RESUMO: Do Estado Absolutista ao Estado Contemporâneo Neoliberal hodierno se percebe diferentes facetas normativas e regulatórias erigidas do Estado para os atores econômicos da sociedade, sejam eles o próprio Estado, as empresas, os indivíduos ou a própria coletividade, a ponto de caracteriza-lo como intervencionista ou absenteísta. Nesse contexto, um dos principais instrumentos utilizados pelo agente econômico estatal é a limitação administrativa como forma de moldar os interesses econômicos dos agentes privados ao interesse público. Nesse diapasão, a limitação administrativa tradicionalmente caracterizada como intervenção do Estado na propriedade privada (intervenção estática), se mostra, outrossim, como instrumento de intervenção do estado no domínio econômico (intervenção dinâmica).
Palavras Chave: Direito Econômico, Direito Administrativo, Limitação Administrativa, Intervenção Estática e Intervenção Dinâmica.
SUMÁRIO: 1 - Introdução. 2 - Histórico das Formas de Intervenção do Estado no Domínio Econômico. 3 - Os Agentes Econômicos e a Atividade Econômica no Brasil. 4 – Formas de Intervenção Econômica do Estado Regulador Brasileiro a partir da Constituição de 1988. 5 – A Função Social da Propriedade como Instituto Conformador da Propriedade Privada e da Livre Iniciativa. 6 – A Limitação Administrativa como Atividade Normativa e Regulatória da Ordem Constitucional Econômica. 7 - Superação Da Distinção Entre Intervenção Dinâmica e Intervenção Estática. 8 - Considerações Finais. Referências.
1 - INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo o aprofundamento da matéria em torno do exame de mais um instrumento de intervenção que recai sobre os bens localizados no território do Estado, com reflexos sob a Ordem Constitucional Econômica. Nesse caso, a intercessão ocorrerá por meio da limitação administrativa.
Nesse diapasão, o trabalho abordará importantes repercussões no uso dos instrumentos de intervenção do Estado na propriedade privada, mais precisamente do instrumento da limitação administrativa, sobre a sociedade e sua reverberação no campo econômico, tendo em vista a estreita relação existente entre o direito de propriedade e a livre iniciativa, direito e princípio expressamente protegidos na Carta Magna de 1988.
É, ainda, deveras salutar se apropriar do conhecimento no trabalho aqui apresentado, pois o direito é o limitador natural da atuação do Estado desde o fim do absolutismo, portanto todos devem ter em mente as possibilidades de o Estado atuar na seara econômica, seus contornos e limites.
Durante a evolução histórica da humanidade, várias foram as formas de intervenção do Estado no domínio econômico, tendo se destacado aquelas que advieram após as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, pois adquiriram características próprias peculiares o que facilitou sua cientificidade.
Contudo, não obstante tratar-se de álea afeta prioritariamente aos particulares, o Estado atua de maneira excepcional, e apenas para fazer valer interesses da coletividade que se sobrepõem aqueles.
O exercício do poder do Estado de estabelecer limitações administrativas ao exercício do direito de propriedade pode afetar, e ao mesmo tempo normatizar e regulamentar a atividade econômica, de maneira compatível com o estabelecido na Ordem Constitucional Econômica.
A limitação administrativa, como espécie de intervenção restritiva do Estado na propriedade, é concebida como um dos instrumentos que podem e devem ser utilizados pelo Estado, como agente normativo e regulador também da atividade econômica (intervenção dinâmica), não apenas como intervenção estática na propriedade, como bem estatuído pelos administrativistas clássicos.
Dessa maneira, premente se faz, portanto, a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre de que forma é exercida a limitação administrativa com reflexos na Ordem Constitucional Econômica, quais as suas características e limitações. Pois, faz-se necessário segurança e confiabilidade na política econômica como condição para o crescimento econômico.
2 – HISTÓRICO DAS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
A relação entre os agentes econômicos e o Estado sempre foi de difícil normatização, não só pelas pressões político-sociais existentes e influentes de ambos os lados ao exercício do poder político legiferante, mas também, e principalmente, por conta da importância que suas atividades desempenham para o desenvolvimento socioeconômico.
Ademais, ao mesmo tempo em que insurge colisões de interesses entre os sujeitos daquela relação, erige-se uma dependência mútua, em proporções desiguais, mas mesmo assim considerável.
Com efeito, essa relação, que em um primeiro momento, até meados do século XVIII, não importava aos olhos do Estado absolutista sendo caracterizada como apenas fática, passou - pelo apelo social e vontade do legislador, após as Revoluções burguesas - a tornar-se jurídica. Assim, no nascedouro dos instrumentos legislativos incidentes nesta relação, emergiram-se de maneira nítida os “fatos” sociais e os “valores” da sociedade, que se correlacionaram, pressionando-se uns aos outros, surgindo como síntese a norma jurídica como resultado dessa tensão[1].
Por isso, José dos Santos Carvalho Filho[2] dispõe que:
O processo histórico sempre demonstrou a associação entre a política e a economia. Em cada fase da evolução dos povos são concebidas doutrinas filosóficas que oferecem seus axiomas para compatibilizar as formas de direção do Estado com os interesses econômicos. Quando alguma construção doutrinária é alterada quanto aos fatores políticos, são irremediáveis os reflexos que provocam na ordem econômica. E a recíproca é verdadeira.
Ademais, como bem enfatizam, dentre outros autores, André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves, “a Ciência do Direito deve valer-se do método histórico-cultural, de tal modo que é impossível conhecer o Direito sem estudar sua umbilical relação com uma dada sociedade, considerada no tempo e no espaço”[3].
Sendo assim, a norma erigida no momento especifico da história do fim do Estado absolutista foi eminentemente de cunho negativo e liberalista.
O Estado liberal de direito surgiu para se opor ao Estado absolutista, o qual intervia na economia sem a menor parcimônia, de forma arbitraria, por critérios pessoais das autoridades.
A Revolução Francesa adveio justamente para pôr fim aos desmandos, característicos do absolutismo, limitando o Estado por normas jurídicas erigidas do parlamento, casa de representação do povo. Ou seja, o povo, mormente a burguesia em ascensão, apenas se submeteria a normas emanadas por seus pares (representantes), igualmente cidadãos dessa coletividade.
Portanto, a teoria do liberalismo econômico que atendia aos interesses da classe burguesa emergente - passando-se a dominante a partir de então - defende a liberdade individual de os particulares se autolimitarem e se autogovernarem, características fundamentais dos institutos dos contratos positivados no Código Civil Napoleônico, encarnando-se definitivamente o princípio da autonomia da vontade, diga-se de passagem, até hoje existente, contudo, mitigado.
Nesse diapasão, o Estado dito liberal não interferia na economia. Tratava-se de um Estado absenteísta assentado na liberdade contratual, de forma a garantir apenas a estabilidade e a segurança nas relações jurídicas contratuais e o cumprimento das cláusulas pactuadas. Pautado, ainda, na liberdade de mercado, não sofrendo o sistema econômico qualquer influência ou interferência estatal, ficando sujeito apenas à auto-organização (autorregulação). Cabendo ao Governo Central tão somente a defesa externa das fronteiras e a estabilidade da ordem interna[4]. (FIGUEIREDO, 2014, p. 187)
Não obstante, esse posicionamento econômico do Estado estava fadado ao fracasso. Gerou-se um abismo entre as classes sociais, e um fosso cada vez mais profundo quanto a diferença entre os mais ricos e os mais pobres, fazendo surgir uma profunda desigualdade social.
Da liberdade econômica sem limites, derivou a opressão dos mais fracos, gerando, segundo alguns autores, uma nova forma de escravidão[5].
Surgi, nesse contexto, como reação às condições de vida impostas nos século XIX e XX e da falta de sensibilidade do Estado frente à questão social até então vigente, o Estado intervencionista econômico, que tem como escopo a proteção à dignidade da pessoa humana, dos hipossuficiência diante do poder econômico, do liberalismo e do poder dos agentes econômicos sobre a sociedade. Fazendo-se valer, dessa forma, a necessidade de participação estatal na economia. O unilateralismo pendente para o econômico teve de ceder diante das barreiras jurídicas fixadas pelo Estado.
Segundo Leonardo Vizeu Figueiredo[6], o Estado intervencionista econômico “atua com o fito de se garantir o exercício racional das liberdades individuais. A política intervencionista não visa ferir os postulados liberais, mas, tão somente, fazer com que o Estado coíba o exercício abusivo e pernicioso do liberalismo”.
Esse estudo da maneira de participação do Estado no domínio econômico, de forma a expor o posicionamento econômico do Estado, afigura-se como primordial ao bem-estar econômico dos indivíduos e para segurança jurídica, dispensando aos administrados possiblidade de saberem, com a devida antecedência, os mecanismos estatuídos legitimamente para a interferência e regulamentação do exercício das liberdades econômicas e para a limitação de bens da esfera do domínio privado.
Leonardo Vizeu Figueiredo[7] lembra, ainda, que “uma eventual análise de rating sobre a capacidade de endividamento de determinado Estado necessariamente passa por uma análise jurídica da forma pela qual o Estado se porta em face de sua Ordem Econômica”.
Nesse sentido, a partir da Constituição de 1934 (artigos. 115 a 143), todas as Cartas subsequentes dedicaram um de seus capítulos à ordem econômica, fenômeno denominado de constitucionalização normativa[8].
O Brasil elevou as normas jurídicas de índole dirigista econômica - implementada pelo então Estado intervencionista econômico no fim do século XIX e início do século XX - ao status de regras jurídicas reguladoras da ordem econômica na Constituição. Consequentemente - com o advento e maior prestígio da doutrina filosófica pós-positivista e da teoria neoconstitucionalista - os princípios que colmatam as lacunas, guiam a interpretação, e que hoje são normas jurídicas, junto com a as regras, plenamente aplicáveis a casos concretos, passam a ser obrigatórios a toda a sociedade e ao próprio Estado que as introduziu na Constituição.
Não obstante, independentemente da controvérsia doutrinária de a constitucionalização normativa da ordem econômica se tratar ou não de matéria a ser disciplinada pela Constituição. Ou seja, se caracterizando como normas materialmente constitucionais - que são aquelas que seriam próprias de serem regulamentas na constituição - e normas formalmente constitucionais - as que só são consideradas constitucionais porque inseridas formalmente no bojo da Constituição. O que importa, nesse trabalho, é que a regulamentação da ordem econômica impõe à da ordem social, aponto de que é muito mais salutar estatuir na Constituição as diretrizes da intervenção estatal do que dispor à sociedade as intemperes decorrentes das oscilações dos grupos políticos a que está sujeito o Poder Legislativo[9].
A atual Constituição disciplina a ordem econômica e financeira no Título VII (arts. 170 a 192), sendo dividida em quatro capítulos: o primeiro destinado aos princípios gerais da atividade econômica (arts. 170 a 181); o segundo, à política urbana (arts. 182 e 183); o terceiro, à política agrícola e fundiária e à reforma agrária (arts. 184 a 191); e o quarto, ao sistema financeiro nacional (art. 192).
Apesar das propensas desregulamentações da economia implementadas desde o seu advento, não há como abandonar inteiramente à liberdade absoluta da propriedade privada e da livre iniciativa.
Por isso, surgiu o Estado neoliberal, o que não se confunde com o Estado liberal puro, porquanto, nos estados sociais-liberais, como o brasileiro, embora reconheçam e garantam a propriedade privada e a livre iniciativa, condiciona-se ao bem-estar social o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividade econômicas[10].
Diferentemente, Celso Antônio Bandeira de Mello[11] interpreta a Constituição brasileira como uma estampada antítese do neoliberalismo, pois, para ele, a Constituição:
[...] não entrega a satisfatória organização da vida econômica e social a uma suposta (e nunca demonstrada) eficiência do mercado. Pelo contrário, declara que o estado brasileiro tem compromissos formalmente explicitados com os valores que nela se enunciam, obrigando a que a ordem econômica e a social sejam articuladas de maneira a realizar os objetivos apontados. Com isso, arrasa liminarmente e desacredita do ponto de vista jurídico quaisquer veleidades de implantação, entre nós, do ideário neoliberal. Aliás, uma verdadeira aberração do ponto de vista do neoliberalismo é o disposto no art. 219, de acordo com o qual: ‘O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal’.
Apesar de tal posicionamento do renomado autor, não se pode negar que tanto o Direito econômico, como dito alhures, quanto o Direito administrativo passaram pelo que chamamos de constitucionalização normativa, o que fez com que a Constituição passasse a exercer um papel importante quanto a delimitação dos contornos desses ramos do direito, e em uma perspectiva irradiante, igualmente aos demais ramos.
O direito apesar de uno é dividido em ramos para facilitar sua compreensão, que se apresentam com objetivos diferentes, e se depreendem de relações jurídicas diversas.
3 - OS AGENTES ECONÔMICOS E A ATIVIDADE ECONÔMICA NO BRASIL
O Direito econômico tem uma especial importância para coletividade, porquanto a coletividade é na realidade a grande titular dos bens jurídicos protegidos pelo direito econômico. Isso está expresso inclusive no parágrafo único, do artigo 1°, da lei de defesa da concorrência, lei n° 12.529/11, in verbi[12]:
Art. 1° Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei.
Por isso que os agentes econômicos, sujeitos de direito que protagonizam trocas econômicas, devem se portar de maneira não defesa no ordenamento jurídico, limitados pelo interesse público nele previsto.
Sendo assim, são sujeitos de direito econômico:
a) o Estado em primeiro lugar, porque este além de regular, intervir e de uma forma geral protagonizar trocas econômicas, ele também compra, financia, etc;
b) as empresas, não só pessoa jurídica, porque para o direito econômico, tanto para fins de responsabilidade quanto para fins de consideração de uma determinada pessoa, seja natural ou jurídica, como agente econômico é irrelevante a personalidade jurídica;
c) os indivíduos e;
d) a coletividade.
Já “por atividade econômica entende-se todo o empreendimento envidado no sentido de se produzir, circular ou consumir bens, a fim de atender as necessidades coletivas e individuais da sociedade”[13].
Nesse contexto, pode-se diferenciar a atividade econômica, conforme a doutrina acolhida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em dois tipos, os quais estão incorporados ao que se denomina de atividade econômica em sentido amplo, quais sejam:
a) atividade econômica em sentido estrito, que são aquelas exploradas precipuamente pelos agentes privados e;
b) os serviços públicos, que são atividades econômicas precipuamente exploradas pelo Estado.
Portanto, a atividade econômica em sentido amplo é gênero do qual são espécies serviços públicos e atividades econômicas em sentido estrito[14].
4 – FORMAS DE INTERVENÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO REGULADOR BRASILEIRO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição Federal abraçou tal modelo econômico que lastreia o sistema capitalista de produção adotado pela República Federativa do Brasil, tendo em vista que impõem que a propriedade dos meios de produção seja predominantemente privada e que a iniciativa da atividade econômica seja livre, ressalvadas as restrições previstas em lei.
Nesse sentido, o art. 1°, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece que são fundamentos da república os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o art. 170, também da Constituição, põe a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica, e a propriedade privada junto com a livre concorrência como seus princípios[15].
Sendo assim, hoje, o Brasil, conforme a Constituição de 1988 com suas várias emendas, e diante das diferentes formas de posicionamento do Estado diante da atividade econômica, as quais se observou, mostra-se como um Estado neoliberal ou regulador que prevalece no mundo a partir da década de 70, mas que no Brasil é incorporado com maior força somente a partir da década de 1990.
Esse Estado neoliberal ou regulador substitui a intervenção direta pela indireta, ele é baseado na convicção estatal de que o Estado é menos eficiente do que o agente privado para a alocação de recursos, para a sua distribuição, e que possui recursos limitados. Por isso que ele tem que se concentrar nas atividades típicas de Estado.
Como a pessoa jurídica estatal irá se retirar da atividade econômica, passará a regula-la, substituindo a intervenção direta pela intervenção indireta, sendo também chamado, por esse motivo, de Estado regulador.
Portanto, essas formas de intervenção do estado no domínio econômico podem ser de dois tipos: intervenção direta e intervenção indireta.
Na intervenção direta o estado presta e oferece determinados serviços ou produtos. Já na intervenção indireta o Estado atua como um ente político. Ou seja, na intervenção indireta ele atua na sua face política, como ente político clássico. Já na intervenção direta ele atua como um Estado empresário.
Cumpre ressaltar que, para Eros Roberto Grau[16]:
[...] o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa expressão, quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera do público.
Ainda segundo o autor, pode-se ainda dividir em três modalidades de intervenção: intervenção por absorção ou participação, intervenção por direção e intervenção por indução[17].
Sendo assim, quando o Estado atua em regime de monopólio, assumindo o controle integral dos meios de produção em um setor da atividade econômica em sentido estrito, intervindo no domínio econômico como agente econômico, diz-se que intervém por absorção.
Entretanto, quando atua em regime de competição com as demais empresas privadas e demais agentes econômicos atuantes naquela atividade, avocando-se, num determinado setor econômico, apenas parte dos meios de produção, fala-se que o Estado intervém por participação[18].
Nas intervenções por direção e por indução, sua intervenção se dá na normatização da atividade econômica em sentido estrito. Ou seja, na intervenção por direção todos os agentes da atividade econômica de maneira estrita são compulsoriamente obrigados a atuarem de determinada maneira, devido ao estabelecimento de normas de comportamento imperativo dotado de cogência, estabelecido pelo Estado, que deve ser cumprido pelos demais agentes econômicos que explorem a determinada atividade objeto da regulamentação. “Exemplo de tal modalidade de intervenção é a edição de normas atinentes ao controle, tabelamento ou congelamento de preços”[19].
Segundo Júlio César Giacomini[20], diferentemente ocorre com a intervenção por indução, pois nessa “o Estado manipula os instrumentos de intervenção em conformidade com as leis que disciplinam o funcionamento dos mercados”. O que há são incentivos, prêmios aos que atuarem da forma desejada pelo Estado, havendo-se autonomia quanto ao atendimento ou não ao estímulo fornecido.
Um exemplo trazido pelo referenciado autor é que:
[...] para estimular determinada atividade econômica, pode o Estado, por exemplo, fixar uma taxa de juros subsidiada, como 2% ao ano para a substituição de máquinas agrícolas. Tal taxa, em condições normais de mercado, seria de 20%. Assim, aqueles que solicitarem o financiamento serão premiados, estimulados, mediante a aplicação da taxa de 2% aa. Por sua vez, aos que desejarem substituir outro tipo de maquinário, como o industrial, por exemplo, verão incidir sobre essa operação a taxa de mercado, ou mesmo, ainda, numa política agrícola, indicar a cultura para a qual será adotada uma taxa correspondente a 1% a.a., ao passo que, para as demais culturas, a taxa anual será de 8%. Logo, muitos agricultores migrariam para a cultura agrícola beneficiada pelo estímulo governamental.
Então o Estado irá atuar por intermédio de normas jurídicas, por isso da denominação de intervenção indireta, podendo realiza-la por meio de normas impositivas ou normas dispositivas. Se ele o faz por intermédio de normas impositivas fica caracterizada a modalidade que é denominada de direção.
Ainda no contexto da intervenção indireta, tem a modalidade de indução em que o Estado não obriga, não proíbe, mas sim estabelece um benefício para aqueles que resolverem atuar da forma que ele deseja.
5 – A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO INSTITUTO CONFORMADOR DA PROPRIEDADE PRIVADA E DA LIVRE INICIATIVA
Existe um conflito em casos concretos entre o fundamento da livre iniciativa e os princípios elencados nos incisos do art. 170, da Constituição da República. Deve-se perceber que a livre iniciativa é um preceito de matiz individual, e se é individual ele é um direito de defesa do cidadão frente ao Estado, por isso se fala em proteção das liberdades de atuação e de ação econômica.
Nessa condição, enquanto aquele é um preceito individual, os princípios da ordem econômica consubstanciam em valores, normas programáticas que dizem respeito a coletividade como um todo. Consequentemente, os princípios de matizes sociais ou coletivas tendem a prevalecer sobre o fundamento da livre iniciativa, tendo em vista a proporcionalidade e a razoabilidade, ou seja, observando-se se há um meio menos gravoso para a sua ponderação.
Portanto, nenhum direito fundamental é absoluto, podendo esse sofrer determinadas limitações em prol de outros que se apresentem mais importantes no caso concreto, haja vista a ponderação entre eles, fazendo-se uso do princípio, como dito, da proporcionalidade.
Um dos institutos de Direito Administrativo que se utiliza o Estado para limitar o princípio da propriedade privada e igualmente o da livre iniciativa, haja vista que a livre iniciativa somente se faz presente se houver o direito de propriedade, é a limitação administrativa.
Nesse primeiro momento, deve-se ter em mente que a Constituição Federal concede uma proteção ao direito de propriedade em seu art. 5°, caput, bem como no art. 5°, XXII e XXIII[21]. Esses dispositivos deixam claro que a Constituição deu um enfoque a proteção da propriedade, mas essa mesma propriedade também foi restringida pelo Texto Magno, podendo ainda sofrer limitações quando da ponderação dos casos concretos. Uma dessas restrições é justamente a limitação administrativa, imposta a propriedade pelo Estado.[22]
Nesse sentido, a propriedade se apresenta com alguns caracteres, mais especificamente três grandes caráteres elencados no Código Civil, em seu art.1.231, o qual informa que “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”[23].
A plenitude dessa propriedade caracteriza-se como a possibilidade de se poder usufruir dessa propriedade de modo absoluto, exclusivo e de modo perpetuo[24]. É importante ressaltar esses três pontos.
O caráter absoluto da propriedade significa que se pode usar, gozar, dispor dessa propriedade sem nenhuma restrição, esse é o caráter denominado de absoluto.
Além desse, a propriedade possui também um caráter de exclusividade, que significa que o indivíduo pode utiliza-la de modo exclusivo, sem permitir que terceiros a utilize.
Já o caráter perpetuo estabelece que a propriedade é detida por um indivíduo pelo tempo que esse a desejar, não a perdendo, ao menos nos casos exaustivamente arrolados no ordenamento jurídico. Esses três caráteres da propriedade são relativizados, em prol do interesse público.
Essas três qualidades sofrem uma primeira relativização baseada na função social. Hoje não se admite mais essas três características de modo tão completo como a proteção inicial do século oitocentista. Hodiernamente, a propriedade deve cumprir sua função social, e essa é editada na maioria das vezes pelo ordenamento jurídico constitucional.
Desse modo, observa-se que os caráteres absoluto, exclusivo e perpetuo vão sofrer restrições baseadas na função social, de acordo com o conceito positivado na Constituição, para a propriedade rural, no art. 186, I ao IV, e na legislação infraconstitucional, no § 1° do art. 1.228, do Código Civil brasileiro, senão vejamos:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores[25].
art. 1.228 - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas[26].
A função social nada mais é do que vincular a propriedade a interesses sociais, econômicos, fornecendo uma atenção à coletividade.
Deve-se entender que a propriedade é individual, mas os indivíduos devem exercê-la de modo que atendam de bom grado à coletividade.
Por exemplo, não se pode mais aceitar o conteúdo do direito de propriedade, corporificado por um imóvel urbano desocupado, utilizado apenas para especulação, sem nenhuma finalidade, esperando apenas que se valorize para posterior revenda. Essa situação deixa claro que não se pode mais utilizar a propriedade sem observância do estatuído na Carta de 1988.
6 – A LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA COMO ATIVIDADE NORMATIVA E REGULATÓRIA DA ORDEM CONSTITUCIONAL ECONÔMICA
A doutrina divide as espécies de intervenção do Estado na propriedade em dois grandes blocos, quais sejam: bloco das intervenções restritivas e bloco das intervenções supressivas[27].
O bloco das intervenções restritivas é aquele o qual os institutos impõem restrições a propriedade, não retirando a propriedade do indivíduo, tendo como espécies a Servidão Administrativa, a Ocupação Temporária, a Requisição, o Tombamento e a Limitação Administrativa. Essas são as 5 (cinco) formas de intervenção restritiva da propriedade para a maioria dos autores.
Já no bloco das intervenções supressivas se tem apenas uma espécie de intervenção, a qual retira a propriedade de uma determinada pessoa, denominada de Desapropriação.
Sendo a Limitação Administrativa um dos pontos centrais desse trabalho, começar-se-á a enfrentá-la trazendo-se à baila seu conceito cunhado por Hely Lopes Meirelles[28], do qual se estrai algumas de suas características.
A limitação administrativa é uma das formas pelas quais o Estado, no uso de sua Soberania interna, intervém na propriedade e nas atividades particulares. As limitações administrativas representam modalidades de expressão da supremacia geral que o Estado exerce sobre pessoas e coisas existentes no seu território, decorrendo do condicionamento da propriedade privada e das atividades individuais ao bem-estar da comunidade. [...] é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social.
A Limitação Administrativa se diferencia das outras espécies, porque obrigatoriamente irá surgir de um ato abstrato, genérico e impessoal, um ato legislativo. Ao contrário dos outros tipos de intervenção do Estado na propriedade, que podem advir de um mero ato administrativo. Ou seja, a Limitação Administrativa decorre de uma lei um ato normativo. Os outros atos restritivos da propriedade, em regra, decorrem de um ato administrativo. De acordo com Juliano Heinen[29]:
As limitações administrativas sujeitam-se à reserva legal, ou seja, somente por lei podem ser veiculadas. O que se permite é uma disciplina via ato administrativo que melhor a explique, que confira pormenores à lei — situação secundum legem. Enfim, não se permite decreto autônomo ou regulação preater legem em matéria de limitações administrativas.
Portanto, de acordo com o conceito mencionado, a Limitação Administrativa é um instrumento utilizado pela Administração para limitar, restringir, condicionar um determinado bem, interesse, liberdade, etc.
Outra característica importante, de acordo com Hely Lopes Meirelles[30], é que a Limitação Administrativa deriva, comumente, do poder de polícia intrínseco à Administração Pública.
A Limitação Administrativa tem como base principal o poder de polícia, porquanto o poder de polícia limita, restringe, condiciona, interesses, liberdades em favor do poder público, em favor da coletividade do interesse coletivo. É por isso que muitos autores chegam a dar como principal exemplo do poder de polícia a Limitação Administrativa, mas deve-se constatar que a reciproca também é verdadeira, como o seu principal instrumento de atuação.
Observando-se que a Limitação Administrativa decorre de um ato abstrato, genérico e impessoal, atributos do ato que introduz uma Limitação Administrativa, pode-se extrair outra destacada marca desse instituto: incidência sobre uma coletividade não identificada. Ou seja, pelo menos a priori não se identificam as pessoas que sofrem a Limitação Administrativa.
Outro ponto importante da Limitação Administrativa é a identificação de qual caráter da propriedade sofre essa restrição, se caráter absoluto, perpétuo ou exclusivo.
Nessa intervenção restritiva fica claro que não há ninguém se utilizando do bem junto com o seu proprietário, esse se utiliza do bem, mas está sofrendo uma limitação em razão da coletividade. Então, está-se aqui relativizando o caráter denominado de absoluto, porquanto o indivíduo possui a propriedade, mas não pode mais utilizá-la de modo absoluto da maneira que melhor lhe aprouver.
Portanto, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro[31], a Limitação Administrativa atinge o caráter absoluto:
As limitações administrativas impõem obrigações de caráter geral a proprietários indeterminados, em benefício do interesse geral, afetando o caráter absoluto do direito de propriedade, ou seja, o atributo pelo qual o titular tem o poder de usar, gozar e dispor da coisa da maneira que melhor lhe aprouver
Informa ainda a autora que nessa restrição ao caráter absoluto, a Limitação Administrativa impõe, via de regra, uma das 3 (três) situações aos indivíduos que sofrem sua incidência, quais sejam: obrigação de fazer, não fazer e permitir, como manifestações do poder de polícia[32].
No Direito Administrativo ainda se fala em obrigações positivas, negativas e permissivas. Sendo a obrigação de fazer, chamada de positiva, a obrigação de não fazer, denominada de negativa e a de permitir, também chamada de permissiva.
Observa-se, assim, por óbvio, que nessas situações a Limitação Administrativa deve atingir o interesse público, todo ato administrativo possui uma única finalidade, um único fim que é o interesse coletivo.
Outra característica das Limitações Administrativas é que possuem caráter de definitividade[33], ou seja, tendem a se protrair no tempo, não se extinguindo por si com o decorrer do tempo.
Como decorre da lei, a Administração tem a discricionariedade de alterar, de revogar, de modificar essa Limitação Administrativa.
A Limitação Administrativa também não enseja indenização. Esse é mais um dos pontos que se destacam na diferenciação do instituto, auxiliando a diferencia-lo das demais intervenções do Estado na propriedade.
As outras espécies de restrições a propriedade comumente geram indenização, se existir dano.
Na Limitação Administrativa, ao contrário, não cabe indenização, porque esse ato abstrato que atingiu a coletividade não identificou a pessoa específica que sofreria as consequências desse ato.
Ademais, lei como ato normativo não enseja indenização, essa é a regra, mesmo que uma lei venha a prejudicar um ou outro interesse individual, a pessoa está sendo lesada em prol da coletividade.
Demonstra-se, então, com clareza, que a regra é não indenizar, não obstante, excepcionalmente, pode-se ocorrer alguma indenização, mas só no caso de abuso de poder, ou seja, no caso em que a Administração pratica alguma ilegalidade, fugindo-se especificamente do instituto da Limitação Administrativa.
Ótimo exemplo trazem Carla Liguori e Edson Ricardo Saleme[34] ao afirmar que:
[...] a indenização do particular que for prejudicado por ato limitativo da Administração após a patrimonialização do direito de construir, ou seja, após a própria Administração reconhecer-lhe o direito, uma vez que realizado o ônus urbanístico esperado e alcançada a valorização do coeficiente de aproveitamento básico, deve ser aplicada.
Por fim, atentando-se de maneira mais detida, observa-se que a limitação administrativa está nos controlando o tempo todo, em todo lugar, porque a todo momento se está limitado por regras abstratas, genéricas e impessoais sejam elas de convivência social ou mesmo para regulamentação e normatização das atividades econômicas levada a efeito pelos agentes econômicos privados.
7 - SUPERAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE INTERVENÇÃO DINÂMICA E INTERVENÇÃO ESTÁTICA
A Limitação Administrativa é genericamente usada para restringir várias liberdades e direitos fundamentais, não apenas o direito de propriedade.
Portanto, não obstante seja um instituto eminentemente estudado pelos administrativistas, como espécie de intervenção no direito de propriedade, perscrutando-o de modo mais detalhado, sob o olhar da intervenção do estado sob o domínio econômico, percebe-se que o Estado se utiliza da limitação administrativa, na forma da lei, para atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, de modo a exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, conforme o caput do art. 174 da Constituição Federal: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
Nesse diapasão, tende-se a tecer com maiores detalhes e atenção a relação existente entre intervenção na propriedade privada (intervenção estática) por meio da limitação administrativa, ato administrativo geral e abstrato, e a intervenção no domínio econômico (intervenção dinâmica).
Hely Lopes Meirelles[35], no âmbito do Direito administrativo clássico, distingue a intervenção do poder público em sentido lato - considerando a garantia a liberdade de empresa e a propriedade, de maneira mitiga-las ao interesse público da coletividade.
Primeiro, diferencia-se em intervenção no domínio econômico (intervenção dinâmica), a qual é objeto de estudo no Direito Econômico, recaindo sobre o produto do trabalho humano e na atividade empresarial, o que lhe asseguraria aspecto dinâmico, reprimindo-se o abuso do poder econômico.
Segundo, distingue-se em intervenção na propriedade privada (intervenção estática), a qual é afeta ao Direito Administrativo, incidindo sobre os bens privados existentes no território estatal, ocorrendo-se sob a forma de desapropriação, tombamento, edificação compulsórios, servidão administrativa, parcelamento, requisição, ocupação e limitação administrativa.
Contudo, tal distinção está longe de ser estanque, pois qualquer dos atos de intervenção na propriedade privada praticados possui o potencial de por si só afetarem a ordem econômica, seja essa local, regional ou mesmo nacional.
Para corroborar com tal entendimento, têm-se dois exemplos simples:
1°) Imaginando-se que em uma determinada localidade há apenas dois estabelecimentos empresariais concorrentes[36], e que a propriedade de um deles tenha que ser desapropriada.
Por óbvio a extinção de qualquer desses agentes econômicos irá afetar o equilíbrio econômico preexistente, tendo em vista que o agente econômico que subsistiu não terá concorrentes aptos a lhe limitarem os preços e abusos que possam vir a ser praticados. Além de o que permaneceu ter que suprir toda uma demanda deixada por seu concorrente.
2°) O outro exemplo seria o da possibilidade de o Governo controlar preços, por tabelamento ou congelamento, em situações anormais como a deterioração do mercado privado como um todo. Justificando-se a intervenção para reconstruir a prática exatamente dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência de forma regular, reordenando o mercado concorrencial para que possam funcionar a livre iniciativa e seus corolários[37].
Dessa forma, por tudo que foi exposto, pode-se perceber que a limitação administrativa se encaixa perfeitamente como uma das formas de intervenção do Estado na economia, mais precisamente como intervenção indireta na modalidade de direção.
Tendo em vista que o Estado irá atuar por intermédio de normas jurídicas, por isso da denominação de intervenção indireta, realizando-a, em se tratando de limitação administrativa, por meio de normas jurídicas impositivas.
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que o Estado de maneira legitima interfira e regulamente o exercício das liberdades econômicas e limite a liberdade de fruição dos bens estatuídos no domínio privado se faz necessária a transparência dos mecanismos jurídicos estabelecidos para tanto, para que os sujeitos econômicos possam de forma racional, em prestígio a segurança jurídica, se guarnecerem quanto a tais regramentos estatais.
Para isso, o estudo das diferentes formas de atuação do Estado na economia se mostra fundamental.
O Estado absolutista intervia na economia e na propriedade de maneira abrupta, não razoável, prejudicando o desenvolvimento social e econômico, por isso surge o Estado liberal, o qual outorga aos indivíduos uma gama de liberdades, consagrando assim, ao longo dos séculos XIX e XX, como direito individual, a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício e profissão, abstendo-se de atuar na seara eminentemente privada.
Não obstante, a mão invisível do mercado, teorizada pelo economista Adam Smith, não funcionou como o esperado, voltando o Estado a intervir no campo econômico, principalmente nas áreas em que os particulares não conseguiram atingir os objetivos almejados pela sociedade, seja por falta de capacidade técnica seja por falta de capacidade econômica. Atuando, assim de maneira positiva para a obtenção de um maior equilíbrio entre o capital e o trabalho.
Como essa forma de intervenção não se mostrou viável economicamente, erigiu-se nas últimas décadas o Estado chamado de neoliberal, ou regulador, que tenta amenizar os principais problemas dos modelos anteriores.
O Estado brasileiro se caracteriza como estado regulador, baseado em sua ineficiência na alocação de recursos e que possui contenção de gastos, concentrando-se nas atividades típicas de Estado, de modo a normatizar as atividades particulares, condicionando tais atividades ao bem-estar da coletividade.
Portanto, passa a atuar por intermédio de normas jurídicas, por isso a denominada intervenção indireta. Podendo realiza-la por meio de normas impositivas ou normas dispositivas.
Se ele o faz por intermédio de normas impositivas fica caracterizada a modalidade que é denominada de direção, que se dá na normatização da atividade econômica em sentido estrito.
Ou seja, na intervenção por direção todos os agentes da atividade econômica de maneira estrita são compulsoriamente obrigados a atuarem de determinada maneira, devido ao estabelecimento de normas de comportamento imperativos, dotadas de cogência, estabelecidas pelo Estado, as quais devem ser cumpridas pelos demais agentes econômicos que explorem a determinada atividade objeto da regulamentação.
Dessa forma, por tudo que foi exposto, pode-se perceber que a limitação administrativa se encaixa perfeitamente como uma das formas de intervenção do Estado na economia, mais precisamente como intervenção indireta na modalidade de direção. Tendo em vista que o Estado irá atuar por intermédio de normas jurídicas, por isso da denominação de intervenção indireta, realizando-a, em se tratando de limitação administrativa, por meio de normas jurídicas impositivas.
O que nos obriga a reconhecer que a vetusta classificação entre intervenção dinâmica e intervenção estática não mais seria de alguma utilidade.
Além do mais, aquela classificação não mais condiz com a realidade dinâmica com que são utilizados os institutos considerados de intervenção apenas na propriedade privada, mormente quanto a limitação administrativa, por suas características de generalidade e abstração, diferenciadoras dos demais institutos ditos de intervenção estática.
Pois bem, fica claro a “delegação” do Estado das funções, antes de sua exclusividade, para as empresas privadas, por exemplo, moradia, planos privados saúde, transportes, planos privados de aposentadorias etc.
As empresas passaram a conquistar um espaço na sociedade que antes era ocupado pelo Estado, incentivadas por este, como meio de permanecerem e conquistarem novos mercados, apropriando-se cada vez mais da propriedade, contudo, regulamentada e normatizada pelo próprio Estado, lastreando esta postura “altruísta” das pessoas jurídicas privadas na sociedade hodierna em troca do lucro.
REFERÊNCIAS
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[1] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 91.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 943.
[3] ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68
[4] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 187
[5] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 51 e CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 943
[6] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 191.
[7] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 186. “[...] agência de classificação de risco de crédito (do inglês credit rating agency), ou simplesmente agência de classificação de risco, trata-se de empresa que, por conta de um ou vários clientes, qualifica determinados produtos financeiros ou ativos (tanto de empresas quanto de governos ou países), avalia, atribui notas e classifica esses países, governos ou empresas, segundo o grau de risco de que não paguem suas dívidas no prazo fixado. Quando esse risco de inadimplência se refere a operações de crédito concedido a um Estado soberano ou ao seu Banco Central, é denominado risco soberano. Quando o risco se refere contratos de crédito firmados com a totalidade dos agentes (públicos, incluindo entidades infranacionais e não soberanas, ou privados) de um país, utiliza-se a expressão risco país.”
[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 1001 e 1002.
[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 1001 e 1002
[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 627
[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 793
[12] BRASIL, lei nº. 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Disponível em: . Acesso em: mai. 2016
[13] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 319
[14] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 101
[15] BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1989. Disponível em: . Acesso em: abr. 2016.
[16] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 91
[17] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 91 e 92.
[18] GIACOMINI, Júlio Cesar. A ordem econômica e social da dívida pública: gasto social, juro e tributação. 1ª. ed. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2013, p. 73
[19] GIACOMINI, Júlio Cesar. A ordem econômica e social da dívida pública: gasto social, juro e tributação. 1ª. ed. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2013, p. 73 e 74
[20] GIACOMINI, Júlio Cesar. A ordem econômica e social da dívida pública: gasto social, juro e tributação. 1ª. ed. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2013, p. 75
[21] BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1989. Disponível em: . Acesso em: abr. 2016.
[22] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 595. Diferentemente Paulo de Bessa Antunes afirma que “[...] inexistem limitações ao direito de propriedade. O que existe é que o direito de propriedade somente tem existência dentro de um determinado contexto constitucional e somente é exercido no interior deste mesmo contexto.”
[23] BRASIL, lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em: . Acesso em: mai. 2016.
[24] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 133
[25] BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1989. Disponível em: . Acesso em: abr. 2016.
[26] BRASIL, lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em: . Acesso em: mai. 2016.
[27] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 818
[28] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 663 e 664
[29] HEINEN, Juliano. RDA – Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. v. 260. p. 133-181. maio/ago. 2012, p. 4
[30] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 664
[31] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 132
[32] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 134
[33] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 836
[34] LIGUORI, Carla; SALEME, Edson Ricardo. A possibilidade de indenização à limitação administrativa do direito de construir como garantia do direito de propriedade. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Brasília – DF. Dias 20, 21 e 22 de novembro. 2008, p. 2.260
[35] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 630
[36] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Curso Geral de Propriedade Intelectual à Distância – DL 101P BR. De 19 de agosto a 14 de outubro de 2013. Módulo 9: concorrência desleal. “[...] disputa entre agentes econômicos produtores de um mesmo bem ou serviço no mercado, e é benéfica ao sistema econômico, pois os agentes econômicos serão estimulados a disponibilizar no mercado bens e serviços novos ou aperfeiçoados.
[37] BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à Atuação estatal no controle de preços. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE). Salvador. Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 14, maio/junho/julho, 2008, p. 24 Disponível na Internet: . Acesso em: 02 de maio de 2016, p. 24
Advogado. Pós-graduando em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário, Estácio de Sá, Maceió, 2015. Graduação em Direito, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOZA, Roberto Henrique Calú Ataide. O conteúdo econômico da limitação administrativa como atividade normativa e regulatória da ordem constitucional econômica: superação da distinção entre intervenção dinâmica e intervenção estática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51267/o-conteudo-economico-da-limitacao-administrativa-como-atividade-normativa-e-regulatoria-da-ordem-constitucional-economica-superacao-da-distincao-entre-intervencao-dinamica-e-intervencao-estatica. Acesso em: 22 nov 2024.
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