RESUMO: Em virtude da crise financeira que assola não só o país, mas o mundo, os médios e grandes empresários na tentativa de reduzir custos às suas empresas, acabam por demitir seus funcionários e os recontratam de forma pejotizada, que consiste na exigência da pessoa física se constituir em pessoa jurídica para continuar os serviços laborais. No entanto, a abertura de uma empresa constitui não só ilícito às regras estatuídas no ordenamento trabalhista, mas prejudica, essencialmente, ao trabalhador, que deixa de perceber verbas inerentes às suas forças laborais desempenhadas. Muitas defesas, perante os Tribunais Trabalhistas, tentam afastar o critério da pejotização se valendo da relação puramente cível disposta na Lei do Representante Comercial. Sendo assim, o presente trabalho visa não só explicar como ocorre a pejotização e quais critérios são identificados na relação pejotizada, que difere da atividade exercida pelo Representante Comercial, mas também as consequências, já que aludido tema tem sido recorrente na contratação de empregados pejotizados.
Palavra-Chave: Fraude Trabalhista – Pejotização – Vínculo de Emprego - Prática Ilícita
Sumário: 1 Introdução. 2 Pressupostos da Relação de Emprego. 3 Contratação Pejotizada e o Princípio da Irrenunciabilidade de direitos trabalhistas. 4 Consequência da Pejotização. 5 Conclusão.
1 Introdução
O presente trabalho visa analisar as relações trabalhistas diante do cenário moderno, já que o mundo encontra-se em grande crise financeira, onde, em decorrência disso, nunca se viu tantas pessoas desempregadas, razão essa que o legislador tem apresentado diversos Projetos de Lei que visam “flexibilizar” às normas trabalhistas, que, para a maioria da população e juristas, a referida flexibilização visa restringir direitos atingidos desde 1945, ano da Consolidação às Leis Trabalhistas.
Consoante, em virtude da severa crise econômica que abarca a estrutura social, majorada com os diversos julgamentos de homens do seio político por desvio de condutas, dada pela corrupção frequente, a qual, ligada à administração pública, ocasionou a redução de investimentos cedidos pelo governo, aumento da carga tributária e, por consequência, muitas empresas deixaram de possuir poder econômico para custear com funcionários, gerando demissões em massas.
Em contraponto, algumas empresas não poderiam abrir mão da quantidade de funcionários, mas também não possuíam condições de arcar com a contratação efetiva, razão que, como forma de burlar o sistema trabalhista e econômico, optou por fazer acordos no sentido de que o empregado para continuar prestando serviços à empresa e não cair no índice de desempregados, deveria constituir-se em pessoa jurídica, emitindo notas fiscais como meio de percepção de sua remuneração. Porém, diante da constituição em Pessoa Jurídica, o funcionário deixava de ter a carteira assinada, de contribuir com a previdência, deixava de recolher o FGTS, não recebia 1/3 de férias e nem as gozava anualmente, como também não fazia alusão ao 13º salário, entre outros direitos usurpados.
Acontece, que a problemática não gira em torno da forma de contratação, pois se o empregador utilizasse da forma pejotizada para de fato cumprir com a liberdade cedida pelo modo de contratação, não haveria fraude trabalhista, porém esses empregadores de conduta ilegal, exigem dos funcionários pejotas a exclusividade, pessoalidade, não eventualidade e outros critérios que são inerentes à relação trabalhista.
Sendo assim, quais as consequências da pejotização como forma de contratação na relação trabalhista?
Como fonte de estudo, foram observadas jurisprudências e doutrinas.
2 PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Como bem elenca o artigo 3º da Consolidação às Leis Trabalhistas, o vínculo empregatício se forma quando há a presença de alguns pressupostos, como o trabalho a ser desempenhado seja exercido por: a) uma pessoa física, não pode ser considerado empregado pessoa jurídica[1]; b) de caráter não eventual, havendo a necessidade de trabalhar habitualmente para o mesmo empregador; c) com alteridade, onde os riscos empresariais não podem ser apontados ao empregado, correndo por conta do empregador; d) com onerosidade, podendo ser conceituada pela contraprestação em pecúnia pela força laboral desempenhada; e) subordinação jurídica, devendo o empregado seguir as regras impostas pela hierarquia funcional dentro da empresa, desde que obedecidos à moral e ética exercidos pelos superiores e subordinados e; f) pessoalidade, ou seja, tem que ser exercido pelo próprio contatado dentro das atribuições contratadas e/ou determinada pelo seu superior funcional.
Nas palavras de Vólia Bonfim Cassar:
“ Via de consequência, a ausência de qualquer um destes requisitos descaracteriza o trabalhador como empregado. Podemos então, de acordo com os pressupostos acima, conceituar empregado como toda pessoa física que preste serviço a empregador (pessoa física ou jurídica) de forma não-eventual, com subordinação jurídica, mediante salário, sem correr os riscos do negócio”[2].
Sendo assim, se há uma quebra em qualquer dos pressupostos ensejadores da relação laboral, não se pode a este funcionário ou empregador retratar uma relação bilateral de emprego, tanto é, que existem normas específicas a tratar matérias concernentes ao diploma, como é o caso da terceirização, representação comercial e da parceira entre manicures em salões de beleza pelo país.
Na verdade, o legislador já se posicionou quanto à classe doméstica, diferenciando a secretária do lar da diarista, em que inexistirá vínculo laboral se a diarista exercer labor para a mesma família por até duas vezes na semana, passados isso, se estará configurado a continuidade laboral, portanto, há vínculo de emprego[3].
No mesmo sentido, em recente posicionamento do legislador, ficou determinado que em salões de beleza pode haver a contratação de funcionários em forma de parceria, ou seja, abrindo margem para pejotização, pois quando há um contrato e a lei elenca no mesmo sentido, é possível que o empregado de salão de beleza formule um contrato de parceria[4], mas na verdade é um efetivo funcionário, laborando de forma pessoal, onerosa, não eventual, exclusiva, com alteridade e subordinação.
Desta feita, ainda que o legislador trate da matéria dos requisitos ensejadores do vínculo laboral e albergue de igual modo acerca da permissibilidade de contratação diversa, como é o caso da manicure, pedicure, barbeiro e outros, se verificados os pressupostos do artigo 3º da CLT, com identificação da pejotização como fraude, teremos uma afronta à legislação trabalhista, incumbindo o referido juízo de valor ao juiz do trabalho.
3 CONTRATAÇÃO PEJOTIZADA E O PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS TRABALHISTAS
De acordo ao elencado anteriormente, haverá relação de emprego quando os pressupostos do artigo 3º da Consolidação às Leis Trabalhistas tiverem sido preenchidos. Contudo, pode-se verificar que diversos empresários como forma de burlar a lei, com o intuito de reduzir custos e aumentar a lucratividade empresarial, contratam funcionários com a exigência de que estes sejam pessoas jurídicas, fazendo falsas promessas de melhoria, mas, na prática, o que deveria ser uma vantagem exacerbada, constitui-se verdadeiro modo de usurpar verbas e fraudar o sistema trabalhista.
Em similitude, de forma complementar, o requisito essencialmente fraudulento e identificado da forma pejotizada de contratação pode ser evidenciada por intermédio da obrigatoriedade de prestação exclusiva pelo obreiro ao seu patrão.
Em recente decisão de Recurso de Revista proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho de nº RR 6141220115090012, a:
“(...) hipótese da figura conhecida como pejotização, fenômeno em que, na realidade, existe a contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoa natural, mediante subordinação, de forma não eventual e onerosa, realizada por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de mascarar a efetiva relação de emprego, com o intuito de burlar os direitos trabalhistas”[5].
Nesse sentido, ainda que o empregador demita o empregado e recontrate sob a forma pejotizada, com a aludida aceitação da forma de contratação, existe na relação empregatícia o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, que consiste, precipuamente, na impossibilidade de o empregado renunciar os seus direitos, ou seja, quando o empregado se submete a forma de contratação pejotizada para continuidade da prestação laboral, este está renunciando aos seus direitos trabalhistas, já que a mera prestação de serviços não lhe faz perceber as verbas a que faz jus.
Contudo, em regra, a prática da pejotização costuma ser uma exigência do empregado, acarretando ao empregado as imposições realizadas por não poder recusar e nem abrir mão de seu emprego,
Em melhor interpretação à causa da irrenunciabilidade de direitos trabalhistas, Patrícia Tuma explica que:
“de fato, se tal Princípio não existisse, os direitos dos trabalhadores poderiam ser facilmente reduzidos, dada a sua situação econômica e social menos privilegiada, presente na grande maioria dos casos. Seria muito fácil para o empregador eximir-se de cumprir suas obrigações legais, pois, para tanto, bastar-lhe-ia obter um documento por meio do qual o trabalhador renunciasse a determinados direitos, para não precisar satisfazê-los – e que empregado não faria tal declaração em nome da obtenção ou manutenção de um emprego?”[6].
No mais, na pejotização não existe uma classe específica para identificação do respectivo fenômeno, mas se sabe que isto ocorre em todas as áreas de profissionalização, desde o mero vendedor ao médico hospitalar.
Nesse interim, apesar de todas as áreas sofrerem com a forma de pejotização como requisito para a admissão em um emprego, notadamente a área comercial é a que mais sente o respectivo impacto, já que o próprio legislador dispõe de normas próprias para regulamentar atividades afins, como é o caso do Representante Comercial[7], que possui relação puramente cível com o representado.
4 CONSEQUÊNCIA DA PEJOTIZAÇÃO
Como toda fraude, em qualquer de sua esfera, acarreta consequências aos integrantes daquela relação. Em primeiro momento, para o empregado, os direitos trabalhistas são usurpados até o momento da extinção do contrato, sendo retido os direito à férias, 13º salário, contribuição previdenciária, recolhimento do Fundo de Garantia, ausência de percepção à hora extra, licenças e outros direitos esculpidos na CLT.
Em contraponto, ao empregador, quando este contrata funcionário sob a modalidade de pejotização, este contrato é eivado de vícios e, por consequência, de nulidade, acarretando ao empregador custear com todas as verbas usurpadas do obreiro quando da existência de Reclamação Trabalhista, acrescidas de danos morais, sem contar, que cabe ao Ministério Público fiscalizar a referida empresa para apurar determinada prática ilícita, que se identificado a fraude, lhe será aplicado penalidade em pecúnia, sendo duplicada a cada reincidência.
Em suma, por óbvio, o prejuízo maior sempre será acarretado ao empregado, que deixará de perceber seus direitos em momento oportuno e só fará alusão as devidas verbas em caso de ingresso no judiciário, que devido à sua lentidão, não satisfaz o trabalhador de maneira efetiva. Sendo assim, qualquer forma de contratação pejotizada com os requisitos do artigo 3º da CLT preenchidos, no intuito de fraudar o sistema trabalhista, será anulado, uma vez que além de contrariar o disposto em Lei, fere gravemente o principio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas do Empregado.
5 CONCLUSÃO
Diante dos pontos anteriormente apresentados, conclui-se que não há razões para fraudar o sistema trabalhista através da forma de contratação pejotizada, haja vista que em virtude das reclamações trabalhistas, pode-se verificar a condenação do empregador em custear com todo o débito usurpado no período pejotizado, sofrendo a incidência de atualizações monetárias e danos morais, ou seja, o valor a ser custeado acaba sendo menor em proporção ao que deveria ser pago na época devida.
Entretanto, resta salientar que, para o Empregador ser então compelido a pagar os valores devidos, é necessário haver primeiramente uma condenação judicial transitada em julgado. Mas, para isso, é requisito indispensável o ingresso no judiciário. Contudo, em virtude da falta de informação e medo em acessar o judiciário, por receio de “sujar” o nome no mercado de trabalho, muitos funcionários deixam de procurar seus direitos, acarretando lucros maiores ao empregador, já que somente pequena parcela de funcionários procuram a justiça para efetivar seus direitos.
No mais, para prevenir essa prática ilícita e reiterada pelos empregadores, se faz necessário uma maior e eficaz fiscalização por órgãos competentes vinculados à prestação laboral, como o Ministério Público do Trabalho e Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego.
Em similitude, é indispensável criar mecanismos que divulguem e conscientizem a população de seus direitos e o sigilo que é resguardado dentro do judiciário, coibindo não só a ausência de ingresso à justiça, como também informar as consequências dada ao empregador que não admitir empregado em face de Reclamação laboral.
Assim, mesmo diante da crise que o mundo se encontra transitando, não pode haver um retrocesso jurídico e social aos direitos atingidos pela classe empregada, pois qualquer flexibilização que visa usurpar direitos seria um regresso ao passado, quando na verdade, em razão da frequente mudança social, a legislação precisa-se adequar a esta mutação, mas de forma benéfica, conforme o princípio do pro operário.
Desta feita, não se pode deixar de ser apreciado pelo judiciário tamanha ilicitude de atos de pejotização praticada por empregadores, que prejudicam tanto o erário, como os trabalhadores, que desempenham suas forças com o objetivo de sobreviver, cuja remuneração percebida, possui como caráter alimentar próprio e de sua família.
NOTAS
[1]A pessoa física é requisito essencial para a relação de emprego, mas como tema do presente trabalho, a pejotização é uma forma de fraudar à legislação trabalhista, portanto, dentro dos preceitos normativos contidos na CLT, o empregado deve ser pessoa física.
[2]Lei Complementar nº 150/2015 - Art. 1o Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei.
[3]Lei nº 13.352/2016- “Art. 1º-A Os salões de beleza poderão celebrar contratos de parceria, por escrito, nos termos definidos nesta Lei, com os profissionais que desempenham as atividades de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador.
[4]Lei nº 4.886/ 65 - Art . 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
REFERÊNCIAS
BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os princípios do direito do trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador. Disponível em: . Acessado em: 05 de fev. de 2017.
CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Ed. Impetus, 2ª edição, rev. e ampl., Niterói, RJ, 2008, pag. 261.
TST - RR: 6141220115090012, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 06/05/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/05/2015.
NOTAS2:
[1]A pessoa física é requisito essencial para a relação de emprego, mas como tema do presente trabalho, a pejotização é uma forma de fraudar à legislação trabalhista, portanto, dentro dos preceitos normativos contidos na CLT, o empregado deve ser pessoa física.
[2]CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Ed. Impetus, 2ª edição, rev. e ampl., Niterói, RJ, 2008, pag. 261.
[3]Lei Complementar nº 150/2015 - Art. 1o Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei.
[4] Lei nº 13.352/2016- “Art. 1º-A Os salões de beleza poderão celebrar contratos de parceria, por escrito, nos termos definidos nesta Lei, com os profissionais que desempenham as atividades de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador.
[5] TST - RR: 6141220115090012, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 06/05/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/05/2015.
[6]BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os princípios do direito do trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador. Disponível em: . Acessado em: 05 de fev. de 2017.
[7] Lei nº 4.886/ 65 - Art . 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Inspetor da Polícia Civil do Ceará. Graduado pela Universidade Christus e pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Tecnologia de Palmas.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Francisco de Assis Moreira Freire. Fraude à legislação trabalhista: pejotização. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49401/fraude-a-legislacao-trabalhista-pejotizacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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