Thalita Toffoli Páez (Orientadora)
RESUMO: Este artigo abordará e debaterá as implicações da perda do tempo produtivo e a indenização decorrente da responsabilidade civil por parte dos fornecedores nas relações de consumo. Será analisada a importância do tempo na vida moderna, bem como a sua positivação como bem jurídico relevante, carecendo de tutela pelo Estado, visando punir aquele que submete outrem a seu dispêndio excessivo e injustificado. Dar-se-á uma atenção maior a teoria da perda do tempo e se explanará sobre a responsabilidade civil. Por se tratar de uma tese relativamente nova, há desacordo sobre a quantificação da eventual condenação, bem como acerca do valor compensatório da perda do tempo à luz do princípio da função social.
Palavras-chave: Responsabilidade civil, consumidor, fornecedor.
ABSTRACT: This article will talk and discuss about implications of the loss of productive time and the reparation that results from civil responsibility by providers on the consumer relations. It will be analyzed the importance of time in modern life, as well as it’s positivation as a relevant legal good, that needs to be tutelage by the State so it can punish who submits another to excessive and unjustified expenditure of time. It will be appreciated with more attention the theory of time loss and will be explained about civil responsibility. As it is a relatively new thesis, there are disagreements about quantification of an eventual conviction as well as about indemnity amount of time loss in the light of the principle of social function.
Keywords: Civil responsibility, consumer, supplier.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O TEMPO E SUA RELEVÂNCIA. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL E INDENIZAÇÃO. 2.1 RESPONSABILIDADES Civil nas Relações de Consumo. 3. TEORIA DA PERDA DO TEMPO PRODUTIVO E O DEVER DE INDENIZAR. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
Introdução
É lastimável a perda do tempo e é por isso que há a necessidade de considerá-lo como bem a ser protegido. Sabe-se que as diversas questões que cercam o dia-a-dia implicam em algum tempo para ser desempenhadas, o que leva a compreender que é completamente natural “perder” ou “investir” tempo para tratar das questões cotidianas, inclusive daquelas relacionadas ao consumo. Contudo, quais são as consequências enfrentadas quando a solução de simples demandas de consumo extrapolam os limites da razoabilidade?
À medida que as pessoas ocupam-se com seus afazeres pessoais e profissionais surge a necessidade de amoldamento constante dentro do parâmetro organizacional, tendo em vista que o tempo encurta-se, causando a precisão de economizá-lo e utilizá-lo da melhor forma possível. O parâmetro organizacional caracteriza-se pela necessidade de conciliação das obrigações diárias do ser humano, como estudar, trabalhar e cuidar dos afazeres domésticos. Desta forma, tantas outras atividades são deixadas em segundo plano devido à falta de tempo, como dedicar-se mais efetivamente ao convívio familiar, ao lazer, dentre outras.
O presente trabalho justifica-se levando em conta que o tempo atualmente enquadra-se como fator de extrema importância para os homens, que buscam sempre utilizá-lo da forma mais eficaz possível, não fazendo sentido a sua perda injustificada. É por esta razão que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo material, dê ensejo a uma reparação.
Quando está diretamente em pauta um interesse econômico, o tempo exerce uma função fundamental, como se percebe pela previsão dos juros de mora e da possibilidade de indenização por lucros cessantes. Já no tocante aos direitos não patrimoniais, o tempo, pela sua escassez, é um bem inestimável, tendo um valor que ultrapassa sua dimensão econômica.
Passar horas na fila do banco ou ao telefone para tentar o reparo de um produto ou o cancelamento de um serviço, por exemplo, são situações em que o consumidor se desgasta e, muitas vezes, deixa de cumprir com seus demais deveres.
A metodologia utilizada neste artigo deu-se por pesquisas em livros, sites, códigos, e jurisprudências. Serão aqui revisitados os conceitos de Sérgio Cavalieri Filho (2014 e 2015), Marcos Dessaune (2014), Pablo Stolze (2013) e Hegel (1997).
Buscar-se-á uma análise da incidência de responsabilidade civil dos fornecedores nas relações de consumo pela perda do tempo produtivo de seus consumidores e, consequentemente, o dever de indenizar dos primeiros para com os segundos. Frisar-se-á o papel essencial que o tempo exerce na vida humana, bem como a teoria que envolve a sua perda ocasionada por fornecedores em face de seus respectivos consumidores, para que, a partir daí, mais pessoas possam inteirar-se da dimensão dessa problemática, na busca de meios inibitórios e reparatórios dos danos eivados.
1. O TEMPO E SUA RELEVÂNCIA
O tempo é fator propulsor das relações humanas. Desde as mais remotas das civilizações até os dias atuais, só se desencadearam incontáveis acontecimentos em virtude dele.
O tempo é dividido em três dimensões: passado, presente e futuro. Sua medida torna-se subjetiva quando cada ser a pode entender de forma diversa, de acordo com determinada situação. Em se tratando de uma situação aprazível passa rapidamente, enquanto, em contrapartida, em se tratando de uma situação árdua passa lentamente. O homem, como ser mortal que o é, é afetado pelo tempo de uma forma diferente da do espaço.
Na mitologia grega havia o Deus Chronos, o Deus do Tempo, que, conforme a lenda, devorava seus próprios filhos, numa menção clara à ideia de que tudo será consumido pelo tempo.
Nesse sentido, tem-se o seguinte ensinamento filosófico de Hegel:
No tempo, diz-se, tudo surge e [tudo passa] perece; se se abstrai de tudo, a saber, do recheio do tempo e igualmente do recheio do espaço, fica de resto o tempo vazio como o espaço vazio - isto é, são então postas e representadas estas abstrações de exterioridade, como se elas fossem por si. Mas não é que no tempo surja e pereça tudo, porém o próprio tempo é este vir-a-ser, surgir e perecer, o abstrair essente, o Kronos que tudo pare, e que seus partos destrói [devora]. - O real é bem diverso do tempo, mas também essencialmente idêntico a ele. (HEGEL, 1997, p. 55).
A priori, o tempo não era um assunto tão discutido, talvez porque não fosse necessária tanta pressa para realização dos afazeres cotidianos. Todavia, inúmeros fatores, tais como o desenvolvimento tecnológico e a massificação do consumo, têm exigido um maior cuidado com esse bem.
Pode-se dizer que o tempo é claramente um bem por conta de sua importância, visto que é ininterrupto e irrecuperável. É um recurso produtivo, pois as pessoas querem sempre mais tempo para investir em qualidade de vida. É também algo escasso, uma vez que os indivíduos detêm menos tempo do que gostariam.
Pablo Stolze Gagliano (2013) postula: “isso tudo porque o intolerável desperdício do nosso tempo livre, agressão típica da contemporaneidade, silenciosa e invisível, mata, aos poucos, em lenta asfixia, valor dos mais caros para qualquer um de nós”.
Juridicamente falando, o transcurso do tempo é um fato jurídico em sentido estrito por se tratar de um acontecimento independente da vontade humana hábil a produzir resultados de cunho jurídico, criando, alterando ou extinguindo direitos, como ocorre com os institutos da prescrição e da decadência.
Por fim, vale destacar que compete privativamente ao sujeito gozar de seu tempo da maneira que julgar conveniente, seja para trabalhar, estudar, dedicar-se ao convívio familiar, dentre outras hipóteses. Sendo assim, o abuso para com o tempo alheio por parte de outrem pode vir a lesioná-lo. Essa lesão torna-se ainda mais grave se advém de alguém que deveria atender o sujeito da forma mais eficaz e célere possível, quais sejam, os fornecedores de bens e serviços, dos quais será falado adiante.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL E INDENIZAÇÃO
Para se entender a responsabilidade civil far-se-á um breve apanhado sobre obrigação. Obrigação é a relação jurídica entre dois sujeitos na qual um deles tem direito de se valer de uma prestação do outro, a qual pode ser de dar, de fazer ou de não fazer.
Uma vez descumprida a obrigação nasce a responsabilidade civil, sendo esta o dever de reparar um dano decorrente de um ou de uma série de ato(s) praticado(s). Ela pode ser decorrente de um contrato ou até mesmo extracontratual, conforme se verá mais adiante. Vejam o que nos ensina Sérgio Cavalieri Filho em seu livro “Programa de Responsabilidade Civil” sobre as causas que geram obrigação de indenizar:
As causas juri?dicas que podem gerar a obrigac?a?o de indenizar sa?o mu?ltiplas. As mais importantes sa?o as seguintes: (a) ato ili?cito (stricto sensu), isto e?, lesa?o antijuri?dica e culposa dos comandos que devem ser observados por todos; (b) ili?cito contratual (inadimplemento), consistente no descumprimento de obrigac?a?o assumida pela vontade das partes; (c) violac?a?o de deveres especiais de seguranc?a, incolumidade ou garantia impostos pela lei a?queles que exercem atividades de risco ou utilizam coisas perigosas; (d) obrigac?a?o contratualmente assumida de reparar o dano, como nos contratos de seguro e de fianc?a (garantia); (e) violac?a?o de deveres especiais impostos pela lei a?quele que se encontra numa determinada relac?a?o juri?dica com outra pessoa (casos de responsabilidade indireta), como os pais em relac?a?o aos filhos menores, tutores e curadores em relac?a?o aos pupilos e curatelados; (f) ato que, embora li?cito, enseja a obrigac?a?o de indenizar nos termos estabelecidos na pro?pria lei (ato praticado em estado de necessidade). (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 20).
A responsabilidade civil é embasada em um tripé que se configura pelos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. O artigo 186, CC diz respeito ao ato ilícito, o qual depende da constatação da culpa. O 187, por sua vez, trata do abuso de direito, no qual não há necessidade de constatação de culpa. Já o art. 927 subdivide-se em duas partes, sendo que na primeira delas (caput) confirma os artigos 186 e 187, explicando que toda vez que um ato ilícito ocasione um dano nasce o dever de indenizar e a segunda parte (parágrafo único) diz respeito à responsabilidade sem constatação de culpa, que pode decorrer da Lei ou de uma atividade de risco.
O instituto da responsabilidade civil surgiu da necessidade social, pois se entende que as relações jurídicas precisam estabelecer certo controle perante um dano, visto que o ocasionador do prejuízo não poderia ficar impune por seu ato e muito menos quem sofreu o prejuízo ficar sem reparação.
Dentre as formas de responsabilidade civil tem-se uma modalidade recente, a qual é objeto do presente artigo científico, que é a obrigação de indenizar pela perda do tempo produtivo, ou, simplesmente, a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor. No caso concreto a seguir, uma apelação julgada pela Vigésima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de sentença que condenou uma agência bancária a indenizar um cliente em razão da permanência do mesmo por aproximadamente uma hora e meia na fila do banco, a agência tentou desobrigar-se da responsabilidade, mas não obteve êxito, pois era obrigação do banco disponibilizar um serviço de qualidade, o que não se verificou e ficou entendido como um fato que foi além do mero aborrecimento:
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DO CONSUMIDOR – AÇÃO SOB O RITO SUMÁRIO – DEMORA NA FILA DO BANCO – CONSUMIDOR QUE PERMANECEU ESPERANDO POR APROXIMADAMENTE UMA HORA E MEIA NA FILA DO BANCO - SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PLEITO AUTORAL PARA CONDENAR O RÉU AO PAGAMENTO DE R$3.110,00 DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - APELA A EMPRESA RÉ AFIRMANDO QUE SE O CONSUMIDOR FICOU NA FILA, FOI POR SUA ESCOLHA, JÁ QUE OFERECE TERMINAIS DE AUTO-ATENDIMENTO – CONTINUA AFIRMANDO QUE NÃO HÁ PROVAS DE QUE O AUTOR FICOU REALMENTE NA FILA DO BANCO POR DUAS HORAS, POIS PODERIA TER PEGO A SENHA, SAÍDO DA FILA E RETORNADO MAIS TARDE – POR FIM, ALEGA QUE A DEMORA NA FILA CONSTITUI MERO ABORRECIMENTO, O QUAL NÃO GERA DANO MORAL, NOS TERMOS DA SÚMULA 75 DO TJRJ – NÃO ACOLHIMENTO – O RÉU NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE DEMONSTRAR FATO IMPEDITIVO DO DIREITO DO AUTOR - RESTOU CARACTERIZADA A VIOLAÇÃO AO DEVER DE QUALIDADE – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR - SÃO INACEITÁVEIS AS ALEGAÇÕES DO APELANTE DE QUE O AUTOR PODERIA TER REALIZADO O PAGAMENTO DAS CONTAS POR TERMINAIS DE AUTOATENDIMENTO, UMA VEZ QUE CABE A ESTE OPTAR PELO MEIO QUE AVALIE MAIS CONVENIENTE, CABENDO, POR CONSEGUINTE, AO BANCO DISPONIBILIZAR UM SERVIÇO DE QUALIDADE, O QUE NÃO SE VERIFICOU - DESSA FORMA, ENTENDE-SE QUE OS FATOS NARRADOS PELO CONSUMIDOR ULTRAPASSAM O MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO, EM RAZÃO DE TER ESPERADO NA FILA DO BANCO POR QUASE 02 HORAS, PERDENDO TEMPO PRODUTIVO, ENSEJANDO O DEVER DE INDENIZAR. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
O Código Civil, no artigo 927, estabelece que, aquele que cause dano a outrem em virtude de ato ilícito fica sujeito a repará-lo. Sendo assim, a prática de ato ilícito ocasiona o dever de compensação por parte de seu causador para com a vítima. Porém, não necessariamente toda obrigação de indenizar emana de ato ilícito, bastando que, para que haja a responsabilidade civil, ocorra violação de direito que, por conseguinte, venha a causar prejuízo a alguém, sob condição de observância a alguns pressupostos. Esses pressupostos se resumem em conduta (ação ou omissão humana), nexo causal e dano (moral ou patrimonial).
O direito obrigacional adota uma teoria dualista quanto à obrigação, dizendo que a mesma é composta por um débito (shuld) e por uma responsabilidade (haftung), os quais, via de regra, recaem sobre um mesmo sujeito, sendo que, excepcionalmente, recairão sobre sujeitos diversos quando se tratar das situações elencadas no art. 932 do Código Civil, nas quais alguém terá responsabilidade por um débito de outrem, ou seja, situações em que a responsabilidade civil não será subjetiva, ou seja, dependente de comprovação de culpa do responsável, e sim objetiva. Um exemplo de responsabilidade civil objetiva é a situação em que a empresa é responsável pelos danos causados ao terceiro em virtude de atos cometidos por empregado no exercício da função; nesse caso, a empresa será responsável pelo dano, porém terá direito de regresso em face do empregado, como pontua Cavalieri Filho:
Aquele que paga a indenizac?a?o nem sempre e? o u?nico causador do dano, raza?o pela qual o Co?digo (art. 13, para?grafo u?nico) lhe assegura o direito de regresso contra os demais responsa?veis, segundo sua participac?a?o na causac?a?o do evento danoso. E? uma conseque?ncia natural da solidariedade passiva e da sub-rogac?a?o legal que se opera em favor do devedor que paga a di?vida dos outros. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 345).
Com relação às modalidades de responsabilidade civil, como já mencionado, tem-se que pode ser uma responsabilidade contratual ou uma responsabilidade extracontratual. A contratual deriva de um acordo de vontades pré-estabelecido entre dois ou mais sujeitos por meio de contrato, desencadeando o dever de indenizar quando houver descumprimento do combinado. Nessa modalidade de responsabilidade civil, no ônus da prova, a vítima fica escusada de comprovar culpa do causador do dano.
Na responsabilidade civil extracontratual, por sua vez, conhecida também como delitual ou aquiliana, não há vínculo contratual entre o agente e a vítima. Sua origem se dá pela violação de um dever legal, visto que, em decorrência da desobediência de uma previsão legal o agente causa dano à vítima. Aqui, diferentemente da contratual, deverá a vítima provar a culpa do agente causador do dano. Vejam o que diz Sérgio Cavalieri Filho com relação às duas modalidades de responsabilidade civil:
Dai? se conclui que, na responsabilidade contratual, antes de emergir a obrigac?a?o de indenizar, ja? existe uma relac?a?o juri?dica previamente estabelecida pelas partes, fundada na autonomia da vontade e regida pelas regras comuns dos contratos. Na responsabilidade extracontratual inexiste qualquer liame juri?dico anterior entre o agente causador do dano e a vi?tima (eles sa?o estranhos) ate? que o ato ili?cito ponha em ac?a?o os princi?pios geradores da obrigac?a?o de indenizar. (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 374).
O Estado está também sujeito a responsabilidade civil na ocasião em que seus agentes, na esfera de suas funções, ocasionem danos a outrem. Assim sendo, a responsabilidade civil do Estado será, em regra, objetiva, não sendo necessária a culpa por parte do Estado em si para que ele deva indenizar a vítima, e sim, somente, o nexo de causalidade e o resultado da conduta praticada pelo agente estatal.
Outro aspecto do dever de indenizar e? a sucessividade, uma vez que, como ja? mencionado, este dever decorre sempre da transgressão de uma obrigação precedente, estipulada em lei, em contrato ou na própria ordem jurídica.
Por fim, vale salientar que a responsabilidade civil não depende da responsabilidade criminal, porque o que se busca aqui é reparar as perdas e danos, sendo certo, portanto, que ainda que o agente seja punido na esfera penal, terá também o dever de reparação civil se assim o for necessário no caso.
2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
O artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal diz que “o Estado promovera?, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Por essa razão, no ano de 1991, passou a vigorar o Código de Defesa do Consumidor, cuja disciplina desencadeou uma revolução no ramo da responsabilidade civil. Essa lei criou uma estrutura jurídica que se aplica a todas as relações de consumo e protege os direitos dos consumidores.
E como quase tudo atualmente está relacionado ao consumo, é válido dizer que o Código de Defesa do Consumidor consagrou um novo campo da responsabilidade civil, qual seja, a responsabilidade nas relações de consumo.
No campo consumerista, com ressalva aos casos que compreendem a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais (artigo 14, CDC), é objetiva a responsabilidade, uma vez que não depende da existência de culpa. Nesta linha, Sérgio Cavalieri Filho ensina:
Em seu sistema de responsabilidade objetiva, o Co?digo do Consumidor abre excec?a?o em favor dos profissionais liberais no § 4o do seu art. 14: “A responsabilidade dos profissionais liberais sera? apurada mediante a verificac?a?o de culpa.” Vale dizer, os profissionais liberais, embora prestadores de servic?o, respondem subjetivamente. No mais, submetem-se aos princi?pios do Co?digo – informac?a?o, transpare?ncia, boa-fe? etc. [...] Por que o profissional liberal foi exclui?do do sistema geral da responsabilidade objetiva? Essa e? outra questa?o que suscitou controve?rsia, mas hoje esta? pacificada. A atividade dos profissionais liberais e? exercida pessoalmente, a determinadas pessoas (clientes), intuitu personae, na maioria das vezes com base na confianc?a reci?proca. Trata-se, portanto, de servic?os negociados, e na?o contratados por adesa?o. Sendo assim, na?o seria razoa?vel submeter os profissionais liberais a? mesma responsabilidade dos prestadores de servic?o em massa, empresarialmente, mediante planejamento e fornecimento em se?rie. Em suma, na?o se fazem presentes na atividade do profissional liberal os motivos que justificam a responsabilidade objetiva dos prestadores de servic?os em massa. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 339).
A diferença entre responsabilidade contratual e extracontratual para fins de indenização não apresenta tanta relevância, já que, no que diz respeito à responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços por acidentes relacionados ao consumo, o Código de Defesa do Consumidor equipara as vítimas (terceiros) do acidente de consumo ao consumidor, recebendo ambos iguais tratamentos quanto aos prejuízos, modalidade diversa da responsabilidade por vício de produtos e serviços (artigos 18 a 20, CDC), com aplicação restritiva ao consumidor.
Assim sendo, o fornecedor deve atentar-se, além das obrigações contratuais, aos deveres de caráter legal estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.
3. TEORIA DA PERDA DO TEMPO PRODUTIVO E O DEVER DE INDENIZAR
Conforme já observado, a responsabilidade é uma obrigação jurídica sucessiva, resultante do não cumprimento de uma obrigação firmada anteriormente. Esta responsabilidade confere ao responsável o dever de indenizar os prejuízos causados.
Desta forma, é viável conferir responsabilidade ao fornecedor de produtos ou de serviços em virtude do desperdício desarrazoado do tempo produtivo do consumidor. A tese do desvio produtivo do consumidor, também conhecida como perda do tempo produtivo, ou até mesmo perda do tempo útil, criada pelo advogado Marcos Dessaune em seu livro “Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado” veio ajudar os consumidores que sentiam-se lesados e desamparados quando o assunto era a espera por atendimento e soluções de seus fornecedores. Vejam o que explica Dessaune sobre o tema:
O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências - de uma atividade necessária ou por ele preferida - para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável. (DESSAUNE, 2014).
Infelizmente, por ser a parte vulnerável da relação de consumo, o consumidor fica suscetível às práticas dos fornecedores, e, nas hipóteses em que estes não demonstram interesse de cooperar com os consumidores, não lhes resta outra opção a não ser esperar demasiadamente para a solução de problemas. Isso inclui passar horas na fila de bancos, por exemplo, perdendo, muitas vezes, todo o horário de almoço. Esse sacrifício de tempo pode ser decorrente de uma transferência indevida de responsabilidades ao consumidor. É um problema de condutas abusivas e de quebra de garantias que estão no Código consumerista. Quando o fornecedor presta um serviço ou vende um produto cabe a ele fazê-lo com propriedade e assumir sua responsabilidade.
Nota-se também que há muitas reclamações dos consumidores em relação a produtos e serviços adquiridos nas empresas fornecedoras, como quando buscam solucionar problemas em call centers que desempenham Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).
Para que se possa regular com mais rigidez esses atendimentos têm-se o Decreto nº. 6.523/2008, popularmente conhecido como “Lei do SAC”, que busca garantir direitos do consumidor com relação à obtenção de informações da forma mais clara e eficaz possível, e a manter este consumidor resguardado quanto a práticas abusivas do fornecedor. No artigo 8º deste Decreto determina-se que o atendimento obedecerá aos seguintes princípios: dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade.
Igualmente, o Decreto institui várias normas e prazos com relação ao registro e a solução de solicitações dos consumidores. Entre as quais a de que o SAC transferirá imediatamente o consumidor ao setor competente para atendimento definitivo da demanda (art. 10, caput). Há também a previsão no artigo 18, caput e § 2o de que, em caso de pedido do consumidor de cancelamento de serviço, este cancelamento deverá ser efetuado de forma imediata, mesmo que seu processamento técnico careça de prazo. Sendo assim, percebe-se que as regras dos SAC reconhecem o valor jurídico do tempo do consumidor.
Os profissionais, empresas, e até o próprio Estado tem o dever de cumprir sua função social, e isso inclui um bom tratamento a clientela, um atendimento adequado e um lapso de tempo tolerável. Em circunstâncias em que seja evidenciada a desídia do prestador de serviços, os Tribunais vêm entendendo que se trata sim de um dano indenizável, e, portanto, digno de reparação, já que ultrapassa os limites do que se entende por razoável, ocasionando o desgaste, a frustração e o sentimento de desconsideração, e por este motivo não se pode dizer que é caso de mera insatisfação.
No entanto, embora esse tempo perdido possa gerar um dano tanto na esfera patrimonial quanto na esfera moral do consumidor, conforme previsto no próprio Código de Defesa do Consumidor, não se pode defini-lo como um dano patrimonial ou moral, pois nem sempre acarreta consequências materiais ou gera um abalo tão profundo. Trata-se, portanto, do então já mencionado dano de desvio produtivo, o qual terá sua eventual indenização fixada de acordo com o caso concreto.
Ante o exposto, pode-se concluir que o tempo tem grande relevância não apenas social ou econômica, mas também jurídica.
A conduta de quem presta um serviço ou vende determinado produto deve respeitar os preceitos da boa-fé. Por isso, nas relações de consumo o fornecedor deve desempenhar seu papel da melhor forma possível, visando bem atender aquele que procurou por seus serviços. Infelizmente, isso nem sempre ocorre, pois, muitas vezes, os fornecedores deixam a desejar no atendimento aos interesses de seus clientes, descumprindo seu papel primordial.
Muitos consumidores são compelidos a desperdiçar seu escasso tempo para tentar resolver problemas de mercadorias ou serviços defeituosos adquiridos; um problema, que se dá por desídia, negligência ou até má-fé, não causado por ele, consumidor, e sim pelo fornecedor. Esses fornecedores acabam fazendo com que o consumidor desvie-se de seus afazeres na busca incessante por uma solução dos problemas.
Os consumidores, diante do descaso de maus fornecedores que lhes fazem esperar demasiadamente por demandas que, muitas vezes, seriam simples de ser resolvidas, sentem-se lesados e, por vezes, atrasam-se ou até perdem compromissos importantes nesse meio tempo. Para isso foi que surgiu a teoria da indenização pela perda do tempo produtivo, que vem sendo acatada por vários Tribunais.
Dessa forma não só os consumidores sentem-se amparados, como também os fornecedores preocupam-se em ser mais céleres e cuidadosos no atendimento, pois sabem que se não cumprirem com sua função social isso poderá custar a eles uma boa indenização.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 out. 2016.
BRASIL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 0035092-08.2012.8.19.0004. Apelante: Banco Bradesco S/A. Apelado: Bruno Garcia de Sá. Relator: Desembargador Fernando Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, RIO DE JANEIRO, 12 de fevereiro de 2014. Consultor Jurídico. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2017.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
______. Programa de Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830), vol. II: Filosofia da Natureza. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
STOLZE, Pablo. Responsabilidade civil pela perda do tempo. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3540, 11 mar. 2013. Disponível em: . Acesso em: 08 out. 2016.
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Letícia Cristina Vasques da. A teoria da indenização pela perda do tempo produtivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50072/a-teoria-da-indenizacao-pela-perda-do-tempo-produtivo. Acesso em: 22 nov 2024.
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