RESUMO: O presente artigo tem por objetivo a análise da responsabilidade da União, no âmbito da terceirização, nos casos em que há inadimplemento dos encargos trabalhistas pela empresa contratada. Nesse compasso, espera-se esclarecer os principais pontos polêmicos, analisando-se doutrina e jurisprudência acerca do tema.
PALAVRAS-CHAVE: Terceirização. TST. STF. Responsabilidade subsidiária. Encargos trabalhistas. Administração Pública. União.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO NO ÂMBITO DA TERCEIRIZAÇÃO E DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A contratação de empresa pela Administração Pública para realização de serviços terceirizados envolve polêmica acerca da responsabilização desta pelo inadimplemento dos encargos trabalhistas pela contratada.
O debate diz respeito à possiblidade ou não de responsabilização da União de forma subsidiária diante do mero inadimplemento dos encargos trabalhistas pela empregadora.
Serão analisados os entendimentos jurisprudenciais sobre a temática, bem como pontuais trechos doutrinários, com a finalidade de esclarecer os pontos antagônicos da controvérsia.
1 DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO NO ÂMBITO DA TERCEIRIZAÇÃO E DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
De início, pede-se licença para colacionar entendimento de Vólia Bomfim, que conceitua a terceirização como “a relação trilateral formada entre trabalhador, intermediador de mão de obra (empregador aparente, formal ou dissimulado) e o tomador de serviços (empregador real ou natural), caracterizada pela não coincidência do empregador real com o formal”[1].
No âmbito da Administração Pública, é corriqueira a contratação de empresa intermediadora de mão de obra para execução de atividades-meio, como serviços de limpeza, por exemplo. Tal contratação se dá conforme os ditames da Lei nº 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
Dispõe a Lei nº 8.666/93 que a inadimplência do contratado quanto aos encargos trabalhistas não transfere à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento. Eis o dispositivo legal:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) [2]
Percebe-se que o referido diploma legal foi claro ao determinar que o ente público não é responsável pela inadimplência do contratado no que tange aos encargos trabalhistas. Entretanto, havia quem sustentasse que o referido dispositivo legal era inconstitucional, por ir de encontro ao artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição da República, que assim determina:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.[3]
De acordo com BOMFIM, o referido dispositivo não colide com o que dispõe o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei nº 8.666/93, em razão da especialidade desta norma. Eis o entendimento:
Por último, há aqueles que, como nós, entendem que o art. 37, § 6°, da CRFB não colide com o art. 71, § 1°, da Lei n° 8.666/93 e, por isso, a Administração Pública não deverá ser responsabilizada pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, já que a regra especial revoga a geral. [4]
Importante observar que o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei de Licitações foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Eis a ementa do referido julgado:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.[5]
Anteriormente ao referido julgamento, o Tribunal Superior do Trabalho havia editado a Súmula nº 331 que determinava, em seu item IV, que:
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).[6]
O entendimento do TST, portanto, era no sentido de que a Administração Direta era responsável subsidiária pelos encargos trabalhistas, caso o contratado incorresse em inadimplemento. Tal responsabilização, na visão do referido Tribunal Superior, dar-se-ia diante do mero inadimplemento da empresa contratada. Após o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, o Tribunal Superior do Trabalho alterou o teor da referida súmula, incluindo, ainda, os itens de número V e VI, a fim de adequar-se ao entendimento da Corte Suprema. O enunciado sumular alterado passou a ter a seguinte redação:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.[7]
A Corte Trabalhista, portanto, adequou-se ao entendimento da Corte Suprema. Acrescentou o TST a necessidade de comprovação de conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666/93, por parte da Administração Pública, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço, para que se configure responsabilidade subsidiária da contratante. Não basta o mero inadimplemento de encargos trabalhistas, portanto, para que haja responsabilização subsidiária da União. É necessário que o reclamante comprove nos autos que o referido ente público falhou no que tange ao seu dever de fiscalização contratual.
Dessa forma, não basta que haja o simples inadimplemento, não mais se sustentando a tese de que a União, quando subcontrata mão de obra, incorre em culpa in eligendo e in contrahendo[8], nos casos em que a empresa intermediadora não cumpre suas obrigações trabalhistas.
O Supremo Tribunal Federal, em recente juntado, reafirmou seu entendimento, fixando a seguinte tese de repercussão geral:
"O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". STF. Plenário. RE 760931/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 26/4/2017 (repercussão geral).[9]
Entendeu a Corte Suprema, portanto, que o inadimplemento dos encargos trabalhistas pelo contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo pagamento, conforme determina o art. 71, parágrafo 1º, da Lei nº 8.666/93, como havia entendido no bojo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16.
A responsabilização subsidiária do Poder Público não decorre da simples existência de obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa contratada. Para se responsabilizar o ente público, deve haver prova concreta nos autos, que demonstre a efetiva falha da Administração no que tange à fiscalização do contrato, não bastando o mero inadimplemento da contratada para configuração de culpa da União.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a responsabilização da União de forma subsidiária pelos encargos trabalhistas somente pode ocorrer de forma excepcional. Isso porque o simples inadimplemento pelo contratado não transmite automaticamente à Administração Pública o dever de pagamento, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Para que haja responsabilização do ente público, deve restar comprovado, de forma concreta, que este não cumpriu seu dever de fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais por parte da empresa contratada enquanto empregadora.
REFERÊNCIAS
BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 17.junho.2017.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm >. Acesso em: 17.junho.2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgado em: 24.novembro.2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627165>. Acesso em: 17.junho.2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 760931/DF. Rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux. Julgado em: 26.abril.2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4434203>. Acesso em: 17.junho.2017.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em: 17.junho.2017.
[1] BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 529.
[2] BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm >. Acesso em: 17.junho.2017.
[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 17.junho.2017.
[4] BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 556.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgado em: 24.novembro.2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627165>. Acesso em: 17.junho.2017.
[6] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em: 17.junho.2017.
[7] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em: 17.junho.2017.
[8] BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 555.
[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 760931/DF. Rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux. Julgado em: 26.abril.2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4434203>. Acesso em: 17.junho.2017.
Advogada da União lotada na Procuradoria da União no Estado do Acre; Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BUENO, Luiza Zacouteguy. A responsabilidade subsidiária da União no âmbito da terceirização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50351/a-responsabilidade-subsidiaria-da-uniao-no-ambito-da-terceirizacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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