RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo relacionar, conceituar e diferenciar as modalidades de dano aptas a ensejar indenização. Os danos estão relacionados com a temática da responsabilidade civil, que é a responsabilidade patrimonial existente, seja em decorrência de contrato, seja fruto de ato lícito ou ilícito, desde que presentes os seguintes requisitos: a) conduta comissiva ou omissiva; b) dano; c) nexo causal, ligando a conduta ao dano; e d) dolo ou culpa (somente nos casos de responsabilidade subjetiva).
1. DANO MATERIAL
Trata do prejuízo patrimonial causado à parte lesada pelo ato. Divide-se em: a) danos emergentes, que são aqueles referentes ao que o indivídio perdeu em virtude da conduta; já os b) lucros cessantes envolvem tudo aquilo que se deixou de lucrar.
Um caso prático ajuda na diferenciação: imagine-se que em decorrência de um acidente automobilístico, um taxista em seu carro danificado. O dano ao veículo configura-se como dano emergente, visto que atual; já a renda que o taxista deixará de auferir em função de não poder circular, caracteriza-se como lucro cessante.
Os danos morais deverão ser provados para que haja indenização.
2. DANO MORAL
O dano moral consiste numa lesão a interesse não patrimonial, uma violação a um estado psíquico do indivíduo. Embora seja normalmente vinculado à dor, ao sofrimento, à tristeza, o dano moral não está restrito a estes elementos, se estendendo a todos os bens personalíssimos.
Carlos Roberto Gonçalves, ao tratar sobre o tema assevera que,
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).
Havia certa discussão acerca da possibilidade de haver indenização por um dano de caráter subjetivo, mas sob a égide da Constituição Federal de 1988 essa polêmica restou afastada haja vista que a Carta Magna previu expressamente a possibilidade de reparação por dano moral.
Outrossim, também pacificado o entendimento de que pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227/STJ), embora tal modalidade de reparação seja negada a pessoa jurídica de direito público.
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve ser fixada pelo juiz em observância as suas duas funções: a de ressarcimento, que visa a recompensar o lesado pelo dano sofrido e a educativa, como medida pedagógica para que o ofensor não repita seu comportamento.
3. DANO EXISTENCIAL
Desenvolvido nos países europeus, como Itália e Alemanha, o dano existencial visa à proteção da existência humana e do projeto de vida, reconhecendo como dano indenizável a lesão que atinja a as perspectivas pessoais de vida da pessoa humana, de forma a vulnerar o seu modus vivendi, frustando as expectativas e os objetivos de vida perseguidos pelo indivíduo.
Sebastião de Assis Neto nos traz um interessante exemplo:
num caso hipotético, que uma incapaz (menor de idade) seja estuprada e que desse estupro resulte gravidez. Seu projeto devida era o de se tornar missionária de uma determinada religião, com imposição de castidade e inexistência de prole. Em caso de incapaz, o inciso II do art. 128 do Código Penal exige que o aborto seja precedido de consentimento de seu representante legal. Esse representante, no entanto, não dá seu consentimento e, ainda, impede que a filha procure meios judiciais para supri-lo. Causou-lhe, portanto, claramente, dano ao projeto de vida, que se enquadra como dano existencial.
Apesar de conceitos bem próximos, é possível diferenciar o dano existencial do moral, eis que este se vincula ao aspecto subjetivo, ao sofrimento psicológico causado pelo ato danoso, enquanto que aquele configura como objetivo, porque decorrente de modificação de aspectos exteriores, do comportamento do indivíduo, que se vê obrigado a conviver com uma perspectiva não desejada, e às vezes até insuportável.
No ordenamento pátrio, a indenização por dano existencial vem sendo aplicado pelas cortes trabalhistas nos casos de jornadas laborais excessivas, por privar o trabalhador do convívio social com amigos e familiares, da realização de atividades recreativas ou mesmo de atividades de qualificação profissional. Nesse sentido foi o seguinte julgado do Tribunal Superior do Trabalho (destaquei):
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUBMISSÃO A JORNADA EXTENUANTE. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. O dano existencial é espécie de dano imaterial. No caso das relações de trabalho, o dano existencial ocorre quando o trabalhador sofre dano/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador, impossibilitando-o de estabelecer a prática de um conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas, esportivas, afetivas, familiares, etc., ou de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal. Não é qualquer conduta isolada e de curta duração, por parte do empregador, que pode ser considerada como dano existencial. Para isso, a conduta deve perdurar no tempo, sendo capaz de alterar o objetivo de vida do trabalhador, trazendo-lhe um prejuízo no âmbito de suas relações sociais. Na hipótese dos autos, embora conste que o Autor se submetia frequentemente a uma jornada de mais de 15 horas diárias, não ficou demonstrado que o Autor tenha deixado de realizar atividades em seu meio social ou tenha sido afastado do seu convívio familiar para estar à disposição do Empregador, de modo a caracterizar a ofensa aos seus direitos fundamentais. Diferentemente do entendimento do Regional, a ofensa não pode ser presumida, pois o dano existencial, ao contrário do dano moral, não é "in re ipsa", de forma a se dispensar o Autor do ônus probatório da ofensa sofrida. Não houve demonstração cabal do prejuízo, logo o Regional não observou o disposto no art. 818 da CLT, na medida em que o Reclamante não comprovou o fato constitutivo do seu direito. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - RR: 14439420125150010, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 15/04/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/04/2015)
4. DANO SOCIAL
É uma nova modalidade de dano reparável, distinta do dano material, moral, estético e existencial, que decorre de comportamentos reiterados que causam um mal-estar social, causando um rebaixamento no nível de vida da coletividade. O tema já foi, inclusive, tema na V Jornada de Direito Civil do CJF, quando foi aprovado o Enunciado 455, reconhecendo a existência do denominado dano social:
A expressão dano no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.
Quanto ao conceito de dano social, segundo Antônio Junqueira de Azevedo,
são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população. (p. 376).
Diferem-se dos danos morais coletivos porque estes atingem direitos de personalidade de pessoas determinadas ou determináveis, enquanto que o dano social viola a sociedade como um todo.
O Superior Tribunal de Justiça, em processo julgado pela sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C, CPC/1973) estabeleceu os parâmetros que devem ser observados para a fixação da indenização por danos sociais, conforme veiculado no Informativo n° 552:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO, EX OFFICIO, DE INDENIZAÇÃO POR DANOS SOCIAIS EM AÇÃO INDIVIDUAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008 DO STJ).
É nula, por configurar julgamento extra petita, a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide. Inicialmente, cumpre registrar que o dano social vem sendo reconhecido pela doutrina como uma nova espécie de dano reparável, decorrente de comportamentos socialmente reprováveis, pois diminuem o nível social de tranquilidade, tendo como fundamento legal o art. 944 do CC. Desse modo, diante da ocorrência de ato ilícito, a doutrina moderna tem admitido a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social, como categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, além dos danos materiais, morais e estéticos. Registre-se, ainda, que na V Jornada de Direito Civil do CJF foi aprovado o Enunciado 455, reconhecendo a existência do denominado dano social: "A expressão dano no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas". A par disso, importa esclarecer que a condenação à indenização por dano social reclama interpretação envolvendo os princípios da demanda, da inércia e, fundamentalmente, da adstrição/congruência, o qual exige a correlação entre o pedido e o provimento judicial a ser exarado pelo Poder Judiciário, sob pena da ocorrência de julgamento extra petita. Na hipótese em foco, em sede de ação individual, houve condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos sociais em favor de terceiro estranho à lide, sem que houvesse pedido nesse sentido ou sem que essa questão fosse levada a juízo por qualquer das partes. Nessa medida, a decisão condenatória extrapolou os limites objetivos e subjetivos da demanda, uma vez que conferiu provimento jurisdicional diverso daquele delineado na petição inicial, beneficiando terceiro alheio à relação jurídica processual posta em juízo. Impende ressaltar que, mesmo que houvesse pedido de condenação em danos sociais na demanda em exame, o pleito não poderia ter sido julgado procedente, pois esbarraria na ausência de legitimidade para postulá-lo. Isso porque, os danos sociais são admitidos somente em demandas coletivas e, portanto, somente os legitimados para propositura de ações coletivas têm legitimidade para reclamar acerca de supostos danos sociais decorrentes de ato ilícito, motivo por que não poderiam ser objeto de ação individual. Rcl 12.062-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 12/11/2014.
Do exposto, verifica-se que só será possível a condenação em danos sociais se (i) houver pedido expresso (ii) em demanda coletiva, devendo a indenização ser destinada a um fundo criado especialmente para esse fim.
A doutrina cita como caso em que houve condenação por danos sociais a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade (processo 2007-2288).
Outro exemplo foi o chamado caso "Toto Bola", em que uma fraude no sistema de loterias no Rio Grande do Sul tirava as chances do consumidor de vencer, ocasião em que o TJRS determinou que a indenização fosse para o Fundo de Proteção ao Consumidores.
5. PERDA DE CHANCE
A teoria da responsabilidade extracontratual impõe, para que reste configurado o dever de indenizar, a presença de alguns pressupostos, como já foi visto. Com relação ao dano, para sua caracterização, é necessário que ele seja pessoal, certo
Contudo, a doutrina e os tribunais pátrios vêm reconhecendo como indenizável um dano que, apesar de não ser certo, merece a proteção estatal: aqui se encaixa a teoria da perda de uma chance.
Trata-se da frustração de uma oportunidade de ganho patrimonial, ou da redução de uma vantagem, por ato ilícito de um terceiro. Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o dano deve ser considerado dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, pelo que a chance perdida deve ser real e séria, de forma que possibilite a noção de que a situação vantajosa muito provavelmente se alcançaria, se não fosse o ato ilícito provocado.
Há certa discussão a respeito da natureza jurídica do instituto, se considerado dano emergente ou lucro cessante. Prevalece que seria uma terceira categoria, algo intermediário entre o dano emergente e o lucro cessante. Inclusive, com base nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça entende que o valor da indenização no caso da perda de uma chance, não deve corresponder ao valor daquilo que não foi alcançado, mas sim uma quantia arbitrada pelo juiz para indenizar a perda da oportunidade. Vejamos o elucidativo caso relatado no Informativo n° 495 do STJ:
DANOS MATERIAIS. PROMOÇÃO PUBLICITÁRIA DE SUPERMERCADO. SORTEIO DE CASA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE.
A Turma, ao acolher os embargos de declaração com efeitos modificativos, deu provimento ao agravo e, de logo, julgou parcialmente provido o recurso especial para condenar o recorrido (supermercado) ao pagamento de danos materiais à recorrente (consumidora), em razão da perda de uma chance, uma vez que não lhe foi oportunizada a participação em um segundo sorteio de uma promoção publicitária veiculada pelo estabelecimento comercial no qual concorreria ao recebimento de uma casa. Na espécie, a promoção publicitária do supermercado oferecia aos concorrentes novecentos vales-compras de R$ 100,00 e trinta casas. A recorrente foi sorteada e, ao buscar seu prêmio - o vale-compra -, teve conhecimento de que, segundo o regulamento, as casas seriam sorteadas àqueles que tivessem sido premiados com os novecentos vales-compras. Ocorre que o segundo sorteio já tinha sido realizado sem a sua participação, tendo sido as trinta casas sorteadas entre os demais participantes. De início, afastou a Min. Relatora a reparação por dano moral sob o entendimento de que não houve publicidade enganosa. Segundo afirmou, estava claro no bilhete do sorteio que seriam sorteados 930 ganhadores - novecentos receberiam vales-compra no valor de R$ 100,00 e outros trinta, casas na importância de R$ 40.000,00, a ser depositado em caderneta de poupança. Por sua vez, reputou devido o ressarcimento pelo dano material, caracterizado pela perda da chance da recorrente de concorrer entre os novecentos participantes a uma das trinta casas em disputa. O acórdão reconheceu o fato incontroverso de que a recorrente não foi comunicada pelos promotores do evento e sequer recebeu o bilhete para participar do segundo sorteio, portanto ficou impedida de concorrer, efetivamente, a uma das trinta casas. Conclui-se, assim, que a reparação deste dano material deve corresponder ao pagamento do valor de 1/30 do prêmio, ou seja, 1/30 de R$ 40.000,00, corrigidos à época do segundo sorteio. EDcl no AgRg no Ag 1.196.957-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 10/4/2012.
Outro caso que vem sendo debatido é a necessidade de que o advogado indenize cliente pela perda do prazo para a contestação ou para interposição de um recuso. Segundo a doutrina, a demanda deve ser concretamente analisada acerca das reais possibilidades de êxito do processo, haja vista que a reparação só será devida no caso em que supõe real a probabilidade de êxito.
REFERÊNCIAS
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AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme bda Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
DUQUE, Bruna Lyra; FONSECA, Cesar Augusto Martinelli. A teoria pela perda de uma chance e a sua caracterização como dano emergente.. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em: . Acesso em out 2016.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. IV.
PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012. Disponível em: . Acesso em out 2016.
SANTOS, Pablo de Paula Saul. Dano moral: um estudo sobre seus elementos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: . Acesso em out 2016.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 2ª ed., São Paulo: Método, 2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUEDES, Luiza Helena da SIlva. Modalidades de dano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 fev 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49476/modalidades-de-dano. Acesso em: 30 out 2024.
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: Tomas Guillermo Polo
Por: Luciano Batista Enes
Por: LUCAS DA SILVA PEDRO
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