Resumo: O presente ensaio buscará apresentar de forma sucinta e contextualizada o processo de licenciamento ambiental e suas fases no que concerne aos empreendimentos ou atividade que atingem direta ou indiretamente os povos tradicionais, quilombolas ou indígenas, frente a Convenção 169 da OIT e o direito a consulta prévia, livre e informada. Sendo explorado os mecanismo de executividade da consulta prévia no processo de licenciamento ambiental e a obrigatoriedade legal da consulta neste procedimento licenciador.
Palavras-chave: Licenciamento ambiental. Consulta prévia. Povos Tradicionais. Convenção 169 da OIT. Protocolo de Consulta.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O Processo de Licenciamento Ambiental: Contexto histórico, definição e base legal; 3. Licenças Ambientais; 3.1. Licença Prévia; 3.2. Licença de Instalação; 3.3. Licença de Operação; 4. A Convenção 169 da OIT e o Direito a Consulta Prévia aos Povos Tradicionais no Processo de Licenciamento Ambiental; 5. Conclusões. Referências
1 Introdução
O objetivo deste ensaio é analisar o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos ou atividades que atinjam direta ou indiretamente os povos e comunidades tradicionais, quilombolas ou indígenas, diante da Convenção nº 169 da OIT e o mecanismo de consulta prévia, livre e informada.
Será explorado de forma sucinta no primeiro tópico o processo de licenciamento ambiental diante do seu contexto histórico, base legal, conceito. No segundo será abordada a licença ambiental e suas fases, quais sejam a licença prévia, de instalação e de operação. Por último será levado em consideração o mecanismo de consulta prévia, livre e informada no licenciamento ambiental, com o consequente estudo da Convenção nº 169 da OIT, mais especificamente no que tange ao artigo 6º.
No último subitem ainda abordar-se-á o procedimento que vem sendo adotado de forma democrática e exigida pelos povos tradicionais, quilombolas ou indígenas para a concretização do direito a consulta prévia, livre e informada no processo de licenciamento ambiental ou qualquer outro processo (administrativo ou legislativo) que venha a atingir essas comunidades.
O presente trabalho tende a responder aos seguintes questionamentos: O processo de licenciamento ambiental guarda compatibilidade com a Convenção nº 169 da OIT no que tange ao procedimento de Consulta Prévia, Livre e Informada? Qual o mecanismo adequado de consulta a ser adotado no processo de licenciamento?
O trabalho será construído com base em entendimentos já consagrados acerca de institutos jurídicos de direito privado e público, transportando-os para o mencionado direito à consulta prévia no que tange às comunidades tradicionais.
2 O Processo de Licenciamento Ambiental: Contexto histórico, definição e base legal.
Historicamente, o desenvolvimento econômico da revolução industrial impediu por muitos anos que os problemas ambientais fossem enfrentados e considerados. Os impactos e poluições ambientais à época eram visíveis por meio do desenvolvimento desordenado da indústria, porém o progresso gerado por esse crescimento era justificado como um “mal necessário”, algo que a sociedade deveria acatar e aceitar.
Na década de 1960 por sua vez, em uma reunião no Clube de Roma[1], o termo meio ambiente foi mencionado pela primeira vez com o objetivo de reconstruir os países pós-guerra, se estabelecendo ali um debate sobre os problemas ambientais instalados após esse período.
Nessa era, portanto, o que se priorizava para a instalação de um empreendimento era tão somente o aspecto econômico, não se fazendo qualquer tipo de análise dos impactos ambientais que este projeto iria gerar, nem tampouco as consequências que acarretariam ao bem estar social das populações em seu entorno.
Institucionalmente a primeira manifestação acerca do tema “impactos ambientais” só se deu em 1969 nos Estados Unidos da América com a criação do NEPA (National Environmental Policy Act), e no ano seguinte com o Processo de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA – como instrumento de política ambiental do primeiro. Nesse sentido preceitua Cerqueira (2009, p. 11):
A primeira manifestação, de maneira institucionalizada, de política relacionada ao tema impacto ao meio ambiente veio com a criação do NEPA (National Environmental Policy Act) em 1969, nos Estados Unidos da América, institucionalizando, no ano seguinte, o processo de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, como um instrumento da sua política ambiental. Esse instrumento legal dispunha sobre os objetivos e princípios da política ambiental norte-americana, exigindo para todos os empreendimentos com potencial impactante, a observação dos seguintes pontos: identificação dos impactos ambientais, efeitos ambientais negativos da proposta, alternativas da ação, relação dos recursos ambientais negativos no curto prazo e a manutenção ou mesmo melhoria do seu padrão no longo prazo e, por fim, a definição clara quanto a possíveis comprometimentos dos recursos ambientais para o caso de implantação da proposta. Mais tarde, esse instrumento também foi adotado pela França, Canadá, Holanda, Grã-Bretanha e Alemanha (CERQUEIRA, ROSE e et al, 2009, p. 11).
Desta feita, trata-se de primeiro instrumento legal em que se exige para instalação de um grande empreendimento a observância de requisitos específicos sobre a questão ambiental.
Em meados de 1972, já em Estocolmo, foi realizada a I Conferência Mundial de Meio Ambiente, cujo objetivo era o estabelecimento de uma visão global de preservação e melhoria do meio ambiente, a qual resultou na Declaração sobre o Ambiente Humana onde se definiu em seu Princípio 1 que o homem tem o direito fundamental de desfrutar de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.
Infere-se que a Declaração de Estocolmo foi um marco histórico na questão ambiental, uma vez que, a preocupação com a preservação do meio ambiente passou a fazer parte das políticas de desenvolvimento adotadas nos países mais avançados, sendo as avaliações de impactos ambientais apresentadas como mecanismo de incorporação ao processo de decisão de instalação de um empreendimento.
Desta época até os dias atuais, contudo, houve grandes avanços nos tratamentos das questões ambientais, tanto no que se refere a questão legislativa, quanto no processo de conscientização da sociedade no eixo preservação do meio ambiente.
No Brasil, ressalta-se que as primeiras tentativas de aplicação do método de avaliação de impactos ambientais decorrentes de instalação de empreendimentos se deram com as exigências feitas pelos órgãos financeiros para aprovação de empréstimos para projetos governamentais. Além disso, com a crescente conscientização da sociedade, tornou-se necessária a adoção de práticas cada vez mais adequadas de gerenciamento ambiental em quaisquer atividades modificadoras do meio ambiente.
Esse receio com os órgãos financeiros levou o governo brasileiro a sancionar a Lei nº 6938 de 1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente e criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente[2] (SISNAMA), contemplando critérios para a proteção ambiental no País. Nesta diapasão para proceder a operacionalização do sistema nacional foi instituído dentre outros instrumento, o licenciamento ambiental.
O licenciamento ambiental por sua vez, sustenta definição legal na Resolução do CONAMA nº 237/97, a qual estabelece em seu artigo 1º, inciso I, que:
I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
Constitui-se portanto, um dos mecanismos de operacionalização da Política Nacional do Meio Ambiente[3], possuindo como finalidade a promoção do controle prévio à construção do empreendimento, da instalação e da operação das atividades que demandam para o seu funcionamento a utilização de recursos ambientais[4]. Desta feita, com o licenciamento ambiental busca-se estabelecer mecanismo de controle ambiental, de setores que possam vir comprometer a qualidade ambiental.
Hoje, o licenciamento ambiental passou a abranger não mais tão somente os setores industriais, mas também os projetos de expansão urbana, agropecuária, turismo, bem como todo e qualquer empreendimento que demande comprometimento à qualidade ambiental.
Nesse aspecto, a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, veio para reforçar a obrigatoriedade do licenciamento ambiental e a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo em seu artigo 60 sanções penais e administrativas lesivas ao meio ambiente.
3 Licenças Ambientais
O licenciamento ambiental, considerado um instrumento preventivo, consiste em um procedimento uno dividido em três fases distintas que estabelecem condições e medidas de controle ambiental que deverão ser observadas pelo empreendedor. Estas fases são: licença prévia, licença de instalação e licença de operação.
3.1 Licença Prévia
O art. 19 do Decreto nº 99.274/90 e o art. 8º da Resolução nº 237/97 do CONAMA definem o termo licença prévia (LP) como sendo a licença ambiental concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental, e ainda estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação. Cabe ressaltar que a concessão da LP não autoriza nem o início das obras, nem tampouco o funcionamento do empreendimento ou atividade, ou seja, a “emissão da Licença Prévia não garante a emissão da Licença de Instalação, e nenhuma das duas é garantia da Licença de Operação” (TRENNEPOHL, TRENNEPOHL, 2013, p. 60). Nessa diapasão se posiciona Talden Farias (2015, p. 71) ao explicar no que consiste a fase de licença prévia no processo de licenciamento ambiental:
É nessa fase que o empreendedor manifesta a intenção de realizar a atividade, devendo ser avaliadas a localização e a concepção do empreendimento, de maneira a atestar a sua viabilidade ambiental e a estabelecer os requisitos básicos para as próximas fases, devendo ser também elaborados os estudos de viabilidade do projeto. Após a análise, a discussão e a aprovação desses estudos de viabilidade, o órgão ambiental concederá a licença prévia, que por ser a primeira licença ambiental deverá funcionar como um alicerce para a edificação de todo o empreendimento (FARIAS, 2015, p. 71).
Assim, cabe à licença prévia aprovar desde a concepção à localização do empreendimento/atividade, atestando a sua viabilidade ambiental. A LP trata-se porém, de uma garantia por parte do Órgão ambiental competente de que o empreendedor está pronto para iniciar os planejamentos da atividade.
Dessa formar a licença prévia desempenha um dos papéis mais importantes no processo de licenciamento ambiental, uma vez que é nessa fase que se constata os impactos que a atividade irá causar, bem como se faz a adequação das atividades econômicas com a legislação ambiental e ao correto procedimento de gestão ambiental. Nesse sentido preleciona Antônio Inagê de Assis Oliveira (2005, p. 362):
[...] A licença prévia desempenha um papel de maior importância dentro do licenciamento em relação à licença de instalação e à licença de operação, posto que é nessa fase em que se levantam as consequências da implantação e da operação do empreendimento e em que se determina a localização do empreendimento (OLIVEIRA, 2005, p. 362).
Isto posto, pelo fato da fase de licença prévia ser o momento em que podem serem feitas as alterações estruturais no projeto da atividade é que a mesma pode ser considerada como uma das etapas mais importantes do processo de licenciamento ambiental.
3.2 Licença de Instalação
Após a expedição da licença prévia e cumprida as exigências contidas nesta pelo empreendimento/atividade, o órgão competente poderá emitir a licença de instalação, que trata-se do mecanismo do processo de licenciamento que autoriza a instalação da atividade de acordo com as especificações dos planos, programas e projetos aprovados. Nessa segunda fase é o momento, além de tudo, da elaboração do Projeto Executivo, apresentando-se técnicas adequadas e compatibilização da instalação com o meio ambiente.
Esta espécie de licença encontra base e definição legal no artigo 19, inciso II, do Decreto nº 99.274/90 e no artigo 8º da Resolução do CONAMA nº 237/97. Veja-se:
Art. 19. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
[...]
II - Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado;
Artigo 8º – O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
[...]
II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental, e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
Desta forma, após aprovado pelo Órgão licenciador o Projeto Executivo, é expedida a licença de instalação com os quesitos legais e técnicos a serem efetivados pela atividade ou empreendimento a ser instalado como forma de proteção do meio ambiente, sendo somente a partir de então autorizada a implantação do projeto.
3.3 Licença de Operação
Definida legalmente[5] como a licença ambiental que autoriza a operação do empreendimento ou atividade, após o efetivo cumprimento do que demandam as licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para o operação. Trata-se por sua vez, de ato administrativo conclusivo para o empreendimento dar início às atividades.
Nessa fase, órgão licenciador antes de expedir a licença de operação, deverá efetuar uma vistoria no local e verificar o cumprimento das exigências de controle ambiental, e somente após isso que será concedida a referida licença e autorizado o efetivo funcionamento da atividade. É o que dispõe o art. 8º, inciso III da Resolução nº 237/97 do CONAMA:
Artigo 8º – O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
[...]
III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a operação.
Para a doutrinadora Raisa Lustosa de Oliveira (2014, p. 91), a licença de operação é a mais importante no processo de licenciamento ambiental, uma vez que permite o funcionamento da atividade.
Diante do exposto, cumpre trazer à tona o processos de licenciamento ambiental frente aos empreendimentos ou atividades que atingem direta ou indiretamente povos de comunidades tradicionais quilombolas e indígenas frente ao que demanda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
4 A Convenção 169 da OIT e o Direito a Consulta Prévia aos Povos Tradicionais no Processo de Licenciamento Ambiental
O ponto principal do presente ensaio volta-se à analise dos dispositivos da Convenção 169 da OIT, especificamente no que tange ao procedimento de consulta prévia, livre e informada aos povos tradicionais no bojo do processo de licenciamento ambiental quando presentes na área de influência do empreendimento.
Primeiramente impende destacar o que dispõe os artigos 6º e 7º da Convenção 169 da OIT, in verbis:
Artigo 6o
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
Artigo 7o
1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente.
Assevera-se que, por se tratar de norma internacional de direitos humanos, a presente Convenção deve guardar compatibilidade com as demais regras do ordenamento jurídico interno pátrio. Nesse aspecto, os estudos e avaliações ambientais realizados como base para viabilidade ambiental de um empreendimento ou atividade, deve levar em consideração a noção ampla de meio ambiente, destacando-se nesse caso “os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos", conforme artigo 6°, inciso I, "c", da Resolução CONAMA n° 01/86.
No processo de licenciamento ambiental por sua vez, o ente licenciador tem a obrigação de legitimar a participação das comunidades tradicionais por meio do estabelecimento de instrumentos que permitam a estes expor suas ponderações, dúvidas e anseios, a fim de que sejam internalizados no procedimento de licenciamento. A este procedimento de inclusão dos povos tradicionais no processo de licenciamento, dá-se o nome de consulta prévia, livre e informada, regida internacionalmente pela Convenção nº169 da OIT.
A obrigatoriedade da consulta prévia, livre e informada pelo Estado no processo de licenciamento ambiental, emana de obrigação legalmente constituída pelo artigo 6º da Convenção 169 da OIT, em que institui que todo procedimento administrativo ou legislativo que atinja direta ou indiretamente os povos tradicionais, quilombolas e indígenas, deverá ser procedido mediante consulta prévia destes. Isso significa que, antes de iniciado o processo decisório, as partes se colocam em um diálogo que permita, por meio de revisão de suas posições iniciais, se chegarem à melhor decisão (DUPRAT, 2017, online).
Contudo, esse procedimento de consulta não deve se confundir com as audiências públicas realizadas sob os ditames da Resolução nº 09/87 do CONAMA, pois como o próprio termo indica, se trata de espaço coletivo em que qualquer pessoa poderá se fazer presente, sendo facultado o ingresso e participação de todos aqueles que se demonstrarem interessados na questão.
Atualmente, as comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e ribeirinhas, têm utilizado como mecanismo de concretização do direito à consulta prévia, livre e informada, o protocolo de consulta prévia[6].
O protocolo de consulta prévia trata-se de mecanismo democrático, produzido pela própria comunidade, onde informa como aquele povo deve ser consultada pelo Governo/Estado, qual a forma adequada, como deverão participar do processo decisório no processo de licenciamento ambiental, bem como em qualquer ato administrativo e legislativo que os atinjam.
Esses protocolos próprios, autorizados pela Convenção 169 da OIT, têm exatamente a finalidade de assegurar no ponto de partida um mínimo de equivalência entre as forças dos interlocutores (PERUZZO, 2016, p.20).
O direito à consulta prévia, livre e informada aos povos tradicionais nada mais é do que a concretização do princípio da participação do direito ambiental no processo de licenciamento, sendo um reconhecimento não tão somente ao direito à fala, mas sim enquanto pessoa ou comunidade política que tem argumentos e razões próprias para acatar ou propor mudanças em um processo decisório.
Esta participação ocorre respeitando as particularidades de cada indivíduo ou grupo culturalmente diferenciado. Nesse entendimento Fajardo comenta que “o direito à participação se vincula diretamente com a capacidade de intervir em mecanismos de tomada de decisão e não apenas em mecanismo consultivo, onde decidam outros” (FAJARDO, 2008).
A respeito de como deve ocorrer a consulta prévia, pode ser tomado como base o que consta no Protocolo Munduruku, com atenção à garantia de participação efetiva e à necessidade de “o outro lado” conhecer a realidade dos povos tradicionais, quilombolas e indígenas. In Verbis:
O governo não pode nos consultar apenas quando já tiver tomado uma decisão. (...) Quando o governo federal vier fazer consulta na nossa aldeia, eles não devem chegar à pista de pouso, passar um dia e voltar. Eles têm que passar com paciência com a gente. Eles têm que viver com a gente, comer o que a gente come. Eles têm que ouvir a nossa conversa. O governo não precisa ter medo de nós. Se ele quer propor algo que vai afetar nossas vidas, que ele venha até a nossa casa. Não aceitaremos dialogar com assessores, queremos ser consultados por quem tem o poder de decisão. (...) Nessas reuniões, nossos saberes devem ser levados em consideração, no mesmo nível de conhecimento dos pariwat (não ínidios). (COMISSÃO PRO-INDIO DE SÃO PAULO, 2017, online).
Diante disso, nota-se que a consulta prévia, livre e informada deve ocorrer antes mesmo da primeira fase do licenciamento ambiental, qual seja a licença prévia, uma vez que os povos tradicionais, quilombolas e indígenas devem ser parte do processo decisório de qualquer ato administrativo ou legislativo que venha atingir o seu território, não restando dúvidas quanto ao amparo legal seja no ordenamento jurídico interno, quanto nos diplomas internacionais.
Destaca-se por fim que, a consulta prévia, livre e informada deve ser realizada seja no processo de licitação anterior ao empreendimento, nas fases do licenciamento ambiental, antes da emissão de qualquer espécie de licença ambiental, participando assim do processo de licenciamento ambiental e da construção e conservação do meio ambiente.
5 Conclusões
Diante do exposto no presente ensaio conclui-se que, o processo de licenciamento ambiental teve como base uma construção histórica, com escopo de Declaração Universal de preservação do meio ambiente, bem como foi impulsionado pelas degradações causadas pelas indústrias. Observa-se que, no Brasil a exigência de concessão de licenças ambientais por meio do ente licenciador se deu a partir da necessidade de negociação e financiamento com agentes financiadores, o que deu origem a Lei nº 6938 de 1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente e criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.
Dispôs-se também que o processo de licenciamento ambiental é subdividido em três fases, quais sejam licença prévia, de instalação e de operação, cada qual com sua finalidade, e não vinculativas.
Por fim, no que tange a questão apresentada acerca da obrigatoriedade de consulta prévia, livre e informada no processo de licenciamento ambiental, teceu-se alguns esclarecimentos sobre a Convenção nº 169 da OIT, e sobre o procedimento de consulta aos povos tradicionais, a forma de consulta. Concluiu-se portanto que a consulta prévia, livre e informada tem de ser realizada de acordo com as exigências das comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas no processo de licenciamento ambiental, uma vez que o art. 6º da Convenção 169 da OIT elenca que deverá ser realizada em qualquer fase no escopo do processo administrativo ou legislativo.
Assim sendo, pelo fato do licenciamento ambiental se tratar de ato de natureza administrativa, os povos tradicionais deverão ser consultados em qualquer atividade ou empreendimento que venha a atingir estes, e sobretudo da maneira mais democrática possível, não se confundido a consulta com audiência pública, tendo mecanismo próprio e apropriado confeccionado pelas comunidades tradicionais, qual seja o protocolo de consulta prévia, livre e informada, a ser respeitado pelo Estado e posto em execução pelo ente responsável.
REFERÊNCIAS
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COMISSÃO PRO-ÍNDIO DE SÃO PAULO. Disponível em: Acesso em 30 dez. 2017.
FAJARDO, Raquel Yrigoyen. De la tutela a los derechos de libre determinación del desarollo, participación, consulta y consentimiento: fundamentos, balance y retos para su implementación. Amazônica - Revista de Antropologia, Belém, UFPA, v. 1, n. 2, 2009, p. 375.
FAJARDO, Raquel Yrigoyen. Tomando en serio y superando el derecho de consulta previa: el consentimiento y la participación. Ponencia presentada en el Curso sobre “Consulta Previa”. V Congreso de la Red Latinoamericana de Antropología Jurídica. Bogotá Octubre 2008.
FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 5. ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2015.
FERRAZ, Bernardo Monteiro. A Convenção OIT nº 169 e a participação das comunidades indígenas e quilombolas no licenciamento ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2693, 15 nov. 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2017.
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TRENNEPOHL, Curt, TRENNEPOHL, Terence. Licenciamento Ambiental. 5a ed. Niterói: Impetus, 2013.
[1] O Clube de Roma foi constituído em 1968, composto por cientistas, industriais e políticos, que teve como objetivo discutir e analisar os limites do crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais. Detectaram que os maiores problemas eram: industrialização acelerada, rápido crescimento demográfico, escassez de alimentos, esgotamento de recursos não renováveis, deterioração do meio ambiente. Um dos documentos mais importantes, em termos de repercussão entre os cientistas e os governantes foi o Relatório Meadows, conhecido como Relatório do Clube de Roma.
[2] A atuação do SISNAMA se dá mediante articulação coordenada dos Órgãos e entidades que o constituem, observado o acesso da opinião pública às informações relativas às agressões ao meio ambiente e às ações de proteção ambiental, na forma estabelecida pelo CONAMA.
[3] Artigo 9º, inciso IV da Lei nº 6.938/81.
[4] Lei nº 6938/81, Art. 10, caput.
[5] Artigo 19 do Decreto nº 99.274/90 e art. 8º da Resolução nº 237/97 do CONAMA.
[6] A título de exemplificação, pode ser mencionado o protocolo de consulta do Povo Juruna (disponível em:
), e da Comunidade Quilombola do Abacatal/Ananindeua, lançado em 16 de outubro de 2017. (Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwihnq2fgbLYAhWJCpAKHQtwApwQFggnMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.mppa.mp.br%2Fupload%2FPROTOABACATALarquFINAL2709%2520(1)_compressed.pdf&usg=AOvVaw3iQZrr9HQs5w3rPAA4s8_F>)
Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Pós-graduanda em Direito Ambiental pelo CESUPA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALES, Yanca de Cássia Lopes. O processo de licenciamento ambiental e o direito a consulta prévia, livre, e informada aos povos tradicionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jan 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51249/o-processo-de-licenciamento-ambiental-e-o-direito-a-consulta-previa-livre-e-informada-aos-povos-tradicionais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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