RESUMO: A perda de uma chance, como fonte geradora de obrigação de reparar o dano, constitui modalidade de dano. Sua origem se dá no direito comparado, com destaque para França e Itália. No desenvolvimento da teoria, todavia, surge uma divisão, passando-se a analisá-la ora como dano emergente, ora como lucro cessante e ora como modalidade autônoma. Por conseguinte, a teoria sofre com obstáculos para enquadramento, pois muitas vezes não se estabelece uma divisão do que seria o dano hipotético e a perda de uma chance, ficando a perda da expectativa séria e real sem sua devida reparação ou, em outras vezes, o dano hipotético acaba sendo indenizado como se chance fosse. Da análise da perda de uma chance, entretanto, conclui-se que a melhor aplicação da teoria seria como uma modalidade autônoma de dano, com peculiaridades próprias, e que a chance a ser indenizada embora muito se aproxime do dano hipotético, com ele não se confunde, pois a chance perdida é a de uma expectativa séria e real com alta potencialidade de concretização.
Palavras-chave: perda de uma chance. dano. expectativa.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I - NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL; 1.1. HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E FUNÇÃO; 1.2. RESPONSABILIDADE MORAL, PENAL E CIVIL; 1.3. CONCEITO; 1.4. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL; CAPÍTULO II – A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO PÁTRIO; 2.1. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE; 2.2. A PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 2.3. A ACEITAÇÃO DO INSTITUTO PELA DOUTRINA BRASILEIRA; 2.4. ORIGEM DO INSTITUTO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA; 2.5. NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE PELA PERDA DE UMA CHANCE; CAPÍTULO III – DANO HIPOTÉTICO E PERDA DE UMA CHANCE; 3.1. DANO HIPOTÉTICO; 3.2. PERDA DE UMA CHANCE; 3.3. DIFERENÇA ENTRE DANO HIPOTÉTICO E PERDA DE UMA CHANCE; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A teoria que trata sobre a perda de uma chance teve seu surgimento no direito comparado, com uma maior aplicabilidade na França e na Itália, sendo parte integrante da responsabilidade civil, pois se refere a uma espécie de dano que, uma vez verificado, obriga a reparação.
No Brasil a aplicação da teoria ainda não se popularizou, mas não são raros os julgados que a aplicam ao caso concreto para obrigar o ofensor a reparar o dano que causou ao lesado; nem são raros os doutrinadores que discutem a matéria.
Ao que se denota, outrossim, parece-nos que nossa legislação civil admite que a teoria possa ser aplicada como fonte geradora de obrigação de reparação de dano.
Entretanto, tanto no direito comparado, quanto no direito pátrio, paira uma divergência em relação à sua natureza jurídica, havendo posicionamentos em três sentidos, quais sejam: a) tratar-se de um dano emergente, pois a chance é parte integrante do patrimônio do lesado; b) tratar-se de lucro cessante, pois ao se perder uma chance o lesado deixou de auferir determinada vantagem; e c) tratar-se de modalidade autônoma de dano, que reside no meio termo entre o dano emergente e o lucro cessante.
Como se verá no presente trabalho, a natureza jurídica será analisada de forma pormenorizada, demonstrando através de julgados e citações doutrinárias os argumentos jurídicos pertinentes a cada posicionamento e diferenciando a aplicação da teoria em cada um deles.
Contudo, em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance, existe outro obstáculo para sua aplicação, haja vista que muitas vezes é confundido com o dano hipotético.
O dano hipotético é aquele imaginário, sem probabilidade de ocorrência, que só existe para o supostamente lesionado. Esse tipo de dano, todavia, não é indenizável, pois não gerou qualquer prejuízo.
A perda de uma chance, no entanto, é um dano real, pois advindo da frustração de uma expectativa existente no mundo dos fatos, que tem o prognóstico de concretizar seu resultado final. Esta sim, indenizável, visto que geradora de consequências e prejuízos para quem sofre a perda.
Dessa forma, a perda de uma chance e o dano hipotético serão separados e diferenciados, estabelecendo-se o que seria um dano hipotético não indenizável e o que seria a perda de uma chance indenizável.
CAPÍTULO I - NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E FUNÇÃO
1.1.1 – Histórico
Nos primórdios da sociedade o que predominava era a vingança coletiva, em que toda coletividade de pessoas se voltava contra o agressor que tivesse violado o direito de um de seus membros.
No entanto, o conceito que predomina atualmente, de reparar o dano injustamente causado, possui uma origem recente em nossa história, como podemos verificar na Lei de talião, que vaticina que se retribuía o mal pelo mal, sendo “olho por olho” e “dente por dente”.
Para Diniz (2007),
“[...] evoluiu para uma reação individual, isto é, vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas “olho por olho, dente por dente”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Para Coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou”.
Nessa época, a responsabilidade era objetiva, não existia a necessidade de culpa, apresentava-se somente como reação do lesado contra a causa aparente do dano.
Nesse contexto verificamos as primeiras aparições da responsabilidade civil que temos hoje, mesmo que naquela época se retribuísse o dano em sua exata medida, fosse físico ou pecuniário.
Assim, podemos verificar que a reparação do dano, na verdade, é da natureza humana, pois o ser humano se vê obrigado a reagir a algum mal injusto praticado contra sua pessoa ou família.
Denota-se que a sociedade primitiva somente possuía a força física para retribuir os danos causados, e por isso mesmo que se pagava na mesma moeda. Hoje, entretanto, há normas de condutas e controle por parte do ordenamento jurídico, que não permite que o indivíduo reaja com força física, salvo raríssimas exceções, mas sim por intermédio do estado, que estabelecerá um quantum indenizatório capaz de amenizar o dano.
1.1.2 – Evolução
Atualmente a forma como é reparado o dano afastou a possibilidade de retribuição na mesma moeda, como se fazia na Lei de talião.
A peça fundamental da evolução encontra-se na Lex Aquilia, que surgiu no final do século III ou início do século II a.C. Esse diploma normativo foi o divisor de águas da responsabilidade civil.
Nesse sentido, Venosa (2010),
“A Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual”.
Nesse período surgiu a ideia de que seria mais conveniente reparar o dano mediante uma composição entre agressor e lesado, em que o meio reparatório era a prestação de certa quantia em dinheiro, a critério da autoridade pública se o delito fosse praticado contra a coisa pública, e a critério do lesado se o delito foi praticado contra particulares.
Essa evolução que veio com a Lex Aquilia considerava que permitir a retaliação por parte do ofendido causaria um duplo dano, porque se reparava o dano de um e ocasionava dano ao outro, sendo a vítima e seu ofensor punidos por um só ato.
Em linhas gerais, como bem demonstra Diniz (2007),
“A Lex Aquilia de danno veio a cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. [...] Esta lei introduziu o damnum iniuria datum, ou melhor, prejuízo causado a bem alheio, empobrecendo o lesado, sem enriquecer o lesante. Todavia, mais tarde, as sanções dessa lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa”.
Foi nesse momento que o Estado passou a intervir nas relações privadas fixando um valor para a indenização, de forma que reparasse o dano e não enriquecesse o ofendido, impedindo o desejo de vingança.
Como nessa época os escravos também eram considerados coisas pertencentes ao patrimônio das pessoas, também havia a responsabilização na hipótese de danos ou morte deles.
Temos ainda nesse momento da história que a reparação era uma espécie de pena privada, pois não faziam distinção entre a responsabilidade civil e penal.
Já na Idade Média, com a estruturação de dolo e de culpa stricto sensu, e pela construção dogmática da culpa, os juristas daquela época passaram a melhor caracterizar a responsabilidade civil.
Como Observa Garcez Neto (apud VENOSA, 2010),
“que coube à Escola do Direito Nacional, no direito intermédio, ampliar o conceito da Lei Aquilia, até então casuística, a partir do século XVII. A teoria da reparação de danos somente começou a ser perfeitamente compreendida quando os juristas equacionaram que o fundamento da responsabilidade civil situa-se na quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano. Nesse sentido, transferiu-se o enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da indenização, para a noção de dano. O direito francês aperfeiçoou as ideias romanas, estabelecendo princípios gerais da responsabilidade civil”.
E nos dizeres de Diniz (2007),
“[...] a teoria da responsabilidade civil só se estabeleceu por obra da doutrina, cuja figura dominante foi o jurista francês Domat [...] influenciando quase que todas as legislações que estabeleceram como seu fundamento a culpa”.
Verifica-se, portanto, que ao longo da história e da evolução da responsabilidade civil, não somente ela evoluiu, como também seu fundamento, porquanto no primeiro momento ela trazia somente a responsabilidade objetiva, em que o agressor teria que reparar o dano independentemente de culpa, depois, com o amadurecimento da necessidade de reparar o dano, passou-se a exigir a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva e hoje podemos notar que a culpa é o principal fundamento da responsabilidade civil, mas em alguns casos, em consequência do risco de determinadas atividades, a responsabilidade independe de culpa e é objetiva.
A responsabilidade objetiva que enfrentamos surgiu em um momento que a culpa tornou-se insuficiente para cobrir os prejuízos, porque obrigava a preencher o elemento subjetivo para gerar o dever de indenizar e o desenvolvimento tecnológico, econômico e industrial enfrentado pela cultura ocidental mormente após a segunda Guerra Mundial, que teve a introdução de máquinas, produção de bens em larga escala e circulação de pessoas por veículos automotores, aumentou em demasia os perigos à vida e à saúde humana, o que levou a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização.
Essa fase da teoria da responsabilidade civil representa uma objetivação, sob a ideia de que o risco deve ser garantido, visando proteção jurídica à pessoa, em particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e porque todo dano deve ter um responsável.
É importante ressaltar que a culpa ainda continua sendo o fundamento da responsabilidade civil e que o risco não a anulou, constituindo-se, ao seu lado, também, ideias como fundamento da responsabilidade civil. É o que se extrai da interpretação do artigo 927 e parágrafo único do nosso atual Código Civil:
“Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. [...] Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Houve ainda há expansão da responsabilidade civil no que diz respeito à sua extensão ou área de incidência, aumentando-se o número de pessoas responsáveis pelos danos, de beneficiários da indenização e de fatos que ensejam a responsabilidade civil.
Por essas razões é que surgiu a responsabilidade extracontratual, no qual estão sempre a surgir tentativas de novas soluções que nem sempre estarão ligadas aos velhos conceitos da clássica responsabilidade aquiliana.
Para Monteiro (apud VENOSA, 2010),
“só desta forma se evitará um divórcio entre o direito e a vida e se impedirá a “revolta dos fatos contra o código”, e só assim, afinal, o direito ganhará sentido e razão de ser. [...] o cumprimento dessa função dinamizadora e de modelação impõe que o direito se ofereça como sistema aberto e dinâmico, capaz de acompanhar e, ao mesmo tempo, orientar a evolução social, de que ele próprio é agente ativo”.
Para Venosa (2010),
“A história da responsabilidade civil na cultura ocidental é exemplo marcante dessa situação absolutamente dinâmica, desde a clássica ideia de culpa ao risco, das modalidades clássicas de indenização para as novas formas como a perda de uma chance e a criação de fundos especiais para determinadas espécies de dano, como os danos ecológicos”.
Dessa forma, temos que todo aquele que causar dano a outrem, seja pessoa física ou jurídica, fica obrigado a repará-lo, restabelecendo o equilíbrio rompido, cabendo ao lesado à prova, no caso concreto, de dolo ou culpa do agente. Porém, com a evolução que enfrentamos terão situações que a responsabilidade de certas pessoas se dará por presunção de culpa, como ocorre na responsabilidade por fatos de terceiros, por fatos de animais e por fatos da própria coisa. Haverá, outrossim, situações onde a culpa sequer será analisada, como ocorre nos casos da responsabilidade objetiva.
1.1.3 – Função
A principal função exercida pelo instituto da responsabilidade civil é a de restaurar o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima, ou seja, é devolver o statu quo ante à vítima, com a aplicação do princípio restitutio in integrum, buscando uma indenização, denominada reparação, para o caso de dano material e compensação para o caso de dano moral.
No entanto, não se pode negar a existência da função punitiva ao agente causador do dano, pois ao responsabilizar alguém ao pagamento de uma indenização não se estaria somente devolvendo o statu quo ante a vítima, mas também estar-se-ia sancionando o agente causador do ato ilícito para desestimular novas práticas de condutas danosas.
A função punitiva geralmente se relaciona a uma terceira finalidade, de caráter socioeducativa, apontando que a responsabilidade civil opera não apenas de forma a educar o autor do dano através de uma punição, mas também instrui a sociedade como um todo, alertando para a não admissibilidade de certo comportamento.
No que tange à responsabilidade civil nas atividades empresariais, esta assume outra função, qual seja, a função de gestão de riscos, atribuindo a responsabilidade dos danos causados objetivamente àqueles que exercem a atividade, seja diante de terceiros ou de seus funcionários.
Portanto, a função da responsabilidade civil aplicada nos dias atuais tem como principal função o estabelecimento de um equilíbrio econômico-social, porém, também decorre dessa função a função socioeducativa que mostra à sociedade que determinados comportamentos não devem ser tomados, além de atribuir ao gerador do risco toda a responsabilidade inerente a sua atividade.
1.2 – RESPONSABILIDADE MORAL, PENAL E CIVIL
1.2.1 – Responsabilidade Moral
A responsabilidade, por ser decorrente de um dever de indenizar a violação de alguma norma de conduta pode gerar a responsabilidade moral, civil e penal, porém, estas são diferentes entre si no que tange a natureza da norma violada.
Diante disso, a responsabilidade moral tem uma abrangência muito mais extensa do que o direito, de sorte que abraça problemas tanto de ordem moral quanto jurídica, visto que esta só surge quando acarreta algum dano.
A responsabilidade moral é oriunda da transgressão de normas de cunho moral que repousam na seara da consciência individual, de modo que o ofensor se sentirá moralmente responsável perante sua própria consciência. O homem que viola a norma moral não se preocupa se houve dano ou não, pois este se sente obrigado a reparar o ofendido independentemente de qualquer coisa.
Para Diniz (2007), “A responsabilidade moral supõe que o agente tenha: a) livre arbítrio, porque uma pessoa só poderá ser responsável por atos que podia praticar ou não; e b) consciência da obrigação”.
1.2.2 – Responsabilidade Penal
A responsabilidade penal, por sua vez, é caracterizada pelo cometimento de algum crime previsto na legislação penal. Os ilícitos penais são previamente estabelecidos e não há como se falar em crime sem previsão legal, pois o legislador estabeleceu como crime aquelas condutas de maior relevância para a sociedade, de forma que o principal interessado em sua punição será a sociedade e não o ofendido. No entanto, na maior parte das vezes, o ilícito penal também gera dano ao particular e nessa hipótese surge o dever de indenizar o ofendido civilmente.
No que tange à responsabilidade, o direito civil e o direito penal são independentes, porém, a sentença criminal algumas vezes refletirá no âmbito cível, como é o caso da sentença que reconhece que o indivíduo praticou o crime de dano contra o patrimônio de determinada pessoa. Nessa situação, o criminoso, além de ter que cumprir a pena estabelecida pelo juízo penal, terá a obrigação de reparar o dano para a vítima, respondendo com seu patrimônio, independentemente da necessidade de propor uma nova ação de reparação de dano, por se tratar de sentença penal que faz coisa julgada no juízo cível.
1.2.3 – Responsabilidade civil
A responsabilidade civil abrange muito mais hipóteses do que a penal, uma vez que a penal só existirá para as condutas tipificadas como crimes e a civil existirá para uma infinidade de condutas que hajam transgredido um dever jurídico, sendo desnecessária sua previsão legal.
Nesse sentido também leciona Diniz (2007),
“A responsabilidade jurídica abrange a responsabilidade civil e criminal. Enquanto a responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, ou seja, uma lesão aos deveres de cidadãos para com a ordem da sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação da norma penal, exigindo para restabelecer o equilíbrio social investigação da culpabilidade do agente ou o estabelecimento da anti-socialidade do seu procedimento, acarretando a submissão pessoal do agente à pena que lhe for imposta pelo órgão judicante, tendendo, portanto, à punição, isto é, ao cumprimento da pena estabelecida na lei penal. A responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado. A responsabilidade civil, por ser repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio jurídico alterado ou desfeito pela lesão, de modo que a vítima poderá pedir reparação do prejuízo causado, traduzida na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro”.
Assim, a responsabilidade civil difere da moral e penal, mesmo que em uma ou em outra possa haver a responsabilidade civil, pois a responsabilidade civil pressupõe o dano ao particular, enquanto na moral a responsabilidade muitas vezes não traz qualquer efeito ao lesado e na responsabilidade penal o dano ocasionado é contra toda a sociedade e não contra o indivíduo em si.
1.3 – CONCEITO
Para Diniz (2007),
“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.
Seguindo por um caminho um pouco distinto, porém com o mesmo objetivo, Cavalieri Filho (2010) conceitua responsabilidade nos seguintes termos:
“responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever originário. [...] A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, ai, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá outro dever jurídico: o da reparação do dano. [...] a responsabilidade é a sombra da obrigação. Assim como não há sombra sem o corpo físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação”.
Ademais, importante citarmos aqui o que prescreve o artigo 927 do Código Civil, “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparar”.
Portanto, podemos extrair da lição desses dois grandes juristas e do que estabelece nossa legislação civil que a responsabilidade civil é inerente à obrigação originária que, uma vez violada, surge para o ofensor uma obrigação secundária, que é o dever de reparar o dano à vítima, seja esse dano patrimonial ou moral.
1.4 – PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O atual Código Civil, em seus artigos 186 e 927 preveem que:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Assim, sempre que houver um dano em decorrência de atos ilícitos, sejam eles praticados pela própria pessoa, por suas coisas, por seus animais ou até mesmo em decorrência do risco da atividade desenvolvida, o jurista verificará se há a violação de um bem juridicamente protegido; qual é a causa do dano, podendo ser por ação, omissão ou pela atividade desenvolvida; e se esta pode ser direta ou indiretamente imputada a alguém, seja a título de dolo, culpa ou criação do risco. Se existirem tais elementos, será certo o dever de indenizar.
Dessa forma, são quatro os pressupostos para que haja a responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico: o fato jurídico ou conduta humana, a imputação da responsabilidade, nexo de causalidade e o dano.
1.4.1 – Fato jurídico ou conduta humana
Para começarmos a analisar os pressupostos da responsabilidade civil, devemos partir do ponto que ela se inicia, que é a conduta humana, sendo que o ato ilícito que enseja o dever de reparar pode compor-se por uma série de atos ou por um único ato isolado.
Para Lisboa (2010)
“Ação (conduta positiva) é todo ato comissivo que acaba por gerar dano, violando o dever geral de abstenção: o encontrão na areia da praia que derruba a água de coco de um transeunte, o cigarro atirado pela janela que vem a causar uma explosão.
Omissão (conduta negativa), em contrapartida, é a inatividade, a abstenção de fazer algo, violando assim um dever jurídico de agir: o motorista que vê impassível o último suspiro do acidentado, o vigilante noturno que dorme em serviço e acaba por ter seu posto assaltado”.
Gonçalves (2009) diz precisamente que
“A responsabilidade pode derivar de ato próprio (arts. 939, 940, 953 etc.), de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente (art. 932) e, ainda, de danos causados por coisas (art. 937) e animais (art., 936) que lhe pertençam [...].
Para que se configure a responsabilidade por omissão é necessário que exista o dever jurídico de praticar determinado fato (de não se omitir) e que se demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de não se omitir pode ser imposto por lei (dever de prestar socorro às vítimas de acidentes imposto a todo condutor de veículos) ou resultar de convenção (dever de guarda, de vigilância, de custódia) e até da criação de alguma situação especial de perigo”.
Já Diniz (2007) também nos ensina o seguinte,
“O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se”.
Assim, sem que exista o fato jurídico que importe a violação de um dever originário, não há o que se falar em indenização, pois ausente um de seus requisitos.
1.4.2 – Imputação da responsabilidade
O atual Código Civil ao se referir à ação ou omissão voluntária, cogitou em dolo, mas logo em seguida referiu-se à culpa em sentido estrito, pois mencionou negligência ou imprudência.
Para Capez (2009), “dolo é a vontade livre e a consciência [...] manifestada pela pessoa humana de realizar determinada conduta”. Gonçalves (2009), por sua vez, diz que “dolo é a violação deliberada, intencional, do dever jurídico. Consiste na vontade de cometer uma violação de direito”.
Já a culpa por ser uma falta de diligência, para Gonçalves (2009) “consiste na falta de diligência que se exige do homem médio”. Ainda, Savatier (apud GONÇALVES, 2010) define culpa nos seguintes termos “a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar”.
No mesmo sentido Dias (apud VENOSA, 2010) conceitua culpa:
“A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude”.
Nesses termos, para que a vítima obtenha a reparação do dano, exige o referido dispositivo legal que prove o dolo ou a culpa stricto sensu (aquiliana) do agente (imprudência, negligência ou imperícia), demonstrando ter sido adotada, entre nós, a teoria subjetiva.
Por ser de difícil prova ou constatação desses elementos, o Código Civil muitas vezes presume a culpa, como é o caso do art. 936. E o parágrafo único do art. 927, dispõe que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Nesse diapasão também podemos notar que a regra geral é a responsabilidade subjetiva, pautada no dolo e na culpa, porém, também se utiliza da responsabilidade objetiva nos casos em que a atividade desenvolvida pela pessoa pressupõe certo risco.
A doutrina tradicional triparte a culpa em três graus: grave, leve e levíssima. Nas palavras de Venosa (2010)
“A culpa grave é a que se manifesta de forma grosseira e, como tal, se aproxima do dolo. Nesta inclui também a chamada culpa consciente, quando o agente assume o risco de que o evento danoso e previsível não ocorrerá. A culpa leve é a que se caracteriza pela infração a um dever de conduta relativa ao homem comum médio, o bom pai de família. São situações nas quais, em tese, o homem comum não transgrediria o dever de conduta. A culpa levíssima é constatada pela falta de atenção extraordinária, que somente uma pessoa muito atenta ou muito perita, dotada de conhecimento especial para o caso concreto, poderia ter”.
Entende-se que, mesmo levíssima, a culpa obriga a indenizar, porque não é a intensidade da culpa que gradua o dano, mas sim seu efetivo prejuízo. Porém, a graduação da culpa tem relevância. É o que temos no art. 944 do Código Civil, onde dispõe “a indenização mede-se pela extensão do dano” e seu parágrafo único aduz que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir equitativamente, a indenização”.
Temos ainda alguns outros tipos de culpa, que são: in iligendo, que é a má escolha do representante ou do preposto, como, por exemplo, contratar empregado inabilitado ou imperito; in vigilando, que se traduz na ausência de fiscalização do patrão ou comitente com relação a empregados ou terceiros sob seu comando; in comittendo, que ocorre quando o agente pratica ato positivo, geralmente caracterizado por imprudência; in omittendo, que decorre de uma abstenção indevida, caracterizando negligência; e in custodiendo, que decorre da falta de cuidados na guarda de algum animal ou objeto.
1.4.3 – Dano
Gonçalves (2009) nos ensina que “Sem a prova do dano ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral), ou seja, sem repercussão na órbita financeira do lesado”.
Dando uma noção sobre dano, esclarece Noronha (2007) que dano “é o prejuízo, econômico ou não-econômico, de natureza individual ou coletiva, resultante de ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente a pessoa humana ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada”.
Nesse sentido, Venosa (2010) explica que dano “consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Pode ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, econômico e não econômico”.
Embora existam vários conceitos para o dano, vemos que a concepção é a mesma e estas definições sempre nos remetem para a ideia de prejuízo, pois nem sempre a transgressão de uma norma ocasiona dano, sendo certo que só haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano.
Para Gonçalves (2009)
“Mesmo que haja violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. A inexistência de dano torna sem objeto a pretensão à sua reparação. Às vezes a lei presume o dano, como acontece na Lei de Imprensa, que pressupõe a existência de dano moral em casos de calúnia, difamação e injúria praticadas pela imprensa. Acontece o mesmo em ofensas aos direitos da personalidade”.
Podemos verificar que a noção de dano, existente atualmente, pode ser tratada como dano injusto, pois essa ideia está atrelada com a ideia de lesão a um interesse.
Nos lembra Gonçalves (2009) que existe
“exceção ao princípio de que nenhuma indenização será devida se não houver ocorrido prejuízo, a regra do art. 940, que obriga a pagar em dobro ao devedor quem demanda dívida já paga, como espécie de pena privada pelo comportamento ilícito do credor, mesmo sem prova de prejuízo. E, na responsabilidade contratual, pode ser lembrada o art. 416, que permite ao credor cobrar cláusula penal, sem precisar provar prejuízo”.
A indenização, por sua vez, deverá ser não apenas integral, mas também, por força do art. 402 do Código Civil, razoável:
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
O princípio da razoabilidade para Mendes (2009)
“em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral de direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico”.
Os danos indenizáveis, como vimos, são os que causam prejuízos materiais ou morais.
O dano material é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro. Todavia, não se trata apenas de uma perda patrimonial, este também se traduz naquilo que o lesado também deixou de ganhar. É o que a doutrina classifica como danos emergentes e lucros cessantes.
Para Venosa (2010)
“O dano emergente, aquele que mais se realça à primeira vista, o chamado dano positivo, traduz uma diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente perdeu. Geralmente, na prática, é o dano mais facilmente avaliável, porque depende exclusivamente de dados concretos”.
“O lucro cessante traduz-se na dicção legal, o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano. O termo razoavelmente posto na lei lembra, mais uma vez, que a indenização não pode converter-se em instrumento de lucro”.
Nesse mesmo sentido Cavelieri Filho (2010)
“o ato ilícito pode produzir não apenas efeitos diretos e imediatos, no patrimônio da vítima (dano emergente), mas também mediatos ou futuros, reduzindo ganhos, impedindo lucros, e assim por diante. Aí teremos o lucro cessante consequência futura de um fato já ocorrido”.
Assim, dano emergente é aquilo que o lesado realmente perdeu, é a diminuição de seu patrimônio do estado anterior para o atual, e os lucros cessantes é aquilo que o lesado esperava ganhar, mas não ganhou por conta do dano ocorrido.
Já o dano moral, tamanha é sua importância, que é protegido como direitos e garantias fundamentais na Carta Magna, nos seguintes termos:
“art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Venosa (2010) define o dano moral como
“o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí porque aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável”.
De maneira diferente Diniz (2007), divide o dano moral em direto e indireto, definindo-os assim,
“O dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III)”.
“O dano moral indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima. Deriva, portanto, de fato lesivo a um interesse patrimonial”.
Observa-se, portanto, que embora esses grandes juristas e doutrinadores conceituem o dano moral de forma diversa, a ideia que pretendem passar é a mesma, pois o dano moral é um dano que abala o íntimo da pessoa humana, seus direitos de personalidade, pouco importando se sua causa foi uma ofensa a honra ou a perda de um bem de grande estima do lesado.
Para haver a sua reparação, o dano moral, nas palavras de Venosa (2010), “deve guiar-se especialmente pela índole dos sofrimentos ou mal-estar de quem os padece, não estando sujeitos a padrões predeterminados ou matemáticos”.
Ademais nos ensina Cavalieri Filho (2010), que “a condenação em dinheiro é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação de que uma reparação”.
Ainda temos em nosso Código Civil o art. 944 que preceitua que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Portanto, não há um cálculo exato para determinar o quantum indenizatório, porém, deverá o juiz pautar-se na gravidade do dano ocorrido e o que ele representou para a vítima, para que de forma justa atribua uma compensação para vítima e uma pena para o causador do dano.
1.4.4 – Nexo de causalidade
A responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou, porquanto é o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano verificado que vem empregado no art. 186 através do verbo “causar” que gera a obrigação de indenizar.
Se houver algum dano, mas sua causa não estiver relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e, também, a obrigação de indenizar.
Para Diniz (2007):
“O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará verificar que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência”.
Tamanha é a relevância do nexo causal para gerar o dever de indenizar que a responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas jamais dispensará o nexo causal, pois é um elemento indispensável.
Por sua vez, o nexo causal pode ser rompido nos casos de excludente da responsabilidade civil, como é a culpa exclusiva da vítima, a culpa de terceiro, o caso fortuito e a força maior, que quando presentes, inexiste relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso.
Venosa (2010) ao tratar da identificação do nexo causal, traz os seguintes ensinamentos:
“Na identificação do nexo causal, há duas questões a serem analisadas. Primeiramente, existe a dificuldade em sua prova; a seguir, apresenta-se a problemática da identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, principalmente quando este decorre de causas múltiplas. Nem sempre há condições de estabelecer a causa direta do fato, sua causa eficiente. Avulta a importância da definição do nexo causal em face da preponderância atual da responsabilidade objetiva. A ausência de nexo causal é, na verdade, nesse campo, a única defesa eficaz que tem o indigitado pela indenização”.
Nessa seara, para tentar dar uma solução e se estabelecer a causa do dano, surgiram três teorias: teoria da equivalência das condições; teoria da causalidade necessária; e teoria da causalidade adequada.
A teoria da equivalência das condições é aquela admitida em nosso Código Penal, que não distingue causa, condição ou ocasião, de forma que tudo que concorrer para o evento danoso deve ser apontado como nexo causal. Analisando essa teoria, Venosa (2010) elucida “para precisar se uma determinada ‘causa’ concorreu para o evento, suprime-se esse fato mentalmente e imagina-se se teria ocorrido da mesma forma. Se assim for, não será causa”.
Em seguida o mesmo autor aponta ser inconveniente essa teoria, haja vista que seria possível fazer uma regressão quase infinita para se estabelecer o nexo causal.
A teoria da causalidade necessária para muitos autores é a adotada pelo atual Código Civil, em seu artigo 403, que prevê o seguinte “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
Segundo Alvim (apud GONÇALVES, 2010) “é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que lhe seja necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução”.
Noronha (2007) critica o pensamento do retro citado autor afirmando que “quando haja diversas causas do dano, próximas ou remotas, saber qual deveremos considerar necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano”, nas palavras de Alvim (apud NORONHA, 2007) “não é tarefa fácil”.
A teoria da causalidade adequada, todavia, prevê que causa será só o antecedente necessário que ocasionou o dano. Para Venosa (2010)
“Assim, nem todos os antecessores podem ser levados à conta do nexo causal, o que nem sempre satisfaz o caso concreto. Cabe ao juiz fazer um juízo de probabilidades, o que nem sempre dará um resultado satisfatório. Muitos entenderam que o Código de 1916 adotara essa postura no art. 1.060, reproduzindo, com pequeno acréscimo, no art. 403”.
Ainda continua o mesmo autor “A expressão ‘direto e imediato’ permite sem dúvida essa conclusão, embora o dispositivo não diga respeito expressamente ao nexo causal”.
Após informar sobre as várias doutrinas sobre o tema, ainda aponta Pereira (apud VENOSA, 2010) que o que importa
“é estabelecer, em face do direito positivo, que houve uma violação de direito alheio e um dano, e que existe nexo causal, ainda que presumido, entre uma e outro. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandante incumbe produzir”.
E conclui na mesma linha Stoco (apud VENOSA, 2010):
“Enfim, independentemente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado”.
Deveras, imprescindível que haja para configuração de um dano indenizável um liame de causalidade entre a conduta do agente ofensor e o ato lesivo à vítima, pouco importando, entretanto, a teoria adotada, pois a existência ou não de nexo de causalidade será algo a ser perquirido pelo juiz diante do caso concreto.
CAPÍTULO II – A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO PÁTRIO
2.1 – BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE
A responsabilidade civil pela perda de uma chance teve sua primeira aparição em um estudo realizado na Itália, mais precisamente em 1940, com Giovani Pacchioni, na obra Diritto Civile Italiano (SAVI: 2006).
A problemática da responsabilidade civil pela perda de uma chance, que o autor italiano descreveu em sua obra teve sua origem pela indagação de como ficaria a reparação do dano diante do ato culposo de alguém, que fizesse outra pessoa ficar privada da possibilidade de obtenção de lucro.
A elucidação que Pacchioni (apud SAVI, 2006) nos traz são os seguintes exemplos:
“um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu quadro é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor um recurso de apelação, privando seu cliente da possibilidade de obter a reforma ou a cassação da sentença que lhe foi desfavorável”.
Contudo, naquela época era inadmissível tentar buscar a reparação de dano por uma perda de chance, haja vista que no ordenamento jurídico italiano a indenização estava limitada aos danos patrimoniais e não a qualquer dano (SAVI: 2006).
Nesse diapasão, as vítimas teriam razão para se queixar da chance perdida, pois os atos referidos nos exemplos ocasionaram uma perda de possibilidade de lucro, porém, era uma possibilidade aleatória e não um dano efetivo como era exigido pelo ordenamento jurídico para indenizar.
Assim o autor italiano trata da perda de uma chance como uma situação de fato não indenizável, na qual não haveria interesse jurídico nas pretensões que buscassem tal reparação de dano.
Em sentido oposto a Pacchioni, porém, corroborando a ideia trazida no ordenamento jurídico italiano, o francês Francisco Donato Busnelli, em 1965, passou a criticar alguns julgados de Paris, que passaram a admitir a perda de uma chance como fonte de indenização (SAVI: 2006).
Para Busnelli (apud SAVI, 2006) “A pretensão indenizatória encontra obstáculo no fato de se referir a um dano que não deriva de uma lesão a um direito subjetivo ou a um interesse juridicamente tutelado”.
Savi (2006) comentando o posicionamento de Busnelli assim dispõe:
“A questão mais importante que se coloca é, para o autor, a de saber se somente as lesões a verdadeiros direitos subjetivos da vítima integram o conceito de “injustiça” do dano, previsto no art. 2.043 do Código Civil Italiano, ou se seriam suficientes, para o surgimento do dever de indenizar, lesões a interesses diversamente tutelados. A primeira opção seria sustentada pelos autores e juízes mais tradicionais e a segunda estaria sendo defendida pelos doutrinadores mais modernos”.
Ao contrário de Busnelli, mas tentando dar uma solução a idealização sugerida por Pacchioni, o italiano Adriano De Cupis, em 1966, ao publicar a obra Il Danno: Teoria Generale Della Responsabilità Civile, reconheceu ser passível de indenização a perda de uma chance nos mesmos casos em que foi negado pelos autores tradicionais (SAVI, 2006).
Para Savi (2006)
“Adriano De Cupis foi [...] o responsável pelo início da correta compreensão da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito Italiano, uma vez que conseguiu visualizar um dano independente do resultado final e, portanto, enquadrar a chance perdida no conceito de dano emergente e não lucro cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam”.
Em importante trecho de sua obra De Cupis (apud SAVI, 2006) ensina o seguinte:
“A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que resultou frustrada”.
Aqui visualizamos que De Cupis veio a admitir a responsabilidade civil pela perda de uma chance como um dano emergente, afirmando que a chance é parte integrante do patrimônio daquele que foi frustrado com o ato culposo de outrem e que ao enquadrá-la dessa forma estariam superados todos os problemas enfrentados pelos outros autores, pois se eliminariam as dúvidas acerca da certeza do dano e da existência de nexo causal entre o ato danoso do ofensor e o dano, requisitos para indenização por lucros cessantes.
Apesar de Adriano De Cupis ser o primeiro a fazer um estudo mais aprofundado admitindo a existência da obrigação de indenizar a perda de uma chance; foi em 1976, com a publicação do consistente artigo “perdita di uma chance e certezza del danno”, escrito por Maurizio Bocchiola, que a teoria passou a ser admitida na Itália (SAVI: 2006).
Para Bocchiola (apud SAVI, 2006) “o termo chance significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda”. E continua dizendo
“é inútil esperar para saber se haverá ou não um prejuízo, porque o seu concretizar-se não depende absolutamente de qualquer acontecimento futuro e incerto. A situação é definida e não poderá ser modificada. Um determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos, que poderia dar origem a uma fonte de lucro, de tal modo que não é mais possível descobrir se a chance teria ou não se realizado”.
Ao desenvolver a teoria, Bocchiola passou a enfrentar a problemática para separar a certeza e a probabilidade, para saber ao certo o que se indenizaria por perda de uma chance.
Assim, para justificar o que seria indenizável, diz o autor que a chance se assemelha em muito com os lucros cessantes, visto que em ambos aquele que teve um direito violado deixou de obter alguma vantagem e, embora seja difícil a apuração do quanto ele ganharia, o magistrado teria que aplicar critérios aproximados, de probabilidade e de normalidade, não sendo todo o montante da vantagem o valor a ser atribuído a título de indenização, mas sim um valor equivalente à probabilidade de ganho.
No entanto, para diferenciar a indenização pela perda de uma chance dos lucros cessantes, Bocchiola (apud SAVI, 2006) assim assevera: “é possível estabelecer diferenças entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto à natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito subjetivo”.
Com o enfrentamento da problemática da apuração da probabilidade de ganho, Bocchiola encontra dificuldades para quantificá-la e admite que embora muito se assemelhe a um lucro cessante, a melhor compreensão e aplicação da teoria teria que se dar da forma pretendida por De Cupis, como sendo um dano presente (SAVI: 2006).
Ao tratá-la da forma sugerida por De Cupis, Bocchiola passa a discorrer no sentido que se considerar a chance como um patrimônio atual, a lesão causada por outrem a esse patrimônio passaria a ser certo e não mais necessitaria fazer juízos de probabilidade para quantificar o dano e acabaria com todas as críticas em relação a sua admissão (SAVI, 2006).
Em importante trecho de sua obra, Bocchiola (apud SAVI, 2006), com base nos ensinamentos de Adriano De Cupis, é dito o seguinte:
“Indenizando a perda de uma chance não são violadas as regras segundo as quais o dano deve ser certo para que possa ser levado em consideração pelo direito. De fato, vale repetir, em tais hipóteses não se indeniza a perda de um resultado favorável, mas uma coisa completamente diversa, isto é, se indeniza apenas a perda daquela possibilidade atual de conseguir aquela determinada vantagem, a qual, com base na normal prova de verossimilhança exigida pela lei, resultava realmente existente no patrimônio a vítima no momento em que ocorreu a lesão. Então, se a chance já fazia parte dos bens da vítima, a sua perda deve ser qualificada juridicamente como um dano emergente”.
É importante frisar ainda que o primeiro enfrentamento da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance pelos tribunais deu-se na França, que segundo Gondim (2005):
“Foi em 1965, em uma decisão da Corte de Cassação Francesa, que pela primeira vez se utilizou tal conceituação. Tratava-se de um recurso da responsabilidade de um médico que teria proferido o diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de cura da doença que lhe acometia”.
Ainda discorrendo sobre a origem na jurisprudência francesa, Guimarães (2009) descreve a decisão de forma precisa:
“A decisão que inaugurou na jurisprudência francesa os fundamentos da teoria adveio da 1ª Câmara da Corte de Cassação, por ocasião da reapreciação de caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de 1964. O caso narrou a acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, considerando desnecessário o procedimento que adotara, consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.
Assim, a corte francesa considerou haver um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de 1ª instância, que entre o erro do médico e as graves consequências, a ser a invalidez do menor, não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir a responsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000 francos”.
Já na Itália, alguns anos depois, mais precisamente em 1983, a teoria teve sua primeira aplicação pelos tribunais e segundo Bocchiola (apud SAVI, 2006) o caso foi o seguinte:
“Uma empresa denominada “Stefer” convocou alguns trabalhadores para participar de um processo seletivo para a contratação de motoristas que iriam compor o seu quadro de funcionários. Após terem se submetido a diversos exames médicos, alguns candidatos ao emprego foram impedidos pela Stefer de participar das demais provas (de direção e de cultura elementar) que seriam necessárias à conclusão do processo de admissão.”
Em julgamento pelo juiz de primeiro grau foi reconhecido o direito dos autores de serem admitidos desde que superassem as provas que não fizeram, condenando a empresa a indenizá-los pelo atraso no processo de admissão (SAVI: 2006).
Já o Tribunal de Roma, reformou a sentença de primeiro grau dizendo que o dano decorrente da perda da chance não seria indenizável, por se tratar de um dano meramente potencial.
No entanto, como bem leciona Savi (2006), a Corte de Cassazione cassou a decisão e confirmou a sentença de primeiro grau com a seguinte conclusão:
“O conceito de perda e de lucro não se refere somente a uma entidade pecuniária, mas a qualquer utilidade economicamente valorável. Em concreto, também constitui uma entidade patrimonial, uma situação à qual é ligado um lucro provável: o valor econômico é oferecido da entidade deste lucro e do grau de probabilidade que o lucro seja efetivamente produzido; o fato de que a situação seja idônea a produzir apenas provavelmente e não com absoluta certeza o lucro a essa ligado influi não sobre a existência, mas sobre a valoração de um dano indenizável [...] no caso em análise, foi subtraída uma situação (possibilidade de se submeter as ulteriores provas, que, se superadas, teriam determinado a contratação) da qual tinham direito de usufruir”.
Diante disso, conclui-se que a origem histórica da responsabilidade civil pela perda de uma chance se deu na doutrina italiana, passando por uma análise na doutrina francesa. Porém, a primeira aplicação concreta da teoria foi em um tribunal francês, para, somente depois, a jurisprudência italiana acolher a aplicação da teoria.
2.2 – A PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Inobstante a falta de previsão na legislação civil acerca da responsabilidade civil pela perda de uma chance, partindo de uma interpretação sistemática e teleológica do Código Civil, pode-se afirmar seu acolhimento ao ordenamento jurídico atual, principalmente pela interpretação extraída dos artigos 402, 403, 927 e 944, que preveem o quantum e a forma que devem ser indenizados os danos.
De acordo com estes artigos, a pessoa, sempre que lesada, tem o direito de obter a reparação integral de todos os danos suportados, e dentre os danos não podemos excluir a perda de uma chance, pois não seria sensato deixar um dano sem a devida reparação, e a perda de uma chance, como qualquer outro dano, é resultado de um ato culposo que priva alguém de determinado bem.
Dessa forma é o entendimento de Martins-Costa (apud SAVI, 2006) que nos ensina o seguinte:
“Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar”.
Ao deixar a perda de uma chance sem a devida reparação estaríamos dentro de um retrocesso no ordenamento jurídico, e mais, estaríamos colocando em nosso país um sentimento de injustiça para a vítima desse dano.
Nesse sentido, também argumenta Savi (2006):
“A perda de uma chance, por sua vez, na grande maioria dos casos será considerada um dano injusto e, assim, passível de indenização. Ou seja, a modificação do foco da responsabilidade civil, para a vítima do dano injusto, decorrente da evolução da responsabilidade civil, acaba por servir como mais um fundamento para a indenização desta espécie de dano”.
Ainda, da leitura do artigo 927, caput e parágrafo único, e do artigo 186, ambos do Código Civil, dispositivos estes basilares da obrigação de reparar o dano, não se verifica óbice à reparação de uma oportunidade inalcançada em razão da conduta de outrem.
Na verdade, o único óbice que a teoria da perda de uma chance encontra no ordenamento jurídico atual é o de se demonstrar o nexo causal entre a conduta e o dano, que muitas vezes é incerto e improvável.
Assim é o que dispõe a parte da doutrina ao afirmar que é impossível a reparação de danos meramente hipotéticos, porém, para a teoria da perda de uma chance, este foco é totalmente diverso, uma vez que esta teoria exige apenas a comprovação do liame de causalidade, mesmo que de forma parcial com a chance perdida e não com o dano efetivamente comportado.
Desta feita, não teria como se falar que inexiste todos os pressupostos da responsabilidade civil, pois com a perda de uma chance existe a conduta, a culpa do agente causador do dano (responsabilidade subjetiva), o nexo de causalidade e o dano, que será a perda de uma chance propriamente dita.
Para Silva (2009), o principal fator que contribuiu para a reparação civil pela perda de uma chance refere-se à nova maneira de considerar as probabilidades, ante o progresso tecnológico e a ciência estatística, os quais “acabaram por desmistificar o acaso e as situações aleatórias”.
Nesse sentido, ainda, é a manifestação de Calamandrei (apud SAVI, 2006)
“Graças ao desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades, é possível hoje predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que, inicialmente, parecia entregue apenas à sorte, ao ponto de poder considerá-lo um valor normal, quase estável, dotado de certa autonomia em relação ao resultado definitivo”.
Sendo assim, o recurso à estatística e ao estudo das probabilidades proposto por Calamandrei, mostra-se bastante útil, na medida em que permite verificar se antes da ocorrência do evento danoso já existia uma possibilidade com certo conteúdo patrimonial positivo para a vítima, a qual, após o evento danoso, restou perdida.
2.3 – A ACEITAÇÃO DO INSTITUTO PELA DOUTRINA BRASILEIRA
A teoria objeto do presente estudo começou a ser analisada pela doutrina pátria há pouco tempo, mas em época contemporânea aos estudos realizados na Itália e na França, podendo ser citado como primeiro autor a tratar do tema, Agostinho Alvim (apud SILVA, 2009) que em 1955 transcreveu o seguinte trecho:
“A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instância constituía uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos técnicos.
Tanto isto é verdade, que o autor de uma demanda pode, mesmo perdida a causa de primeira instância, obter uma quantia determinada, pela cessão de seus direitos, a um terceiro que queira apelar.
No exemplo figurado, os peritos técnicos, forçosamente advogados, fixariam o valor a que ficaria reduzido o crédito após sentença da primeira instância, tendo em vista, para isso, o grau de probabilidade da reforma da mesma, de modo a estabelecer-se a base negociável desse crédito.
O crédito valia dez. Suposta a sentença absolutória, que mal apreciou a prova, seu valor passou a ser cinco. Dado, porém, que a mesma haja transitado em julgado, tal valor desceu a zero. O prejuízo que o advogado ocasionou ao cliente, deixando de apelar, foi cinco.
Se este cálculo não traduz exatamente o prejuízo, representa, em todo o caso, o dano que pôde ser provado, e cujo ressarcimento é devido”.
No decorrer da história, mais precisamente em 1995, Aguiar Dias (apud SAVI, 2006) ao tratar da responsabilidade civil do advogado critica uma sentença proferida pelo magistrado carioca em 1929 nos seguintes termos:
“Magistrado bisonho, confortado por acórdão do 1º Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, como votos vencidos que lhe salvaram a eminente reputação, decidiu que o advogado não é responsável pela perda de prazo, em recurso de reclamação trabalhista, porque esse fato não constituía dano, só verificável se o resultado do recurso fosse certo. Confundiram-se o an debeatur e o quantum debeatur, por má informação sobre o conceito de dano. Sem dúvida que este deve ser certo e provado desde logo na ação. Mas o dano, na espécie, era a perda do direito, o de ver a causa julgada na instância superior. Se a vitória não podia ser afirmada, também o insucesso não o podia. E este, ainda que ocorresse, correspondia ao quantum debeatur, o que sucede mais vezes do que supõe os que desconhecem a distinção, pois, ainda que ganha uma causa, a liquidação pode ser negativa, isto é, não representar valor pecuniário”.
Nesse diapasão, nota-se que a responsabilidade civil pela perda de uma chance era pouco difundida, passando ter maior destaque somente nos dias atuais, e como bem argumenta Silva (2009) “A produção doutrinária brasileira sobre a responsabilidade civil pela perda de uma chance vinha se mostrando bastante tímida. Todavia, a doutrina atual parece passar por uma fase de ebulição na seara da teoria da perda de uma chance”.
Como podemos ver, no passado, poucos eram os autores que tratavam da teoria e, na maior parte das vezes, ela era restrita ao caso do advogado que perde o prazo da apelação e não consegue a reanálise da matéria discutia no juízo a quo.
No entanto, com o passar dos anos, a doutrina brasileira começou a ser mais incisiva ao tratar do tema. Mesmo que de forma muito superficial, verificamos que a maior parte dos doutrinadores a aceitam, senão vejamos:
Para Noronha (2007)
“A distinção entre danos certos e eventuais é necessária para evitar o risco de confusão de chances perdidas com danos eventuais. O dano da perda de chance, para ser reparável, ainda terá de ser certo, embora consistindo somente na possibilidade que havia, por ocasião da oportunidade que ficou perdida, de obter o benefício, ou de evitar o prejuízo; mais ou menos incerto será apenas saber se essa oportunidade, se não tivesse sido perdida, traria o benefício esperado: por isso é que, como se analisará melhor na exposição subsequente, o valor da reparação do dano certo da perda de chance ficará dependendo do grau de probabilidade, que havia, de ser alcançada a vantagem que era esperada, ou inversamente, do grau e probabilidade de o prejuízo ser evitado”.
Também adepto da aceitação da teoria é Pereira (apud VENOSA, 2010) “É claro, então, que, se a ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será devida se se considerar, dentro na idéia de perda de uma oportunidade (perte d’une chance) e puder situar-se na certeza do dano”.
Ainda temos Diniz (2007)
“Trata-se não só de um eventual benefício perdido, como também da perda de uma chance, de oportunidade ou de expectativa (frustração de uma oportunidade em que seria obtido, como diz Jeova Santos, um benefício, caso não houvesse o abrupto em decorrência do ato ilícito)”.
E ainda continua “A perda da chance é um dano real indenizável se se puder calcular o grau de probabilidade de sua concretização ou da cessação do prejuízo”.
Cavalieri Filho (2010), também nos mostra adepto a teoria nos seguintes termos: “perda de uma chance guarda relação com o lucro cessante, uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor”.
Podemos ainda citar Dias (apud SILVA, 2009) que assim dispõe:
“Comparecendo ao escritório de advocacia um cliente que foi despedido de uma empresa sem o pagamento das parcelas rescisórias, e o advogado é contratado para propor a reclamação trabalhista, é ele responsável por incluir no pedido todas as parcelas que por lei decorrem daquela situação. Caso, por exemplo, o advogado esqueça-se de reclamar as férias proporcionais ou o aviso prévio indenizado, e, no curso da lide, sejam essas parcelas atingidas pela prescrição, de modo que a parte não mais teria chance de reclamá-las, pode o advogado ter responsabilidade pelo valor dessas parcelas, quando verificado que, na hipótese, o autor teria probabilidade de êxito se o pedido houvesse sido formulado”.
Ainda Venosa (2009) tratando dos ensinamentos da doutrina argentina de Carlos A. Ghersi, afirma a existência da perda de uma chance como terceiro gênero de indenização que estaria “a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante”.
Assim, como há grande aceitação por parte doutrina, não podemos deixar de citar a posição contrária, quase que isolada de Stoco (apud SILVA, 2009) que “acredita que a perda de uma chance, aplicada aos casos de responsabilidade civil do advogado, ‘exsurge como inaceitável’”.
Com isso, não resta qualquer dúvida quanto à recepção da teoria pela doutrina pátria, pois grande parte da doutrina a admite como aplicável, sendo rara a doutrina que não a admite como dano indenizável. Destaque-se ainda que embora a doutrina majoritária a aceite, veremos adiante que divergem quanto sua natureza jurídica.
2.4 – ORIGEM DO INSTITUTO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Ao que nos consta, embora a responsabilidade civil pela perda de uma chance tenha sido objeto de estudo já em 1955, somente em 1990 o tema foi analisado por um tribunal. (SAVI: (2006) e SILVA: (2009)).
O tribunal a enfrentar o tema àquela época foi o do Rio Grande do Sul, pelo então Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 598069996, julgado em 12.06.1990), mesmo que naquele caso tenha sido dito que não se aplicaria a teoria ao caso concreto.
A ementa do acórdão, segundo Savi (2006) está assim descrita:
“Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultando névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se tratar, no caso, de obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance”.
Analisando o acórdão em epígrafe Savi (2006) diz que
“Tratava-se de ação de indenização dos danos decorrentes de erro médico. A autora da ação havia se submetido a uma cirurgia para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois. Além de cicatrizes na córnea que lhe acarretaram névoa no olho operado.
Ao analisar a prova dos autos, o Tribunal chegou a conclusão de que a hipermetropia em grau dois e as cicatrizes na córnea eram consequências diretas e imediatas do erro cometido pelo médico na cirurgia. Ou seja, neste caso foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a atitude culposa do médico e o dano final, não havendo, portanto, que se falar em indenização da chance perdida”.
Em que pese o voto do Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior não ter reconhecido o dever de reparar o dano pela perda de uma chance, segundo Savi (2006), um ano após este acórdão (TJRS, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 591064837, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar, julgada em 29.08.1991), em análise a outro caso concreto o referido instituto foi por ele utilizado em seu voto para obrigar a reparar o dano, senão vejamos:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de uma chance”.
Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não-restauração dos autos causaram à autora, a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. Françõis Chabas: ‘Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcança-la’ [...]
[...] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este principio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil.
Isto posto, estou em negar provimento ao apelo para manter a sentença de procedência, esclarecendo que a fixação da indenização, através de arbitramento, em liquidação de sentença, deverá atentar para o fato de que o dano corresponde apenas à perda da chance”.
Em relação ao tema, também temos um acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 1990, que o Ministro Ilmar Galvão, que segundo Silva (2009) apesar de no caso em análise ter negado a existência da perda de uma chance, a reconhece como sendo uma teoria passível de aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Para melhor elucidação vejamos o voto do então Ministro Ilmar Galvão (STJ. Agravo Regimental nº 4364/SP. Agravante: Cia. São Paulo Distribuidora de Derivados de Petróleo. Agravado: R. despacho de fls. 135/136. Relator: Min. Ilmar Galvão, julgado em 29.10.1990):
“Por fim, esclareça-se, para melhor entendimento, que, ao aventar o despacho agravado a possibilidade de indenização de mera chance, quis referir hipótese em que essa chance, por si só, apresenta valor econômico, como é o caso do exercício do direto de ação, o que demonstra que se trata de mera chance com valor econômico. Frustrada a chance de vencer, por culpa do advogado, é inegável que remanesce um direito de ressarcimento, que se restringe, entretanto, ao simples valor pago pela cessão, e não pelo resultado da causa”.
Diante do exposto pode-se concluir que a primeira análise da teoria por um tribunal teria sido em 1990 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mesmo que naquele caso não se tenha aplicado para obrigar a reparar o dano, sendo que no ano de 1991 houve a sua aplicação em um caso concreto para reconhecer o dever de indenizar.
2.5 – NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE PELA PERDA DE UMA CHANCE
A natureza jurídica da perda de uma chance talvez seja um dos temas mais controversos na sistemática atual, pois embora aceita pela ampla maioria da doutrina, existe uma oscilação ao enquadrar a teoria como dano emergente, lucro cessante ou como modalidade autônoma de dano com características próprias.
Para os adeptos da posição que a enquadra como dano emergente a chance é tratada como se fizesse parte do patrimônio da vítima lesada. Para os adeptos da posição que a enquadra como lucro cessante, a possibilidade de reparação em decorrência da teoria consiste naquilo que a vítima lesada deixou de lucrar. Já para os adeptos da teoria que a admite como modalidade autônoma, ela é enquadrada diferentemente para uma melhor aplicação concreta, ficando no meio termo entre o dano emergente e o lucro cessante.
Assim, nesse tópico analisaremos de uma forma pormenorizada como se dá a aplicação da teoria em cada corrente.
2.5.1 – A teoria da perda de uma chance como dano emergente
O dano emergente segundo a lavra de Gonçalves (2010)
“é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima. É, por exemplo, o que o dono do veículo danificado por outrem desembolsa para consertá-lo. Representa, pois a diferença entre o patrimônio que a vítima tinha antes do ato ilícito e o que passou a ter depois”.
Diniz (2007) ao tratar sobre o dano emergente nos traz um conceito mais detalhado dizendo que
“consiste num déficit real e efetivo no patrimônio do lesado, isto é, numa concreta diminuição em sua fortuna, seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o passivo, sendo, pois, imprescritível que a vítima tenha, efetivamente, experimentado um real prejuízo, visto que não são passíveis de indenização danos eventuais ou potenciais, a não ser que sejam consequência necessária, certa, inevitável e previsível da ação. Tais prejuízos se traduzem num empobrecimento do patrimônio atual do lesado pela destruição, deterioração, privação do uso e gozo etc. de seus bens existentes no momento do evento danoso e pelos gastos que, em razão da lesão, teve de realizar”.
Do conceito explicitado por esses dois renomados autores nota-se que o dano emergente nada mais é do que aquele dano efetivamente comprovado, ou seja, o dano caracterizado pela diferença entre o patrimônio passado e atual.
Quando temos um dano emergente a vítima é privada de um bem que outrora lhe pertencia, mas após a lesão não pode mais utilizá-lo.
Corroborando com o entendimento de Diniz e Gonçalves, Gagliano e Pamplona Filho (2003) explicam em poucas palavras que dano emergente “corresponde ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, ‘o que ela perdeu’”.
Depois de analisado o que consiste o dano emergente, resta adentrarmos na teoria da perda de uma chance para vermos o porquê ela é tratada como uma espécie de dano emergente.
Embora se estranhe o tratamento da perda de uma chance como um dano emergente, porque ela faz referência a uma perda de oportunidade que o indivíduo deixou de aproveitar e não a perda de um patrimônio em si considerado, a tese é justificável diante dos argumentos que verificaremos a seguir.
Antes de qualquer coisa, devemos esclarecer que não é qualquer chance que gera o direito a indenização, mas sim aquela séria e real, onde fique claro para o julgador que se não fosse o evento danoso ter interrompido o desenrolar natural dos fatos ela com certeza se concretizaria. Não exige também que o dano seja certo, pois assim estaríamos diante de um lucro cessante e não haveria motivo algum para tentarmos analisá-la sob esse prisma.
Então para entender a ideia de que a perda de uma chance trata-se de uma espécie de dano emergente, necessita-se partir da percepção de que, ao se falar na perda de uma chance estamos afirmando que essa chance que se perdeu já era algo integrante do patrimônio da pessoa lesada, algo que se esperava ser realizado e integrado a seu patrimônio.
Para essa corrente a chance é tratada como um direito já adquirido pela pessoa lesada, mas que por um ato de outrem não chegou a se concretizar, por esse motivo é que essa corrente sustenta que a natureza jurídica da perda de uma chance seja uma espécie de dano emergente, porquanto o que foi ofendida foi a chance integrante do patrimônio da pessoa.
Ratificando essa corrente, Martins-Costa (apud SAVI, 2006) “Embora a realização da chance nunca ser certa, a perda da chance pode ser certa”. No mesmo sentido o italiano Bocchiola (apud SAVI, 2006) afirma que “a possibilidade, por si só considerada, é atual já no momento do fato lesivo, e quando se julga sobre esta perda, a situação é, normalmente, definida, cristalizada em todos os seus elementos, de modo que o dano já se verificou”.
Para Savi (2006)
“a importância maior de se considerar a perda de uma chance como um dano presente consiste em diminuir a dificuldade que se apresentava em relação à prova de certeza desta espécie de dano. Além disso, o mais importante para solucionar os entraves impostos é considerar esta como um dano emergente e não como lucro cessante [...]”.
Ainda partidário dessa linha De Cupis (apud SAVI, 2006) afirma
“A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que resultou frustrada”.
Dando uma justificativa para a aplicação da teoria nessa modalidade, Savi (2006) ainda nos ensina que “ao considerar o dano da perda de uma chance como um dano emergente, consistente na perda de vitória e não da vitória, eliminam-se as dúvidas acerca da certeza do dano e da existência do nexo causal entre o ato danoso do ofensor e o dano”.
E o mesmo autor na conclusão de sua obra nos traz os seguintes ensinamentos:
“Assim, em determinados casos, a chance ou oportunidade poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano, na maioria das vezes atual, o qual deverá ser indenizado sempre que a sua existência seja provada, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou por presunção.
A perda de chance [...] deve ser considerada em nosso ordenamento uma subespécie de dano emergente.
Ao se inserir a perda de chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema de certeza de dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda da chance de obter o resultado útil esperado [...], indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado [...].
Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo”.
Ao vermos o posicionamento desses doutrinadores no sentido de que a chance deve ser indenizada como espécie de dano emergente, pode-se extrair que o que eles buscam é a indenização do dano em si e não da vantagem que se alcançaria com a concretização do resultado frustrado.
A ideia de chance é, portanto, naturalmente concebida como algo que já pertencia ao indivíduo no momento do ato danoso. Assim, a chance é tratada como algo singular, como um patrimônio da pessoa que, ao ser lesada, sofre uma perda, acarretando um prejuízo e uma diferença entre o patrimônio anterior e o atual.
Ainda cabe ressaltar que quando a chance se trata de uma esperança distante, por mais que o indivíduo se esforce, jamais poderia alcançar o resultado, como acontece nos jogos da loteria, onde as esperanças são ínfimas e totalmente aleatórias; se o indivíduo for frustrado dessa chance, não terá direito a reparação, pois não se indeniza a mera possibilidade, mas sim aquela probabilidade séria e real.
Saliente-se que o início da teoria desenvolvida na Itália, conforme já argumentado anteriormente, deu-se como uma espécie de dano emergente e que só posteriormente teve outras interpretações.
Aplicando a perda de uma chance como dano emergente, tem-se o TJSP, 5ª Câmara de Direito Público, Apelação/Reexame Necessário nº 9170285-29.2007.8.26.0000, Rel. Des. Firmino Magnani Filho:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Perda de uma chance. Queda em buraco não sinalizado na via pública. Ação indenizatória contra a Municipalidade de São Paulo que deixou de ser proposta pela antiga PAJ por inércia do Procurador do Estado. Dano decorrente da negligência estatal, que não se confunde com os danos materiais, pessoais ou morais oriundos do acidente em si. Fundamento jurídico distinto desses danos – Perda de uma chance que se consubstancia em danos emergentes e não lucros cessantes. Condenação baseada em juízo equitativo do magistrado a quo. Abatimento do valor fixado a título de indenização. Apelação fazendária parcialmente provida. Reexame necessário”. Apelação/Reexame Necessário nº 9170285-29.2007.8.26.0000. Apelantes: Fazenda do Estado de São Paulo e Juízo Ex Ofício. Apelado: João dos Santos Ferreira. Relator Desembargador Firmino Magnani Filho. Publicado em 31.01.2011. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 20.09.2012.
Inobstante, também temos julgados que, embora neguem a existência da perda de uma chance ao caso concreto, reconhecem a perda de uma chance como dano emergente, TJRS, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70005635750, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira; TJRJ, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2003.001.16559, Rel. Des. Maldonado de Carvalho; e TJRJ, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2002.001.26889, Rel. Des. Ricardo Couto.
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, 6ª Câmara Cível. “AÇÃO DE REPARAÇAO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇAO DE NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA DE ADVOGADO, QUE SERIA RESPONSÁVEL PELA REVELIA E INTERPOSIÇAO INTEMPESTIVA DE APELAÇAO. Prova que só permite concluir pela culpa do profissional na última hipótese. Perda de uma chance. Possibilidade de indenização. Necessidade, porém, da seriedade e viabilidade da chance perdida. Circunstâncias não presentes na espécie. Acolhimento do pedido apenas para condenação do profissional ao ressarcimento dos honorários pagos pelos autores e preparo do recurso intempestivo. Apelo em parte provido”. Apelação Cível nº 70005635750. Apelantes: Manoel Nunes Filho e Ilca Marion Neves Nunes. Apelado: Nelson Lacerda da Silva. Relator Desembargador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Publicado em 17.09.2003. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 20.09.2012.
Nesse contexto, resta concluir que tanto a doutrina quanto a jurisprudência, mesmo que de forma minoritária, admitem a tese de que a teoria da perda de uma chance seja uma espécie de dano emergente.
Entretanto, entendemos não ser a melhor forma aplicável, haja vista que a chance, embora tratada como um bem em particular, se for considerada como um dano emergente, ficará difícil sua quantificação, acarretando, no mais das vezes, em indenizações desproporcionais ao dano realmente causado.
2.5.2 – A teoria da perda de uma chance como lucro cessante
Lucro cessante o prejuízo oriundo de uma interrupção da sequencia natural dos fatos, quando era certo que se não fosse a ocorrência do ato danoso, a pessoa lesada com certeza teria um acréscimo patrimonial.
O dano negativo ou lucro cessante para Diniz (2007) é a
“privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado. Para se computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos, conjugado às circunstâncias peculiares do caso concreto”.
Na mesma linha, Gonçalves (2010): “Lucro cessante é a frustração da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado”. Igualmente Gagliano e Pamplona Filho (2003) para quem os lucros cessantes correspondem “àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja ‘o que ela não ganhou”.
Nesse diapasão percebemos que o lucro cessante é a frustração enfrentada por alguém que teria um benefício econômico, mas não o obteve por conta do ato danoso, sendo que essa perda de lucro tem que ser certa e real. É exemplo clássico de lucro cessante o taxista que tem seu carro abalroado e fica impedido de trabalhar por alguns dias por conta do conserto de seu veículo.
Também podemos extrair o conceito dado por Venosa (2010):
“lucro cessante traduz-se na dicção legal, o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano. O termo razoavelmente posto na lei lembra, mais uma vez, que a indenização não pode converter-se em um instrumento de lucro”.
Para os adeptos da corrente de que a perda de uma chance se trata de uma espécie de lucro cessante, afirmam que ao frustrar a chance de alguém se estaria impedindo uma vantagem econômica e é essa vantagem que tem que ser indenizada.
Partidário dessa posição é Sérgio Novais Dias que, segundo Savi (2006)
“talvez por ter sido o primeiro no Brasil a enfrentar a responsabilidade civil pela perda de uma chance mais profundamente e por não ter recorrido aos doutrinadores franceses e italianos que cuidaram do tema, acaba por não reconhecer o valor da chance em si considerada e a tratá-la como se fosse uma espécie de lucro cessante”.
Em sua obra, Dias (apud SAVI, 2006) descriteve o seguinte:
“As duas soluções radicais que podem ser cogitadas, para essa questão da perda de uma chance, não resolvem o problema, porque ambas conduzem a resultado injusto. Uma sustenta que o advogado não pode ser responsabilizado na perda de uma chance, sob fundamento de que, não se tendo a certeza do resultado, não se pode ter como certa a existência do dano. Outra propugna que o advogado deve sempre e integralmente ser responsabilizado pela totalidade do resultado negativo que a perda de chance proporcionou ao cliente, medindo o prejuízo entre a situação primitiva e aquela em que estaria se sua pretensão tivesse sido acolhida. Ambas as soluções não satisfazem, pois na primeira, teríamos o advogado, causando danos terríveis e não ressarcidos aos seus clientes. Na segunda, haveria uma situação de loteria, pois veríamos clientes desejando que seu próprio advogado falhasse, deixando de interpor o recurso cabível ou de ajuizar a ação antes de ultrapassado o prazo decadencial, pois aí, por mais frágil que fosse o direito que o cliente postulasse ser reconhecido, o advogado poderia ser responsabilizado integralmente pelo total da pretensão, que seria para o cliente o caminho mais fácil para alcançar o ganho”.
Cavalieri Filho (2010) ainda sustenta que a
“perda de uma chance guarda relação com o lucro cessante, uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor”.
E continua “quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego” estará caracterizada a perda de uma chance.
Ainda nessa mesma posição doutrinária Diniz (2007) ao tratar do tema ensina que lucro cessante não é só um benefício perdido, como
“também da perda da chance, de oportunidade ou de expectativa (frustração de uma oportunidade em que seria obtido, como diz Jeová Santos, um benefício, caso não houvesse o corte abrupto em decorrência de um ato ilícito), que requer o emprego do tirocínio equitativo do órgão judicante, distinguindo a possibilidade da probabilidade e fazendo uma avaliação das perspectivas favoráveis ou não à situação do lesado, para atingir a proporção da reparação e deliberar o quantum”.
Julgando o tema da perda de uma chance como lucro cessante cabe destacar os seguintes julgados: TJRS, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 71000823252, Rel. Des. João Pedro Cavalli Junior; TJPR, 18ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 735439-4, Rel. Des. Roberto de Vicente; e TJSP, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 990.10.472056-7, Rel. Des. Roberto Solimene.
CURSO DE AUXILIAR DE ENFERMAGEM. FALTA DE AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAR. REPARAÇÃO DE DANOS. Não dispondo o curso de qualificação profissional de auxiliar de enfermagem, oferecido pela ré mediante o Profae/MS, de competente autorização para funcionar no endereço em que ministrado à autora, causa adequada, em princípio, à impossibilidade de obtenção de registro profissional que habilita o aluno ao exercício da profissão, evidencia-se ilícito que determina a reparação de dano moral decorrente tanto da frustração de legítima expectativa, quanto da desconsideração para com a pessoa. Lucros cessantes decorrentes da perda de chance indemonstrados, na espécie. Recurso parcialmente provido apenas para reduzir o quantum indenizatório. Unânime”. Apelação Cível nº 71000823252. Recorrente: Maria Zelia Rael Santos. Recorrido: Instituto de Administração Hospitalar e Ciências da Saúde – IAHCS. Relator Juiz João Pedro Cavalli Junior. Publicado em 10.08.2006. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 20.09.2012.
Assim temos que parte da doutrina e da jurisprudência prefere enquadrar a perda de uma chance como uma espécie de lucro cessante para indenizar aquele que perdeu a chance pela perda de ganho que teria se não fosse o evento danoso, ao contrário da corrente doutrinária que pretende estabelecer a indenização da chance em si considerada.
Desta feita, a perda de chance é considerada para os adeptos dessa corrente como uma perda de acréscimo patrimonial em virtude de ato lesivo causado por outrem.
Outrossim, entendemos não ser a melhor a aplicação da teoria tratá-la como lucro cessante, pois lucro cessante pressupõe uma perda de acréscimo patrimonial certo, que se indeniza o total que deixou de auferir, porém, como a perda de uma chance é uma probabilidade, não se pode indenizar o total que se deixou de ganhar, mas sim de acordo com a probabilidade de se atingir o resultado final.
2.5.3 – A teoria da perda de uma chance como modalidade autônoma de dano
Aqui veremos que de forma majoritária a doutrina e jurisprudência vêm admitindo a perda de uma chance como uma terceira modalidade de reparação de dano, situada ao lado dos danos emergentes e dos lucros cessantes, defendendo que essa espécie embora muito se assemelhe aos dois clássicos institutos, com eles não se confunde.
Partidário dessa corrente doutrinária Venosa (2010) nos ensina que existe
“forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois não se amolda nem a um nem a outro segmento [...]. Por isso, a probabilidade de perda de uma oportunidade não pode ser considerada em abstrato”.
E continua o mesmo autor dizendo que “Quando vem a baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos”.
Bem explicando a aplicação da teoria sobre esse prisma Dias (apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2003) nos dá um importante ensinamento dizendo que
“Em casos cuja decisão envolve interpretação legal, em relação à qual o entendimento encontra-se sumulado pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, a probabilidade é de que o julgamento se faça no mesmo sentido da súmula, a não ser que se demonstre estar ela superada pela própria jurisprudência do tribunal.
Não sendo a matéria sumulada, será considerado provável todo resultado que decorrer de uma interpretação razoável da norma legal, na esteira da Súmula 400 do STF. Tendo, porém, a jurisprudência do STF e do STJ já definido, dentre as interpretações razoáveis, respectivamente das normas constitucionais e das normas federais infraconstitucionais, qual a interpretação considerada correta, será provável o resultado que estiver em sintonia com essa jurisprudência predominante, uma vez que, mesmo se o tribunal de segunda instancia adotasse interpretação razoável, porém dissonante daquela pacificação nas instancias extraordinárias, era previsível que a parte vencida fizesse o processo chegar à terceira instância, mediante a interposição de recurso adequado, de maneira que o julgamento último esperado do caso seria de acordo com essa interpretação.
Quando a questão envolver valoração da matéria fática ou de provam será provável o resultado que decorrer de uma avaliação razoável da questão”.
Na mesma linha Zuliani (apud GONÇALVES, 2010), tratando da responsabilidade civil do advogado, afirma que
“o cliente não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance”.
Ainda temos Silva (2009) tratando a teoria da seguinte forma
“A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe conferir um caráter de certeza”.
Assim, para essa corrente, a chance não se enquadra em nenhum dos tipos clássicos de danos defendidos largamente pela doutrina brasileira, mas se trata de um dano específico indenizável de acordo com a probabilidade de ganho pela chance que foi frustrada.
Para os adeptos dessa corrente, o que se indenizaria seria o quantum provável da chance frustrada de chegar ao resultado final. Não se indenizaria a chance em si como se pretendem os adeptos da corrente que a considera como dano emergente, nem se indenizaria o resultado não alcançado como pretendem os adeptos da corrente que a considera como lucro cessante. Assim, valer-se-á o magistrado da matemática para se chegar ao valor indenizável.
Vejamos, por exemplo, um caso em que o cliente manifesta o desejo de recorrer de uma sentença desfavorável acerca do pagamento de um determinado tributo. Sabe-se que o tribunal ad quem tem interpretação divergente sobre a legalidade do tributo na exata proporção de metade. Assim, caso houvesse o recurso, o cliente teria 50% (cinquenta por cento) de chances de obter uma reforma da sentença do juízo a quo, deixando de pagar o tributo, mas, por ter o advogado perdido o prazo para o recurso, a matéria não foi conhecida pelo tribunal e o cliente perdeu a chance da obtenção de uma vantagem econômica.
Nesse caso hipotético, o cliente lesado terá direito a uma indenização equivalente a 50% (cinquenta por cento) da vantagem que teria caso o advogado recorresse, caracterizando desta forma o dever de indenizar a perda de uma chance como um terceiro gênero de indenização.
Corroborando com esse entendimento STJ, 4ª Turma, REsp nº 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão; STJ, 4ª Turma, REsp nº 788.459/BA, Rel. Min. Fernando Gonçalves; STJ, 3ª Turma, REsp nº 1.079.185/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi; TJRS, 12ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70039808316, Rel. Des. Mário Crespo Brum; TJRS, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70048145593, Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz; e TJMS, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2005.003860-2/0000-00, Rel. Des. Sérgio Fernandes Martins.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance – desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido”. Recurso Especial nº 1190180/RS. Recorrente: Manfredo Erwino Mensch. Recorrido: Onofre Dal Piva. Relator Ministro Luís Felipe Salomão. Publicado em 16.11.2010. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 20.09.2012.
Diante destes julgados e da doutrina colacionada, vemos que tanto os tribunais quanto os doutrinadores que admitem a aplicação da teoria desta forma se recorrem às estatísticas como meio para dar uma melhor solução à problemática.
Importante é a lição de Savatier (apud SILVA, 2009) quando diz que “as estatísticas apenas demonstram uma média teórica, devendo o magistrado, levando em consideração a totalidade do conjunto probatório, analisar se a conduta do réu, em determinado caso concreto, foi determinante para a causação do dano final”.
Venosa (2010) ainda leciona que “no exame dessa perspectiva, a doutrina aconselha efetuar um balanço das perspectivas contra e a favor da situação do ofendido. Da conclusão resultará a proporção do ressarcimento. Trata-se então de prognóstico que se colocará na decisão”.
Igualmente às demais correntes doutrinárias, nessa corrente não se indenizará a chance meramente hipotética, mas sim aquela séria e real que, com certeza, se concretizaria. Nesse sentido são os dizeres de Silva (2009)
“A teoria da perda de uma chance encontra o seu limite no caráter de certeza que deve apresentar o dano reparável. Assim, para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva”.
Nesse diapasão, Venosa (2010) “se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza”.
Trata-se, portanto, nessa modalidade de aplicação da teoria, de uma evolução do nexo causal, para criar um elo entre o ato ilícito que frustrou a chance de alguém e a chance frustrada, indenizando-a na proporção de atingir o resultado concreto.
Pelo fato dessa corrente trazer consigo uma exatidão do quantum indenizável, indenizando de acordo com a probabilidade de atingir o resultado final, entendemos trazer uma maior certeza do dano, deixando a aplicação da teoria com muito mais credibilidade, pois da mesma forma que a chance poderia se tornar algo concreto, também poderia não se concretizar. Assim, a indenização que se pretende com essa teoria seria sensata, pois se extrairia do caso concreto o grau de probabilidade da chance se concretizar e de acordo com esse cálculo se mediria o quantum indenizatório.
CAPÍTULO III – DANO HIPOTÉTICO E PERDA DE UMA CHANCE
3.1 – DANO HIPOTÉTICO
O dano, assim como a conduta humana, o nexo causal e a culpabilidade em alguns casos, é um dos elementos da responsabilidade civil, sem o qual inexiste o dever de indenizar, porém, como se verá adiante, esse dano para ser indenizável deve se pautar em certo grau de certeza, que muitas vezes não se torna configurada.
Venosa (2010) diz que
“Dano pode ser compreendido como toda ofensa e diminuição de patrimônio. Não há como darmos um conceito unitário de dano, tendo em vista inúmeros matizes que o vocábulo abrange. O dano que interessa à responsabilidade civil é o indenizável, que se traduz em prejuízo, em diminuição de um patrimônio”.
E continua nos ensinando que “para que ocorra o dever de indenizar não bastam, portanto, um ato ou conduta ilícita e o nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente repercussão patrimonial negativa material ou imaterial no acervo de bens, no patrimônio, de quem reclama”.
Discorrendo sobre o dano Gonçalves (2010) ensina que
“Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido. [...] A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, aliás, sem objeto”.
E continua dizendo “No entanto, ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo”.
Como se denota dos ensinamentos dos autores acima referendados, o dano a ser indenizado deve existir, pois a sua inexistência é óbice para a pretensão de reparação de danos, haja vista que o dano é pressuposto essencial da responsabilidade civil, devendo ainda, haver prejuízo para aquele que sofre o dano.
No mesmo sentido Bdine Júnior (2007) ao dizer que “o fato de o inadimplemento da obrigação ter sido intencionalmente provocado pelo devedor (dolosamente, portanto) não permite que se imponha a ele a obrigação de indenizar valor superior aos prejuízos efetivamente suportados pelo credor e os lucros cessantes”.
Corroborando com esse entendimento, Diniz (2007) explica que “o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar”.
Entretanto, mesmo que exista dano, o mesmo não pode ser hipotético, ou seja, imaginário, sem a probabilidade de ocorrência, pois como acima transcrito, para sua caracterização, além da existência do dano deve haver prejuízo. No mesmo sentido, inclusive, são os ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2003), quando afirmam ser “indispensável a existência de dano ou prejuízo para configuração da responsabilidade civil”.
Acertadamente Cavalieri Filho (2010) aduz que
“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade de risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc –, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa”.
Observa-se, portanto, que no importante ensinamento acima demonstrado, o dano é a pedra fundamental da responsabilidade civil.
No que tange ao dano indenizável, Gagliano e Pamplona Filho (2003) nos estabelece seus requisitos mínimos, quais sejam:
“a) a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica – obviamente, todo dano pressupõe a agressão a um bem tutelado, de natureza material ou não, pertencente a um sujeito de direito. Lembre-se de que a Magna Carta de 1988, neste ponto, reconhece a plena reparabilidade do dano moral, independentemente do dano patrimonial;
b) certeza do dano – somente o dano certo, efetivo, é indenizável. Ninguém poderá ser obrigado a compensar a vítima por um dano abstrato ou hipotético. Mesmo em se tratando de bens ou direitos personalíssimos, o fato de não se poder apresentar um critério preciso para a sua mensuração econômica não significa que o dano seja certo. Tal ocorre, por exemplo, quando caluniamos alguém, maculando a sua honra. A imputação falsa de fato criminoso (calúnia) gera um dano certo à honra da vítima, ainda que não se possa definir, em termos precisos quanto vale este sentimento de dignidade [...];
c) subsistência do dano – quer dizer, se o dano já foi reparado, perde-se o interesse da responsabilidade civil. O dano deve subsistir no momento de sua exigibilidade em juízo, o que significa dizer que não há como se falar em indenização se o dano já foi reparado espontaneamente pelo lesante.
Ora, em referidos ensinamentos, em que os autores estabelecem os requisitos mínimos para a configuração do dano indenizável, está entre eles a certeza do dano, não se admitindo um dano simplesmente hipotético que não tenha a probabilidade de ocorrência.
O dano hipotético é aquele que somente o lesionado consegue enxergar, porque somente ele visualiza a existência de um dano, que não tem nenhuma probabilidade de acontecimento.
Aliás, é o entendimento de Diniz (2007) que ,entre os requisitos do dano, também explica que deve haver
“efetividade ou certeza do dano, pois a lesão não poderá ser hipotética ou conjetural. O dano deve ser real e efetivo, sendo necessária sua demonstração e evidência em face dos acontecimentos e sua repercussão sobre a pessoa, ou patrimônio desta, salvo nos casos de dano presumido. A certeza do dano refere-se à sua existência e não à atualidade ou a seu montante. [...] A certeza do dano, portanto, constitui sempre uma constatação de fato atual que poderá projetar, no futuro, uma consequência necessária, pois, se esta for contingente, o dano será incerto”.
Nesse diapasão, diante de argumento de renomados autores, conclui-se que efetivamente o dano indenizável é aquele que, além de causar prejuízo a alguém, seja no presente ou no futuro, deve ser certo, com efetividade, ou seja, deve existir no mundo fático.
Segundo a redação do artigo 403 do Código Civil “[...] as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direito e imediato [...]”.
Assim, fica claro que o legislador entendeu por bem em estabelecer como parâmetro para indenização somente os danos emergentes e lucros cessantes de efeito direito e imediato.
Os efeitos direitos e imediatos, por sua vez, não se restringem somente aos lucros cessantes, pois haverá situações em que danos futuros, pautados em chances reais, por haver um grau de certeza muito grande de sua ocorrência, serão indenizados; porém, aqueles simplesmente imaginários, são inadmissíveis, visto que, para sua caracterização, deve haver uma grande probabilidade de ocorrência.
Sobre a indenização dos danos hipotéticos, urge salientar os ensinamentos de Camargo Sobrinho (2012), que assim dispõe:
“Na inexecução dolosa da obrigação, a reparação deve ser a mais ampla possível, devendo incluir os danos emergentes e os lucros cessantes diretos e imediatos. Entretanto, não são admissíveis abusos, não podendo a indenização abranger dano remoto, eventual ou potencial, mas somente aquele proveniente e resultante direto e imediatamente da inexecução dolosa. Para a fixação dos limites da indenização deve haver uma relação direta e imediata entre o prejuízo e a inexecução dolosa, ou seja, um nexo de causalidade para caracterizar a responsabilidade do devedor”.
Corroborando com esse entendimento, Gonçalves (2010) diz que “mera possibilidade não é passível de indenização, pois a chance deve ser séria e real para ingressar no domínio do dano ressarcível”.
No mesmo sentido, Venosa (2010) enfatiza que, “como anota a doutrina com insistência, o dano deve ser real, atual e certo. Não se indeniza, como regra, por dano hipotético ou incerto”.
Nesse passo, vislumbra-se que não se admite a indenização de danos hipotéticos, porquanto estaríamos responsabilizando o causador de um dano ao pagamento de indenizações absurdas, pautadas em meras ilusões, sem qualquer correlação com o evento danoso.
A título de elucidação, como exemplo de dano hipotético, teríamos um jovem rapaz que, após aprovação para ingresso nos forças armadas, sofre uma lesão física que o tira a possibilidade de ingresso na carreira, pleiteando a indenização de um salário de general, acreditando que um dia chegaria naquela patente.
No entanto, no mesmo caso, se o jovem rapaz pleiteasse indenização pela perda de uma chance de ingresso nas forças armadas que já houvera sido aprovado, intentando uma indenização com parâmetro no salário de alguém em suas mesmas condições, estar-se-ia falando em uma chance indenizável, haja vista que nesse caso não se trata de uma mera possibilidade de acontecimento, mas sim de um acontecimento muito certo quanto à sua ocorrência.
Veja-se que no primeiro exemplo o jovem rapaz pleiteia uma indenização imaginando que chegaria à patente de general, que além da aprovação exige o cumprimento de diversos requisitos que não é certa a sua consecução, já no segundo caso, quando se pleiteia a indenização equivalente ao salário de um jovem recém-admitido no quadro das forças armadas, esse dano tem um grau muito alto de probabilidade, pois dificilmente o jovem rapaz não ingressaria no quadro das forças armadas e não receberia a remuneração.
Dessa forma, fica evidente que o dano hipotético não justifica a reparação, pois para que haja indenização o prejuízo deve ser certo.
Todavia, para a caracterização do dano indenizável não há a necessidade de certeza absoluta, pois, com isso, o lesionado acabaria por ter uma segunda lesão, que é a falta de tutela jurisdicional de um dano que o privou de uma chance com probabilidade muito alta de ocorrência.
Contudo, é preciso alertar, que o juiz deve ter cuidado no momento de caracterizar o citado dano, não o confundindo lucro cessante com lucro imaginário, simplesmente hipotético, odioso para o direito, pois se assim for confundido, estaríamos diante do enriquecimento ilícito.
Aliás, os tribunais acertadamente vêm aplicando reparando o dano de acordo com sua efetividade TJSP, 17ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 0003203-32.2010.8.26.0062, Rel. Des. Nelson Jorge Júnior; TJSP, 4ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 9064744-12.2004.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Henrique Miguel Trevisan; TJSC, 4ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2007.052625-1, Rel. Des. Eládio Torrent Rocha; STJ, 2ª Turma, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.220.911, Rel. Min. Castro Meira.
DANOS MATERIAIS. Indenização. Efetiva comprovação dos prejuízos. Inocorrência. Mera possibilidade de ocorrência futura. Acolhimento da pretensão. Impossibilidade: A indenização por danos materiais depende da efetiva comprovação dos prejuízos alegados, não sendo suficiente a mera possibilidade de que eles venham a acontecer no futuro. RECURSO NÃO PROVIDO. Apelação Cível nº 0003203-32.2010.8.26.0062. Apelante: Indústria de Plásticos Bariri Ltda. Apelada: Basf S/A. Relator Desembargador Nelson Jorge Júnior. Publicado em 09.08.2012. Disponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 20.09.2012.
Com efeito, trata-se de um juízo de probabilidade objetiva, e não de mera possibilidade, isto é, é necessário que do curso normal das coisas e circunstâncias do caso concreto, o ofendido provavelmente viesse a ter um ganho não fosse o dano causado. Dessa forma, vê-se, desde logo, a necessidade de levar em conta não somente o desfalque, mas aquilo que não entrou ou não entrará para esse patrimônio, em virtude de certo fato danoso.
3.2 – PERDA DE UMA CHANCE
A perda de uma chance, como anteriormente explanado, tem, atualmente, ampla aplicação na jurisprudência e ampla aceitação na doutrina.
Para a doutrina e para a jurisprudência, o fundamento legal para a aplicação da teoria da perda de uma chance é o mesmo que veda a aplicação do dano hipotético, qual seja, o artigo 403 do Código Civil que dispõe da seguinte forma: “[...] as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direito e imediato [...]”.
Ratificando essa ideia Martins-Costa (apud SAVI, 2006) nos ensina o seguinte:
“Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar”.
Nesse passo, urge ainda salientar que o artigo 927, caput, do Código Civil, dispõe que toda lesão causada por atos ilícitos enseja sua reparação.
Assim, se alguém frustra a chance de outrem obter êxito em determinada situação e essa chance frustrada era plenamente realizável de acordo com o desenrolar natural dos fatos, o ordenamento jurídico não deixará de acolher essa pretensão e impor a devida reparação.
Entretanto, conforme visualizamos anteriormente de forma pormenorizada, existe grande divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza do dano pela perda de uma chance, pois a classificam de três formas, quais sejam, como dano emergente, como lucros cessantes e como modalidade autônoma de indenização.
Para melhor elucidação, partidário da corrente que a perda de uma chance trata-se de um dano emergente De Cupis (apud SAVI, 2006):
“A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que resultou frustrada”.
No mesmo sentido Savi (2006)
“a importância maior de se considerar a perda de uma chance como um dano presente consiste em diminuir a dificuldade que se apresentava em relação à prova de certeza desta espécie de dano. Além disso, o mais importante para solucionar os entraves impostos é considerar esta como um dano emergente e não como lucro cessante [...]”.
Por outro lado, reforçando o entendimento de que a perda de uma chance é tratada como lucros cessantes Cavalieri Filho (2010):
“perda de uma chance guarda relação com o lucro cessante, uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor”.
Corroborando com esse entendimento, Diniz (2007) diz que
“também da perda da chance, de oportunidade ou de expectativa (frustração de uma oportunidade em que seria obtido, como diz Jeová Santos, um benefício, caso não houvesse o corte abrupto em decorrência de um ato ilícito), que requer o emprego do tirocínio equitativo do órgão judicante, distinguindo a possibilidade da probabilidade e fazendo uma avaliação das perspectivas favoráveis ou não à situação do lesado, para atingir a proporção da reparação e deliberar o quantum”.
E analisando o dano decorrente da perda de uma chance como um terceiro gênero, Zuliani (apud GONÇALVES, 2010) ensina que:
“o cliente não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance”.
Ainda partidário desse entendimento, Silva (2009) assim se refere sobre a chance perdida:
“A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe conferir um caráter de certeza”.
Ora, em que pese tais divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da natureza jurídica do instituto, ambos os autores, bem como a jurisprudência, para a aplicação da teoria ao caso concreto, independentemente de sua natureza jurídica, levam em conta o grau de certeza do dano decorrente da perda de uma expectativa.
Na perda da chance, não existe um benefício futuro certo, ou seja, não existe uma certeza absoluta de que o ganho ocorreria, que poderia tanto ser um resultado favorável como não. Caracteriza-se, no entanto, quando alguém se vê privado da oportunidade de obter determinada vantagem ou de evitar um prejuízo em virtude de uma conduta ofensiva. Em outras palavras, ela ocorre quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima.
Dando uma importante lição acerca do que seria uma chance perdida, Gonçalves (2010) dispõe que ela consiste
“na interrupção, por um determinado fato antijurídico, de um processo que propiciaria a uma pessoa a possibilidade de vir a obter, no futuro, algo benéfico, e que, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Frustra-se a chance de obter uma vantagem futura. Essa perda de chance, em si mesma, caracteriza um dano, que será reparável quando estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil”.
Savi (2006) também nos ensina “A perda de uma chance séria e real é hoje considerada uma lesão a uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada na mesma forma que a lesão a outras espécies de bens ou qualquer outro direito subjetivo tutelado pelo ordenamento”.
Ainda Silva (2009) disciplina que
“não podemos afirmar que o ato culposo do ofensor foi à causa necessária para a perda do resultado pretendido pela vítima, visto que o prognóstico retrospectivo que se poderia fazer para saber se o demandante ganharia a causa, ou se o cavalo ganharia a corrida, ou se a gestante permaneceria viva, é bastante incerto, cercado de fatores exteriores múltiplos, como a qualidade dos outros cavalos, a jurisprudência oscilante na matéria da demanda judicial e as misteriosas características das enfermidades. Entretanto não podemos negar que houve um prejuízo, tendo em vista que o demandante perdeu a chance de ver seu processo julgado, o proprietário do cavalo perdeu a chance de ganhar o prêmio, e a gestante perdeu a chance de continuar viva, ou seja, o resultado da aposta nunca será conhecido por causa da conduta culposa do ofensor. É este o prejuízo que a teoria da perda de uma chance visa indenizar”
E continua o mesmo autor dizendo que “esse tipo de chance perdida possui valor próprio. Assim, um bilhete de loteria representa nada mais do que a chance de ganhar determinado prêmio, e não se questiona que ele tenha determinado preço”.
Igualmente, urge salientar a lição de Venosa (2010), que assim vaticina sobre como o dano incerto deve ser tratado:
“cum granum salis, pois, ao se deferir uma indenização por perda de chance, o que se analisa, basicamente, é a potencialidade de uma perda, o prognóstico do dano certo, embora os lucros cessantes não fujam muito dessa perspectiva. No entanto, essa assertiva, tida como inafastável em sede de indenização, deve ser entendida em seu contexto. Os julgados demonstram que, a construção é feita sob hipóteses mais ou menos prováveis. Na verdade, quando se concede lucro cessante, há um juízo de probabilidade, que desemboca na perda de chance ou de oportunidade”.
Ao se analisar a perda de uma chance como um dano em si considerado, é preciso prever se o curso normal dos fatos acarretaria na hipótese almejada que foi frustrada. Nesse prisma, as hipóteses devem ficar sempre nos limites do razoável e no que pode ser materialmente demonstrado. Os danos futuros devem ser razoavelmente avaliados quando consequência de um dano presente.
Bem acertado é o ensinamento de Briz (apud VENOSA, 2010)
“entre um extremo e outro cabe uma graduação que haverá de se fazer, em cada caso, com critério equitativo distinguindo a mera ‘possibilidade’ da ‘probabilidade’, e tendo em conta que talvez em algum caso seja indenizável a mera ‘possibilidade’, se bem que em menor quantidade do que a ‘probabilidade’, base dos lucros cessantes propriamente ditos”.
Venosa (2010) ainda nos ensina “se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza”.
Para Diniz (2007)
“a chance é um dano real indenizável se se puder calcular o grau de probabilidade de sua concretização ou da cessação do prejuízo. Se assim é, o dano deve ser apreciado, em juízo, segundo o maior ou menor grau de probabilidade de converter-se em certeza. A chance, ou oportunidade, seria indenizável por implicar perda de uma expectativa ou probabilidade. A perda de uma oportunidade é um dano, cuja avaliação é difícil, por não ser possível a condução da vítima ao statu quo ante, pois não mais terá a chance perdida. O lesado deve ser indenizado pelo equivalente daquela oportunidade; logo o prejuízo terá um valor que variará conforme maior ou menor probabilidade de a chance perdida se concretizar”.
Diante de todos os ensinamentos explanados, nota-se que a chance passível de indenização é aquela séria e real, que tem certo prognóstico de certeza que aconteceria se não fosse o evento danoso.
Não se trata, como vimos, de mera possibilidade, pois nesta o dano é eventual e inexiste no mundo dos fatos, existindo somente na imaginação do supostamente lesado.
Ao não se reconhecer a perda de uma chance como modalidade de dano passível de indenização não se estaria somente deixando de indenizar, mas também provocando um duplo dano, pois além do dano suportado, não terá a vítima sua pretensão acolhida pelo judiciário para minimizar o evento danoso.
Há de se alertar, outrossim, que a teor do artigo 944 do Código Civil, essa indenização em decorrência da perda de uma chance deverá pautar-se em conformidade com o tamanho do dano ocorrido e o prejuízo ocasionado àquele que sofrera o dano.
Portanto, visualiza-se que a perda de uma chance, ao contrário da mera possibilidade (do dano eventual, dano hipotético, dano imaginário etc.), é perfeitamente indenizável, pois gera uma perda patrimonial, mesmo que futura, para a vítima.
3.3 – DIFERENÇA ENTRE DANO HIPOTÉTICO E PERDA DE UMA CHANCE
Uma vez superado a ideia do que seria o dano hipotético e o dano pela perda de uma chance, cabe aqui, para não restarem dúvidas sobre sua diferença, estabelecer a diferença entre ambas.
O dano hipotético, como anteriormente descrito, é aquele em que a probabilidade de acontecimento é irreal, ou seja, não existe prognóstico de certeza que o evento futuro perquirido pela vítima do dano teria atingido o resultado esperado.
Aliás, é o que dispõe o artigo 403 do Código Civil.
O dano pela perda de uma chance, por sua vez, é aquele em que há uma frustração da expectativa do lesado, expectativa essa que certamente tornaria algo concreto, mas que pela interrupção danosa não atingiu seu fim.
A linha que separa o dano hipotético (não indenizável) e o dano pela perda de uma chance (indenizável) é muito tênue e sua incorreta diferenciação acarretaria em reparações injustas ou em falta de reparações.
O artigo 944 do Código Civil, em sua redação demonstra que a indenização deverá sempre pautar-se em conformidade com a extensão do dano.
Nesse passo, só se pode admitir que exista indenização de acordo com o dano. Assim, se o dano é hipotético a indenização de igual forma será hipotética, portanto, inexistente, mas se o dano é pela perda de uma chance, ela é que será indenizada.
Dessa forma, ao se analisar um caso concreto sob a égide da perda de uma chance, sempre deverá ser perseguido uma análise crítica, tentando estabelecer um grau de certeza no alcance da chance frustrada.
Se a chance frustrada for apenas eventual, não haverá indenização, pois não se indeniza a mera possibilidade; porém, se a expectativa frustrada tem um grau certo de acontecimento, estaremos diante de uma situação em que haverá a obrigação de reparação.
De acordo com o artigo 927 do Código Civil todo aquele que causa dano a outrem tem o dever de reparar. Citado dispositivo prevê o dever geral de reparação, porquanto todo o dano ocasionado deve ser indenizado para que a vítima não tenha uma dupla lesão.
No entanto, há de se atentar que, conforme bem ressaltado anteriormente, o dano indenizável tem que ter gerado uma quebra no acontecimento natural dos fatos que frustra a chance séria e real de alguém.
Não se confunde esse dano indenizável com aquele hipotético sem probabilidade de ocorrência, que não é dano, mas sim mera possibilidade, que, conforme entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência, não tem a força de ensejar o dever de reparação do dano.
Portanto, para que não haja injustiças na aplicação da teoria, a diferenciação entre dano hipotético e perda de uma chance é algo elementar a ser sempre perquirido pelos operadores do direito na análise do caso concreto, adentrando-se na análise da probabilidade de concretização da chance perdida, pois só existe dever de indenização dos danos em virtude da frustração de uma chance com potencialidade de concretização no mundo fático.
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve por objetivo a análise da teoria da perda de uma chance, abordando sua origem histórica, sua aceitação pela doutrina e pelo tribunais, sua natureza jurídica e sua diferença em relação ao dano hipotético.
Entretanto, como ficou demonstrado, a teoria da perda de uma chance já é plenamente acolhida em nosso ordenamento jurídico, pois a chance séria e real é tratada como um dano em si considerado.
Existe, todavia, divergência doutrinária e jurisprudencial acerca de sua natureza jurídica, sendo que para uns a perda de uma chance é um dano emergente, para outros a perda de uma chance é lucro cessante e há ainda os que defendem tratar-se de uma modalidade autônoma de indenização.
Em relação à natureza jurídica do instituto, entendemos que a melhor solução seria sua interpretação de acordo com uma modalidade autônoma de indenização, visto que mesmo que muito se assemelhe ao dano emergente e aos lucros cessantes, possui características próprias.
Ao se analisar a teoria dessa forma, evitaríamos indenizações injustas, porque não se indenizará a chance perdida em si, considerando-a como parte integrante do patrimônio do lesado, nem a indenizará por toda a perda de lucro decorrente da chance perdida. O que ocorrerá será a indenização da perda de uma chance de acordo com seu grau de probabilidade de acontecimento, ou seja, se a pessoa tivesse 50% (cinquenta por cento) de chance de êxito, será esse o percentual da indenização em relação ao resultado final. Do contrário muitas vezes se estaria indenizando 100% (cem por cento) de uma expectativa que não tem essa perspectiva.
Superado esse ponto, urge salientar que o grande divisor de águas o enquadramento da perda de uma chance como dano indenizável, reside na sua diferenciação em relação ao dano hipotético.
A chance indenizável é aquela séria e real, aquela que, embora não se possa afirmar que aconteceria, a probabilidade de ocorrência era muito alta. Não se indeniza qualquer chance, mas tão somente aquela que, em virtude da interrupção pelo evento danoso, deixou de ocorrer e que se não fosse esse evento, a chance se reverteria em um estado concreto.
Por conseguinte, o dano hipotético, que é aquele que não tem qualquer chance de acontecimento, não passando de uma mera possibilidade imaginada pelo supostamente lesado e que, por não apresentar um nexo de causalidade adequado com o resultado futuro, não pode ser objeto de reparação.
Portanto, a perda de uma chance deve ser em si considerada um dano, que priva o lesado de sua chance de acréscimo patrimonial e deve haver a reparação de acordo com as chances que o indivíduo teria de alcançar o resultado final que foi frustrado pelo ato ilícito do causador do dano.
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___________. Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. Volume 4.
Advogado do Município de Bragança Paulista/SP. Bacharel em Direito pela Universidade São Francisco. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMALHO, Henri Dhouglas. A responsabilidade civil em decorrência da perda de uma chance Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50704/a-responsabilidade-civil-em-decorrencia-da-perda-de-uma-chance. Acesso em: 22 nov 2024.
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