1. Introdução
A advocacia, compreendida como gênero, é reconhecida pela Constituição da República Federativa do Brasil como Função Essencial à Justiça. Ela integra o Capítulo IV do Título IV da Carta Política de 1988, dividindo espaço com o Ministério Público.
Em vez de colocá-la sob um mesmo toldo, contudo, o constituinte achou por bem dividi-la em três seções: a II – Da Advocacia Pública; a III – Da Advocacia; e a IV – Da Defensoria Pública. Teve o intuito de traçar, em linhas gerais, as atribuições de cada espécie de advogado. Contudo, o mais correto teria sido reuni-las em apenas uma seção, criando, dentro dela, subseções.
Explica-se. A divisão tende a fazer crer que ali se trata de três atividades distintas. Contudo, a realidade nos mostra que não é bem assim. A Advocacia, nome dado à Seção III do Capítulo IV, embora pareça, não se limita a abranger a militância desempenhada na iniciativa privada. Senão vejamos. Seu único artigo, o 133, assim prevê:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Caso, de fato, fossem três atividades independentes, o enunciado não se aplicaria àquelas funções tratadas nas Seções II e IV. Contudo, aplica-se. Prova disso é que a lei prevista no dispositivo constitucional transcrito, a 8.906/94, não regula apenas a advocacia privada. Ela serve de norma geral, sendo aplicável às outras espécies, subsidiariamente às normas especiais que as regram.
Ademais, a Ordem dos Advogados do Brasil, cujo estatuto é tratado na mesma lei, é a entidade nacional que abrange todos os advogados, inclusive os públicos, que são obrigados a manter ativa sua inscrição, arcando também com o pagamento da anuidade à entidade.
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que a advocacia privada, a advocacia pública e a Defensoria Pública são, em essência, três faces de um só ofício, servindo, igualmente, de meio de acesso de pessoas desprovidas de capacidade postulatória ao Judiciário, porém atendendo cada uma a clientes distintos.
2. A advocacia pública na Constituição
Como dito, a Advocacia Pública, embora se valha das normas gerais aplicáveis à advocacia, ocupa um lugar próprio no Capítulo IV do Título IV da CRFB, qual seja, sua Seção II, na qual estão contidos dois artigos, in verbis:
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
Como é sabido, já em seu art. 1º a Constituição prevê que a República Federativa do Brasil é composta por quatro entes: a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Contudo, os dispositivos que abordam a Advocacia Pública, acima reproduzidos, limitaram-se a informar a existência de órgãos de representação em juízo de apenas três deles.
Não significa, porém, que só os representantes da União, dos Estados e do Distrito Federal poderão ser denominados advogados públicos; mas senão que os três entes são obrigados a manter em sua estrutura administrativa órgãos com essa finalidade.
Quanto aos municípios, certamente entendeu o constituinte que, por serem entes com maior insuficiência econômica, nem todos teriam condições de manter procuradorias próprias. E, de fato – embora a existência de um corpo advocatício especializado seja mais condizente com a moralidade e com o princípio do concurso público –, a grande maioria não as têm.
Isto é, a imensa parte das prefeituras municipais segue recorrendo a escritórios privados para defender seus interesses em juízo e para executar sua dívida ativa, sem sequer promover licitação para tanto. Mas esse é um assunto cuja discussão refoge à proposta deste trabalho.
Apenas complementando, como explica Pedro Lenza[1], “desde que observadas as regras constitucionais”, pode “a matéria ser tratada nas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas e legislação própria”. É dizer, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais podem, sim, exigir dos municípios que criem procuradorias próprias.
2.1. Da Advocacia-Geral da União
O art. 131, conforme visto, trata da Advocacia-Geral da União, órgão que tem por finalidade representar a União Federal judicial e extrajudicialmente, além de exercer a consultoria e assessoria jurídica do Poder Executivo.
É dizer, a AGU não se limita a representar a União, seja no polo ativo ou passivo, judicialmente, como tendem a pensar os mais desavisados. Também a representa extrajudicialmente, em procedimentos administrativos, além de auxiliar juridicamente o Poder Executivo na elaboração de projetos de lei, na realização de licitações públicas, entre outras atividades.
Atente-se para o fato de que, nas atividades consultivas, diferentemente daquelas próprias do contencioso, o “cliente” do órgão é só o Poder Executivo, cabendo aos consultores do Senado e da Câmara dos Deputados a orientação jurídica dos membros do Congresso Nacional.
Entretanto, a AGU está presente, por exemplo, em cada ministério e nas três Forças Armadas, através de suas consultorias jurídicas, que desempenham crucial papel de orientar os gestores públicos federais em sua atuação, sem permitir que se distanciem da legalidade em sentido amplo, dando-lhes mais segurança acerca da legitimidade de seus atos.
A instituição é chefiada pelo Advogado-Geral da União, agente com status de ministro, discricionariamente escolhido pelo Presidente da República, demissível ad nutum, entre cidadãos com mais de 35 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada.
Observe-se que não se exige que o chefe da instituição seja advogado público de carreira. E, de fato, na maior parte das vezes não o é, embora, na linha do que defendem seus integrantes, de que a AGU desempenhe uma advocacia de Estado, não de governo, seria salutar que o posto fosse sempre ocupado por um de seus membros[2]. Porém, embora não precise ser advogado público, é obrigatório que o Advogado-Geral seja inscrito na OAB.
Ademais, os membros do órgão são escolhidos mediante concurso de provas e títulos. E dentre suas atribuições em juízo, uma das mais importantes é, sem dúvida, a de executar em juízo a dívida ativa tributária do ente federado central, dever conferido, pelo § 3º do art. 131, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que abrange uma das duas carreiras atualmente integrantes da AGU, conforme se verá adiante.
2.1.1. Das carreiras da AGU
Observe-se que, ainda em seu caput, o art. 131 prevê que a representação judicial e extrajudicial da União será exercida pela AGU, ou por órgão vinculado. Também diz que sua estrutura e atuação serão reguladas por lei complementar, espaço ocupado no ordenamento jurídico pela LC 73/93.
Referido diploma prevê, em seu art. 20, a existência de três carreiras integrantes da AGU: a de Advogado da União, a de Procurador da Fazenda Nacional e a de Assistente Jurídico. Entretanto, dentre essas três, apenas as duas primeiras são próprias da advocacia pública.
Os Procuradores da Fazenda Nacional compõem um ramo específico da AGU, qual seja, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, regrada pelo Capítulo VII do Título II do diploma em questão, que lista os Órgãos de Direção Superior da instituição. A PGFN é órgão híbrido, sendo administrativamente subordinado ao Ministério da Fazenda (art. 12, caput, da LC 73/93), porém, ainda assim, integrante da Advocacia-Geral da União.
Compete aos PFNs, entre outras atividades discriminadas nos artigos 12 e 13 da lei, apurar a liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins de cobrança em juízo, também exercida por eles; analisar a juridicidade dos contratos administrativos no âmbito do Ministério da Fazenda; além de prestar-lhe consultoria e assessoramento jurídicos.
Aos Advogados da União, por seu turno, toca promover a defesa da União em juízo em causas envolvendo todas as demais matérias de direito, embora, gradativamente, venha sendo criada uma cultura de proatividade dentro do órgão, importante no resguardo da moralidade e do patrimônio públicos. Ademais, também lhes compete exercer as atividades consultivas dos órgãos da Administração Direta outros que não o Ministério da Fazenda.
Além das carreiras integrantes da Advocacia-Geral da União, os artigos 17 e 18 da LC 73/93 também preveem a existência de órgãos vinculados à instituição. De acordo com os dispositivos, esses seriam os corpos jurídicos das autarquias e fundações, entes da Administração Indireta. Entretanto, desde a edição da Lei 10.480/2002, os integrantes desses corpos jurídicos passaram a compor a Procuradoria-Geral Federal, à qual, segundo seu art. 9º, “fica assegurada autonomia administrativa e financeira”, sendo ela “vinculada à AGU”.
Aos procuradores federais cabe a representação judicial e extrajudicial, bem como a consultoria e assessoria jurídica das autarquias e fundações públicas, cabendo-lhes, ainda, apurar a liquidez e certeza e inscrever em dívida ativa seus créditos de qualquer natureza. Desde a edição da lei, portanto, os entes da Administração Indireta não possuem mais carreiras jurídicas próprias. São todos procuradores federais, lotados, contudo, nos corpos jurídicos das respectivas entidades.
Há, porém, uma exceção: o Banco Central, que, pela importância e especialidade de suas atribuições, continua selecionando seus procuradores de forma independente das demais autarquias. Os procuradores do Bacen são regrados pela Lei 9.650/98.
Apesar de representarem entes da Administração Indireta, ambas as carreiras jurídicas podem passar a integrar, agora não mais de forma vinculada, a AGU, órgão da Administração Direta. Isso porque o controverso Projeto de Lei 337, em tramitação da Câmara dos Deputados, caso aprovado, alterará a LC 73/93, tornando a Procuradoria-Geral Federal e a Procuradoria-Geral do Banco Central órgãos de direção superior da Advocacia-Geral da União.
2.2. Das procuradorias dos Estados e do Distrito Federal
O art. 132 da Constituição, por sua vez, prevê que os Estados-membros e o Distrito Federal formarão suas próprias procuradorias, que desempenharão funções semelhantes à da Advocacia-Geral da União, em seus respectivos âmbitos.
O dispositivo, já acima reproduzido, prevê que os procuradores estaduais ou distritais exercerão a representação judicial e consultoria jurídica dos entes. Perceba-se que, diferentemente do que ocorre no art. 131, não há uma restrição da atividade consultiva ao Poder Executivo, cabendo aos procuradores dos Estados, em princípio, assessorar juridicamente as respectivas Assembleias Legislativas.
Porém, não há qualquer empecilho a que as casas legislativas estaduais tenham em suas consultorias procuradores próprios, que, contudo, não podem representá-las em juízo, função privativa dos procuradores estaduais. A não ser em ocasiões especialíssimas, nas quais o Poder Legislativo necessite defender em juízo suas atribuições constitucionais, exercendo o que se convencionou chamar de personalidade judiciária, como trata o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA Nº 9, DE 12.12.96. LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. CRIAÇÃO DE PROCURADORIA GERAL PARA CONSULTORIA, ASSESSORAMENTO JURÍDICO E REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA CÂMARA LEGISLATIVA. PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA E DE OFENSA AO ART. 132 DA CF. 1. Reconhecimento da legitimidade ativa da Associação autora devido ao tratamento constitucional específico conferido às atividades desempenhadas pelos Procuradores de Estado e do Distrito Federal. Precedentes: ADI 159, Rel. Min. Octavio Gallotti e ADI 809, Rel. Min. Marco Aurélio. 2. A estruturação da Procuradoria do Poder Legislativo didstrital está, inegavelmente, na esfera de competência privativa da Câmara Legislativa do DF. Inconsistência da alegação de vício formal por usurpação de iniciativa do Governador. 3. A Procuradoria Geral do Distrito Federal é a responsável pelo desempenho da atividade jurídica consultiva e contenciosa exercida na defesa dos interesses da pessoa jurídica de direito público Distrito Federal. 4. Não obstante, a jurisprudência desta Corte reconhece a ocorrência de situações em que o Poder Legislativo necessite praticar em juízo, em nome próprio, uma série de atos processuais na defesa de sua autonomia e independência frente aos demais Poderes, nada impedindo que assim o faça por meio de um setor pertencente a sua estrutura administrativa, também responsável pela consultoria e assessoramento jurídico de seus demais órgãos. Precedentes: ADI 175, DJ 08.10.93 e ADI 825, DJ 01.02.93. Ação direita de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.
(ADI 1557, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 31/03/2004, DJ 18-06-2004 PP-00043 EMENT VOL-02156-01 PP-00033 RTJ VOL 00192-02 PP-00473)
3. A Advocacia Pública no Código de Processo Civil de 2015
O Código de Processo Civil de 1973 tratava genericamente da advocacia, no Capítulo III do Título I de seu Livro I, sob o título “Dos Procuradores”. Ali, abordava, entre outros temas, a capacidade postulatória (aquela que permite a um indivíduo postular em juízo, sendo ela privativa, salvo raras exceções, dos advogados inscritos na OAB), a necessidade de detenção de mandato para atuar em nome do cliente, bem como seus deveres e direitos.
Não havia, então, qualquer referência às distintas espécies de advogado. Isto é, quando falava dos “procuradores”, estava o Código de Buzaid a tratar dos causídicos privados e públicos, indistintamente. Não se preocupou, então, o legislador em traçar as distinções entre ambos.
O que é justificável. Afinal, o diploma foi editado nos idos de 1973, portanto 15 anos antes da promulgação da Constituição de 1988. E não custa lembrar que, até a redação da atual Carta Magna, a representação do Estado em juízo competia ao Ministério Público.
Assim, durante todo esse tempo os Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Federais, do Bacen, dos Estados e dos Municípios jamais tiveram sequer um pedaço da legislação nacional que os abarcasse a todos, na condição de representantes da Fazenda Pública em Juízo.
Havia, é claro, normas esparsas que, ao tratar de prerrogativas processuais do Poder Público, indiretamente reportavam-se aos seus procuradores. Contudo, não citavam expressamente os advogados públicos. Em verdade, estes eram regrados apenas por suas próprias leis orgânicas, ou por normas que abrangiam a advocacia como um todo.
Porém, a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que inseriu no ordenamento o Novo Código de Processo Civil, revogando o anterior, deu especial atenção à Advocacia Pública. Com isso, preencheu – longe de fazê-lo plenamente, é verdade –, a lacuna antes existente.
Continuou, como não poderia deixar de fazer, a abordar os advogados de forma ampla, no Capítulo III do Título I, Livro III, onde seguiu regulando a capacidade postulatória, a forma de concessão de mandato, os direitos do advogado, além de inserir um artigo sobre a forma de o causídico atuar em causa própria, pouco alterando, portanto nesse ponto específico, o regramento anterior.
Entretanto, no Título VI do Livro III, que compreende os artigos 182 a 184, o novel códice tratou, repita-se, ainda que de forma insuficiente, dos procuradores da Fazenda Pública em juízo. Além disso, outros aspectos concernentes à Advocacia Pública foram tratados em dispositivos distribuídos ao longo do diploma processual.
3.1. DA REPRESENTAÇÃO (art. 182)
Reza o art. 182 do CPC/2015:
Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta.
O dispositivo delimitou bem os representados dos advogados públicos, em sua parte final, quando fala em “pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta”.
O art. 41 do Código Civil cita taxativamente as pessoas jurídicas de direito público interno, sendo precisamente aqueles os entes aos quais se refere o dispositivo processual acima reproduzido. Disso se depreende que não estão entre os “clientes” dos advogados públicos as empresas públicas e sociedades de economia mista, por exemplo, sabidamente pessoas jurídicas de direito privado possuidoras de seus próprios departamentos jurídicos, embora sejam seus integrantes selecionados por meio de concurso público.
A advocacia pública, portanto, atua em nome da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de suas respectivas autarquias e fundações públicas de direito público. O código delegou, porém, à legislação de cada ente federativo a definição das carreiras com competência para atuar em nome da Administração Pública direta ou daqueles integrantes da Administração Indireta.
Ou seja, o artigo não invalida, até mesmo por se tratar de lei ordinária, as atribuições definidas pela LC 73/93, tampouco tem o dom de alterar as Leis 10.480/2002 e 9.650/98, pois é norma geral, enquanto estas se caracterizam pela especialidade.
Talvez por estar inserido no Código de Processo Civil, que regula primordialmente os litígios judiciais, o dispositivo também se limita a tratar da representação exercida pelos advogados públicos em juízo, o que não afasta, obviamente, sua atuação extrajudicial, ou de consultoria e assessoramento jurídico junto ao Poder Público, por estarem referidas atividades previstas na Constituição e nas leis orgânicas de cada procuradoria.
Ao falar em defesa e promoção dos interesses dos entes públicos ali listados, o artigo também contribui para que se altere a cultura segundo a qual, exceção feita às execuções fiscais, a Fazenda Pública historicamente se limitaria a repelir as demandas judiciais contra ela promovidas, atuando primordialmente no polo passivo. O termo “promoção” depõe nesse sentido.
De uns anos para cá, as procuradorias têm se tornado cada vez mais atuantes no sentido de ajuizar ações civis públicas de improbidade administrativa, ações possessórias em defesa do patrimônio público, além de execução de créditos de natureza não tributária. Exemplo disso é a criação, no âmbito das Procuradorias Regionais da União, de Coordenações de Proativo, o que acaba por promover a especialização de Advogados da União atuantes no polo ativo das lides.
É claro que, por tentar alterar um costume de muitos anos, a guinada proativa das procuradorias ainda se dá de forma tímida. Mas o próprio dispositivo do NCPC sinaliza a mudança nesse sentido.
Já o termo “todos os âmbitos federativos” se refere à existência dos vários ramos do Judiciário, além do fato de a defesa dos interesses da União não se dar apenas na Justiça Federal, ou dos Estados nas respectivas Justiças Estaduais, embora seja essa a regra quase absoluta. Assim, os Procuradores Federais têm o poder de manifestarem-se em nome das autarquias ou fundações públicas federais seja perante uma vara ou tribunal federal, seja, eventualmente, ante uma vara ou tribunal estadual.
Por fim, também informa o artigo supratranscrito que será ele regulamentado por outras leis, o que já ocorria antes mesmo de sua existência, por meio das leis orgânicas da Advocacia-Geral da União e de cada procuradoria, além de servir de mais um subsídio a caracterizar o mandato ex lege que detêm os advogados públicos.
3.2. DAS PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS PÚBLICOS
O art. 183 traz em seu caput e parágrafos algumas das prerrogativas próprias dos advogados públicos, in verbis:
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1o A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2o Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
Percebe-se que o caput do dispositivo em questão refere-se às próprias pessoas jurídicas representadas. Entretanto, é evidente que são os seus representantes em juízo que, no desempenho de seu ofício, gozam da contagem em dobro dos prazos legais para se manifestarem em juízo.
O CPC/73 previa que a Fazenda Pública teria prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. O legislador do código novo, contudo, preferiu tratar todas as manifestações processuais de maneira idêntica. Assim, se antes 16 de março de 2016 (data em que passou a vigorar o NCPC, por força do seu art. 1.045) o prazo para os procuradores apresentarem contestação era de 60 dias corridos, hoje é de 30 dias úteis, em face também do que diz o art. 219 do novel diploma processual.
O caput do art. 183 ainda estipula o dies a quo dos prazos processuais para os procuradores públicos se pronunciarem em juízo, qual seja, a intimação pessoal, que, por força do seu § 1º, se dá por carga, remessa ou por meio eletrônico.
Obviamente, a carga e a remessa só fazem sentido quando se está a tratar de processos físicos – que, apesar da tendência do Judiciário em generalizar a digitalização de todos os atos processuais, continuam sendo muito numerosos. Carga é o ato de o próprio advogado retirar os autos em secretaria; já a remessa ocorre quando o juízo envia os autos à procuradoria, recebendo-os o procurador em sua mesa.
A intimação por meio eletrônico, por seu turno, limita-se aos processos digitais, quando, por meio do próprio sistema informatizado de tramitação, o advogado público toma ciência, seja por ato próprio, seja pelo decurso do prazo para que o faça.
Não é válida a intimação do procurador por meio do Diário Oficial de Justiça Eletrônico, pois, nesse caso, deixaria ela de ser pessoal.
Importa acrescentar que, conforme informa o art. 224 do NCPC, a contagem se dá excluindo o dia da intimação. Isto é, só se inicia no dia útil seguinte.
O benefício da contagem em dobro, contudo, não vale para aqueles prazos próprios da Fazenda Pública, só a elas aplicáveis. Porque, caso assim não fosse, não faria sentido a previsão de um prazo específico para a atuação dos advogados públicos.
Um exemplo é o prazo de 30 dias concedido pelo art. 535 do código para que ente público executado apresente impugnação a cumprimento de sentença.
3.3. DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADVOGADOS PÚBLICOS
Não é nova a discussão acerca da possibilidade de se responsabilizar o advogado público por seus atos ou omissões em juízo. Raras não foram as vezes, em um passado recente, em que juízes, em claro abuso de poder, mandavam prender, ou aplicavam multa aos procuradores, por mora no cumprimento de uma decisão judicial.
Certamente ignoravam que na estrutura do Poder Público existem inúmeras instâncias administrativas, bem como procedimentos que necessitam ser cumpridos, em respeito ao princípio da legalidade, até que se concretize uma ordem judicial. Num caso hipotético em que um magistrado ordena, liminarmente, a reintegração de um servidor, apenas está ao alcance do advogado público, quando recebe os autos contendo tal comando, oficiar o órgão ou agente administrativo competente para que o cumpra.
Atento a isso, o legislador ordinário previu no art. 184 do NCPC que os membros da Advocacia Pública só pode ser responsabilizados em hipóteses específicas:
Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.
O dispositivo em tela, é fato, não restringe, em sua literalidade, os casos de responsabilização dos advogados públicos àqueles por ele citados. É dizer, um leitor desavisado poderia crer se tratar ali de hipóteses exemplificativas de responsabilização.
Contudo, a interpretação do artigo não pode se dar de forma dissociada do que afirma o art. 77, § 6º, do mesmo código, in verbis:
§ 6o Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2o a 5o, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
Os §§ 2º a 5º citados no dispositivo tratam dos atos atentatórios à dignidade da Justiça, punidas por meio de aplicação de multa de até 20% do valor da causa, bem como por sanções civis, criminais e processuais.
De tudo o quanto dito, se conclui que o advogado público não pode jamais sofrer sanções diretamente impostas pelo juiz da causa em decorrência dos atos praticados ou de eventuais omissões no exercício de suas funções processuais. Isso porque ele age em juízo em representação da pessoa jurídica de direito público, esta sim, para todos os efeitos, responsável perante o juiz.
Os procuradores apenas poderão arcar com prejuízos que causarem aos seus representados, por meio de ação regressiva. E, ainda assim, tão somente em casos de dolo ou fraude, apurados pela respectiva corregedoria.
3.4. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Como dito anteriormente, a disciplina dispensada pelo NCPC à Advocacia Pública não se restringe ao Título VI do Livro III, havendo vários outros dispositivos no corpo do diploma processual que a eles fazem referência. E um dos que mais geraram repercussão, sem sombra de dúvida, foi o que assegurou aos procuradores o direito à percepção dos honorários sucumbenciais.
Antes da vigência do novo código, a disciplina acerca do recebimento ou não das verbas honorárias era feita, ante a lacuna existente no CPC/73, pela legislação de cada ente federativo. Não eram raros os Estados e Municípios cujos representantes faziam jus à remuneração advinda da sucumbência da parte contrária. Contudo, quanto aos Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional, Federais e do Banco Central tal não ocorria, até o reconhecimento desse direito por parte do art. 85, § 19, do NCPC:
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.
A resistência, à época, principalmente por parte da própria Administração Pública, não foi pequena. Afinal, historicamente quantias pagas pela parte sucumbente nas demandas em que a Fazenda Pública se saía vencedora sempre tiveram como destino os cofres públicos, o que feria claramente a própria natureza da verba honorária.
O art. 22 da Lei 8.906/94, que criou o Estatuto da Advocacia e da OAB, já pregava que a titularidade dos honorários era do advogado. E, como a lei sempre se aplicou subsidiariamente aos advogados públicos, era um tremendo contrassenso excluí-los da percepção da verba remuneratória.
Entretanto, perceba-se que o § 19, acima transcrito, não é suficiente para garantir esse direito aos procuradores na prática. Isso porque o condiciona a regulamentação por lei, que, conforme dito, já existia na maior parte dos Estados-membros, porém não em âmbito federal, o que só se deu por meio da Lei 13.327, de 29 de julho de 2016, que assim dispõe:
Art. 27. Este Capítulo dispõe sobre o valor do subsídio, o recebimento de honorários advocatícios de sucumbência e outras questões que envolvem os ocupantes dos cargos:
I - de Advogado da União;
II - de Procurador da Fazenda Nacional;
III - de Procurador Federal;
IV - de Procurador do Banco Central do Brasil;
V - dos quadros suplementares em extinção previstos no art. 46 da Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001.
[...]
Art. 29. Os honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, as autarquias e as fundações públicas federais pertencem originariamente aos ocupantes dos cargos de que trata este Capítulo.
Parágrafo único. Os honorários não integram o subsídio e não servirão como base de cálculo para adicional, gratificação ou qualquer outra vantagem pecuniária.
Resta claro, por conseguinte, que os honorários sucumbenciais compõem a remuneração dos advogados públicos, sem, contudo, servir como base de cálculo para a apuração de adicionais ou gratificações.
Referências:
- Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20ª Edição revisada, atualizada e ampliada – São Paulo: Saraiva, 2016.
- Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2016.
- Barros, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo. 6ª Edição revista, atualizada e ampliada. Salvador: JusPodivm, 2016.
Advogado e jornalista. Formado, em ambos os casos, pela Universidade Católica de Pernambuco. Ex-editor-assistente de Brasil/Internacional do Jornal do Commercio. Atualmente exerce a advocacia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Clóvis dos Santos. A advocacia pública e o Novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50325/a-advocacia-publica-e-o-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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