Resumo: O presente artigo tem por problemática analisar os direitos fundamentais, em especial a origem e a evolução de tais direitos, considerando, para fins meramente didáticos, a teoria das dimensões dos direitos fundamentais. Sob essa ótica, analisa-se os direitos de terceira dimensão no âmbito das relações de trabalho e a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na defesa de tais direitos.
Palavras-chaves: Ministério Público do Trabalho (MPT). Relações de Trabalho. Direitos Metaindividuais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de direitos fundamentais. 3. A origem e evolução dos direitos fundamentais. 4. Direitos metaindividuais nas relações de emprego. 5. A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na defesa dos direitos metaindividuais nas relações de trabalho. 6. Conclusão. 7 Referências bibliográficas.
1 Introdução
O reconhecimento dos direitos dos homens se deu de forma gradual e paulatina no decorrer da civilização.
Primeiramente, reconheceram-se os direitos de liberdade, os quais foram seguidos pela proteção conferida aos de igualdade e, por fim, aos de fraternidade.
Na esfera desses últimos, inseridos num contexto caracterizado pela sociedade tecnológica, globalizada e de consumo massificado, ganham destaque os direitos metaindividuais ou coletivos latu senso, que ultrapassam a esfera da proteção individual para atingir a coletiva.
Nesse cenário, ganha destaque a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que teve sua atuação modificada com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passando de mero interveniente (atuação por pareceres e promoções), para agente proativo na efetivação dos direitos humanos decorrentes das relações de trabalho, o que ficou ainda mais premente com a Lei Complementar 75 de 1993.
2 Conceito de direitos fundamentais
O conceito de Direitos Fundamentais pode ser dividido em diferentes concepções. Em uma perspectiva positivista, tais direitos seriam aqueles reconhecidos como essenciais pelo ordenamento jurídico positivo. Na lição de Sampaio:
(...) a partir do momento em que se opera a sua positivação, pois, atribui ao Estado o dever de proteção ou de realização prestacional. A sobrecarga institucional retira da formulação seu caráter apenas formalista (de reconhecimento pelo poder), mas torna o sistema demasiadamente dependente do Estado. Devemos salientar, contudo, que a positivação dos direitos mostrou-se um instrumento importante para a efetividade de demandas que antes habitavam apenas os ideais humanos mais distantes da realidade (SAMPAIO, 2010, p. 21).
Entretanto, os direitos fundamentais não se restringem apenas aqueles reconhecidos expressamente pelo Estado. Pela perspectiva não positivista, as aspirações morais e as necessidades humanas encontraram neles uma forma de tradução para a linguagem jurídica. Entre as diferentes linhas de pensamento jurídicas existentes, o conteúdo de tais direitos é bastante variável.
A perspectiva eclética busca conciliar as visões positiva e não positivista. Segundo tal corrente do pensamento, os direitos fundamentais devem ser reconhecidos positivamente pelos Estados e suas exigências devem ser vistas de acordo com o período histórico vivenciado por cada sociedade.
Partindo-se desse pressuposto, podemos conceituar direitos fundamentais como os reconhecidos explicita ou implicitamente pelo ordenamento jurídico fundamental como essenciais para a proteção dos indivíduos contra a atuação do Estado e a atuação de outros particulares, conferindo-lhes, portanto, status de cidadão pleno de uma sociedade.
3 A origem e evolução dos direitos fundamentais
Direitos fundamentais possuem natureza jurídica política, por isso, sofreram alterações de seu conteúdo ao longo da história, conforme as concepções das diferentes sociedades. Em outros termos, conforme Sampaio (2010, p. 127), “Os direitos humanos não podem ser compreendidos de maneira adequada sem uma perspectiva histórica de sua afirmação”.
As prerrogativas e os privilégios dos cidadãos das cidades da Antiguidade, por exemplo, devem ser vistos de acordo com as particularidades históricas. Carvalho (2009, p. 689) afirma que “A polis grega e a civitas romana absorviam o homem na sua dimensão individual, não se manifestando a liberdade como um direito autônomo”.
Na Idade Média, da mesma forma, faltava a perspectiva geral e individualista posteriormente afirmada nas declarações modernas. As cartas de direitos medievais mais se assemelhavam a contratos privados do que a documentos públicos. Não obstante, o cristianismo deu muitas contribuições para a formulação moderna de direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais passaram a ser entendidos como universais, inerentes ao homem e oponíveis ao Estado apenas no século XVIII com as Revoluções Francesa e Americana. Foi no processo de transição da idade média para a idade moderna que os direitos do homem assumiram significado preciso e determinado, delimitado primeiramente declarações de direitos baseadas nas filosofias dos iluministas e nas concepções jusnaturalistas. É esse o contexto de origem da Primeira Geração de Direitos Fundamentais, consubstanciada em direitos individuais e políticos, com grande destaque para o direito de propriedade.
Nessa visão, a proteção é voltada, nas palavras de Chamberlain (2004, p. 40), para “situação favorável à satisfação de uma necessidade egoísta, concernente ao âmbito privado da pessoa envolvida e delimitado, nos seus efeitos, à pessoa que aspira àquele bem objeto de querença”.
Deve-se considerar também que, naquele momento, o Estado nacional já se encontrava totalmente consolidado. O combate ao absolutismo deu aos direitos fundamentais um caráter de limitação da atuação do Estado. As influências do Liberalismo fizeram com que o indivíduo passasse a ser visto como independente, autônomo e capaz de fazer valer seus direitos em face de outros indivíduos e do Estado.
Contudo, verificou-se que a igualdade meramente formal garantida pelo regime liberal não era suficiente para impedir a exploração do homem pelos seus semelhantes. O conflito entre as classes sociais, o surgimento do socialismo e do comunismo levaram a um novo impulso dos direitos fundamentais.
Nesse cenário, preponderou o Estado Social, em que a propriedade passou a ser voltada para o atendimento de sua função social, e o homem começa a ser visto não abstrata e artificialmente, mas em sua concretude histórica.
O Estado Social caracteriza-se por intervir acentuadamente na economia e por fornecer moradia, saúde, educação, previdência social aos seus cidadãos, dando origem à chamada Segunda Geração de Direitos Fundamentais.
Essa Geração é evidenciada exatamente pelo que caracteriza a assistência estatal voltada para o atendimento e para a realização de direitos sociais, culturais, econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade em um viés substancial, real e material, e não somente formal.
A noção de coletividade encontra-se, pois, amparada nessa Geração (LOZER: 2004, p.14), marcada pela atuação das entidades representativas de categorias, de grupos ou classes, que pretendem a satisfação das necessidades de uma comunidade de pessoas (CHAMBERLAIN, 2004, p. 41).
No contexto do Estado Democrático de Direito, ganha respaldo a Terceira Geração de Direitos Fundamentais, como o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à coparticipação no patrimônio comum. São direitos caracterizados pela solidariedade e pela titularidade coletiva.
De acordo com Carvalho (2009, p. 694), “Os direitos de terceira geração têm sido designados de direitos humanos globais, uma vez que dizem respeito às condições de sobrevivência de toda humanidade e do planeta em si considerado”.
Os direitos dessa geração almejam à tutela de indivíduos indeterminados ou indetermináveis, pois a própria proteção deles é incompatível com o âmago do individualismo ou de grupos específicos.
Os direitos ou interesses metaindividuais irradiam dessa concepção ampla de direitos fundamentais e demandam rejeição à concepção individualista a fim se não se prejudicar sua efetiva compreensão e concretização. São caracterizados por princípios e valores como universalidade, indivisibilidade, complementaridade e interdependência (LOZER, 2004, p. 09-19), conduzindo, conforme Bittar Filho (2005, p. 01), “o Direito ao primado claro e insofismável do coletivo sobre o individual”.
Uma Quarta Geração de Direitos Fundamentais já é vislumbrada pela doutrina, correspondendo aos direitos das minorias, como a democracia, direito ao pluralismo e à informação. Esta última começa a ser considerada a maior fonte de riqueza para a sociedade pós-industrial, resultando novas necessidades do homem. Um exemplo é a expansão da cidadania digital.
Há doutrinadores que nos apontam a existência de uma Quinta Geração de Direitos Fundamentais. Seriam eles a compaixão e o amor por todas as formas vivas, pois a vida do ser humano está ligada à existência, não só de um meio ambiente preservado, mas também de sua biosfera. Conforme Milaré et al. (2004, p. 37), “O homem e a natureza são duas faces distintas, porém, inseparáveis, da mesma e única realidade que constitui o planeta Terra”.
Nas palavras de Carvalho (2009, p. 694):
Seriam direitos oriundos de respostas à dominação biofísica que impõe uma visão única do predicado ‘animal’ do homem, conduzindo os clássicos direitos econômicos, culturais e sociais a todas as formas físicas e plásticas, de modo a impedir a tirania de estereótipos de beleza e medidas que acaba por conduzir a formas de preconceitos com raças ou padrões considerados inferiores ou fisicamente imperfeitos.
A classificação geracional de direitos humanos, todavia, não ocorre sem críticas. Isso porque o vocábulo “gerações” pode levar à ideia de superação ou exclusão de uma geração por outra, o que é improcedente, pois ambos convivem com harmonia e simultaneidade.
Por essa razão, muitos autores substituem o termo “geração” por “dimensão”. Nesse sentido, Lenza (2011, p. 860) afirma que “Uma nova “dimensão” não abandonaria as conquistas da “dimensão” anterior e, assim, a expressão se mostraria mais adequada nesse sentido de proibição de evolução reacionária”.
Seja qual for o termo adotado, os direitos fundamentais devem ser vistos sob uma perspectiva dialógica, nunca dialética, ou seja, em uma visão de complementar, nunca concorrente.
Outra crítica sobre a classificação geracional versa sobre seu artificialismo. Existem direitos que estruturalmente seriam de 1ª geração, apesar de reconhecidos juntamente com a 3ª e 4ª gerações. Dessa forma, fica a dúvida sobre qual critério deve prevalecer: tempo ou estrutura.
Em razão de tais critérios, adota-se a classificação dos direitos fundamentais para fins meramente didáticos.
O sistema geracional termina, ainda, por legitimar a priorização de alguns direitos em detrimento de outros. De acordo com Sampaio (2010, p. 288), “Assim, na Ásia, tende-se a dar prevalência aos direitos de II geração em detrimento dos direitos civis e políticos; enquanto na África se impõem sobre estes, os direitos coletivos.” A classificação acabaria, pois, por prejudicar o aspecto indivisível e interdependente típico do conteúdo dos direitos fundamentais.
Por outro lado, diversos autores afirmam que a sociedade contemporânea vive o risco do excesso de direitos reconhecidos, enfraquecendo a proteção ofertada por aqueles direitos já consagrados. Todavia, o reconhecimento de diferentes direitos considerados fundamentais é fruto da evolução das sociedades democráticas, como preconiza Sampaio (2010, p. 289):
Ocorre que os direitos são resultado do encontro de duas premissas: as necessidades humanas e o consenso em torno das prioridades de sua satisfação. Aquelas são ambiciosas por natureza; este tem um quê de universalidade própria da moral materializada em decisões contingentes que, a pretexto de atender, refreiam o ímpeto de reprodução lepusgênica das necessidades. Fundamentais e humanos são sempre direitos como produto do consenso sobre as necessidades frustradas, sobretudo em decorrência de assimetria de poder, de domínio opressivo ou de exclusão de beneficiários de vantagens relevantes.
Os direitos fundamentais foram reconhecidos historicamente e são instrumentos para garantir a preservação da dignidade humana. Eles são frutos das lutas travadas no seio da sociedade, do esforço de inclusão e proteção a todos os membros de uma comunidade.
4 Direitos metaindividuais nas relações de emprego
Os valores inatos ao homem - bens jurídicos considerados indispensáveis para a promoção do livre desenvolvimento pessoal e social do indivíduo, sua existência e convivência com os demais seres -, pressupõem a proteção de direitos ou interesses de natureza metaindividual.
Nesse sentido, Chamberlain (2004, p. 45) afirma que:
Em busca do sentido etimológico, em que meta é um prefixo grego que indica posterioridade, transcedência, algo que vai além de, pode-se dizer que interesses metaindividuais significam interesses que perpassam o âmbito individual, indo além dele. São os interesses coletivos considerados em seu sentido mais amplo e não apenas aqueles dependentes de organização. É verdade que num primeiro momento os direitos coletivos foram concebidos a partir da identificação de organismos que sintetizavam os interesses individuais, mas com o envolver da comunicação globalizada, facilmente as empresas multinacionais se implantaram em todos os cantos do mundo, criando consumidores em massa. As relações jurídicas transcederam os grupos, sendo necessária a revisão do conceito de coletividade. A par disso, surgiram situações jurídicas em que, apesar de não estar configurado o interesse coletivo, visualizava-se uma origem comum, ou seja, existiam relações que guardavam identidade fática e jurídica, mas em que os interesses tutelados permaneciam individuais, pois os seus efeitos não perpassavam os indivíduos neles envolvidos.
Assim, separam-se os interesses privados, individuais – categorizados pela feição egoística -, dos interesses metaindividuais, de finalidade altruística, os quais ultrapassam a esfera da atuação individual, projetando-se na órbita coletiva (MANCUSO, 2004, p. 82).
Os direitos ou interesses metaindividuais são também denominados coletivos lato sensu ou transindividuais (o prefixo “trans” indica “além de”) e englobam: direitos ou interesses difusos, direitos ou interesses coletivos (em sentido estrito) e direitos ou interesses individuais homogêneos.
Assim, o interesse metaindividual ou coletivo lato sensu, portanto, conforme Schiavi (2011, p. 08) “nada é mais do que o somatório dos interesses individuais, quer sejam determinados ou não, quer decorram de uma relação jurídica base ou de simples pressuposto fático”.
A legislação infraconstitucional define, no parágrafo único do artigo 81 da Lei 8.078/90, tais interesses e direitos:
A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivos.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I-interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato;
II-interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III-interesses individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
O interesse ou difuso aplica-se a uma indeterminabilidade de sujeitos, caracterizando-se também por apresentar objeto indivisível, intensa conflituosidade interna e duração efêmera (mutação no tempo e no espaço) (LYRA, 2004, p. 28).
Para Costa (2009, p. 54), “Ao contrário dos interesses difusos, os coletivos, em sentido estrito, são subjetivamente mais limitados. Isto significa que refletem direitos de pessoas indeterminadas de início, mas posteriormente determináveis”.
Os direitos difusos e os coletivos são transindividuais e indivisíveis (objeto não passível de fragmentação). Todavia, os primeiros apresentam vínculos acidentais e meramente factuais, ao passo que os segundos caracterizam-se por liame mais coeso entre os lesados e forte traço organizacional decorrente de relação jurídica (COSTA, 2009, p. 54).
Diferentemente, “Se a conduta lesiva causa lesão a vários indivíduos, percebe-se a lesão a vários interesses individuais que, por decorrerem de um fato comum, são homogêneos” (LYRA, 2004:30).
Os direitos difusos são transindividuais, indivisíveis, relacionam-se a um número indeterminado de pessoas, ligados por uma circunstância de fato, de forma que, são insuscetíveis de fracionamento, pois dotados de integridade e unidade, não podendo ser mensurados economicamente. Tais direitos transcendem, assim, a esfera subjetiva do indivíduo.
As seguintes situações exemplificam lesão a interesses difusos na esfera trabalhista: existência de greve em atividade considerada essencial e inadiável (Lei n. 7.783/1989), existência de regras discriminatórias na contratação de empregados, tais como exigência de atestado de esterilização, restrição à cor ou sexo do candidato, acidente de trabalho letal que provoca sentimento social de repulsa e indignação (COSTA, 2009, p. 53).
Os direitos coletivos strictu sensu são transindividuais, indivisíveis e têm como titulares um grupo, categoria ou classe de pessoas ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Na esfera trabalhista, tais direitos podem ser lesionados, por exemplo, pelo não recolhimento de depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de trabalhadores de determinado grupo econômico (COSTA, 2009, p. 54).
Os direitos individuais homogêneos referem-se a titulares determinados ou determináveis, decorrem de circunstâncias fáticas comuns, apresentam objeto divisível que possibilita a fragmentação. Assim, os titulares são perfeitamente identificáveis, de forma que se tratam de interesses individuais, tutelados de forma coletiva.
Como exemplos de direitos individuais homogêneos na esfera trabalhista, Carneiro (2017, p. 283) destaca “a proteção do direito ao salário mínimo dos empregados públicos, a situação da sociedade cooperativa em que se configura a fraude no propósito de intermediação de mão de obra, com a não formação do vínculo de emprego”.
Impende destacar que um mesmo fato pode acarretar uma vasta gama de interesses a serem tutelados. Por exemplo, no caso de constatação do descumprimento das normas constitucionais e legais acerca da jornada de trabalho, a questão atinge direitos individuais homogêneos quanto aos consectários patrimoniais, assim como interesses coletivos strictu sensu, considerando por referência a coletividade de trabalhadores no âmbito de uma mesma empresa, e também interesses difusos, em razão de trabalhadores em potencial no âmbito daquele determinado empregador e pelo interesse difuso vertido no interesse da sociedade em evitar acidentes de trabalho, com reflexos na saúde pública e na previdência social, e em promover o mercado de trabalho, com a geração de novos postos de emprego.
5 A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na defesa dos direitos metaindividuais nas relações de trabalho
O Ministério Público do Trabalho (MPT) teve sua atuação modificada com a CF/88, passando de mero interveniente (atuação por pareceres e promoções), para agente proativo na efetivação dos direitos humanos decorrentes das relações de trabalho, o que ficou ainda mais premente com a LC 75/93.
O MPT possui legitimidade para atuar em causas metaindividuais, em que presente relação de trabalho, seja no âmbito de interesses individuais homogêneos, coletivos strict sensu ou difusos, consoante arts. 114, 127 e 129 da CRFB; art. 83, I, III, V da LC75/93; art. 5º, I da LACP.
A atuação do órgão ministerial assume, assim, fundamental importância na tutela de direitos não patrimoniais e fundamentais de titularidade coletiva, oriunda de macrolesões decorrentes da sociedade de massa, com enfoque na efetividade processual para uma tutela adequada, consagrando-se o direito ao processo justo e ao devido processo legal substancial (art. 5º, XXXV e LIV, CR).
O MPT atua, judicialmente, como órgão interveniente ou como órgão agente. Como órgão interveniente ingressa no processo trabalhista, de oficio ou por provocação, caso entenda existir interesse público e, obrigatoriamente, no segundo grau, nas hipóteses em que for parte pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional, nos termos do art. 83, II e XIII, LC 75/93.
Por outro lado, como órgão agente, o MPT é legitimado para propor as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição da República e pelas leis infraconstitucionais. Acerca das ações judiciais manejadas pelo órgão ministerial, Melo (2013, p. 31) afirma:
No manejo especializado de ações jurídicas – ação direta de inconstitucionalidade e constitucionalidade, mandado de segurança coletivo, ação popular, mandado de injunção coletivo -, dentre as quais destacamos a ação civil pública, por considerá-la o mais democrático entre os meios de defesa existentes, o Ministério Público destaca-se precipuamente quando em risco a dignidade da pessoa humana, como no trabalho infantil ou trabalho forçado e/ou degradante.
Além de tais ações jurídicas possíveis de utilização pelo MPT, destacam-se ainda a ação civil coletiva, ação anulatória de cláusulas de convenções e acordo coletivos e atuação em dissídio coletivo, propondo, inclusive, ação de dissídio coletivo de greve em atividade essencial, consoante art. 114, §3º, CR88.
Dentre elas, assume importância a ação civil pública, que contribui para a socialização processual, com economia de tempo, esforços e despesas, promovendo a democratização do processo e possibilitando o acesso à jurisdição de indivíduos que, isoladamente considerados, não teriam condições de ingressar em juízo, sobretudo pelo temor da represália patronal, no curso de uma relação de emprego.
No âmbito dos direitos difusos, Carneiro (2017, p. 278) aponta o seguinte caso para exemplificar a atuação do MPT:
Na esfera trabalhista, tema que muito comumente rende ensejo à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, na qual se materializa esta aglutinação de caráter meramente contingencial, pode ser visto quando algum órgão da Administração Pública, direta ou indireta, de quaisquer dos Poderes, promove a contratação em massa de empregados para investidura em cargo ou emprego de natureza permanente (regidos pela CLT) que não seja de livre nomeação e exoneração, e sem que tenham sido aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, hipótese em que todos aqueles que circunstancialmente reúnam as condições objetivas de se submeter ao certame não realizado teriam seus interesses lesados. Outra situação desse jaez se dá quando uma empresa discrimina os candidatos a postos de trabalho por motivo de sexo, raça, entre outros, já que não há um elo comum que uma os discriminados potenciais, a não ser o fato de serem, em tese, passíveis de postularem aquele emprego.
No que tange aos direitos coletivos strictu sensu, mencionado autor (2017, p. 280) exemplifica a atuação do MPT para a “observância de piso salarial da categoria ou de estabilidade dos dirigente sindicais ou integrantes da Comissão de Participação nos Lucros e Resultados (CPLR) (...); a exigência de concessão gratuita de equipamentos de proteção individual (EPIs)”.
Em relação aos direitos individuais homogêneos, Carneiro (2017, p. 283) afirma:
Outros exemplos estariam na cobrança de gratificação natalina de vários empregados de uma mesma empresa, que não efetuou o pagamento desta parcela ou das diferenças referentes a não observância do piso salarial, ou, ainda, na agressão ambiental que lesione in concreto grupo de trabalhadores de uma empresa que, coletivamente obtivessem a reparação pela via da Ação Civil Pública.
O Ministério Público do Trabalho atua, desse modo, como órgão de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no exercício coletivo no âmbito das relações de trabalho, especialmente em temas prioritários, definidos como estratégicos no âmbito da instituição, tendo em vista as irregularidades mais graves e recorrentes percebidas na atuação do Parquet Trabalhista.
Nesse teor, os temas de atuação prioritária são vinculados a Coordenadorias Nacionais Temáticas, órgãos auxiliares da atividade finalística do MPT. São as seguintes as Coordenadorias Nacionais Temáticas: Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (COORDINFÂNCIA), Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (CODEMAT), Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Emprego (CONAFRET), Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS), Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (CONAP), Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário (CONAPTA) e Coordenadoria de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (COORIGUALDADE).
Em resumo, a COORDINFÂNCIA atua, conforme Manual “MPT de A a Z”, na “promoção de políticas públicas para a prevenção e a erradicação do trabalho infantil informal, a efetivação da aprendizagem, a proteção de atletas mirins, o trabalho infantil artístico, a exploração sexual comercial, as autorizações judiciais para o trabalho antes da idade mínima, o trabalho infantil doméstico, o trabalho em lixões, dentre outras”.
A CODEMAT tem sua atuação voltada à articulação nacional de ações institucionais na defesa do meio ambiente do trabalho, em especial à proteção à saúde e à segurança do trabalhador, com o objetivo de evitar e reduzir os acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Por sua vez, a CONAETE objetiva a definição de estratégias nacionais para a erradicação do trabalho escravo, o enfrentamento do tráfico de seres humanos e a proteção do trabalhador indígena.
Ao passo que a CONAFRET busca “combater e inibir as práticas fraudulentas que objetivam afastar ou mascarar a relação de emprego e desvirtuar a aplicação dos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e em normas de proteção ao trabalhador, com o objetivo de promover a regularização das relações de trabalho”, conforme o Manual “MPT de A a Z”.
Já a CONALIS visa a assegurar a liberdade sindical, bem como a pacificação dos conflitos coletivos trabalhistas, sobretudo promovendo o fortalecimento dos sindicatos e coibindo atos atentatórios ao exercício de suas atividades.
A CONAP atua em prol do combate a violações “ao ordenamento jurídico constitucional e trabalhista praticado pelos agentes da administração pública, de forma a promover a proteção do patrimônio público e social nas relações de trabalho”, nos termos do Manual “MPT de A a Z”.
Por outro lado, a meta da CONAPTA é a promoção das regularidades das relações de trabalho nos setores portuário e aquaviário, especialmente na garantia de meio ambiente do trabalho adequado.
Por fim, a COORDIGUALDADE tem sua atuação voltada, precipuamente, ao “combate à exclusão social, à discriminação no trabalho, à violação da intimidade do trabalhador e às práticas abusivas ligadas ao assédio moral ou sexual, fomentando a troca de experiências e discussões sobre o tema, e também a atuação ágil onde seja necessária a presença do MPT”, conforme explica o Manual “MPT de A a Z”.
6 Conclusão
No contexto do Estado Democrático de Direito, destaca-se a Terceira Geração de Direitos Fundamentais, com direitos caracterizados pela solidariedade e pela titularidade coletiva.
Nessa seara, emergem os direitos ou interesses metaindividuais, também denominados coletivos lato sensu ou transindividuais (o prefixo “trans” indica “além de”), que englobam direitos ou interesses difusos, direitos ou interesses coletivos (em sentido estrito) e direitos ou interesses individuais homogêneos.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) possui legitimidade para atuar em causas metaindividuais, em que presente relação de trabalho, seja no âmbito de interesses individuais homogêneos, coletivos ou difusos, atuando sobretudo por meio da ação civil pública, consoante arts. 114, 127 e 129 da CRFB; art. 83, I, III, V da LC75/93; art. 5º, I da LACP.
A atuação do órgão ministerial assume, portanto, fundamental importância para a consagração do acesso à justiça, do direito ao processo justo e ao devido processo legal substancial (art. 5º, XXXV e LIV, CR), em especial em temas prioritários, definidos como estratégicos no âmbito da instituição, tendo em vista as irregularidades mais graves e recorrentes percebidas na atuação do Parquet Trabalhista.
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Analista Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORMINO, Tatiana Costa de Figueiredo. A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na defesa de direitos metaindividuais nas relações de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51262/a-atuacao-do-ministerio-publico-do-trabalho-mpt-na-defesa-de-direitos-metaindividuais-nas-relacoes-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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