Resumo: A questão suscitada no presente artigo refere-se à impossibilidade de extensão de vantagens remuneratórias da magistratura estadual à magistratura federal por ato administrativo do Conselho Nacional de Justiça, considerando que inexiste simetria constitucional obrigatória para a remuneração de tais carreiras de modo uniforme, porquanto tais pagamentos são realizados por entes federativos diversos. Aqui será abordado que o regime remuneratório da magistratura não se confunde com o seu caráter nacional previsto na Constituição Federal.
Palavras-chave: Direito constitucional. Caráter nacional da magistratura. Regime remuneratório e extensão de vantagens. Autonomia financeira dos entes federados.
1. A FIXAÇÃO DIFERENCIADA DE REGIMES REMUNERATÓRIOS PARA OS MEMBROS DA MAGISTRATURA FEDERAL E ESTADUAL
O tema em debate no presente artigo possui elevadíssima relevância, pois analisa a possibilidade de extensão de vantagens remuneratórias da magistratura estadual para a magistratura federal por meio de resolução a ser editada pelo Conselho Nacional de Justiça, sob o argumento de que o Poder Judiciário possui caráter nacional. A distinção remuneratória atualmente existente é arbitrária? É possível a extensão de vantagens remuneratórias com base no princípio da isonomia, nos termos do art. 37, inc. XI, e § 12, da CF?
Pois bem.
De início, já consigno que tal equiparação é absolutamente inconstitucional, pois não é possível que se requeira administrativamente tal extensão, pois ao Conselho Nacional de Justiça não é dado conceder direitos sem amparo em lei em sentido estrito. Se assim procedesse, estaria violando frontalmente o artigo 37, inciso X, o artigo 96, inciso II, alínea “b” e o artigo 169 da Constituição Federal.
Note-se que não se está aqui a discutir a justeza do pagamento de direitos remuneratórios iguais aos juízes, mas sim o fato de inexistir qualquer previsão legal que defina o pagamento de verbas remuneratórias uniformes aos magistrados estaduais e federais. Além disso, destaque-se a impossibilidade de concessão de vantagem remuneratória não prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional e o fato de inexistir em nossa ordem jurídica um mecanismo que permita a “extensão” de privilégios odiosos, tampouco a extensão de vantagens com base no princípio da isonomia, como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal na súmula vinculante 37:
“ Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”
Ora, tal extensão poderia acarretar um impacto milionário aos cofres públicos, em um contexto de contenção de gastos e sacrifício de toda a sociedade brasileira no atual momento de crise econômica que assola o país, o que se revela na promulgação da polêmica Emenda Constitucional nº 095/2016, que instituiu o “Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União”, com regras que também são aplicáveis ao Poder Judiciário.
Por qualquer viés, tal pedido de normatização pelo CNJ seria inconstitucional, seja sobre a perspectiva do devido processo legislativo, seja sobre a inobservância do devido processo financeiro orçamentário, seja pela falta de lei em sentido estrito, seja mesmo pelo viés da igualdade material.
Consoante o art. 169, da Carta Magna, as despesas com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderão exceder os limites estabelecidos em lei complementar. Por sua vez, o parágrafo primeiro do referido artigo, normatiza que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgão e entidades da administração direta ou indireta, só poderão ser feitas:
I – se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II – se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Observa-se, portanto, que há um sistema desenhado pela Constituição Federal para o aumento de despesa, que não pode atravessado por uma resolução a ser emanada do Conselho Nacional de Justiça, que também deve obediência ao texto constitucional.
Nessa toada, conforme o art. 96, II, alínea “b”, da Constituição Federal, cabe ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao poder legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169, da CF (supracitado), a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores – isto é, competência que refoge ao Conselho Nacional de Justiça.
Com o advento da Emenda Constitucional - EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016, que institui o Novo Regime Fiscal, toda e qualquer ação governamental que implique em aumento de despesas, deverá ser suprido com o limite de gasto estabelecido nos termos do art. 1º, que acrescentou, entre outros, o art. 107 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Ora, o § 1º do referido art. 107, do ADCT, assim dispõe:
“§ 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:
I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e
II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária. ”
Portanto, nessas condições, todo e qualquer aumento nas despesas com Pessoal e Encargos Sociais do Poder Judiciário, ainda que decorrentes de sentenças judiciais, deverá obrigatoriamente ser acomodado no limite estabelecido pela EC nº 95, de 2016 e, caso venha a ultrapassá-lo, deverá ocorrer a correspondente redução nas demais despesas de manutenção e funcionamento dos respectivos órgãos.
Reafirma-se que em nosso Sistema Político Federalista Brasileiro prevalece a autonomia dos entes federados para estabelecer a política de remuneração salarial e de benefícios, com exceção do teto. Como não há vinculação entre os entes federados, é plausível que haja divergência de benefícios e salários concedidos a servidores entre os Estados e desses com a União, não havendo que se falar em violação à regra primária da isonomia, porquanto cada ente atua dentro do estreito espectro de sua competência constitucional.
Ora, a suposta resolução a ser editada pelo CNJ para criar direitos já nasceria com patente vício de legalidade, além de sua evidente imoralidade e injustiça. De se observar que não se sustenta o fundamento de que seria possível estender direitos previstos em legislações estaduais locais com fundamento no caráter unitário e nacional que a magistratura deve ter, pois não se extrai de dispositivo algum da Carta da República que é possível uma resolução administrativa criar direitos sem a existência de uma lei formal. Se assim decidisse, o Conselho Nacional de Justiça violaria o importantíssimo princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF/88), que informa todo o ordenamento pátrio. Além disso, a própria Constituição Federal proíbe tal equiparação automática (inciso XIII do art. 37 da CF).
O normativo que estabelece regras uniformes para toda a carreira da magistratura nacional é o Estatuto da Magistratura (Lei Complementar nº 35/79) - que tem sua edição reservada ao Poder Legislativo da União. Como se vê, por expressa dicção constitucional, não é uma resolução do Conselho Nacional de Justiça hábil a tal mister, e sim o Estatuto da Magistratura, que contém as regras sobre a carreira da magistratura nacional, motivo pelo qual se confere ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa do processo legislativo respectivo, tudo com vistas ao estabelecimento de normatização uniforme em relação aos magistrados de todos os entes federados do País.
Não se deve confundir o caráter unitário e nacional que a magistratura deve ter, já implementado e normatizado pelo Estatuto da Magistratura, com paridade remuneratória obrigatória entre magistrados que pertencem a esferas políticas diversas, em patente violação à autonomia financeira dos Estados-Membros e da União.
Nessa linha de intelecção, a pretendida resolução a ser elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça para tratar de forma uniforme os parâmetros remuneratórios de toda a magistratura nacional, também esbarraria na necessidade de que tais direitos constassem de leis específicas de cada uma das Unidades da Federação e que fossem também previstos na LOMAN.
Nesse sentido, a extensão dos mesmos seria a extensão de um “privilégio odioso”, e não a correção de uma situação injusta. Isso porque, como se está diante de um Estado Democrático de Direito, essa "justa equalização" precisa, necessariamente, ser referendada pelo Legislador, a não ser que se abandone o postulado de que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
O Supremo Tribunal Federal reconhece que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional foi recepcionada pela Constituição de 1988 e, além disso, entende que o artigo 65 da Lei Complementar nº 35/79 (LOMAN) enumera, taxativamente, as vantagens que podem ser conferidas, por meio de lei ordinária federal ou estadual (jamais por resolução), aos membros da magistratura, e veda, claramente, a concessão de outras nela não previstas (AO 820 AgR/MG - MINAS GERAIS; AG.REG. na AÇÃO ORIGINÁRIA;
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO;
Julgamento: 07/10/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma).
Desse modo, enquanto não editada a lei complementar prevista pelo artigo 93, caput, da Carta Maior, os temas atinentes ao Estatuto da Magistratura permanecem sob a disciplina instituída pela LOMAN, sendo inválidas espécies normativas diversas que disponham sobre a matéria.
Por fim, vale lembrar que, se os Estados agiram dentro dos ditames constitucionais para a concretização de tais direitos aos magistrados estaduais, promulgando leis estaduais, não poderia ser dado ao próprio ente central fazê-lo por meio de atos administrativos. Cabe, assim, a cada ente federal estudar sua disponibilidade orçamentária e financeira para conceder os benefícios no processo próprio - legislativo -, e não com futura resolução a ser elabora pelo CNJ de modo a subtrair tal exercício, ofendendo normas constitucionais de Direito Constitucional e Financeiro e elidindo o Princípio da Legalidade, colocando em evidente risco o patrimônio público.
2. CONCLUSÃO
Ante o exposto, é de fácil conclusão a impossibilidade de se estender, via resolução normativa do Conselho Nacional de Justiça, direitos previstos em legislações estaduais locais que regem os magistrados estaduais aos magistrados federais, com fundamento no caráter unitário e nacional que a magistratura deve ter, pois não se extrai de dispositivo algum da Carta da República que é possível uma resolução administrativa criar direitos sem a existência de uma lei formal. Se assim decidisse, o Conselho Nacional de Justiça violaria o importantíssimo princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF/88), que informa todo o ordenamento pátrio. Em nosso Sistema Político Federalista Brasileiro prevalece a autonomia dos entes federados para estabelecer a política de remuneração salarial e de benefícios.
Além disso, a própria Constituição Federal proíbe tal equiparação automática (inciso XIII do art. 37 da CF). Nessa mesma linha de intelecção, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 37, que reconhece a impossibilidade de aumentar o vencimento dos servidores sob o fundamento de isonomia.
Conclui-se, portanto, que não se deve confundir o caráter unitário e nacional que a magistratura deve ter, já implementado e normatizado pelo Estatuto da Magistratura, com paridade remuneratória obrigatória entre magistrados que pertencem a esferas políticas diversas, em patente violação à autonomia financeira dos Estados-Membros e da União.
3. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: . Acesso em: 10 Junho 2017
Bueno, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado/Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2015
CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev. ampl. e atual. Bahia: JusPodivm, 2009.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da.A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008
NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
STRECK, Lenio Luiz / Cunha, Leonardo Carneiro da / Nunes, Dierle. Comentários ao Código de Processo Civil. Editora Saraiva, 2016.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. Da inexistência de obrigatoriedade de simetria remuneratória entre a magistratura federal e estadual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50312/da-inexistencia-de-obrigatoriedade-de-simetria-remuneratoria-entre-a-magistratura-federal-e-estadual. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.