RESUMO: O presente artigo tem objetivo levar o leitor a uma breve reflexão sobre os argumentos utilizados pelo governo para convencer os parlamentares e cidadãos sobre a necessidade de implementar uma grande reforma na previdência social. Segundo o governo, tal reforma visa estancar o chamado déficit da previdência e manter a sustentabilidade dos regimes que farão frente às aposentadorias e pensões dos funcionários privados e dos servidores públicos. A importância deste trabalho é mostrar ao leitor a existência de argumentos consistentes que contradizem fortemente a existência de déficit na arrecadação e apresentam desvios na aplicação por meios da Desvinculação de Receitas da União – DRU e excesso de Desonerações. Logo, na visão de várias associações e economistas, haveria superávit. Para a elaboração, foram feitas pesquisas em matérias jornalísticas.
Palavras-chave: Reforma da Previdência. Déficit na arrecadação. Necessidade. Distorção dos cálculos. Desvio da arrecadação para outras finalidades. Desoneração fiscal.
ABSTRACT: This article aims to lead the reader to a brief reflection on the arguments used by the government to convince parliamentarians and citizens about the need to implement a major reform in social security. According to the government, this reform aims to stop the so-called social security deficit and maintain the sustainability of the regimes that will face the pensions of private employees and public servants. The importance of this work is to show the reader the existence of consistent arguments that strongly contradict the existence of a deficit in the collection and present deviations in the application by means of Unbundling of Revenues of the Union - DRU and excess of Disclaimer. Thus, in the view of various associations and economists, there would be a surplus. For the preparation, research was done on journalistic matters.
Keywords: Pension reform. Deficit in collection. Need. Distortion of calculations. Diversion of the collection for other purposes. Tax relief.
1 - INTRODUÇÃO
Um dos projetos mais polêmicos de emenda à Constituição, debatidos até hoje, desde a promulgação da Constituição de 1988, é a chamada Reforma da Previdência. Sob a denominação de PEC 287/2016, encontra-se um documento em comissão especial da Câmara dos Deputados, contendo diversas propostas de alterações à Constituição Federal, o qual está aguardando parecer para ser votado em plenário.
Muito se tem discutido sobre os efeitos nefastos da referida reforma na vida dos trabalhadores. Dentre eles, a possibilidade de milhões de segurados morrerem antes de poderem gozar dos benefícios para os quais contribuíram por tanto tempo.
Outro aspecto muito importante a ser discutido é a forma de cálculo que está sendo utilizada para demonstrar o suposto déficit que justificaria a reforma. Muitos argumentam que o governo omite informações e utiliza uma forma incorreta para calcular a arrecadação que mantém as despesas previdências.
Nesse cenário surgiram várias argumentações contra a dita reforma, as quais passaremos a analisar.
2 – Argumentos contra e a favor.
Segundo seus defensores, as reformas são necessárias haja vista que as fontes de arrecadação não são capazes de bancar os benefícios dos segurados, portanto, seriam deficitárias. O governo sustenta sua posição com o argumento de que a arrecadação das contribuições previdenciárias seria menor que o valor despendido para manter as aposentadorias e pensões.
Ocorre que, afirmações consistentes de várias entidades a exemplo de um estudo da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Anfip) que divulga anualmente a publicação Análise da Seguridade Social, mostra que os superávits são sucessivos, a saber: saldo positivo de R$ 59,9 bilhões em 2006; R$ 72,6 bilhões em 2007; R$ 64,3 bi em 2008; R$ 32,7 bi em 2009; R$ 53,8 bi em 2010; R$ 75,7 bi em 2011; R$ 82,7 bi em 2012; R$ 76,2 bi em 2013; R$ 53,9 bi em 2014.
No ano passado (2015) não foi diferente. O investimento nos programas da Seguridade Social, incluídos aposentadorias urbanas e rurais, benefícios sociais e despesas do Ministério da Saúde, entre outros, foi de R$ 631,1 bilhões, enquanto as receitas da Seguridade foram de R$ 707,1 bi. O resultado, mais uma vez positivo, foi de R$ 24 bilhões – nada de déficit!
O saldo positivo em 2015 acontece num ano repleto de dificuldades econômicas, o que mostra a força do sistema de Seguridade Social. Ainda, todos os números divulgados são levantados pela ANFIP com base em dados do próprio governo.
Para a ANFIP, prova de que o governo reconhece o saldo positivo são medidas como as renúncias fiscais com recursos previdenciários e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que sistematicamente retira parte do orçamento da Seguridade Social, apenas em 2012, foram renunciados mais de R$ 58 bi das contribuições sociais. [1]
2.1 – O que é Desvinculação de Receitas da União - DRU.
A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, quando da implementação do Plano Real. Os seus objetivos principais são:
a) aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade;
b) permitir a geração de superávit nas contas do governo, elemento fundamental para ajudar a controlar a inflação.
A necessidade de criação da DRU decorre de algumas regras estipuladas pela Constituição. A primeira delas é a divisão do orçamento do Governo Federal em duas partes: o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social. A seguridade social compreende as atividades do governo nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. As demais áreas têm seus gastos programados no orçamento fiscal.
Além de segmentar o orçamento em duas partes, a Constituição também segmentou as receitas que deveriam financiar cada um dos orçamentos. Para o orçamento da seguridade foram reservadas as chamadas “contribuições sociais”, que são tributos que incidem, principalmente, sobre a folha de pagamento das empresas, o lucro, o faturamento ou a receita[1]. São exemplos dessas contribuições: as contribuições para a previdência social, COFINS, CSLL e a extinta CPMF.
Para o orçamento fiscal ficaram os impostos tradicionais, como os impostos sobre renda, sobre produtos industrializados, sobre exportação e importação, as taxas e as contribuições econômicas como a Cide-combustíveis.
Ocorre que a Constituição também determinou que a maioria dos impostos deve ter sua receita repartida com os estados e municípios, enquanto as contribuições não estão sujeitas a tal partilha.
Quando o Governo Federal se viu na necessidade de elevar a arrecadação para promover uma redução do déficit público e poder pagar a elevada dívida pública, ele percebeu que estava em um beco sem saída.
Se elevasse os impostos, parte da receita arrecadada teria que ser dividida com estados e municípios, de modo que restaria apenas em torno de 50% da receita adicional nos cofres da União. Se elevasse as contribuições sociais, estas teriam que ser direcionadas para os gastos com saúde, assistência social e previdência, não havendo a possibilidade de se carrear a nova receita para o pagamento da dívida pública.
Foi aí que se criou a DRU, que nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social.
Isso abriu um caminho para que o Governo Federal promovesse forte elevação da tributação via contribuições sociais, que não precisavam ser divididas com estados e municípios e, graças à DRU, poderiam ser usadas para pagamento da dívida pública ou pagamento de outras despesas fora do orçamento da seguridade social.[2]
2.2 - Renúncias Fiscais ou desonerações.
Quanto às renúncias fiscais, são bem elucidativas as lições de Juliano Giassi Goularti:
“Tendo suas modificações realizadas a partir Executivo e Legislativo, suas ações apresentam como característica principal a desestruturação do sistema previdenciário brasileiro. Em particular, o crescimento das desonerações tributárias da União com as Constituições Sociais contribuem ainda mais para desmantelar a Regime Geral de Previdência Social. Na temporalidade 2010-2016, houve uma evolução significativa das desonerações previdenciárias na participação da arrecadação administrada pela Receita Federal chegando a 55,97% em 2016.
Sem modificar a canônica estrutura tributária que privilegia os ricos, nos últimos anos, para evitar a queda do Produto Interno Bruno (PIB), o governo federal apostou nas desonerações como mecanismo de alavancar o investimento privado. Sem que houvesse uma retomada do investimento privado, as desonerações passaram de 12,20%, em 2000, para 20,86%, em 2016, da arrecadação administrada pela Receita Federal. No sentido comum, as desonerações tributárias são iniciativas para alavancar a indústria nacional, dar competitividade, gerar empregos e aumentar a remuneração dos trabalhadores. Porém foram utilizadas para outros fins daqueles para dinamizar e alavancar a atividade econômica do país.
Na forma com as desonerações estão estruturadas, representa uma tragédia. Ainda mais quando o valor desonerado com COFINS, CSLL, PIS-PASEP e Previdência Social chegam à cifra dos R$ 152,7 bilhões em 2016. Num sentido mais geral, é uma forte investida contra os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores. Além do mais, o discurso do déficit que é artificial e manipulado, opera no sentido de redução do Estado com políticas sociais. Além do mais, se a previdência é “deficitária” como anuncia a narrativa neoliberal, por que praticar uma desoneração tão agressiva nas receitas que pertencem ao Regime Geral de Previdência Social?
Na sua essência, as desonerações cumprem diversas funções ao mesmo tempo: i) reduz os custos de produção; ii) assegura a taxa média de lucro; iii) distensionamento das despesas financeiras das empresas com situação financeira sobrecarregada, e, iv) são utilizadas para compra de ativos no mercado financeiro que se envolvem em esquemas especulativos.
Desmaterializado do investimento e de sua função social, em todo caso, o sentido das desonerações tributárias é maximizar a taxa de lucro do capitalista. Grosso modo, as desonerações somadas à justificativa falaciosa do déficit previdenciário penalizam os trabalhadores e atende aos anseios especificamente da acumulação de capitais ao liberar o empresário da contribuição previdenciária.
A Previdência Social no Brasil é fruto de uma intensa luta da classe trabalhadora desde o início do século XX. Mas considerando que 55,97% (ano base 2016) das desonerações são feitas com base na Seguridade Social, está prejudicando o futuro trabalhador, porque tem impacto sobre o seu rendimento futuro, sua aposentadoria e pensão.”[3]
3 – Fragilidade dos argumentos do governo.
Ora, se os números apresentados pela Anfip mostram um quadro superavitário de arrecadação, porque o governo usa o déficit como principal argumento para as reformas?
Sabe-se que as fontes de arrecadação para investimento na seguridade social (saúde, previdência e assistência social) são: contribuição sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho; COFINS; CSLL; contribuição incidente sobre concurso de prognósticos; e Cofins-Importação. Portanto, segundo os cálculos da Anfip, com a arrecadação atual é perfeitamente possível manter o sistema de seguridade social em pleno funcionamento.
Além disso, o governo não apresenta outras formas de redução dos gastos públicos como possíveis alternativas à diminuição do que chama de déficit. Como é possível proceder a uma reforma de efeitos tão severos na vida do trabalhador sem primeiro analisar medidas alternativas e menos impactantes na vida dos principais prejudicados.
4 – O que mudará se a reforma passar como está?
Para se ter uma ideia da gravidade das reformas na vida dos trabalhadores, apresentamos abaixo um resumo elaborado pelo consultor legislativo do Senado Federal, Luiz Alberto dos Santos, contendo os principais pontos.
1) Aumento da idade para aposentadoria do servidor civil, e no RGPS para 65 anos sem distinção de gênero, com possibilidade de aumento dessa idade mínima com base na elevação da expectativa de sobrevida, sem necessidade de lei.
2) Adoção obrigatória do limite de benefício do RGPS (R$ 5.189) para o servidor civil, incluindo magistrados, membros do MP e TCU, com implementação obrigatória por todos os entes em 2 anos de regime de previdência complementar.
3) Fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Unificação com aposentadoria por idade com carência de 25 anos.
4) Nova regra para cálculo de benefício, considerando tempo de contribuição acima de 25 anos. Valor base de 51% da média das contribuições. Para receber 100% do benefício terá que ter 49 anos de contribuição.
5) Fim da aposentadoria especial por atividade de risco para policiais.
6) Limitação da redução da idade e contribuição para aposentadoria especial a 5 anos.
7) Nova regra para cálculo de pensões com base em cotas não reversíveis – fim do direito à pensão integral.
8) Constitucionalização das regras de temporalidade das pensões.
9) Proibição de acumulação de pensões e aposentadorias.
10) Fim do regime de contribuição do trabalhador rural com base na produção comercializada.
11) Fim do regime previdenciário de mandatos eletivos para os futuros eleitos.
12) Fim do direito ao benefício assistencial de um salário mínimo, remetendo a lei fixar o valor desse benefício, sem vinculação com o SM.
13) Aumento para 70 anos da idade para gozo do benefício assistencial do idoso.
14) Fim da garantia do abono de permanência em valor igual ao da contribuição do servidor (poderá ser inferior).
15) Fim da isenção da contribuição sobre faturamento no caso de empresas exportadoras.
16) Fim da carência diferenciada para sistema de inclusão previdenciária de trabalhador de baixa renda e donas de casa.
17) Novas regras de transição para os atuais servidores com base na data de ingresso, mantendo regras de paridade e integralidade ou cálculo pela média das remunerações, mas beneficiando apenas aos que tiverem mais de 45 ou 50 anos (M/H).
18) Regra de transição para o RGPS para quem tiver mais de 45/50 anos, com pedágio de 50%. Segurados beneficiados pela transição terão que cumprir pedágio de 50% sobre o tempo de contribuição que falta para adquirir direito na forma atual.
19) Regra de transição mantendo direito à aposentadoria antecipada para quem é professor com pedágio e redução no benefício.
20) Quem tiver idade inferior e ficar fora da transição será afetado pelas novas regras, exceto aplicação do limite do RGPS para o benefício. No entanto, terá que cumprir requisitos de idade e cálculo do benefício será na forma do item 4.
21) Servidores beneficiados pela transição terão que cumprir pedágio de 50% sobre o tempo de contribuição que falta para adquirir direito na forma atual.
22) Regra de transição para trabalhadores rurais com redução de idade, com pedágio de 50%.
23) Preservação dos direitos adquiridos ainda que não gozados.[4]
5 - Conclusão.
Ante o exposto, é possível concluir que da forma como quer implementar a reforma, o governo está atropelando as discussões tão necessárias às mudanças. É preciso, em primeiro lugar, realizar uma extensa auditoria na previdência social, a fim de concluir, de uma vez por todas, se os recursos arrecadados são, ou não, capazes de fazer frente às despesas do sistema de coberturas. A seguir, se realmente forem necessárias as reformas, analisar outras formas menos gravosas de equalizar os gastos com a arrecadação, a exemplo da diminuição das desonerações e do menor desvio de recursos por meio da DRU. Só assim haverá justiça social para a classe trabalhadora.
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] Associação de Auditores diz que rombo da Previdência é mentira . Disponível em: http://entretenimento.r7.com/pop/jovem/mundo-conectado/associacao-de-auditores-diz-que-rombo-da-previdencia-e-mentira-07122016. Acesso em: 28 de fevereiro de 2017.
[3] Desoneração previdenciária: uma política Anti-trabalho. Goularti, Juliano Giassi. Disponível em: http://r.search.yahoo.com/_ylt=A0LEViX24rVYmo8AlWI3w4lQ;_ylu=X3oDMTByODJtaWUzBHNlYwNzcgRwb3MDMwRjb2xvA2JmMQR2dGlkAw--/RV=2/RE=1488343927/RO=10/RU=http%3a%2f%2fplataformapoliticasocial.com.br%2fwp-content%2fuploads%2f2016%2f10%2fDesonera%25c3%25a7%25c3%25a3o-previdenci%25c3%25a1ria.pdf/RK=0/RS=hETWjHzLtJzM.6upTMMVpRHx9_k-
Acesso em 28 de fevereiro de 2017.
Agente de Polícia da PCDF, ex-policial militar da PMDF, graduado em Ciências Contábeis pela União Educacional de Brasília - UNEB e especialista em Instituições de Direito Público e Privado pela UNIJUR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MANSO, Eduardo de Oliveira. Existe ou não déficit que justifique a reforma da previdência, Pec 287/2016? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49682/existe-ou-nao-deficit-que-justifique-a-reforma-da-previdencia-pec-287-2016. Acesso em: 22 nov 2024.
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