1. Considerações gerais
A Constituição da República, dentre os direitos fundamentais listados em seu art. 5º (incisos XVII a XXI), garante a liberdade de associação, instituto pelo qual indivíduos que partilham de situações análogas no campo profissional, social, científico ou por qualquer outro fim legítimo se reúnem com o intuito de defender interesses em comum:
Art. 5º (...)
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
Como se pode ver, a liberdade de associação possui duas faces principais, a liberdade objetiva (que se desdobra na liberdade para criar e para manter em atividade um ente associativo, mais evidente nos incisos XVIII e XIX acima) e a liberdade subjetiva, segundo a qual o sujeito, da mesma forma que é livre para se associar, também o é para deixar a associação quando bem entender (incisos XVII e XX).
As associações também são regradas pelos artigos 53 a 61 do Código Civil de 2002, que as classifica como pessoas jurídicas de direito privado, estabelecendo requisitos para sua criação, funcionamento e extinção, sem, porém, jamais restringir a liberdade de associação informada pela Carta Política. Para os fins a que se propõe o presente trabalho, importa conferir o que diz o art. 53 do diploma:
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.
As associações, porém, não encerram sua finalidade na própria existência. Isto é, não são meros aglomerados de pessoas. Em verdade, se estas se reúnem, fazem-no no intuito de, juntas, terem mais força para atingir fins comuns.
E o direito se preocupou em conferir atribuições a referidos entes. Dentre elas, a de atuar em juízo ou extrajudicialmente na defesa dos interesses de seus associados, desde que cumpram algumas formalidades, como a informada pelo inciso XXI do art. 5º da CF/88:
CF - Art. 5º (...)
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
Ao interpretar o dispositivo, o Supremo Tribunal Federal, em Recurso Extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral (portanto com efeitos vinculantes), entendeu que a modalidade de atuação da associação em defesa dos interesses de seus filiados é a representação, mediante a qual ela age em nome dos associados, na defesa dos direitos deles. Para tanto, necessitam de autorização expressa, concedida em assembleia ou individualmente por cada representado.
REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. (RE 573232, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-182 DIVULG 18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001)
Trazendo a mesma lógica para as demandas ajuizadas frente ao Poder Público, o Parágrafo único do art. 2º-A da Lei 9.494/97 prevê essas e outras formalidades para que as associações ajuízem ações coletivas:
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.
É de se observar que, além da autorização, no caso do dispositivo acima, exige-se a apresentação da relação nominal dos associados à época da propositura. Isso auxilia na exata identificação dos beneficiários do título, o que, por conseguinte, ajuda a garantir o exercício da ampla defesa pelos entes públicos.
Em tempo, vale esclarecer que a legitimidade das associações para atuar em juízo distingue-se daquela que detêm os sindicatos, tipo especial de associação talhado pelo constituinte para agir em defesa de direitos trabalhistas ou estatutários de seus sindicalizados.
A estes últimos, ao contrário das associações comuns, é conferida pelo art. 8º, III, da CF/88 legitimidade extraordinária para, agindo em nome próprio, resguardar em juízo os interesses trabalhistas individuais ou coletivos de parte ou da totalidade da categoria profissional, sejam os beneficiários sindicalizados ou não, desde que domiciliados na base territorial do ente sindical.
É dizer, ao passo que os sindicatos atuam em juízo em substituição processual aos integrantes da categoria, as associações o fazem na modalidade representação, necessitando sempre, conforme já sacramentaram as cortes superiores, da autorização expressa de seus associados, e apenas em nome daqueles que o eram à época do ajuizamento da ação coletiva.
Há, contudo, uma ocasião em que se entende que as associações atuam em juízo na modalidade substituição processual, qual seja, aquela em que impetra Mandado de Segurança Coletivo na defesa de direitos líquidos e certos de seus associados, necessitando ter sido criadas há pelo menos um ano.
Art. 5º (...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
Legitimidade essa reiterada pela Lei 12.016/2009, que regula o procedimento do remédio constitucional heroico:
Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Nesse caso, diferentemente do que ocorre em ações ordinárias, não é exigido às associações colher autorização dos associados para atuar em juízo, entendendo majoritariamente os tribunais que a coisa julgada alcança a totalidade de seus filiados, independente de seu consentimento.
2. Da legitimidade para executar o título formado em ação coletiva promovida por associação
2.1. Da Legitimidade da própria associação
A execução do título formado em ação coletiva ajuizada por associação pode ser promovida tanto pela próprio ente associativo quanto pelos associados individualmente. Tal afirmação se ampara nos artigos 97 e 98 do Código de Defesa do Consumidor, diploma que desempenha papel fundamental na formação do microssistema das ações coletivas. Eis o que dizem os dispositivos:
Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.
Vale acrescentar que, dentre os legitimados do citado art. 82, estão as associações legalmente instituídas há pelo menos um ano e que guarde pertinência temática com a demanda que encabeça.
A exemplo do que ocorre na fase de conhecimento, as associações, para atuar em defesa dos interesses de seus associados também na execução, necessita de autorização expressa. E, conforme entende o Superior Tribunal de Justiça, a premissa vale mesmo para as ocasiões em que o cumprimento de sentença advém de um Mandado de Segurança Coletivo:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO Nº 02/STJ. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO PARA O FEITO EXECUTIVO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA POR ASSEMBLÉIA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO PRETÓRIO EXCELSO NO RE 573.232 RG/SC, REL. MIN. MARCO AURÉLIO. JUÍZO DE RETRAÇÃO. ART. 543-B, § 3°, DO CPC/1973. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS PARA DAR PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL, CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO.
1. O Pretório Excelso no julgamento do RE 573.232 RG/SC, rel. Min. Marco Aurélio, sob a sistemática do art. 543-B do CPC/1973, firmou entendimento no sentido de que as balizas subjetivas do título executivo judicial são definidas pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial, ressalvada a hipótese de impetração de mandado de segurança, ocasião em que atua como substituto processual de seus associados. 2. Contudo, no feito executivo detém legitimidade para atuar como representante processual dos associados, devendo estar expressamente autorizada, seja por autorização individual, seja pela aprovação em Assembléia. Precedente. 3. O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento manejado pela embargante, tendo concluído que "a hipótese dos autos não é de substituição processual, mas sim de representação processual, ainda mais considerando que se trata de processo de execução de título judicial extraído de processo coletivo", de forma que "não é necessária a autorização individual de cada um dos associados para ajuizamento de ação por entidade associativa, bastando a conferida em assembléia geral da entidade, a qual consta à fl. 73 destes autos" (fl. 88/89-e). O referido entendimento se coaduna com a conclusão alcançada pelo Pretório Excelso no julgamento do RE n. 573.232/SC, inclusive, quanto ao que consiste a "autorização expressa". 4. Logo, tendo o acórdão recorrido assentado a existência de autorização expressa em favor da Associação, não há que se falar em extinção do feito, por não ter sido apresentada a autorização assemblear previamente ao ajuizamento da ação, posto que consoante o disposto no art. 13 do CPC/1973 - vigente à época da propositura da ação - e no art. 76 do CPC/2015, o juízo, não verificando a existência de autorização para demandar a execução do título executivo judicial, marcará prazo razoável para a correção desse defeito antes de extinguir o processo. 5. Contudo, antes de se prosseguir com o feito executivo, cabe a realização de um juízo de instrução - que não pode ser realizado em recurso especial nos termos da Súm n. 7 do STJ - a fim de se aferir se os servidores nominados na execução efetivamente são filiados à Associação. 6. Dessa feita, a pretensão da União merece parcial acolhida para: I) declarar que as Associações não tem legitimidade para substituir seus membros em execução de sentença, mas sim para representá-los, desde que devidamente autorizada, seja por autorização individual seja por aprovação em assembléia; II) remeter os autos à origem para aferição quanto a efetiva filiação dos servidores à Associação. 7. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos, dando provimento ao agravo regimental interposto, para fins de se conhecer do agravo e dar parcial provimento ao recurso especial da União. (EDcl no AgRg no AREsp 137.153/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 05/05/2017)
Se já não restam maiores celeumas quanto à legitimidade das associações para executar os títulos formados nas ações por elas promovidas, o mesmo não se pode afirmar quando o cumprimento de sentença é levado a cabo pelos próprios associados, individualmente.
2.2. Da necessidade de ser associado à época do ajuizamento da ação coletiva
Primeiramente, é de se observar que todos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que conferem às associações legitimidade para atuar em juízo, afirmam que ela se limita aos seus associados.
Dito isso, e se existe a obrigatoriedade da autorização expressa por parte destes, outra conclusão não se pode tirar senão a de que a condição de associado deve ser verificada quando do ajuizamento da ação. Por conseguinte, o mais lógico seria limitar a titularidade do direito reconhecido na fase de conhecimento àqueles que eram associados à época do ajuizamento e que constam da lista apresentada junto à inicial.
É possível, inclusive, ir além. Conforme dito anteriormente, diferentemente do que ocorre nas ações coletivas, em que agem na condição de representantes, as associações, ao impetrar Mandado de Segurança Coletivo, o fazem em substituição processual aos seus filiados, sem a necessidade de apresentar autorização por parte destes.
Entretanto, embora não seja exatamente matéria pacífica nos tribunais, em alguns precedentes, limitou-se a legitimidade executória àqueles associados que compunham a lista anexa à inicial do Mandado de Segurança, como este proveniente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TÍTULO EXECUTIVO ORIUNDO DE AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR SINDICATO. LEGITIMIDADE. LIMITAÇÃO SUBJETIVA EXPRESSA DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO. LISTA DE REPRESENTADOS. EXEQUENTES NÃO CONTEMPLADOS PELO TÍTULO EXEQUENDO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. RESPEITO À COISA JULGADA. 1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 883.642 RG/AL, sob o procedimento da repercussão geral, formulou o entendimento no sentido da ampla legitimidade extraordinária dos sindicatos para atuarem na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da respectiva categoria, independentemente de autorização expressa dos substituídos, aí incluídas as liquidações e execuções de sentença. 2. Inaplicabilidade do entendimento sufragado quando do julgamento do RE 883.642 RG/AL, sob o procedimento da repercussão geral, à espécie, isso porque o caso em comento não se amolda à mesma situação fática ali enfrentada, sendo inadmissível sustentar que o entendimento ali formulado pudesse atentar contra a coisa julgada. 3. A jurisprudência desta Corte Regional, em casos análogos, firmou o entendimento de que, havendo expressa limitação subjetiva dos favorecidos pela decisão judicial, quando da prolação da sentença em ação coletiva proposta por sindicato da categoria profissional, não possuem legitimidade ativa ad causam para pretender a execução daquele título executivo judicial os demais integrantes daquela categoria, mormente quando não tenha havido insurgência quanto aquela limitação no momento processual oportuno, ainda na fase de conhecimento, até porque implica tal modo de agir em ofensa aos limites subjetivos da coisa julgada. 4. Hipótese em que a ação coletiva, proposta por sindicato, foi ajuizada, quando da fase de conhecimento, com o rol de representados pela entidade sindical, em cumprimento à determinação do juízo processante, por força da Medida Provisória n. 1.984-13/2000, sobrevindo sentença, posteriormente transitada em julgado, expressamente restringindo a condenação da União à incorporação do percentual de 28,86% apenas aos servidores representados na lista de fls. 44/64 daquela ação, razão porque não merece censura a decisão ora agravada ao concluir pela ausência de legitimidade ativa dos agravantes para postularem a execução do julgado em relação ao qual não foram beneficiados, dado não estarem elencados naquela lista. 5. Agravo desprovido.
Contudo, ultimamente, tem-se observado uma tendência das cortes federais a estender a todos os associados a legitimidade para executar sentença proferida em mandado de segurança coletivo, independentemente de figurarem na lista apresentada junto à inicial ou não, conforme se observa no seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. GRATIFICAÇÃO DE INCREMENTO DA FISCALIZAÇÃO E DA ARRECADAÇÃO - GIFA. ANTIGOS AUDITORES FISCAIS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, APOSENTADOS E PENSIONISTAS. LIMITAÇÃO, NA ESPÉCIE, DOS BENEFICIÁRIOS NOMINADOS NA LISTA ANEXADA À PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, PELO PRETENSO CREDOR, DA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO IMPETRANTE PARA A EXECUÇÃO. SÚMULA Nº 629 DO STF. LIMITAÇÃO DOS CÁLCULOS À IMPLANTAÇÃO DO SUBSÍDIO. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. 1. Execução de sentença proferida em Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social (ANFIP) para o fim de assegurar, conforme consta na petição inicial, em favor dos seus associados (listagem no doc. 2), pensionistas, aposentados e em vias de se aposentar ...., a percepção da Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação (GIFA), instituída pela Lei n. 10.910, de 2004. A ação mandamental foi proposta, em 13/12/2004, em favor de milhares de pensionistas e aposentados pertencentes à antiga categoria funcional de Auditor-Fiscal da Previdência Social, categoria então representada pela ANFIP ao tempo da impetração, tendo figurado inicialmente no polo passivo do mandado de segurança autoridade do INSS, autarquia que foi neste Tribunal excluída do processo, nele permanecendo apenas a União. 2. O mandado de segurança coletivo alcança todos os integrantes da categoria substituída, sem que destes se exijam autorização, versando a hipótese substituição e não representação processual, pois os beneficiários poderiam ser identificados posteriormente, demonstrando-se que se enquadram exatamente naquela situação que deu origem ao direito assegurado na sentença, uma vez que nos termos do art. 22, caput, da Lei do Mandado de Segurança, a sentença fará coisa julgada em favor dos substituídos pela atividade processual da entidade de classe. 3. A Constituição confere tratamento diferenciado ao mandado de segurança coletivo, cuja impetração por parte de associação prescinde de autorização dos substituídos, conforme inciso LXX do seu art. 5º, e, portanto, de que se apresente lista de beneficiários - que, foi, porém, apresentada -, razão pela qual todos os servidores aposentados e que pertenciam à antiga carreira de Auditoria Fiscal da Previdência Social, e os pensionistas, na data da impetração, conforme sentença irrecorrida nessa parte, são beneficiários da sentença, e podem executar o crédito dela decorrente, em nome próprio, assim como tem para esse fim legitimidade a própria associação substituta. Precedentes do STF e do STJ declinados no voto. Nos termos da Súmula nº 629 do STF, a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes. 4. Porém, afigura-se sem legitimidade para execução da sentença coletiva o servidor aposentado que não demonstrou ter ocupado o cargo de Auditor Fiscal da Previdência Social, ou dele ser pensionista, que ao tempo da impetração (12/2004) era a única categoria representada (lato senso) pela ANFIP, que congregava então apenas os Auditores Fiscais da Previdência Social, tanto que a petição inicial limitou expressamente os beneficiários aos constantes na listagem a ela anexada, o que não prejudicaria, porém, o interessado, se este efetivamente fosse integrante da categoria então substituída, o que não sucedeu na hipótese dos autos. 5. Ademais, a circunstância superveniente de a Lei n. 11.457, de 2007, ter transformado em cargos de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (AFRFB) os antigos cargos de Auditores Fiscais da Receita Federal (AFRF) e Auditores Fiscais da Previdência Social (AFPS), razão pela qual a ANFIP alterou sua denominação e a categoria funcional que passou a representar, não faz estender a outros servidores os efeitos da sentença proferida em favor apenas da categoria funcional por ela efetiva e anteriormente substituída, conforme listagem expressamente referida na petição inicial, pois a sentença beneficia apenas a categoria em favor da qual foi a ação mandamental impetrada, pela entidade com a representatividade adequada. 6. Não se qualificam como credores os apelantes, ou substituídos, que não demonstraram que ostentavam a situação jurídica de Auditor Fiscal da Previdência Social aposentado, ou pensionista, ao tempo da impetração (13/12/2004), categoria de servidores que foi então substituída pela impetrante, que congregava apenas aqueles auditores. Assim, seja por não se incluir na lista apresentada pela impetrante na inicial da ação mandamental, o que poderia ser superado, seja por não ter demonstrado integrar a categoria então substituída, condição essa incontornável, a apelação dos que foram excluídos da execução, em nome próprio ou como substituídos, não merece provimento. 7. No que concerne à limitação temporal do direito à GIFA, enquanto não assegurada a completa isonomia entre ativos e inativos e pensionistas, o que não se completou com a Lei n. 11.356/2006 (conversão da Medida Provisória n. 302/2006), mas apenas com a Lei n. 11.890/2008 (conversão da Medida Provisória n. 440/2008), após a adoção do regime de subsídio de remuneração, as diferenças de GIFA são devidas aos beneficiários da sentença. O que se determinou, quanto a essa limitação, foi que se aplicasse a legislação vigente em cada momento da relação jurídica entre servidor aposentado ou pensionista e a União, consoante a cláusula rebus sic stantibus, própria das sentenças da espécie. 8. A lei de instituição do subsídio dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, cargos nos quais foram transformados os de Auditores Fiscais da Previdência Social, determinou a extinção de várias parcelas remuneratórias, de modo que não se pode trazer para o processo coletivo concernente à GIFA toda discussão sobre eventual redução de remuneração, caso em que deveria ser paga parcela complementar de subsídio, convertendo esse mandado de segurança coletivo juízo universal para solução de todas as pendências relativas aos proventos dos beneficiários. 9. Por igual, não cabe na execução da sentença proferida no mandado de segurança coletivo determinar que a GIFA se inclua na base de cálculo da vantagem auferida por algum aposentado ou pensionista, nos termos do art. 184, inc. II, da Lei n. 1.711, de 1952, assegurada pelo art. 250 da Lei n. 8.112, de 1990, porque na ação se discutiu apenas o direito de os beneficiários da sentença auferir a GIFA nas mesmas condições que os servidores em atividade. Eventual direito a essa vantagem e sua base de cálculo devem ser objeto de ação própria, e não de execução de sentença, que dela não tratou. 10. Os cálculos efetivados pela Contadoria, com a exclusão dos casos da vantagem de que trata o art. 184, II, da Lei n. 1.711, de 1952, devem ser prestigiados, porque atentos aos parâmetros fixados pelo juízo da execução. 11. Correção monetária e juros de mora bem fixados, nos termos da jurisprudência predominante, especialmente do REsp n. 1.270.439/PR, relator Ministro CASTRO MEIRA, adotado no regime de recurso repetitivo. 12. Tendo em vista a sucumbência mínima da parte embargada, condeno a embargante nos honorários advocatícios, de 10% (dez por cento) do valor pretendido excluir da execução, observado o disposto no art. 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil. No que se refere aos apelantes excluídos da execução, a verba honorária permanece como fixada na sentença. 13. Apelação da União provida, em parte; apelação dos credores provida, em parte; agravo retido prejudicado.
(APELAÇÃO 00271447520144013400, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:10/05/2017 PAGINA:.)
Peço aqui vênias para discordar de tal posicionamento, pois, na medida em que, a despeito da desnecessidade, a associação apresenta junto ao mandado de segurança lista de associados, ela acaba por, de certa forma, restringir o universo daqueles que tiveram direito líquido e certo desrespeitado. Além disso, o ente público, ao impugnar o mandamus, exerce seu direito de defesa frente àqueles previamente identificados.
Permitir que aqueles que, ainda que integrantes da categoria, não eram filiados à associação à época do ajuizamento do writ dele se beneficiem abre espaço para o casuísmo e para o oportunismo, levando a que eles se filiem ao ente associativo apenas para poder executar o título.
Porém, desta feita de maneira acertada, como se pode aferir ainda do julgado acima, os tribunais tendem a não aceitar execuções promovidas por quem não integravam a categoria à época do mandamus.
2.3. Da limitação territorial
O ordenamento jurídico, porém, encarregou-se de criar restrições aos efeitos do título executivo de ações ou mandados de segurança coletivos impetrados pelas associações.
Um deles advém do art. 2º-A da Lei 9.494/97, in verbis:
Art. 2o-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
O caput do art. 2º-A introduz no ordenamento o que se chama de limitação territorial dos efeitos da coisa julgada à área de competência do órgão judiciário prolator. Ele impede que, por exemplo, juízes de comarcas ou seções judiciárias específicas decidam, no âmbito de ações coletivas, conflitos existentes fora de sua área de competência, impedindo que a usurpem de outros órgãos do Judiciário.
Costuma-se afirmar que a competência é a medida da jurisdição distribuída a cada órgão do Judiciário. Outra parte da doutrina, entretanto, por entender ser a jurisdição indivisível, define-a como poder conferido pela Constituição ou pela legislação infraconstitucional a cada juízo ou tribunal para solucionar parcela dos conflitos apresentados pelos jurisdicionados ao Estado Juiz, sem as quais se tornaria inviável a organização do Judiciário, pois todos os magistrados poderiam ser acionados para resolver qualquer litígio.
Assim, o dispositivo supratranscrito impede que uma pessoa filiada a determinada associação de âmbito nacional e que more, por exemplo, em Belo Horizonte se beneficie de título executivo formado no Rio de Janeiro, pois seu caso, bem como o de todos os que habitam na mesma cidade, é de competência das varas integrantes da comarca ou da seção judiciária da capital mineira.
Contudo, a questão não é tão simples assim. Principalmente quando referido artigo é confrontado com dispositivo constitucional que institui o Distrito Federal como foro universal para ações movidas contra a União, parte dos tribunais pátrios tem afastado a incidência do art. 2º-A. Eis a letra do § 2º do art. 109 da Constituição:
Art. 109. (...)
§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Diante da possibilidade de qualquer pessoa domiciliada em qualquer lugar do País propor ação em face da União no Distrito Federal, parte dos tribunais pátrios acaba por afastar a aplicabilidade da regra do art. 2º-A nos casos em que associações litigam contra o ente federativo central no foro universal do DF.
Repare-se, porém, que o dispositivo constitucional cria o foro universal sem, contudo, distinguir se seria ele aplicável a ações individuais ou coletivas. Serve, portanto, como norma geral.
É de se recordar, contudo, que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu art. 2º, § 2º, prevê que a norma geral não revoga a especial, ou vice-versa, podendo ambas conviverem pacificamente no ordenamento pátrio.
Assim, com respeito às opiniões em contrário, acredito que ainda quando movida no Distrito Federal, contra a União, a ação coletiva proposta por associação só poderá formar título em favor daqueles associados domiciliados no DF, pois, frente ao § 2º do art. 109 da CF/88, o art. 2º-A da Lei 9.494/97 é norma especial e deve prevalecer no caso concreto.
Frise-se que não se trata, com isso, de invalidar dispositivo inconstitucional em favor de norma infraconstitucional. O Distrito Federal serviria de foro universal em todas as demais demandas movidas contra a União. Apenas, em se tratando de ações coletivas ajuizadas por entidades associativas, o título só beneficiaria associados domiciliados no DF.
Ainda assim, é de se reconhecer que esse não tem sido o entendimento da maioria das cortes pátrias, que afastam a incidência do art. 2º-A frente à previsão constitucional de foro universal para as ações movidas contra a União. Contudo, nesses casos, pecam na maior parte das vezes os tribunais ao não observar a cláusula de reserva de plenário do art. 97 da Constituição, bem como a Súmula Vinculante 10 do Supremo. In verbis:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Súmula Vinculante 10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
Assim, para os casos em que um tribunal afasta a aplicabilidade do art. 2º-A, em face do foro universal do § 2º do art. 109 da CRFB, é cabível reclamação constitucional ao STF, se a matéria não for submetida ao plenário da corte prolatora da decisão.
Entretanto, recentemente o Pretorio Excelso proferiu decisão em sede Recurso Extraordinário afetado pela sistemática da repercussão geral que pode representar uma guinada na jurisprudência envolvendo a questão. Na sessão de julgamento do dia 10 de maio de 2017, ao julgar o Recurso Extraordinário nº. 612.043/PR, com repercussão geral reconhecida, assinalou a seguinte tese: “a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o sejam em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes de relação juntada à inicial do processo de conhecimento”.
Contudo, deve-se ainda levar em conta, para a definição da legitimidade para a promoção da execução, a base territorial da associação. Isso porque refoge à lógica admitir, por exemplo, que um servidor domiciliado e atuante no Estado do Amapá possa executar um título formado a partir de ação coletiva ajuizada por ente associativo baseado no Rio Grande do Sul.
E aí surge um problema. Se supusermos que essa mesma associação do Rio Grande do Sul ajuizasse a ação no Distrito Federal, valendo-se do foro universal do art. 109, § 2º, da CF/88, chegaríamos ao cúmulo de ninguém poder se beneficiar do trânsito em julgado, pois para os servidores domiciliados no Rio Grande do Sul haveria o óbice do art. 2º-A da Lei 9.494/97, ao passo que os domiciliados no DF não poderiam ser representados pela entidade gaúcha.
Em suma, esse é um tema que ainda gerará muita discussão no âmbito pretoriano.
Referências:
- Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20ª Edição revisada, atualizada e ampliada – São Paulo: Saraiva, 2016.
- Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2016.
- Barros, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo. 6ª Edição revista, atualizada e ampliada. Salvador: JusPodivm, 2016.
Advogado e jornalista. Formado, em ambos os casos, pela Universidade Católica de Pernambuco. Ex-editor-assistente de Brasil/Internacional do Jornal do Commercio. Atualmente exerce a advocacia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Clóvis dos Santos. Considerações sobre a atuação das associações em juízo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50347/consideracoes-sobre-a-atuacao-das-associacoes-em-juizo. Acesso em: 22 nov 2024.
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