RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de fomentar a discussão acerca da possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures e alguns reflexos positivos que isso pode causar na economia brasileira. A pesquisa que se propõe pertence à vertente jurídico-teórica e se utilizará da metodologia da revisão bibliográfica de textos e artigos científicos de doutrinadores de direito empresarial e de economia como Professor da FGV e da Fipecafi, Doutor em Direito pela PUC-SP, Edison C. Fernandes, Carvalho Filho e Juliano Lima Pinheiro. Será feita a abordagem da uma operação mercantil típica das sociedades anônimas, a qual, na visão de alguns operadores do direito não seria possível ser realizada pelas sociedades limitadas por ausência de permissão legal no ordenamento jurídico brasileiro. Por outro lado, há quem defenda que isso seria possível por não existir em nosso ordenamento uma norma expressa e proibitiva que impossibilite que isso ocorra. Fato é que a emissão de debêntures e o seu lançamento no mercado mobiliário podem atuar como ferramentas para alavancar a economia brasileira, considerando o número de sociedades limitadas registradas no país e o crescente número de surgimento de novas sociedades dessa espécie a cada ano.
PALAVRAS-CHAVE: DEBÊNTURES. SOCIEDADE LIMITADA. DESENVOLVIMENTO. ECONOMIA.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Da possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures; 3 Da emissão de debêntures como ferramentas de expansão do mercado de capitais e consequente alavancagem da economia brasileira; 4 Considerações Finais; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Muito se discute, no Brasil, sobre a possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures. Mas o que são as debêntures? São títulos mobiliários representativos de dívida, que a empresa levanta com o investidor e em troca paga uma rentabilidade por isso. Um dos principais objetivos da emissão do referido título mobiliário é, geralmente, propiciar financiamentos de projetos de investimentos ou alongamento do perfil de dívida. Não há, no ordenamento jurídico pátrio, norma expressa proibindo esta hipótese. Por outro lado, tampouco se pode dizer que haja autorização também expressa no sentido de sua permissão.
Doutrina e jurisprudência estão longe de serem pacíficos a esse respeito. A título de exemplo, o doutrinador Edwaldo Tavares Borba (2005) discorda da possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures, por ser uma atividade que fere a própria natureza jurídica deste tipo societário. Em sentido contrário, o professor e também doutrinador Edison C. Fernandes[1], defende a possibilidade das limitadas realizarem tal operação financeira, com escopo na Instrução 476/2009, da CVM.
A pesquisa proposta se faz necessária diante do problema que aflige não só os operadores do direito, mas toda sociedade, em especial no ambiente empresarial e no mercado de capitais, no que se refere à insegurança jurídica que permeia a operação de emissão de debêntures por uma sociedade limitada. Deve-se atentar, ainda, aos reflexos disso no mercado de capitais e como consequência, no próprio contexto do desenvolvimento econômico.
Os títulos mobiliários são negociados no mercado de capitais. O mercado de capitais é um sistema criado para facilitar a capitalização das empresas, contribuindo para a geração de riqueza à sociedade. Não se pode perder de vista a importância do mercado de capitais para o desenvolvimento econômico do país; ele contribui para o ciclo virtuoso da economia. No Brasil, de acordo com os estudiosos do tema e dados estatísticos, em comparação com o mercado de capitais de sociedades desenvolvidas, como os Estados Unidos, por exemplo, o mercado de capitais ainda tem muito a crescer. O número de empresas registradas nesse mercado ainda é consideravelmente baixo.
Por outro lado, importante lembrar que a sociedade limitada é o tipo societário mais constituído no Brasil, conforme relatórios estatísticos disponibilizados no site do DNRC, bem como do Departamento de Registro Empresarial e Integração, da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa.
Nesse passo, a presente pesquisa tem por objetivo contribuir para os ramos científicos do direito comercial e econômico, buscando analisar e repensar a questão de a possibilidade de sociedades limitadas distribuírem debêntures. Isso garantir-lhes-ia iguais oportunidades às que são concedidas às companhias, propiciando o seu crescimento e desenvolvimento econômico. Visa, ainda, analisar a importância das debêntures e seu potencial para atuar como instrumento de expansão do mercado de capitais, redundando, como consequência, em benefício para o conjunto da economia brasileira.
De acordo com o entendimento de Carvalho Filho (2001), o nível de capitalização de empresas tem impacto direto no desenvolvimento de um país. Dessa forma, quanto maior a capitalização das empresas, maior seu potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). E conforme entendimento do doutrinador Juliano Lima Pinheiro, o mercado de capitais é um dos agentes responsáveis pelo crescimento econômico do país. (PINHEIRO, 2005)
O caminho metodológico percorrerá a análise de conteúdos doutrinários, bem como pareceres e legislações, buscando assim verificar os pontos positivos, na visão do direito empresarial e sob o enfoque econômico, da possibilidade de uma sociedade limitada emitir debêntures em oferta pública e seus reflexos no mercado de capitais e na economia brasileira.
Apresenta-se como hipótese que não só é possível às sociedades limitadas emitirem debêntures, como também não é mais aceitável a restrição deste tipo societário de participar do mercado de capitais. Considerando o número de sociedade limitadas existentes no Brasil, a possibilidade de emissão de debêntures por esse tipo societário se apresenta como mola propulsora do mercado de capitais e ferramenta de alavancagem da economia, como consequência.
2 - Da possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures
Quando uma empresa necessita captar recursos a médio e longo prazo no mercado, destinados, geralmente, a financiamentos de projetos de investimentos ou alongamento do perfil de dívida, uma das suas opções é a emissão de debêntures. É uma dívida que a empresa levanta com o investidor e em troca paga uma rentabilidade por isso.
A colocação de debêntures no mercado pode ser feita por meio de oferta pública, via instituição financeira, ou privada, quando os papéis são colocados diretamente junto aos investidores, sem a intermediação de instituições financeiras. E as debêntures podem ser conversíveis em ações da companhia emissora ou não conversíveis.
A Lei 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 52, ao prever a possibilidade de emissão de debêntures, foi expressa ao determinar que o título pode ser emitido pelas “companhias”. Atribuiu-se legitimação expressa para a emissão de debêntures exclusivamente às sociedades anônimas e às sociedades em comandita por ações.
A regra jurídica mater dos valores mobiliários é a Lei 6.385/76 – Lei do Mercado de Valores mobiliários. Em seu artigo 2º, I, estão listados os principais instrumentos dessa natureza, sendo que todos estão relacionados apenas a entidades de natureza institucional. No parágrafo 1º do mesmo dispositivo legal encontram-se listados os títulos da mesma natureza que não estão submetidos à referida lei. E neste ponto, observa-se que não foi feita qualquer referência à possibilidade de debêntures serem emitidas por sociedade limitada.
Desta forma, como regra geral, os valores mobiliários apenas poderiam ser emitidos pelas companhias (sociedade anônima e sociedade de comandita por ações), devido a sua natureza institucional, evidente pela forma de participação que lhes é inerente, qual seja, a ação, que também é um valor mobiliário. Este é o posicionamento de renomado doutrinador José Edwaldo Tavares Borba (2005).
Porém, numa análise mais apurada do art. 2º, parágrafo 2º, da Lei 6.835/76, que prevê que os emissores de valores mobiliários, seus administradores e controladores estarão sujeitos às normas das companhias abertas, cabe interpretação diversa, mais ampla. Pode-se notar que o legislador deixou explicitado na norma que outros tipos societários, além das sociedades anônimas, podem criar, emitir e colocar valores mobiliários em circulação. Já dizia Carlos Maximiliano que “quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente” (Maximiliano,2000).
Assim, se o entendimento fosse apenas de emissão de valores mobiliários por companhias, não haveria a necessidade de se incluir o referido parágrafo. A norma não contém palavras inúteis, supérfluas e sem efeito. Este é outro válido ensinamento sobre hermenêutica jurídica passado por Maximiliano, “devem-se compreender as palavras [da lei] como tendo alguma eficácia”. (Maximiliano, 2000).
Relevante lembrar, ainda, que uma das diferenças mais evidentes entre as ações e as debêntures é que, esta última, de praxe, não é conversível em ação, de forma que sua emissão não resulta num aumento do quadro societário da empresa. Desta forma, em se tratando de debênture não conversível, perfeitamente possível sua emissão por sociedade limitadas, pois não ferirá sua natureza contratual.
Não se pode dizer, portanto, que os referidos dispositivos legais (art. 52, Lei 6.404/76 e art. 2º, Lei 6.835/76) sejam regras proibitivas em relação à operação de emissão de valores mobiliários pelas sociedades limitadas. Se por um lado não há autorização expressa para que as sociedades limitadas emitam valores mobiliários, por outro, também não há se falar que haja vedação expressa acerca da citada operação por este tipo societário. Vigoraria, ainda, o princípio da liberdade, segundo o qual tudo que não estiver expressamente proibido no ordenamento jurídico, encontrar-se-ia permitido.
Ademais, em sendo adotada pela sociedade limitada, como regra supletiva para sua regulamentação, a Lei das Sociedades Anônimas, estaria suprida, de forma complementar, a necessidade formal de previsão de possibilidade das limitadas (tipo societário contratual) de emitirem títulos previstos, a princípio, somente para sociedade de natureza institucional.
Importante citar, ainda, que em 2009 a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, publicou a Instrução 476, por meio da qual se regulou as ofertas públicas de valores mobiliários realizadas com esforços restritos de venda.
Na opinião[2] do Professor da FGV e da Fipecafi, doutor em direito pela PUC-SP, Edison C. Fernandes, a referida Instrução da CVM autorizou expressamente a emissão de debêntures não conversíveis em ações pelas sociedades limitadas, na modalidade de oferta pública distribuída com esforço restrito. Teria sido dispensado, pela CVM, o registro da oferta perante a autarquia, que também não teria limitado sua abrangência a nenhum tipo societário.
Dentre outras características, a oferta pública de esforço restrito deve ser destinada, exclusivamente, a investidores qualificados a ser intermediada por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários (instituição financeiras e corretoras de títulos e valores mobiliários), sendo vedada a busca de investidores por meio de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou com a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e páginas abertas ao público na rede mundial de computadores.
Na oferta pública de esforço restrito, ainda, os fundos de investimento podem ser procurados e serão considerados como um único investidor se as decisões de investimento forem tomadas pelo mesmo gestor. E limitou-se a estrutura dessa operação à procura de, no máximo, 50 (cinquenta) investidores qualificados, e os valores mobiliários ofertados deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 20 (vinte) deste tipo de investidor.
Foi nítida a intenção da CVM, quando da criação da Instrução n. 476, de facilitar o acesso ao mercado de capitais a todos os tipos societários, sem distinção, caso contrário, a própria autarquia teria previsto a restrição para alguns tipos.
Verifica-se, assim, que às sociedades limitadas também teria sido garantida a emissão de debênture como alternativa de captação de recurso públicos, e, ainda, a oferta desse título de dívida poderia ser analisada como opção na estruturação de parceria entre uma empresa limitada e um fundo de investimento, por exemplo.
O mercado de capitais é vasto e oferece oportunidade para todos. Negar às sociedades limitadas o acesso à esse mercado é, por um lado, negar a ela o direito de ser mais competitiva no mercado, e por outro lado, é como taxá-la de empresa de “segunda categoria”.
Há que se mencionar que, no Brasil, a maioria das empresas são constituídas sob a forma de sociedade limitada, sendo que muitas delas são tão desenvolvidas quanto às sociedades por ações e possuem estruturas e capital suficientes para efetuar a emissão de debêntures. Dessa forma, não prospera o argumento de que a sociedade limitada não preencheria requisitos mínimos e básicos para emitir valores mobiliários e que não teria condições financeiras e econômica de honrar com os títulos.
Ademais, a Comissão de Valores Mobiliários - CVM é responsável por fiscalizar qualquer instituição que realize emissão pública de títulos de dívida, atribuição prevista na própria Lei da S.A., independentemente do tipo societário. Nesse passo, as sociedades limitadas deverão cumprir as regras desse mercado, obrigatoriamente, ao iniciar sua participação nele. Em outras palavras, a CVM deverá sempre afiançar a idoneidade dos títulos negociáveis, garantindo a segurança jurídica necessária, de forma que as pessoas que se interessarem pelos títulos saberão o que estão adquirindo.
Diante desse contexto, indaga-se, seria possível a emissão de valores mobiliário, em especial a debênture, por sociedade limitada, que, por sua própria natureza contratual não possui capital aberto? Ou seria a natureza jurídica deste tipo societário um empecilho legal para realização de tal operação no mercado de capitais? Seria necessária autorização expressa no ordenamento jurídico para que uma sociedade limitada pudesse emitir debêntures? Ou basta que não haja uma vedação expressa neste sentido?
Uma vez possibilitada às sociedades limitadas integrarem o mercado de capitais, além de estas empresas terem acesso facilitado a capital mais barato e abundante, haverá um considerável aumento no volume de emissores e de títulos mobiliários no mercado de valores. Então, surge novo questionamento: seria a possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures no mercado de capital uma forma de propiciar e alavancar o seu crescimento e desenvolvimento econômico, bem como o crescimento do mercado de valores, redundando, como consequência, em benefício para o conjunto da economia brasileira? Seria esta uma razão legítima, plausível e suficientemente forte para justificar e impulsionar o nosso legislador a tomar atitude de modificar o ordenamento jurídico, acrescentando a ele norma expressa que autorize as sociedades limitadas a emitirem debêntures?
Na prática, em que pese os argumentos favoráveis à emissão de debêntures pelas sociedades limitadas, a doutrina é dissidente e está longe de ser considerada pacífica acerca do assunto, tampouco existe jurisprudência uníssona neste sentido. Assim, não há como negar a insegurança jurídica que permeia o assunto e impede que interessados na emissão dos referidos títulos mobiliários por sociedades limitadas dêem seguimento à operação, pois esta poderia ser questionada. Por isso, continuam optando pela mais conhecida e expressamente permitida no ordenamento jurídico operação de emissão de debênture pelas sociedades anônimas.
Com o objetivo de garantir a segurança jurídica necessária aos investidores na operação de distribuição pública de debêntures por uma sociedade limitada, seria necessário que o ordenamento jurídico previsse de forma expressa essa hipótese. Indene de dúvida que isso facilitaria consideravelmente a vida dos operadores do direito ao lidarem com essa hipótese na prática diária e o cotidiano do próprio poder judiciário ao analisar casos que envolvam essa situação. Evitar-se-ia o surgimento de jurisprudências conflitantes, bem como que os investidores do mercado de capitais acabem por desistir desta operação quando envolver sociedade limitada, diante das incertezas jurídicas que permeiam essa situação, favorecendo, assim, somente as sociedades anônimas.
Mas o legislador pátrio não está dormindo no que se refere à essa discussão. Há Projeto de Lei tramitando na Câmara Federal prevendo a emissão de debêntures por sociedade de responsabilidade limitada, qual seja, Projeto de Lei no. 6.322/2013, de autoria do deputado federal Carlos Bezerra (PMDB/MT). A proposta original visava acrescentar o parágrafo único ao artigo 52 da Lei Federal n. 6.404/76. Posteriormente a proposta recebeu emenda substitutiva, prevendo a inserção, no Código Civil, do artigo 1084-A, com referência expressa quanto à observância dos requisitos estabelecidos na Lei das Sociedades Anônimas, de forma a colocar fim na discussão acerca da legitimidade deste tipo societário emitir valores mobiliários.
Conclui-se que, seja por inexistir regra proibitiva expressa de emissão de debêntures pelas sociedades limitadas, seja pela adoção do princípio da isonomia, para garantir-lhes iguais oportunidades às que são concedidas às companhias, não há como negar que esse tipo de constituição empresarial não só está permitida de emitir debêntures, como isso atuará como uma ferramenta de alavancagem da economia brasileira.
Frise-se que o número de sociedades limitadas registradas no Brasil é imenso e cresce cada vez mais. Sua entrada no mercador de capitais como emissor de títulos mobiliários, ampliaria de forma perceptível a base de emissores de títulos, ocasionando a expansão, um verdadeiro boom desse mercado, que indubitavelmente resultaria em uma guinada na economia do país. Além disso, chegar-se-ia mais perto de um equilíbrio do mercado, na medida em que se evitaria que apenas as sociedades anônimas se beneficiem das vantagens oferecidas pelo mercado de capitais.
3 - Da emissão de debêntures como ferramenta de expansão do mercado de capitais e consequente alavancagem da economia brasileira
O presente tópico visa analisar a importância das debêntures na atuação como instrumento de expansão do mercado de capitais, ao se considerar a hipótese de se estender a possibilidade de emissão do referido título de valor a outro tipo societário, que não só às companhias, em especial à sociedade limitada, tipo societário mais adotado no Brasil. Diante desse contexto não há como negar o seu grande potencial de desempenhar o papel de ferramenta de alavancagem do desenvolvimento da economia, como reflexo da referida ampliação do mercado de valores.
O mercado de capitais é um sistema criado para facilitar a capitalização das empresas, contribuindo para a geração de riqueza à sociedade. Visa a distribuição de valores mobiliários, proporcionando liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizando seu processo de capitalização. Também possui como função primordial aproximar os dois principais agentes do mercado: o poupador, que tem excesso de recurso, mas não tem oportunidade de investi-lo em atividades produtivas e o tomador, que está em situação contrária. É constituído pelas bolsas, corretoras e outras instituições financeiras autorizadas. Os principais títulos negociados são os representativos do capital de empresas – as ações – ou de empréstimos tomados, via mercado, por empresas – debêntures conversíveis em ações, bônus de subscrição e comercial papers - que permitem a circulação de capital para custear o desenvolvimento econômico.
Não se pode perder de vista a importância do mercado de capitais para o desenvolvimento econômico do país. Com mais recursos captados diretamente dos investidores, as empresas podem aumentar sua produção, gerando empregos e colaborando para o progresso do Brasil. Ou seja, o mercado de capitais contribui para o Ciclo Virtuoso da Economia. Segundo Juliano Lima Pinheiro: “a missão do mercado de capitais é oferecer condições financeiras necessárias para retomar e sustentar o crescimento econômico, gerar empregos e democratizar oportunidades e capital." (PINHEIRO, 2005, p.155)
Assaf Neto (2000, p.102) destaca que:
“O mercado de capitais assume papel dos mais relevantes no processo de desenvolvimento econômico. É o grande municiado de recursos permanentes para a economia, em virtude da ligação que efetua entre os que têm capacidade de poupança, ou seja, os investidores, e aqueles carentes de recursos de longo prazo, ou seja, que apresentam déficit de investimento”.
O mercado de capitais proporciona o aumento da eficiência das empresas e constitui um incentivo à inovação, podendo ser esta considerada uma das maiores fontes de desenvolvimento econômico. O mercado acionário promove a socialização e a democratização do capital, pois difunde a propriedade das empresas entre pequenos poupadores. Seguindo entendimento de Carvalho Filho (2001), o nível de capitalização de empresas tem impacto direto no desenvolvimento de um país. Dessa forma, quanto maior a capitalização das empresas, maior seu potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Historicamente, sociedades economicamente mais avançadas têm apresentado tendência a exibir estruturas financeiras onde o mercado de capitais (desintermediação) cresce continuamente em importância, como canal de circulação de recurso em relação ao mercado de crédito. A significância dessa relação é reforçada pela constatação de que o processo de desenvolvimento financeiro das principais economias capitalistas tem como características a rápida expansão do mercado de títulos. (CARVALHO, 2000).
Nos últimos anos, principalmente a partir da primeira década deste século XXI, os mercados de capitais vêm se transformando, cada vez mais, em instrumento de desenvolvimento tanto financeiro para as empresas quanto econômico social para o país. Em um estudo comparado, pode-se dizer que um dos fatores que explicam o maior período de prosperidade da economia dos Estados Unidos é a existência de um mercado de capitais com vigor e flexibilidade para financiar a nova economia.
De acordo com estudo de Nóbrega, Loyola, Guedes Filho e Basial (BOVESPA, 2000, p.8):
Se incluirmos os títulos de dívida emitidos por empresas, as proporções do mercado brasileiro são ainda menores. Em 1998, o montante desses títulos era de apenas US$ 20,1 bilhões no Brasil contra US$ 2,67 trilhões nos EUA e US$ 1,2 trilhão no Japão. Como proporção do PIB, temos 30,0% nos EUA, 36,5% no Japão e apenas 2,6% no Brasil. (...) O número de empresas presentes nas Bolsas é pequeno, assim como a participação dos investidores institucionais no mercado.
Ainda segundo o referido estudo (BOVESPA, 2000), quanto maior a participação de empresas de capital aberto na economia e quanto mais desenvolvido o mercado de capitais, maior será a quantidade de empresas buscando a maior eficiência possível para seu capital. Já as empresas ineficientes serão punidas, perdendo investidores e capital. Mesmo as empresas que não participem do mercado de capitais serão obrigadas a melhorar sua eficiência pelo efeito da concorrência das demais. A soma desses efeitos microeconômicos traduz-se em maior eficiência do capital em toda a economia.
Com ressalva ao valoroso estudo de Nóbrega, Loyola, Guedes Filho E Basial, apenas no ponto em que cita a espécie de empresas de capital aberto, por defender no presente trabalho que não são apenas as empresas com capital aberto que podem participar do mercado de capitais, o raciocínio dos estudiosos citados corrobora com a defesa apresentada no presente trabalho da participação das sociedades limitadas no mercado de capitais como emissoras de debênture.
Importante mencionar que um dos principais títulos negociáveis no mercado de valores mobiliário atualmente é a debênture. Quando uma empresa necessita captar recursos a médio e longo prazo no mercado, destinados, geralmente, a financiamentos de projetos de investimentos ou alongamento do perfil de dívida, uma das suas opções é a emissão de debêntures. É uma dívida que a empresa levanta com o investidor e em troca paga uma rentabilidade por isso. A emissão de título mobiliário representativo de dívida se apresenta como alternativa mais barata e vantajosa à tomada de empréstimos bancários, capital este titular dos mais altos juros do mercado. É a captação pública de recurso sem implicar a emissão de novas ações da companhia.
Esse título mobiliário vem apresentando crescimento significativo em seus números de emissão e negociação nas últimas duas décadas em especial, conforme dados numéricos das entidades participantes do mercado de capitais. Em alguns anos (2006, 2011 e 2012) superaram até mesmo a emissão de ações, conforme comprovado pelos dados consolidados no Comparativo de Valores Mobiliários, que abarcou o período de 1995 até 2015[3].
De acordo com fontes jornalísticas e dados numéricos disponibilizados pelo SND (Sistema Nacional de Debêntures), CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos), Comissão de Valore Econômico (CVM), BM&FBOVESPA, o mercado primário de debêntures está em plena expansão. Somente no final do 2012 o estoque de debêntures ultrapassou o recorde de aproximadamente R$500 bilhões[4] na CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos), em outubro de 2013 o estoque alcançou R$579 bilhões[5], alta de 8,42% em relação ao mesmo período do ano de 2012, em maio de 2014 atingiu novamente recorde histórico, com R$626,6 bilhões[6], e em Junho do ano corrente, o volume de debêntures negociadas cresceu 44% em comparação à maio[7].
Esses dados demonstram que os investidores estão buscando cada vez mais este tipo de emissão que, apesar do risco, pode ser mais rentável do que outros tipos de investimentos a médio e longo prazo, principalmente se levadas em consideração as facilidades trazidas pela emissão de debêntures com esforço restrito de colocação.
Como já mencionado, hoje, somente as companhias emitem e negociam o referido título no mercado de capitais, diante da ausência de permissão expressa no ordenamento jurídico para que as sociedades limitadas o façam. E, mesmo com essa limitação, o mercado das debêntures está em plena expansão. Imaginem se fosse considerado o nicho de mercado das sociedades limitadas como emissoras dos referidos títulos de dívida? Ou seja, se os estoques de debêntures vêm, desde o início dos anos 2000[8], quebrando recordes, e considerando que elas são emitidas apenas pelas sociedades anônimas, o que se pode pensar e dizer, se estivessem sendo emitidas pelas sociedades limitadas, de forma segura e regulamentada?
Acerca das sociedades limitadas, cabe lembrar que este tipo societário é de longe o mais constituído no Brasil, como já dito. Conforme relatório estatístico sobre a constituição de empresas por tipo jurídico no Brasil, de 1985 a 2005, disponibilizado no site do DNRC, bem como relatórios estatísticos mensais nacionais, de Janeiro de 2015 a Setembro de 2015, disponibilizados pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração, da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa[9].
A correlação entre o aumento da emissão de debêntures e o desenvolvimento econômico foi objeto de estudo elaborado por Renê Coppe Pimentel, Edna Ferreira Peres e Gerlando Augusto Sampaio Franco Lima, em que se verificou aumento das colocações do referido título no mercado durante o período de estabilização da economia brasileira, no chamado Plano Real, e crescimento econômico atrelado à ampliação da oferta deste valor mobiliário. Entretanto, não se analisou a possibilidade de as sociedades limitadas as emitirem e o impacto ainda maior que isto causaria na economia. Alguma dúvida que não?
4 – Considerações Finais
A doutrina existente acerca da possibilidade de as sociedades limitadas emitirem debêntures é escassa e a pouca existente é dissidente, de forma que a discussão acerca desse assunto está longe de poder ser considerada pacífica. Tampouco existe jurisprudência uníssona neste sentido. Isso causa grande insegurança jurídica tanto no mundo do direito quanto no da prática das negociações de títulos de valor.
Rachel Sztajn, estudando os custos provocados pelo direito, aponta que segurança é a palavra de ordem. “A insegurança que decisões apressadas e inconsistentes pode provocar nos agentes econômicos constitui os custos de transação, do que resultará ineficiência alocativa.” (SZTAJN, 1998, p.77).
Dito isso, em atenção ao clamor geral de estabilidade e equilíbrio das categorias do Direito Societário, com o objetivo de se minimizar os riscos e, consequentemente, os custos empresariais, bem como garantir a segurança jurídica necessária aos investidores na operação de distribuição pública de debêntures por uma sociedade limitada, é aconselhável que os operadores e estudiosos do direito se debrucem a fundo sobre o assunto. Dessa forma, será possível fornecer ao legislador subsídios suficientes e necessários para que ele modifique o ordenamento jurídico, prevendo de forma expressa a hipótese em questão.
Enquanto isso não se efetiva, pelo bem do equilíbrio do mercado e da expansão da economia, defende-se que a ausência de autorização expressa para as sociedades limitadas emitirem debêntures é uma porta de entrada e uma autorização tácita para que as mesmas o façam. Estamos diante de um nítido caso de silêncio eloquente do legislador. Lembrando que a possibilidade de emissão de debêntures pelas sociedades limitadas, pode servir de mola propulsora do mercado de capitais, ocasionando a alavancagem da economia brasileira.
Em qualquer lugar do mundo há um consenso acerca da necessidade de crescimento econômico. O crescimento e desenvolvimento da economia resultam em mais empregos, mais renda e maior arrecadação. O crescimento da economia se faz com aumento contínuo da capacidade de produção, assim como ocorre nas empresas. Entretanto, essa expansão depende de novos investimentos que produzam alguns efeitos principais, a saber: acumulação de capital e aumento de sua produtividade.
Do modo como está hoje, apenas as companhias de capital aberto se beneficiam das vantagens e benefícios do mercado de capitais, sendo que este mercado ainda conta com um baixo número de empresas registradas, em comparação com o mercado das economias desenvolvidas, como nos Estados Unidos.
Não se pode olvidar que milhares de empresas constituídas como sociedades limitadas, hoje, possuem uma estrutura organizada e uma saúde financeira tão sólidas e confiáveis quanto às sociedades por ações, capazes de suportarem de forma segura a emissão e a liquidação de debêntures. O financiamento público captado diretamente do investidor, é alternativa mais barata e menos burocrática, o que facilita a vida econômica e financeira da empresa. Este raciocínio não é diferente quando se trata de sociedade limitada.
O mercado de capitais no Brasil ainda tem muito para crescer. Impedir que as sociedades limitadas tenham acesso a esse mundo das negociações de títulos cambiais, além de representar a denegação a ela do direito de ser mais competitiva, é impedir a expansão do próprio mercado de valores mobiliários e do desenvolvimento da economia como consequência direta desta expansão.
Quanto mais amplo o leque de opções disponíveis nos mercados de capitais, maior a facilidade de transferência de recursos para alternativas de investimentos mais adequadas ao processo de desenvolvimento econômico, o que resultará, nas palavras de Andrea F. Andrezo e Iran Siqueira Lima, em um aumento geral da produtividade, da eficiência e do bem-estar da sociedade (ANDREZO, LIMA, 2007).
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[1] Professor da Fundação Getúlio Vargas – FGV e da FIPECAFI, Doutor em Direito pela PUC-SP
[2] Posicionamento divulgado em matéria para o Jornal Valor Econômico (São Paulo, 2010):
“(...)
Como opção muitas vezes vantajosa de financiamento, a emissão pública de debêntures pode vir a beneficiar também às sociedades limitadas na sua necessidade de caixa.
(...)
Ocorre que a atual regulamentação normativa do mercado de capitais, no Brasil, autoriza expressamente a emissão de debêntures pelas sociedades limitadas, é possível, inclusive, - conquanto de viabilidade financeira duvidosa - pelas pequenas e microempresas.
Em conformidade com o disposto no artigo 8º, I da Lei nº 6.385, de 1976 - Lei do Mercado de Capitais -, compete à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentar as matérias relacionadas ao mercado de valores mobiliários. Considerando que as debêntures enquadram-se no conceito de valores mobiliários - artigo 2º da mesma Lei do Mercado de Capitais -, cabe à CVM disciplinar a emissão pública desse título de dívida. E nas normas atualmente vigentes, por delegação legal, o órgão regulador do mercado de capitais autorizou a emissão de debêntures, não conversíveis em ações, pelas sociedades limitadas na modalidade de oferta pública distribuída com esforço restrito - as sociedades limitadas somente poderão fazer oferta pública irrestrita de notas comerciais (commercial papers).
(...)
Verifica-se, assim, que às sociedades limitadas também é garantida a emissão de debênture como alternativa de captação de recursos públicos, e, ainda, a oferta desse título de dívida pode ser estudada como outra opção na estruturação de parceria entre uma empresa operacional (constituída na forma de sociedade limitada) e um fundo de investimento.
(...)
Em conclusão, o pujante mercado de capitais brasileiros está aberto às sociedades limitadas, desde que elas se comprometam à transparência exigida, até para garantir uma boa avaliação de risco e a consequente redução do custo de capital.”
[3] Tabela que apresenta o volume de emissões primárias e secundárias dos principais valores mobiliários desde 1995, expresso em R$ Milhões. Acesso em 11.11.2015 no portal: http://www.debentures.com.br/dadosconsolidadso/comparativovaloresmobiliários
[4]Informação divulgada no site INFOMONEY Forum: http://forum.infomoney.com.br/viewtopic.php?f=12&t=12803&start=200 Acesso em 02/11/2015
[5]Informação divulgada no site ISTO É Dinheiro:http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/dinheiro-em-acao/20131122/taurus-tiros-queda/141990.shtml Acesso em 02/11/2015
[6]Informação divulgada no site da CETIP: https://www.cetip.com.br/noticias/debentures-registradas-na-cetip-batem-recorde-em-maio. Acesso em 02/11/2015
[7]Informação divulgada no site da ANBIMA:http://portal.anbima.com.br/a-anbima/noticias/Pages/2015/07/Volume-de-debentures-negociadas-cresce-44-em-comparacao-a-maio-.aspx. Acesso em 02/11/2015.
[8]Boletim Técnico do Sistema Nacional de Debênture-SND, de Julho/Agosto de 2006, relatando que o volume captado naquela data já superava o de 2005, atingindo a marca de R$112 bilhões. Disponível em: http://www.debentures.com.br/biblioteca/Boletim/bol_deb_jul_ago_06.pdf Acesso em 02/11/2015
[9] Tabela representativa da estatística de Constituição de Empresas Por Tipo Jurídico – Brasil – 1985/2005. Acesso em 11.11.2015 no portal: HTTP://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/caep0101.htm e relatório estatístico mensal-nacional dos meses de 2015, disponível do aite da PresidÊncia da República/Secretaria de Governo/Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa/Departamento de Registro Empresarial e Integração
Servidora pública Federal - Analista Judiciária - área judiciária - Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABREU, Karina Medeiros de. Da possibilidade de sociedade limitada emitir debênture e a consequente alavancagem da economia brasileira como reflexo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50476/da-possibilidade-de-sociedade-limitada-emitir-debenture-e-a-consequente-alavancagem-da-economia-brasileira-como-reflexo. Acesso em: 22 nov 2024.
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