RESUMO: O presente trabalho tem por objetivos estudar alguns aspectos da evolução histórica e jurisprudencial do benefício assistencial de prestação continuada, no ordenamento jurídico brasileiro, com breve menção às características principais e aos requisitos necessários à obtenção do benefício, sua finalidade. Destacam-se algumas modificações de entendimentos na jurisprudência brasileira acerca do critério de miserabilidade, da exclusão de benefício de renda mínima, bem como da concepção de pessoa com deficiência. Ressaltam-se, ainda, julgados recentes sobre a concessão do benefício a criança e ao estrangeiro. A pesquisa é do tipo descritiva, o método abordagem é de pesquisa qualitativa, a partir de uma análise indutiva, o procedimento é monográfico com obtenção de dados pela pesquisa bibliográfica e documental de fontes secundárias. Com o trabalho, verifica-se positiva evolução histórica acerca da proteção social no mundo e, em especial, no Brasil, com o fortalecimento pelo avanço jurisprudencial na concretização do direito ao benefício assistencial.
Palavras-chave: benefício assistencial, proteção social, seguridade social.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC) previsto pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no seu artigo 203, V, e instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93 – LOAS) no seu artigo 20, vem passando por significativas mudanças conceituais e estruturais.
Nesse contexto, analisando-se os fundamentos jurídicos do benefício assistencial, sustentados pela doutrina brasileira, buscar-se-á saber de que forma e em que medida a proteção social vem sendo concretizada a partir do avanço histórico e jurisprudencial do tratamento dado ao instituto.
Para tanto, inicialmente, serão analisados os principais aspectos históricos da seguridade social, da assistência social, verificando-se em que período surgiu o benefício assistencial de prestação continuada.
Em seguida, serão apontados as principais características e requisitos necessários à obtenção do benefício, de acordo com a doutrina majoritária e o entendimento jurisprudencial.
Por fim, será apreciada a modificação da jurisprudência recente sobre alguns pontos fundamentais do benefício assistencial, como o critério de aferição da miserabilidade, a exclusão de benefício de renda mínima percebido por outro membro do grupo familiar, a concepção de pessoa com deficiência e a concessão do benefício assistencial a criança e ao estrangeiro.
1 ASPECTOS DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO SOCIAL
Desde os primórdios da civilização, a preocupação com o futuro tem sido uma constante na escala de prioridades do ser humano. Não é de hoje que procuramos nos preparar para enfrentar os momentos de adversidades da vida, como fome, doenças, velhice etc.
Foi na família que a proteção social teve seu início. Na época em que precedeu a formação do Estado, os laços familiares eram mais fortes e duradouros, a sociedade era constituída por grupos familiares, os clãs, de modo que era incumbência dos mais jovens cuidar dos mais velhos e incapacitados.
Contudo, como a proteção decorrente da família sempre se mostrou frágil e carente de apoio externo (igrejas, instituições de caridade, filantropia etc.) esse ônus, pouco a pouco, foi sendo assumido pelo Estado. Além disso, a exacerbação do individualismo, principalmente com o advento do Estado Liberal, tornou o sistema familiar ainda mais incapaz de conferir uma proteção social que promovesse uma existência digna da pessoa humana.
É somente com o advento do Estado Social que surge o atual sistema de proteção social: a Seguridade Social. Com efeito, a diretriz que rege o Welfare State, ou Estado do Bem-Estar Social, implica numa atuação estatal em diversas áreas da sociedade, antes imunes a tal interferência, dentre elas o sistema protetivo social, que tinha se mostrado absolutamente insuficiente durante a vigência do Estado Liberal.
A Seguridade Social segue atualmente o modelo proposto por Beverigde, ou seja, a atribuição ao Estado da responsabilidade por ações universais e conjuntas na área de Assistência, Saúde e Previdência Social.
No Brasil, a Constituição da República de 1988 foi bastante inovadora e extensa no que tange à proteção social, sendo a primeira a prever como objetivo estatal a criação de um verdadeiro sistema de Seguridade Social, o qual seria composto por um conjunto integrado de ações e medidas destinadas a atender às necessidades básicas do ser humano, assegurando-lhe uma condição social mínima para a configuração necessária de uma vida digna, com saúde e proteção (assistencial ou previdenciária) contra os infortúnios decorrentes do não-trabalho.
A dignidade da pessoa humana como fundamento base do sistema jurídico brasileiro, enquanto vinculado à Seguridade Social, desafia o Estado e a sociedade a retirar da vida indigna aqueles que assim se encontram.
A Assistência Social foi elevada à condição de direito subjetivo fundamental (art. 194, CF)), deixando de ser vista como um favor ou caridade, mas não é só. É um direito fundamental dotado de máxima efetividade, posto que consta entre os direitos sociais fundamentais arrolados no art. 6º do Texto Magno.
Nesse contexto o benefício de prestação continuada (BPC/LOAS) é um dos objetivos da Assistência Social (art. 203, V, CF/88).
O BPC encontra sua identidade na proteção básica, pois visa a garantir aos seus beneficiários o direito à convivência familiar e comunitária, bem como, o trabalho social com suas famílias, contribuindo para o atendimento de suas necessidades e para o desenvolvimento de suas capacidades e de sua autonomia.
Em suma, pode-se dizer que o BPC consiste no direito ao recebimento mensal de um salário mínimo a quem, nos termos de lei ordinária, se caracterizasse como idoso ou portador de deficiência e, comprovadamente, não possuísse meios de prover a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, encontrando-se em situação de vulnerabilidade econômica.
2 CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Com a edição da Lei nº 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), houve a instituição desse amparo assistencial. Porém, só a partir de 1º/01/1996 passou a ser possível o requerimento do benefício assistencial, conforme os termos do art. 40 do Decreto nº 1.744/95 (regulamento da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS).
O BPC possui determinadas características ou atributos decorrentes do seu próprio disciplinamento legal. Dizemos que são características, porque estão ligadas mais precisamente ao regime jurídico do benefício, revelando sua peculiaridade e diferenciando-o, por exemplo, dos benefícios previdenciários.
Inicialmente, temos que o BCP/LOAS é um benefício de renda básica no valor de 01 (um) salário mínimo. Por se tratar de uma renda básica, não tem previsão de pagamento de abono natalino ou 13º salário, sendo esta uma das principais diferenças práticas utilizadas para explicar ao leigo a diferença entre um benefício de natureza assistencial (sem abono anual) e um benefício previdenciário (com abono anual).
Além disso, o BPC é um benefício individual e intransferível, extinguindo-se com a morte do beneficiário ou com a modificação das condições fáticas que sustentavam sua concessão (renda e/ou deficiência). A principal consequência disso é que não deixa pensão por morte aos dependentes ou sucessores do beneficiário falecido. Todavia, o valor não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos herdeiros.
O art. 20 da Lei n. 8.742/93 estabelece os requisitos para outorga do benefício de prestação continuada. Como requisitos comuns aos dois grupos beneficiados, exige-se: a) nacionalidade brasileira - podendo, excepcionalmente, ser concedido ao português equiparado que mantenha residência no país e desde que haja reciprocidade com brasileiros -; b) residência fixa no país; c) não recebimento de outros benefícios da Previdência Social, pois é inacumulável - ressalvada a possibilidade de percepção conjunta com a bolsa do deficiente aprendiz no período inicial de dois anos, com a assistência médica e com a pensão especial de natureza indenizatória (requisito negativo); d) impossibilidade de manter o próprio sustento por si próprio ou por sua família, item que será pormenorizado em tópico específico.
Como visto, o benefício de prestação continuada se destina ao idoso e à pessoa deficiente nos termos da lei. Em qualquer de suas modalidades, este benefício se destina a pessoas necessitadas economicamente (hipossuficientes), ou seja, exige como condição para sua concessão que o requerente demonstre que não dispõe de meios para prover o seu sustento ou de tê-lo provido por sua família.
Por conta disso, desde o início, a Lei 8.742/93 estabeleceu como requisito objetivo para concessão do benefício que o requerente possua renda mensal familiar per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, que passou por modificações no entendimento jurisprudencial, conforme será analisado a seguir.
3 O CRITÉRIO DE MISERABILIDADE NA JURISPRUDÊNCIA
O critério legal de miserabilidade é muito debatido no âmbito do Judiciário, que em muitas situações o tem afastado diante das peculiaridades do caso concreto. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha pronunciado, num primeiro momento, que o referido critério é constitucional (ADI 1.232/DF), o STJ se inclinou pela tese segundo a qual o critério do 1/4 (um quarto) do salário mínimo como renda per capita mensal não podia ser considerado como único parâmetro de hipossuficiência do requerente, nem pode ser considerado como um critério absoluto.
Posteriormente, o próprio Supremo Tribunal Federal modificou sua jurisprudência e, ao contrário do que havia estabelecido da ADI. 1.232/DF, em um paradigmático caso de overruling de sua própria interpretação, considerou inconstitucional o critério objetivo de 1/4 da renda per capita familiar estabelecido no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, não fixando um novo critério, embora, em seus votos, alguns Ministros suscitassem o critério de ½, sendo adotado por parcela da jurisprudência.
O ministro Gilmar Mendes observou que ao longo dos últimos anos houve uma “proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais”. Nesse sentido, ele citou diversas normas, como a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; e a Lei 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola.
Conforme destacou o relator, essas leis abriram portas para a concessão do benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelo artigo 20 da Loas, e juízes e tribunais passaram a estabelecer o valor de meio salário mínimo como referência para aferição da renda familiar per capita.
Afirmou o ministro que:
“É fácil perceber que a economia brasileira mudou completamente nos últimos 20 anos. Desde a promulgação da Constituição, foram realizadas significativas reformas constitucionais e administrativas com repercussão no âmbito econômico e financeiro. A inflação galopante foi controlada, o que tem permitido uma significativa melhoria na distribuição de renda.”
Ao destacar que esse contexto proporcionou que fossem modificados também os critérios para a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, tornando-se “mais generosos”, apontou para meio salário mínimo o valor padrão de renda familiar per capita.
Para efeito de cálculo da renda per capita considera-se grupo familiar aquele formado pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto, conforme art. 20, parágrafo 1º, da Lei 8.742/93.
4 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E O IDOSO
Outro ponto interessante ao tema, é que o Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03, em seu artigo 34, estabelece que o benefício de Prestação Continuada concedido a qualquer membro da família idoso, não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita. Em função deste abrandamento, passou-se a questionar se a renda de algum benefício previdenciário do idoso membro da família, que seja de mesmo valor do benefício assistencial (ou até mesmo inferior) seria ou não levado ao cálculo da renda per capita.
Por uma interpretação teleológica, há quem defenda que não só os valores recebidos por idoso integrante do grupo familiar a título de LOAS, mas a qualquer título (pensão, aposentadoria rural etc.), desde que no valor mínimo, não devem ser levados em consideração no cálculo da renda per capita, porque não há sentido em considerar os proventos destinados à pessoa de idade como fonte de amparo ao deficiente ou outro idoso, substitutiva do dever do Estado de prestar assistência. Na prática, significa que o valor auferido pelo idoso não precisa ser dividido com os demais membros do grupo, garantindo-lhe dignidade.
Por outro lado, procuradores federais comumente refutam tal extensão, afirmando ser fruto de interpretações equivocadas na aplicação deste dispositivo de lei, pois a lei é clara que somente afasta-se do cômputo da renda per capita os benefícios assistenciais concedidos aos idosos.
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 580963, a Suprema Corte optou por declarar incidentalmente a inconstitucionalidade por omissão do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/03, sem pronúncia de nulidade. Tal decisão, proferida sob o manto da repercussão geral, veio restabelecer a isonomia de tratamento existente entre situações idênticas como as acima indicadas.
Registre-se, ainda, que a modulação dos efeitos da decisão proposta pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, não obteve o quórum de 2/3 para sua aprovação e, a despeito de proferido em repercussão geral, o julgado não tem efeito vinculante para a administração pública (in casu o INSS), que deverá seguir negando o benefício nas situações acima descritas.
Quanto à idade mínima do idoso, apesar de o art. 1º da Lei 10.741/03 - Estatuto do Idoso - ter definido o idoso como aquele que possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, no tocante ao direito ao benefício assistencial de prestação continuada, é somente o idoso que conte, atualmente, com 65 anos de idade.
Critica-se tal distinção, sob o argumento de que, tendo a lei 10.741/03 fixado a faixa etária para que uma pessoa seja considerada idosa, há que presumir uma adaptação de todos os dispositivos legais que fixassem faixa etária diversa para situações de proteção à pessoa do idoso, o que não ocorreu quando tratado o benefício assistencial.
Ressalta-se que, num primeiro momento, em sua redação original, a Lei 8.742/93 (LOAS) previa uma idade mínima de 70 (setenta) anos para a concessão do benefício, contudo já consignava que esta idade necessária para a concessão do benefício seria diminuída ao longo do tempo no intuito de cada vez mais abranger um número maior de idosos necessitados.
5 CONCEPÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A pessoa portadora de deficiência, por sua vez, deverá demonstrar que se enquadra no conceito de pessoa com deficiência. Esse conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela Lei 12.470/11, encontrando-se agora adequado a diplomas internacionais que consideram a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O novo conceito de deficiência inserido na Lei nº 8.742/93 pela Lei nº 12.470/11, já mencionado, é um reflexo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Em 30 de março de 2007, o Estado Brasileiro foi signatário da Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Após a aprovação do texto do Tratado pelo Congresso Nacional pelo rito previsto no art. 5º, parágrafo 3º, da Constituição da República, foi promulgado pelo Decreto Executivo nº 6.949/2009. Portanto, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi internalizada no ordenamento jurídico pátrio com status de emenda constitucional.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência trouxe novo conceito de pessoas com deficiência, que não se fixa apenas na patologia que ela apresenta, mas avalia o indivíduo no seu contexto médico, psíquico e social, em uma visão multidisciplinar.
Trata-se, pois, de um conceito mais amplo de deficiência, vendo a incapacidade não mais como um atributo da pessoa, como algo de que o sujeito é portador, mas sim como uma consequência de um conjunto complexo de situações, das quais um número razoável delas decorre do próprio ambiente familiar e social em que vive e se relaciona.
Com essa compreensão, passou-se a entender que doença não é deficiência, assim como deficiência não é doença, mas algumas deficiências são causadas por doenças, assim como poderiam ser causadas por acidentes de qualquer tipo, violência urbana, maus-tratos em casa, tiros e explosões em tempos de guerra etc. Outras deficiências são congênitas.
6 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À CRIANÇA
Destaca-se, ainda, que o benefício assistencial pode ser concedido à pessoa em idade não laboral. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu o benefício a uma criança de três anos que caminha com dificuldade por ter pé torto congênito bilateral. O pai era cortador de mato, atividade que por depender da safra e do clima lhe dava uma renda variável de cerca de um salário mínimo mensal. A mãe deixou de trabalhar para cuidar do filho. O núcleo familiar era constituído ainda de mais duas meninas, também menores, filhas apenas da mãe do menor, ou seja, um grupo familiar com 5 pessoas.
Apesar de haver parecer contrário da assistente social, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que a criança estava em evidente risco social, necessitando do benefício assistencial para garantir uma sobrevivência digna.
A incapacidade ficou demonstrada no laudo pericial, que evidenciou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que afetam a participação plena da criança na vida em sociedade.
A renda familiar não chegava a R$ 900,00 mensais, composta do salário do pai e de uma bolsa família de R$ 160,00, da qual cinco pessoas se sustentavam. Ponderou-se que o menino, apesar de ser tratado pelo SUS, precisava de cuidados constantes e de aparelhos ortopédicos que são trocados a cada cirurgia. Já foram feitas duas e uma terceira estava marcada.
Quanto ao questionamento da legalidade de conceder benefício assistencial a menor de idade incapaz, entendeu-se não haver essa limitação na Constituição da República, mas, pelo contrário, não se admite interpretação restritiva, no sentido de que o adulto portador de deficiência poderia receber o benefício assistencial e o menor de idade não, quando ambos estão enquadrados na mesma condição, qual seja, incapacitados para a vida independente e sem condições de ter o sustento assegurado pela família.
7 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO ESTRANGEIRO
No que tange ao estrangeiro, com a consolidação econômica do Brasil no âmbito dos países da América do Sul, tem-se verificado o constante crescimento no número de imigrantes que aqui chegam tentando obter uma vida melhor e com maiores oportunidades de emprego.
Entretanto, o sonho inicial acaba se tornando pesadelo, quando, muitas vezes, o estrangeiro acaba não conseguindo a sua inserção no mercado de trabalho e, muitas vezes, não possui condições de retornar ao eu País de origem.
Essa situação gera um agravamento na crise da marginalização social, já que esses estrangeiros somam-se aos milhares de brasileiros que vivem nas ruas, sem emprego, e em situações de miserabilidade, o que acaba por ter repercussões na economia, segurança pública, saúde pública etc.
Como consequência concreta dessa cada vez mais crescente marginalização social desses indivíduos estrangeiros, tem-se constatado um aumento considerável nos pedidos envolvendo a concessão de benefício de prestação continuada assistencial ao idoso e ao portador de deficiência, também chamado de benefício de amparo assistencial, previsto no artigo 203, inciso V da Constituição da República.
Para os defensores da possibilidade de se conceder benefício de amparo assistencial ao idoso e ao portador de deficiência, o argumento jurídico gravita em torno da garantia constitucional fundamental da proteção à dignidade da pessoa humana.
Os defensores de tal direito aos estrangeiros residentes no Brasil também se valem do argumento de que o Brasil é signatário de diversos tratados e acordos internacionais em que se obriga a promover a igualdade entre os povos e defender a dignidade da pessoa humana, como ocorre, por exemplo, com o Mercosul e com o Pacto de San José da Costa Rica.
Contudo, no campo dos chamados direitos sociais, no que se insere à assistência social, mesmo os defensores da concessão de benefício de amparo assistencial ao estrangeiro têm exigido que haja a presença da residência permanente no País.
Para aqueles que defendem a impossibilidade de conceder-se o benefício de amparo assistencial do idoso e ao portador de deficiência que seja estrangeiro, dentre os quais está incluído o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os principais argumentos são estão vinculados a questão da ausência de regulamentação infraconstitucional sobre a matéria.
Sustentam que os requisitos para a concessão do benefício previsto no artigo 203, inciso V da Constituição da República devem ser estabelecidos por lei, conforme preconiza o próprio dispositivo constitucional.
Essa situação acabaria por trazer um gravame financeiro ao orçamento da União Federal, que é o ente responsável pelo pagamento do aludido benefício, podendo gerar a necessidade de se diminuir a proteção assistencial que é dada aos próprios brasileiros.
Além do aumento de despesas com o pagamento do benefício assistencial em si, também haveria consequências de ordem social, como o aumento populacional, o aumento da procura por saúde pública, por escolas públicas, a necessidade de maiores investimentos em saneamento básico etc., medidas que muitas vezes não são possíveis de serem feitas a contento sequer para os próprios brasileiros.
Outro argumento correntemente utilizado é o de que a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) se vale, no seu artigo 1º, do termo “cidadão”, o que pressupõe, portanto, vínculo jurídico-político com a República Federativa do Brasil.
Também se defende a impossibilidade de tal direito aos estrangeiros ante a ausência de tratados internacionais especificamente quanto à concessão de benefícios assistenciais a estrangeiros, dos quais o Brasil seja signatário.
No campo jurisprudencial, tem-se verificado que o entendimento dos Tribunais Federais tem se sedimentado no sentido da possibilidade de concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso e ao portador de deficiência.
Referidas decisões têm colocado em primazia os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana e da erradicação da pobreza e da marginalização social, quando em confronto com a alegação de ausência de lei específica sobre o tema ou de contrariedade a supostos requisitos infraconstitucionais.
Em virtude da grande divergência instalada sobre a matéria, e tendo em conta que a questão transcende aos interesses meramente individuais das partes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral sobre o tema em recurso extraordinário que trata sobre a possibilidade de concessão do benefício de prestação continuada assistencial ao idoso e ao portador de deficiência.
Esse dilema econômico e social de proteção assistencial a estrangeiros não é novidade em países desenvolvidos que assistem a êxodos emigratórios há muitas décadas, como é o caso dos Estados Unidos e países Europeu, onde a discussão sobre quais serviços públicos devem ser destinados a estrangeiros também gera divergências acaloradas.
Portanto, a despeito de, por vezes, os argumentos de ordem econômica não serem expressamente lançados pelos Países, até para se evitar que a discussão se desloque do campo jurídico para a seara política, não se pode esquecer que eles existem, e que devem também ser sopesados na decisão tomada pelos Estados acerca do rol de serviços ou benefícios a serem concedidos a estrangeiros.
CONCLUSÃO
A partir do estudo efetivado, depreende-se que a proteção social vem evoluindo de acordo com as modificações históricas do modelo de Estado, destacando-se no ordenamento jurídico brasileiro verdadeiro sistema de seguridade social, pautado pela dignidade da pessoa humana.
O benefício assistencial de prestação continuada é instituto da Assistência Social, que visa a garantir proteção básica, a retirar do estado de miserabilidade, a assegurar o mínimo existencial à pessoa com deficiência e ao idoso, que não consigam manter o próprio sustento ou tê-lo mantido por sua família.
Dentre suas principais características, verificou-se que, por se tratar de benefício de renda básica, não há previsão de pagamento de abono natalino ou 13º salário, bem como o benefício é de caráter individual e intransferível, não deixando pensão por morte aos dependentes.
A partir da análise dos requisitos gerais, tais como a nacionalidade brasileira, residência fixa no País, não percepção de outros benefícios, ressalvadas exceções legais, a impossibilidade de manter o próprio sustento, constatou-se a evolução jurisprudencial acerca do requisito da miserabilidade, denotando-se que há uma análise material, acerca do contexto fático, social, econômico, cultural, familiar, não apenas formal, como o critério matemático induzia.
No que toca ao idoso, denota-se que o entendimento da Suprema Corte segue no sentido da exclusão de qualquer benefício de renda mínima percebido por um idoso membro do grupo familiar, do cálculo da renda per capita, e não somente do benefício assistencial percebido, a fim de verificar se outro membro idoso faz jus ao benefício assistencial.
Em relação à pessoa com deficiência, destaca-se a modificação do conceito de pessoa com deficiência, com a adoção da concepção internacional da Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada sob o rito previsto no art. 5º, parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Tal concepção demonstra que a aferição da deficiência não se fixa apenas na patologia que a pessoa apresenta, mas avalia o indivíduo no seu contexto médico, psíquico e social, em uma visão multidisciplinar.
Constatou-se, ainda, a existência de julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pela concessão do benefício assistencial a uma criança, o que afasta a ideia de que somente a aferição da capacidade laborativa é necessária para verificar a existência do direito ao benefício ou não.
Em tema mais polêmico, observou-se a existência de demanda de estrangeiros pela concessão do benefício assistencial, fundada na dignidade da pessoa humana, no fato de o Brasil ser signatário de tratados internacionais que propugnam pela promoção da igualdade entre os povos, em contraponto aos argumentos da inexistência de regulamentação infralegal, no requisito de residência fixa no País, no custo financeiro.
Pelo estudo realizado, vislumbra-se positiva evolução quanto à proteção social e à concretização do direito social da assistência social, bem representado pelo benefício assistencial de prestação continuada, o qual também evoluiu em diversos aspectos, por meio da doutrina e da jurisprudência, ressaltando-se que o tema da concessão ao estrangeiro necessita maior aprofundamento, especificamente quanto às divergências evidenciadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONTES PRIMÁRIAS
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______, Presidência da República. Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 22 de janeiro de 2017.
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CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 19. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 20. ed. Rio de janeiro: Impetus, 2015.
TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI (2012). Possui pós-graduação lato sensu em Direito Civil (2014) e em Direito Constitucional (2016) pela Universidade Anhanguera. Atualmente é analista jurídico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em exercício na Comarca de Taió.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PFLEGER, Lillian. Breve análise acerca de aspectos históricos e jurisprudenciais do benefício assistencial de prestação continuada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49369/breve-analise-acerca-de-aspectos-historicos-e-jurisprudenciais-do-beneficio-assistencial-de-prestacao-continuada. Acesso em: 22 nov 2024.
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