Resumo: Abordar o problema da corrupção no governo no sentido jusfilosófico perpassa pala análise do espírito de igualdade ante o princípio da democracia. A busca do entendimento acerca do que consiste a virtude indica um caminho dirigido ao sentimento de amor e compromisso pelo bem e soberania do povo. Deve-se num Estado legislar-se em prol da virtude. Porém, a disputa de grupos de interesses gerou o que conhecemos hoje como partidos, os verdadeiros atuantes da política. A constituição de classes políticas por grupos de privilegiados tende a deformar todo o modelo institucional da democracia moderna. O problema da corrupção dos representantes políticos em nosso país degenera o destino das coletividades nacionais. Uma reforma política coerente e responsável contaminada de bons princípios é o que se espera. Os membros do Estado deveriam conhecer a sua liberdade de expressar suas preferências.
Sumário: Referencial Teórico. 1. O problema da corrupção no governo. 2. A crise da democracia representativa. 3. A alienação política e a manipulação dos meios de comunicação. 4. A atuação concorrente do Poder Executivo. 5. Das propostas de reformas políticas. 6. Das propostas de revolução. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Palavras-chave: Democracia representativa; Direito e Moral; Problema político.
Introdução
O início de uma reflexão jusfilosófica sobre o problema político vivido em nossa sociedade atual parte da necessidade de uma reflexão acerca do conteúdo da moral mais que do próprio Direito. Porém não foge deste campo de estudo.
O assunto tratado neste momento é permeado de considerações relacionadas ao objeto ético e sobre qualquer sugestão de que o problema deve ser moralmente encarado como exigência legal ao nosso governo e aos nossos representantes. A política exige a compreensão da realidade histórica e social do povo a que se destina tal como ela é em si mesma. Para tanto, é concernente vislumbrar a moral como a primeira ordem do conhecimento para que a política seja acessível e aceitável pelos indivíduos de uma sociedade.
A problemática sugere a análise de alguns aspectos que fazem parte de todo o contexto do atual, tais como: o problema da corrupção no governo; a da crise da democracia representativa; a alienação política e a manipulação dos meios de comunicação; a atuação concorrente do poder executivo; das propostas das reformas políticas; e, das propostas de revolução ou golpe. Após uma abordagem sistematizada do problema especificado, objetiva-se idealizar uma verdadeira possibilidade de reforma estrutural da nossa crise e propor algumas elucubrações acerca das atuais dificuldades políticas em que vivemos.
Referencial Teórico (Desenvolvimento)
1. Do problema da corrupção no governo e da crise da democracia representativa
“A corrupção de cada governo começa quase sempre com a corrupção de seus princípios”[1], assim assinalou Montesquieu[2] ao discorrer sobre o assunto no livro VIII de “O espírito das leis”. E vai além, ao propor que o princípio da democracia corrompe-se quando se perde o espírito de igualdade, e não só, quando, também, se adquire o princípio de igualdade extremo onde cada indivíduo procura ser igual àqueles que escolheu para dirigi-los.
Desta forma, afirma Montesquieu, não poderia haver mais virtude na república.
Os vários sentidos para a ideia que a palavra “virtude” aborda pode ajudar a compreender melhor tal afirmação.
Virtude, no dicionário Houaiss da língua portuguesa, apresenta como alguns de seus significados os seguintes: “qualidade do que se conforma com o considerado correto e desejável (p. ex. do ponto de vista da moral, da religião, do comportamento social, do dever, da eficácia etc.); qualquer boa qualidade (v. cívica); conformidade com o Bem, com a excelência moral ou de conduta; dignidade”.[3]
Para o catedrático filósofo da atualidade Adolfo Sánchez Vásquez[4], virtude supõe uma disposição estável de comportar-se moralmente de maneira positiva, isto é, de querer o bem. Por sua vez, o clássico Voltaire[5], em seu dicionário filosófico, é bem mais sucinto e direto ao afirmar que virtude é “beneficência para com o próximo”[6].
Assim, na República, virtude é necessariamente um sentimento de amor e compromisso pelo bem e soberania do povo e pelo interesse geral de seus indivíduos. Pois, o povo é o elemento essencial da sociedade, como defendia Rousseau[7], em “O Contrato Social”. A virtude na república é, então, a qualidade e o compromisso focados na defesa e proteção dos interesses da coletividade, garantida por todo o poder comum e por um corpo moral criado pela vontade geral para exercer a suprema direção do povo.
É raro que a corrupção comece onde exista tal disposição para o bem e para a dignidade. A responsabilidade e o senso da república democrática é a responsabilidade e o senso de igualdade. No estado de natureza os homens nascem iguais, mas a sociedade faz com que percam esta prerrogativa. E só retornam a essa condição de equidade pela força das leis. “O espírito de igualdade não consiste em fazer com que todos comandem, ou ninguém seja comandado;”, assim expressa Montesquieu, “e sim obedecer e comandar seus iguais. Não busca não ter nenhum senhor, e sim iguais como senhores” [8].
Ainda de acordo com o célebre autor do clássico “Espírito das Leis”, o lugar natural autêntico da virtude é junto da liberdade, num ponto de equilíbrio entre a liberdade extremada e a sujeição do poder que cada cidadão tem de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe facultem as leis.
Quando, então, cessa essa virtude os desejos mudam de objeto e liberdade cessa na mesma proporção. Há inversão dos valores originários e legítimos a toda sociedade. A pseudo concreticidade do mundo prático-utilitário ganha corpo e confunde a visão do povo enquanto participante do governo e da autoridade soberana. Esses conflitos de interesses e de valores agregam conflitos de direito entre os indivíduos, ora nas mais simplificadas relações sociais, ora nas mais complexas, entre grupamentos de indivíduos. O povo não tolera o próprio poder que consignou e diverge entre si e com intuito de fazer tudo sozinho e de forma contrária aos princípios gerais da coletividade e em favorecimento de grupos sociais determinados.
E, num governo democrático, quando as leis não estiverem sendo executadas e o povo agir por conta própria, há uma dissolução do Estado. Algo que só acontece na corrupção da república. Num Estado democrático de direito se precisa da força das leis, do braço erguido do Estado e de um impulsionador a mais, que é a virtude. Em uma república corrompida não se pode remediar os males que nascem sem extirpar a corrupção e trazer de volta os bons princípios, pois qualquer correção ou reforma é inútil ou constitui um mal maior. Um bom governo é o que possui seus princípios íntegros para enxergar tantas soluções quantas combinações possíveis para preservação e prosperidade de seus membros e de seus vínculos sociais.
Na corrupção dos princípios de governo, as leis tornam-se más e voltam-se contra o Estado. Há desigualdade. Harmonizam-se a liberdade e o convívio com as leis e pretende-se conviver livremente contra elas. As regras começam a incomodar. A precaução vira aflição. Quando o Estado ainda detém seus princípios, a minoria das leis não é boa e “as boas leis permitem fazer outras melhores”.[9] O propulsor do governo é a força de seus princípios.
Porém, não é pelas boas leis que o Estado vive, mas na virtude do poder de legislar, do ponto de equilíbrio entre a liberdade e a igualdade. Os políticos deveriam reconhecer somente a virtude como força de sustento. Num Estado legisla-se com referência na virtude. Os cidadãos devem fazer tudo firmando compromisso recíproco do público com os particulares, pois são iguais e senhores. Hoje, a consciência dos políticos é direcionada às manufaturas, ao comércio, às finanças e às riquezas materiais. Põe-se a serviço de classes e interesses econômicos. Sustentam alianças entre as grandes empresas privadas nacionais, as grandes empresas privadas estrangeiras e o capital público, todos coadunados com impulsos desenvolvimentistas baseados em modelos de feição autoritária impostos pela necessidade de concentração extrema de influências. Os políticos contrariam todos os princípios de nosso governo.
A democracia representativa do Brasil deve ser preservada pelo simples fato de ser entendida como uma boa forma apresentada e até agora observada de forma de governo. Porém, tem se desviado muito de seu real significado e sofrido muitas aberrações.
As deturpações das funções do poder público, a falta de compromisso dos membros do governo com suas atribuições e com os princípios da democracia e do Estado, a não fidelidade política dos representantes políticos do povo e, ainda, o consentimento com o desrespeito e mácula de nossa Constituição são fatores que acarretam nossa crise.
Aliado a tudo isso, ainda de caráter mais orgânico, encontra-se a crise da educação que acarreta vícios comprometedores na estrutura política do país. São vícios que deformam nosso corpo político e conduzem à ignorância de nosso povo e à alienação dos membros da sociedade pela aceitação de falácias publicitárias tidas como verdades praticadas por um corporativismo exacerbado que objetiva impedir o despertar de protestos e reivindicações nas bases sociais.
O contexto atual de economia de mercado tende a dividir o povo em segmentos hostis a insistir no antagonismo entre as classes. Segundo Karl Marx[10], no “Manifesto comunista”, a história das relações sociais decorre da história dos conflitos gerados pelas necessidades materiais das diferentes classes sociais. Com isso, o Estado intervém nos planos econômicos acarretando conflitos decorrentes de favorecimentos e desfavorecimentos de grupos propiciando a expansão do pluralismo social e das desigualdades sociais. É a repartição de riquezas que é posta em jogo como uma forma ideológica de sustentar as ações dos grandes grupos de poder econômico.
O incremento deste pluralismo social traz profundas influências sobre as instituições representativas. A disputa de grupos de interesses gerou o que conhecemos hoje como partidos, os verdadeiros atuantes da política. Os conflitos de interesses não mais individualizados também geraram os sindicatos. Logo, surgem os pactos sociais como formas de acordos e soluções dos interesses. Ademais, em consequência, surgem os grupos de pressão, com papel de flagrante importância no jogo econômico e político.
2. Da alienação política, da manipulação dos meios de comunicação e da atuação concorrente do Poder Executivo
A eleição da grande maioria dos políticos é devida não ao debate de ideias ou manifestação de competência, mas pela manipulação da propaganda e dos meios de comunicação à custa do abuso do poder que só diz respeito à economia. A apropriação do discurso democrático pelo poder econômico privado, concentrado nas mãos de poucos, inclui o importante poder de controle e manipulação da mídia nacional.
Observa-se, assim, o comportamento tendencioso dos meios de comunicação que apoiam alguns em detrimentos de outros, passando a descartá-los do cenário político, tão logo seus interesses comecem a ser ameaçados. O povo ainda acredita que influencia e é responsável pelos rumos do país, quando na verdade as diretrizes são definidas pelos interesses do capital.
“Os grupos de pressão internos, com o poder dos tecnocratas, e os grupos de pressão externos, de mesma natureza, porém incomparavelmente mais sólidos, esboçam poderes à imagem e semelhança daqueles tradicionalmente cometidos pelo Estado”[11]. As ações dos grandes do poder econômico controlam, dirigem e planejam a política e os políticos de nosso país.
Assim, a constituição de classes políticas autossuficientes que extrapolaram seus próprios interesses e radicalizaram-se sob a influência de importantes grupos econômicos tem profunda relação com a crise da democracia representativa no Brasil. Pela força do dinheiro tornaram-se soldados para escravizar a pátria e representantes para vendê-la. Formam grupos privilegiados que controlam a máquina administrativa e que perderam o interesse geral que as legitimaram para servirem acima de tudo ao interesse particular dos que a integram. Os membros do governo usurpam separadamente o poder que só deve se exercer em conjunto.
Isto resulta em uma luta pela lei no sentido de uma disputa por uma lei mais vantajosa para tais grupos de pressão, que se esforçam para ter o Estado como seu aliado e obterem a lei o mais favorável possível, deformando todo o modelo institucional da democracia moderna.
O problema da corrupção é tão grave e entranhado na estrutura de poder que se chega ao absurdo de se deturpar algumas funções do poder. Isso parece o óbvio, porém não deveria ser assim encarado, vez que aquela anomalia não deveria ter capacidade de tornar-se assim tão institucional.
A interpenetração das funções possíveis existe para harmonizá-las e garantir, além de sua independência, a liberdade e a satisfação dos governados. O poder executivo tem interferido de modo constante no poder legislativo ao produzir inúmeras leis se valendo do instituto de medidas provisórias.
Este, o legislativo, por sua vez, se encontra desmoralizado e desacreditado em meio a tantos absurdos e desvio de suas atribuições, conchavos e acertos. A clara evidência do vínculo político com os ditos grupos econômicos de pressão traduz os abusos e desvios de prerrogativas e finalidade ao gerarem-se leis, muitas vezes contraditórias aos reais interesses fundamentais da Constituição Federal, sempre que há interesses particulares envolvidos. Um total desrespeito ao povo, aos seus direitos públicos subjetivos e, em particular, ao princípio da separação de poderes, ainda mais quando inocenta em rede ou cadeia nacional, arbitrária e precocemente, sem o devido processo, acusados de desvios e corrupção no governo.
Tornou-se a função executiva função legislativa e função jurisdicional ao mesmo tempo, de forma absoluta e despótica. Tudo por conta dos interesses e do capital. Entretanto, a pretexto da má gestão, sempre se atribui a responsabilidade à casa legislativa por supostamente impedir a governabilidade.
Em grande parte é verdade. Somado a isso, os representantes políticos em nosso país buscam incorporar os mandatos que foram delegados aos seus partidos de forma pessoal, como se fossem seus próprios. Utilizam a mobilidade e a migração entre partidos para coadunar e articular manobras políticas escusas de forma livre e descompromissada dos interesses de seus verdadeiros representados.
Deste modo, o Estado torna-se compatível com um sistema que se apoia na economia individualista. Seu próprio conceito entra em erosão. O governo se degenera e tende à dissolução material deste ente soberano. A economia produz instâncias de poder vital para o destino das coletividades nacionais, escapando à jurisdição do ordenamento estatal clássico. É o que nos sugere, profeticamente, o professor Paulo Bonavides[12].
3. Das propostas de reformas políticas e das propostas de revolução
Uma reforma política coerente e responsável contaminada de bons princípios é o que se espera. Um controle eficaz de abusos e deturpações das reais funções do poder estatal e a garantia da restauração da dignidade de nosso corpo político e do respeito pela dignidade do povo e da Constituição Federal é o que se pretende ao se defender a democracia representativa, que em meio aos avanços tecnológicos, venham possibilitar certas experiências de democracia direta preconizadas por Rosseau[13].
A visão da democracia direta se encaixaria perfeitamente aos anseios constitucionais de soberania popular que se consolida em coerência com as propostas democráticas de nosso país. Uma reforma radical na legislação eleitoral seria a melhor maneira de corrigir a falta de compromisso e de fidelidade partidária que impeça que os políticos desonestos continuem nadando de braçadas no dinheiro público, bem como articulando negociatas e barganhas em troca de votos e posições privilegiadas nos governos.
Para arrematar a reforma política, deve-se lançar um olhar crítico sobre nossas instituições, sobre as regras e estratégias do jogo democrático. É bastante claro que as exigências do mercado político encorajam a mentira, a imobilidade e, finalmente, a formação de valores sociais contrários ao interesse da coletividade. Mas sem abrir mão da democracia representativa do Brasil, pode-se, em compensação, eliminar certas aberrações institucionais que tornaram a competição particularmente perversa e ridícula.
O compromisso com o povo e com suas atribuições por parte dos representantes no governo traria o respeito necessário à sobrevivência do Estado para que este possa se ater às suas reais finalidades, devendo preferir-se o alcance da legitimidade às técnicas de imposição majoritária dos diversos poderes sociais independentes que emergem. No interesse geral enquadram-se, necessárias e suficientes, a garantia de convivência social pacífica, a paz e a ordem. Através destas, pode-se garantir a segurança à vida, à liberdade, aos direito de cada um e à manutenção dos serviços públicos essenciais.
Urge, portanto, a missão e o dever de nossos dias de resguardar os princípios de nossa república e do Estado nacional soberano, social e democrático, pois o fim destes pode significar o advento político e econômico de novas classes desprovidas de virtude e de outros princípios que tornem possíveis a liberdade e a igualdade do povo.
Urgente, também, é encontrar soluções para a crise do país e não se dobrar diante dos poderes estrangeiros à soberania do Estado e à estrutura estatal clássica. Ora, a verdadeira urgência é restaurar a vontade, a credibilidade, a palavra política e a educação em nosso povo, onde se deve rever a democracia deturpada na qual não pode se acomodar nem compactuar.
Trata-se mais precisamente de reavivar o interesse dos cidadãos pelo debate acerca das coisas públicas e restabelecer a credibilidade do poder, reformar as regras do jogo político que estimulem o imobilismo ou clientelismo, retomar o diálogo entre eleitores e eleitos, reabilitar o debate de ideias que versem sobre novas visões do mundo futuro.
Existe-se uma Constituição jovem e em vigor que sustenta valores humanos que convergem para o atual sentido da vida em sociedade. Não se pode chegar a extremos em que uma revolução ou uma nova convocação de Assembleia Constituinte vigorem, mesmo que em certos casos, como exemplo o que se aplica à realidade atual do nosso país, os “donos do poder” adquiram tanta força que retirem do povo sua voz ativa e o faça sofrer sem reagir democraticamente.
Em toda a história da humanidade se admitiria uma hipótese de uma revolução para tais circunstâncias, mesmo que transitória, ou seja, onde os indivíduos tomariam o poder na força das deliberações públicas e manifestações populares para não se submeter a essa forma deturpada de governo vigente. “Um pouco de agitação dá mais energia às almas, e o que leva realmente a espécie a prosperar é menos paz que liberdade”[14]. Em seguida, a nação reestabeleceria a democracia, legitimando através do voto seus representantes, para que assim se possa reduzir o Estado ao seu papel clássico, o papel de guardião dos interesses gerais. “Os motins, as guerras civis muito assustam os chefes, porém não são responsáveis pelas verdadeiras desgraças dos povos, que podem gozar até de certa tranquilidade quando combatem aqueles que os tiranizam.” [15]
Ainda assim, uma hipótese de revolução que poderia ser defendida deveria ser fundamentada, em sua maior parte, nos pensamentos de Gandhi[16], visto que, historicamente, utilizando-se de elevados padrões éticos e de uma proposta de respeito aos direitos e à dignidade dos homens, liderara a luta pela independência política de seu país e cujo alcance se deu positivamente. As revoluções empregadas nos moldes do socialismo mostraram as dificuldades, as contradições e os insucessos da causa, além do caráter de progresso material desta corrente de pensamento, tendo, então, seus aspectos refutados no presente trabalho.
Para Gandhi[17], a não violência revolucionária, como meio de alicerçar as mudanças e estruturar um governo verdadeiramente democrático, consiste num emaranhado rígido e racional de deveres e compromissos do indivíduo consigo mesmo e com a sociedade. Nesse objetivo político, a atitude e o comportamento autênticos do indivíduo devem significar também a não cooperação com os males sociais e a renúncia de benefícios concedidos, de caráter puramente ideológico de forças contrárias aos princípios morais. “Um governo democrático é um sonho longínquo enquanto a não violência não for reconhecida como uma força viva, um credo inviolável, não mera política”[18].
Todavia o dever de resistir recai sobre todos que acreditam na verdadeira democracia, desprovida de qualquer traço de violência e só conseguida pela liberdade e a renúncia à imposição de modo espontâneo, caracterizada pela perfeita ideia de cooperação e co-criação do povo.
“O verdadeiro democrata é aquele que, com meios puramente não violentos, defende sua liberdade e, portanto, a de seu país e, afinal, a de toda a humanidade”[19]. A não violência implica sempre na não imposição e no respeito à liberdade de cada um. Uma revolução deve ser entendida como uma luta pela aspiração de construir uma sociedade de homens livres e iguais. O povo deveria entregar-se a alguma atitude política de maneira a prover, com verdadeira honestidade aos seus princípios e aos valores morais dignos de sua existência, os próprios interesses gerais.
Os membros do Estado deveriam conhecer a sua liberdade de expressar suas preferências, no que concerne a projetos de ação de interesse da coletividade, e obrigações de sujeitar-se à decisão tomada e manter, no que lhe compete, a virtude do governo e a unidade do Estado. Uma revolução deveria exigir a supressão de todos os vestígios de autoritarismo, corrupção e desprestígio do poder público. Ela exige a liberdade de iniciativa que supere e vá além de uma organização econômica, com ampla e profunda educação de todos os membros da sociedade.
Considerações finais
O que se precisa e se espera realmente de um governo é prudência e que na sua virtude seja capaz de educar a comunidade e conduzi-la na grande empresa de edificação conservadora de uma vida razoável e sensata para seus indivíduos, garantida por uma organização racional contra a violência exterior dos homens e das ações de grupos manipuladores.
A tarefa principal de um governo razoável é a educação dos cidadãos. Somente assim, os direitos políticos não serão meramente formais e os indivíduos podem defendê-los eficazmente no plano social. Eles são direitos sociais aos quais correspondem os deveres de colaboração da sociedade. Sendo educador, o governo é obrigado a julgar a moral da comunidade que representa, inclusive a própria, e a comunidade, de forma recíproca, poderá julgar a moral do governo, bem como a sua especificamente.
Existem soluções, condições e recursos e suficientes para colocar em prática as mudanças necessárias na política do país e que impeçam as ações dos grupos pressão e das leis da economia internacional que entravam a ação coletiva e a eficácia do poder político do Estado.
Os vícios causados pela crise educacional e pela corrupção dos princípios de nosso governo trazem consequências nefastas como a falta de vontade na busca de novos mecanismos de ação em prol de melhores soluções aos problemas vividos, a falta de consciência política e de coragem do povo para não se esquivar frente a seu compromisso e responsabilidade com a vida pública do país.
Somente através do resgate dos princípios morais mais autênticos, em especial o da virtude, e de uma verdadeira reforma no pensamento político, é que nossa nação, embasada na educação como caminho para a superação dos males dos arranjos políticos empregados pelos interesses isolados de classes sociais economicamente dominantes, superaria aquelas mentiras propagadas nas ideologias de sustentação de uma ordem política desprovida de valores sociais, e por outros entraves às ações do povo, tornaria viva a prosperidade e o avanço de nossa realidade social.
BONAVIDES, Paulo. A crise política brasileira. 2ª. Ed. ver. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
HOUAISS, Antônio e Villar, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
MERTON, Thomas. Gandhi e a não violência. A não violência na paz e na guerra. – Rio de Janeiro: Vozes, 1967.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito da Leis. Trad. Port. Cristina Murachco – São Paulo: Martins Fontes, 1996.
ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social: princípios de direito político. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2002.
[1] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito da Leis. Trad. Port. Cristina Murachco – São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 121.
[2] Montesquieu (1689-1755)
[3] HOUAISS, Antônio e Villar, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2869
[4] Professor da Universidade Autônoma do México
[5] Voltaire (1694-1778)
[6] VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2002, p 481.
[7] Rousseau (1712-1778)
[8] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito da Leis. Trad. Port. Cristina Murachco – São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 123.
[9] ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social: princípios de direito político. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 113.
[10] Karl Marx (1818-1883)
[11] BONAVIDES, Paulo. A crise política brasileira. 2ª. Ed. ver. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 197.
[12] Paulo Bonavides (1925 - )
[13] Rousseau (1712-1778)
[14] ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social: princípios de direito político. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 113.
[15] ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social: princípios de direito político. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 113.
[16] Gandhi (1869-1948)
[17] Idem
[18] MERTON, Thomas. Gandhi e a não violência. A não violência na paz e na guerra. – Rio de Janeiro: Vozes, 1967, p. 90.
[19] Idem
Advogada da União, pós-graduada em Direito Empresarial e mestranda em Derecho de las Relaciones Internacionales y de la Integración en América Latina pela Universidad de la Empresa de Montevideu/Uruguai.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos. A crise na democracia representativa brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2017, 14:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50376/a-crise-na-democracia-representativa-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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