1. INTRODUÇÃO
É possível conceituar improbidade administrativa como a malversação da coisa pública, tendo o condão de gerar prejuízo para toda a sociedade. Nos dizeres de Matheus Carvalho, pode-se afirmar que improbidade se distingue de imoralidade, por esta consistir em uma das modalidades daquela. Por outro lado, nos ensinamentos do mesmo doutrinador, a configuração do ato de improbidade prescinde da demonstração de dano patrimonial ao erário público, sendo caracterizável apenas com a simples violação de princípios administrativos.[1]
Sobre a sua ocorrência, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 4º, aponta que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. A referida lei da improbidade administrativa é a lei 8.429/92. Não obstante, no art. 37, § 5 º, da mesma Carta, está disposto que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para os ilícitos que causem prejuízo ao erário, ressalvando as respectivas ações de ressarcimento. Surge, dessa forma, o questionamento acerca da imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa que visem, especialmente, o ressarcimento de danos ao erário.
2. DESENVOLVIMENTO
Conforme assevera o Professor Paulo Lôbo, a ordem jurídica fixa prazos para que o titular de um direito deva exercê-lo sob pena de restar impedido de fazê-lo em nome da certeza nas relações jurídicas e da paz social, pois não há direito isolado, que possa ser usufruído apenas para si sem consideração com o meio social.[2] Nessa toada, em nome da segurança jurídica, tem-se o instituto jurídico da prescrição, o qual pode ser conceituado como a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da sua inércia do seu titular, no prazo previsto em lei.[3]
A lei 8.429/92, contém em seu artigo 23, a existência de duas hipóteses distintas para a ocorrência de prescrição na improbidade administrativa. Dessa maneira, em uma interpretação sistemática com o disposto nos §§ 4 º e 5 º do art. 37 da CRFB/88, pode-se concluir que as ações de improbidade administrativa que visem a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública e a indisponibilidade dos bens estão sujeitas ao prazo prescricional constante do art. 23 da lei 8.429/02, sendo, portanto, tais pretensões prescritíveis. Em contrapartida, no que se refere às ações que visem o ressarcimento de danos ao erário decorrentes de improbidade administrativa, sob o ponto de vista da Constituição Federal, elas seriam imprescritíveis devido à ressalva constitucional nesse sentido. Todavia, o art. 12, III, da lei 8.429/02, contém previsão sancionatória de ressarcimento integral de dano. Assim, como os prazos prescricionais do art. 23 se aplicam às sanções previstas neste diploma legal, como disciplinado pelo caput do mesmo artigo, pode-se depreender que as ações de improbidade que visem o ressarcimento de danos seriam prescritíveis. Não é um raciocínio adequado, sob pena de afronta ao Princípio da Suprema da Constituição, na qual há ressalva à fixação de prazo prescricional por lei.
Inexiste posicionamento uniforme pelos doutrinadores acerca da imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa que visem ressarcimento de danos. Parte da Doutrina, como destaca Felipe Caminha[4], propõe que seja reconhecida a prescritibilidade dessas ações de ressarcimento fundamentada nas ideias de segurança e de estabilidade das relações jurídicas, o que enseja o reconhecimento da perda da pretensão ocasionada pela inércia do titular durante o decurso do tempo. Por outro lado, o Egrégio Superior Tribunal Federal tem entendimento pacificado no sentido de que há imprescritibilidade das ações cujo objeto é o ressarcimento ao erário, conforme dispõe o art. 37, § 5º da Constituição da República.[5]
Rita Tourinho, expoente da Teoria da Prescritibilidade, salienta que a imprescritibilidade é excepcional, visto que, a priori, a prescrição atinge todas as ações e pretensões. Dessa forma, o fato de as ações de ressarcimento de danos decorrentes de atos de improbidade terem sido excluídas do prazo prescricional previsto em lei não traduz sua imprescritibilidade, mas sim o desejo de que seu prazo prescricional não fosse inferior ao estabelecido no Código Civil.[6] Em contrapartida, autores como José Afonso da Silva, defensor da corrente da Imprescritibilidade, defendem que o texto constitucional, ao ressalvar a ação de ressarcimento no art. 37, § 5º, objetivou que tal pretensão fosse indene ao prazo prescricional, sendo exceção à regra da prescritibilidade das ações. [7] Nesse sentido, para os partidários dessa corrente, é possível haver a prescrição da ação de improbidade. Não obstante, resta resguardada a possibilidade de ingresso com a ação de ressarcimento de modo a recuperar aos cofres públicos os prejuízos causados.[8]
Data Venia o posicionamento do Colendo Supremo Tribunal Federal e da parte majoritária da Doutrina, os quais entendem pela imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa que visem o ressarcimento de danos ao erário causados por agentes públicos, tal ideia não parece a mais arrazoada. O texto constitucional, em nenhum momento, dispôs que tais ações seriam imprescritíveis, como fez no caso da ação de grupos armados contra o Estado Democrático (art.5 º, XLIV, CRFB/88), mas sim, apenas ressalvou que o prazo prescricional das referidas ações não seria feito por lei. Dessa forma, já que pode fazê-lo e não o fez, entende-se que deva ser aplicado o prazo prescricional insculpido no Código Civil em favor do Princípio da Segurança das Relações Jurídicas.
3. CONCLUSÃO
Em suma, entende-se cabível, em nome da paz social e em face do silêncio da Constituição, norma posta máxima do ordenamento jurídico pátrio, acerca da imprescritibilidade, a ocorrência de prescrição para todas as ações de improbidade administrativa independente do seu objetivo. Dessa maneira, especificamente para aquelas que buscam o ressarcimento de danos ao erário, deve ser observado o prazo prescricional de três anos constante do artigo 206 do Código Civil. Para os demais casos, deve-se observar os prazos prescricionais dispostos na lei 8.429/02.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE: 807123/PE, Relator: Min. Carmen Lúcia, Brasília/DF, 20/05/2014.
CAMINHA, Felipe Regis de Andrade. A imprescritibilidade do ressarcimento do dano ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3708, 26 ago. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2017.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodium, 2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. .São Paulo: Saraiva, 2009.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção, OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa. São Paulo: Método, 2014.
SCATOLINO, Gustavo, TRINDADE, João. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodium, 2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2009.
TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. A prescrição e a Lei de Improbidade Administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 274, 7 abr. 2004. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2017.
[1] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodium, 2016. P. 936.
[2] LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. .São Paulo: Saraiva, 2009. P. 339.
[3]GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 501.
[4] CAMINHA, Felipe Regis de Andrade. A imprescritibilidade do ressarcimento do dano ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3708, 26 ago. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2017.
[5] STF - RE: 807123 PE , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 20/05/2014, Data de Publicação: DJe-099 DIVULG 23/05/2014 PUBLIC 26/05/2014
[6] TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. A prescrição e a Lei de Improbidade Administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 274, 7 abr. 2004. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2017
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2009. P. 673.
[8] SCATOLINO, Gustavo, TRINDADE, João. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodium, 2016. P. 802.
Conciliadora no Tribunal de Justiça de Pernambuco. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2016). Pós-graduanda em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEMOS, Milena Tenório de. Estudo da ocorrência de prescritibilidade na ação de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51287/estudo-da-ocorrencia-de-prescritibilidade-na-acao-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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