já o segundo, sobre a vontade e consciência individual. Por fim, o último se traduz na competência de definir as condutas de terceiros de maneira coercitiva.
O poder político é um dos elementos do Estado. Isso ocorre devido ao fato de que tal poder é o que possibilita ao Estado, com o intuito de estabelecer a ordem e a proteção dos direitos individuais, estabelecer certas normas de conduta que devem ser seguidas, sob risco de sofrer punições com a desobediência.
O vocábulo “soberania” pode ser definido como o poder mais alto, o supremo poder. No Estado brasileiro, essa soberania é pertencente ao povo, como versa o art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Dessa forma, a soberania popular, sendo o poder preponderante, é o que vai legitimar as ações do Estado. Em outras palavras, toda a atuação estatal deve ser fundamentada na soberania popular. Isso se dá devido à concepção de que a função do Estado é manter uma sociedade organizada, para que haja uma convivência plena e estável entre os indivíduos, protegendo sempre seus direitos e suas liberdades.
Apesar de o Estado deter esse poder político, isso não significa que ele não está subordinado às normas do ordenamento jurídico. Isso seria contra o princípio do Estado democrático de direito e abriria espaço para um governo fundamentado no arbítrio. Como todo o poder emana do povo, o Estado tem a obrigação de respeitar os direitos individuais dos cidadãos e uma forma de se fazer isso é justamente se submeter às normas do regime jurídico instituído.
De acordo com o já citado parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, todo poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos. Há de se falar também no art. 14, incisos I, II e III, da Constituição Federal, que tem como redação:
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
Com base nesses artigos, pode-se dizer que a soberania popular se efetiva com o sufrágio universal, com o voto direto e secreto, com o plebiscito, com o referendo e com a iniciativa popular. Ou seja, pode-se concluir que o resultado da escolha dos candidatos feita nas urnas é a concretização da soberania popular e, por isso, é ele que acaba conferindo legitimidade ao poder estatal.
Princípio da isonomia
O princípio da isonomia está previsto no art. 5, caput, da Constituição Federal que dispõe o seguinte:
“Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
Esse determinado princípio consiste, portanto, no fato de que deve ser dado o mesmo tratamento a todos. Qualquer tratamento diferenciado que houver deverá ser plenamente justificado, de forma que sua existência seja razoável e, de certa forma, benéfica à coletividade.
O princípio da isonomia visa combater qualquer forma de discriminação. Uma vez que todos são iguais perante a lei, não se pode conferir vantagens especiais a ninguém, pois não há nenhum indivíduo mais importante que outro. Todos têm os mesmos direitos e deveres e, por isso, o Direito deve trata-los de forma homogênea.
No direito eleitoral, a isonomia está presente em diversas situações, normas e ideais. Portanto, considerando que todos os candidatos devem ter as mesmas condições e oportunidades, há uma data para se iniciar a campanha eleitoral, pré-estabelecida justamente para evitar que partidos com maior poder econômico possam começar antes dos outros e tenham mais tempo de campanha.
Entretanto, é importante ressaltar que existem naturais desigualdades entre os candidatos a cargos político-eletivos que devem ser consideradas. O maior exemplo disso é o tempo de propaganda eleitoral na televisão e no rádio, que varia de acordo com o tamanho do partido e/ou da coligação. Todos têm as mesmas oportunidades de veiculação da propaganda eleitoral, entretanto essa desigual distribuição de tempo, que confere aos maiores partidos maior tempo de propaganda, é compatível com a ideia de fortalecimento dos partidos, ideia que acaba dando mais estabilidade ao governo.
Princípio da celeridade
O princípio da celeridade é encontrado no art. 5, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e estabelece o seguinte:
“LXXVIII. A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”
A prestação jurisdicional, portanto, deve ser a mais rápida possível, mas nunca deixando de atender o contraditório, a ampla defesa e os direitos individuais das partes. A excessiva demora nessa prestação compromete sua utilidade e eficiência e, nos casos mais extremos, pode até mesmo significar a perda do direito pleiteado.
No direito eleitoral, esse princípio é essencial e notável, especialmente em razão da temporariedade do exercício dos mandatos eletivos. Isso traz algumas consequências práticas, sendo uma delas o fato de que o Poder Judiciário deve dar a maior prioridade possível na apreciação dos feitos eleitorais. Ou seja, o magistrado, diante de uma situação em que há um processo oriundo da Justiça Comum e outro da Justiça Eleitoral, deve dar preferência ao segundo, salvo em hipóteses de habeas corpus e de mandado de segurança.
A celeridade também consta nos casos de pedidos de registro de candidatura, que possuem prazos certos para serem apreciados; nos recursos eleitorais, que devem ser interpostos no prazo de três dias, salvo exceções previstas em lei, como dispõe o art. 258 do Código Eleitoral; na irrecorribilidade das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), este sendo a última instância possível para recursos em questões estritamente eleitorais; na preclusão instantânea de cada fase devidamente cumprida, ou seja, como o processo eleitoral é composto por etapas sucessivas e bem definidas, concluída uma, não se pode recorrer sobre eventuais irregularidades constatadas posteriormente (art. 147, §1º e art. 149, Código Eleitoral); no prazo de um ano como duração razoável do processo eleitoral que possa resultar em perda de mandato.
Além dessas situações elencadas, existem diversas outras que demonstram a extrema importância da celeridade dentro do direito eleitoral. Mesmo tal princípio cercear todo o âmbito do direito, há no campo eleitoral uma certa relevância especial e pode ser notada em todo o seu processo.
Princípio da anterioridade eleitoral
O princípio da anterioridade ou anualidade da lei eleitoral está previsto no art. 16 da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Nesse sentido, interpreta-se que é preciso que uma lei alteradora do processo eleitoral, para que tenha eficácia, seja publicada no Diário Oficial da União (DOU), no mínimo, um ano e um dia antes da respectiva eleição.
Uma questão importante é saber o significado de “lei” nesse contexto. Aqui, a lei está em sentido amplo, ou seja, é qualquer norma com capacidade de inovar o ordenamento jurídico. Logo, excluem-se os regulamentos, que não podem extrapolar os limites da lei e criar algo novo. Portanto, essa regra é dirigida especialmente ao poder legislativo, pois somente ele pode inovar a ordem jurídica eleitoral.
Outra questão que traz certas divergências e que gerou certa polêmica no cenário jurídico é o significado e a abrangência do termo “processo eleitoral”. Discutia-se se esse termo abrangia as normas materiais, as processuais ou as duas. A resposta para essa questão foi dada pelo próprio Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões distintas. A primeira consiste no Informativo STF nº 398, de 22 a 26 de agosto de 2005, sobre o julgamento da ADI 3.345, e destaca o seguinte:
“[...] a norma do art. 16 da CF, consubstanciadora do princípio da anterioridade da lei eleitoral, foi prescrita no intuito de evitar que o Poder Legislativo pudesse inserir, casuisticamente, no processo eleitoral, modificações que viessem a deformá-lo, capazes de produzir desigualdade de participação dos partidos e respectivos candidatos que nele atuam [...]”
Já a segunda consiste no julgamento da ADI 3.741 pelo STF, no qual se destaca o seguinte trecho:
“ [...] a Corte entendeu que esse princípio [da anterioridade] só vale se forem atacados alguns desses aspectos: 1) rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e candidatos; 2) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; 3) a introdução de fator de perturbação no pleito e 4) promoção de alteração motivada por propósito casuístico”.
Um caso muito emblemático relacionado ao princípio da anterioridade é o do candidato a governador do DF, Joaquim Roriz, nas eleições de 2010, relacionado com a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010). Tal lei foi publicada em 2010 e, de acordo com as suas determinações, impossibilitaria a candidatura de Joaquim Roriz. Contudo, como ela foi publicada no mesmo ano das eleições, havia o entendimento que a sua aplicação imediata seria inconstitucional. Roriz acabou tendo sua candidatura em risco, pois alguns a negavam, então entrou com o Recurso Extraordinário Eleitoral n. 630.147/2010. Na votação, cinco ministros votaram no sentido de que a determinada lei feria o art. 16 da CF/88, pois não havia se passado um ano ainda desde a publicação até as eleições seguintes. Já os outros cinco ministros entenderam que não houve essa violação constitucional, por isso poderia sim ser aplicada nas eleições de 2010. Diante do impasse, como havia a vacância da 11ª cadeira, não havia um critério apropriado para o desempate e resolveram, portanto, marcar outra data para resolver a questão. Entretanto, Roriz, diante desse impasse, renuncia sua candidatura e é substituído pela sua esposa. O STF, então, declara extinto o processo sem declaração de mérito, invalidando as decisões do TSE e do TRE-DF sobre o caso. Dessa forma, ficaram à espera de novo recurso extraordinário para decidir sobre a questão.
Por fim, o princípio da anualidade eleitoral é expressão máxima da democracia. Ele rege o conflito de leis no tempo, lastreado nas ideias de “rules of games”, no sentido de que “não se pode mudar as regras do jogo no meio do campeonato”. Na esfera jurídica, isso se traduz como a proibição de surpresas desagradáveis, impedindo que os envolvidos tenham que se adequar às novas normas em um prazo de tempo muito curto. Ele impede a criação de leis casuísticas para preservar o poder político, econômico ou de autoridade.
Conclusão
Princípios são preceitos fundamentais que norteiam o ordenamento jurídico. Sua função é estabelecer parâmetros à atuação de todos os entes jurídicos, em todas as suas atribuições. Dentro do Direito Eleitoral, são diversos os princípios que podem ser encontrados. Dentre eles, pode-se destacar os princípios da soberania popular, da isonomia, da celeridade e da anualidade eleitoral.
A soberania popular e a isonomia estão dentro dos princípios fundamentais do Direito Eleitoral. Essa denominação se justifica pelo fato de serem questões relacionadas à essência do Direito e não aos aspectos formais-processuais. A soberania popular consiste na ideia de que “todo poder emana do povo”, de forma que, ao mesmo tempo que legitima o poder do Estado, ela também o restringe. Já a isonomia reflete na concepção de que todos são iguais perante a lei. Ou seja, nenhuma forma de discriminação é permitida, todos devem receber o mesmo tratamento, repudiando eventuais vantagens ou prejuízos conferidos a alguém.
A celeridade e a anualidade eleitoral fazem parte da esfera dos princípios processuais do Direito Eleitoral. As duas tratam de questões mais técnicas, relacionadas ao aspecto formal. A celeridade diz respeito à “velocidade” da tramitação dos processos. Ela preza pela razoável duração do processo, dificultando, dessa forma, a ociosidade do Direito ao resolver as lides que lhes são impostas a resolver. Já a anualidade eleitoral está relacionada com a ideia de “não surpresa”. A concepção de que não se pode alterar as regras do ordenamento sem um prazo razoável para os outros se adequarem a elas. Esse prazo, no caso, é de um ano.
Apesar de haver muitos princípios no Direito Eleitoral além dos mencionados, estes têm especial relevância. Pode-se notar essa questão pela extensão de seus campos de atuação – que é grande. Isso faz com tais ideais acabem gerando outros princípios derivados deles mesmos, aumentando mais ainda sua incidência. Logo, a presença forte de tais princípios faz com que mereçam ser analisados mais atentamente e com mais empenho.
Como os princípios são parte da base do ordenamento jurídico, moldando-o e estabelecendo parâmetros a serem seguidos, seu estudo é imprescindível. Dentro da esfera eleitoral não poderia ser diferente. O entendimento das dimensões e dos significados deles facilita a compreensão de toda sistemática eleitoral, pois revela os reais sentidos das normas e dogmáticas estabelecidas. É um sistema complexo e merece sua devida atenção. Tal complexidade se mostra na extensa quantidade de princípios componentes do Direito Eleitoral. Entretanto, cada um deles tem sua devida importância e contribuição dentro desse âmbito jurídico, estabelecendo padrões a serem seguidos.
Referências bibliográficas
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral/José Jairo Gomes. 11 ed. rev. ampl. e atual. - São Paulo: Atlas, 2015.
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral/Roberto Moreira Alves – 10. Ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2016.
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, Marina Faraco de Freitas Tres. O Direito Eleitoral e alguns de seus princípios orientadores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49061/o-direito-eleitoral-e-alguns-de-seus-principios-orientadores. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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