Resumo: Este trabalho busca analisar o poder de polícia em seus vários aspectos. Assim, aborda características e conceito deste poder, trazendo diferenciação entre as polícias: administrativa e judiciária. Disserta ainda sobre a possibilidade de delegação de tal poder, enfatizando sua fundamental relevância na preservação do interesse público.
Palavras-Chave: Poder de Polícia. Atributos. Discricionariedade. Autoexecutoriedade. Coercibilidade. Supremacia do interesse público. Polícia Administrativa. Polícia Judiciária.
Introdução
O Estado deve servir a coletividade. Assim, as relações sociais precisam ser disciplinadas a fim de proporcionar segurança à sociedade, resguardando a ordem pública. Nesse sentido, o ordenamento jurídico traz prerrogativas que são consideradas indispensáveis para que as finalidades públicas sejam atingidas, tem-se aí os poderes administrativos.
Nessa perspectiva, destaca-se que, através do poder de polícia, a Administração Pública é capaz de fiscalizar, controlar e restringir o exercício de determinados direitos e atividades individuais, bem como o uso de bens. Tudo isso visando o melhor interesse coletivo. Entretanto, faz-se necessário que exista um equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos, não devendo existir supressão exagerada ou desrazoada de direitos. A atuação estatal respeitará o limite necessário para se atingir os fins pretendidos visando sempre o interesse público. A sociedade deve se guiar pela cooperação, a fim de conseguir, de fato, garantir e preservar os interesses públicos.
Poder de Polícia
O poder de polícia é um poder predominantemente negativo, ou seja, relaciona-se a uma obrigação de não fazer. Tal poder representa limitações à liberdade e à propriedade dos particulares em prol do interesse público.
Nesse sentido, o poder de polícia tem como escopo a manutenção da ordem pública e como fundamento a supremacia do interesse público. No exercício de tal poder, o Estado impõe restrições aos interesses individuais em prol do interesse público.
Assim, Carvalho Filho afirma que no que se refere ao benefício resultante do poder de polícia, o interesse público constitui fundamento dessa prerrogativa do Poder Público. A intervenção do Estado nos direitos individuais apenas se justifica diante da finalidade que deve sempre nortear a ação dos administradores públicos, qual seja, o interesse da coletividade. [1]
O conceito de poder de polícia encontra-se exposto no Código Tributário Nacional, em seu art. 78 a conceituação que diz: “considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou obtenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, no exercício das atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou o respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
Nesse contexto, o poder de polícia é a atividade administrativa que limita o exercício dos direitos individuais em beneficio da segurança e bem coletivo, uma vez que tal poder se fundamenta no princípio da predominância do interesse público sobre o do particular, colocando a Administração Pública em patamar de supremacia em relação aos particulares.
A polícia administrativa, por exemplo, é executora das leis administrativas. Assim, para exercer estas leis, a Administração não pode deixar de exercer sua autoridade indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos ao império destas leis. Daí manifesta-se na Administração uma supremacia geral.
Observa-se, que a expressão poder de polícia tem dois sentidos; um sentido amplo e um sentido estrito. O poder de polícia em sentido estrito é a prerrogativa da Administração Pública que pode restringir e condicionar a liberdade e a propriedade, configura-se atividade tipicamente administrativa. Já em sentido amplo, tal poder relaciona-se a ação do Estado de restringir os direitos individuais, esse poder ser feito através da atuação do Poder Legislativo. Assim, pode-se perceber que o poder de polícia é uma prerrogativa da Administração Pública, que causa limitações aos particulares.
Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
A polícia administrativa representa uma polícia preventiva, visando evitar conflitos futuros que possam ser causados quando se reitera um comportamento irregular. Assim, tal polícia tenta impedir que o interesse particular se sobreponha ao interesse público. Seu objetivo é manter a ordem pública geral e impedir possíveis infrações das leis.
Destaca-se, porém, que tanto a polícia administrativa quanto a polícia judiciária encontram-se no âmbito da função administrativa, visando o interesse público. Alguns afirmam que a principal diferença entre as duas polícias encontra-se no fato da polícia administrativa possuir caráter preventivo e da polícia judiciária ter caráter repressivo. Entretanto, deve-se observar que ambas podem agir repressiva ou preventivamente.
A polícia administrativa é exercida pelos órgãos da Administração Pública, enquanto a polícia judiciária é exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (art. 4 do Código de Processo Penal). Assim, tem-se que a polícia judiciária é exercida pela polícia civil e pela polícia militar.
Com relação a polícia civil, observa-se que esta que exerce, realmente, as funções de polícia judiciária. No que se refere a polícia militar, tem-se que a atividade ostensiva e de preservação da ordem pública será exercida por ela. Logo, a polícia administrativa é exercida por órgãos administrativos de caráter fiscalizador, enquanto a polícia judiciária é exercida pelas autoridades policiais.
A polícia administrativa incide sobre bens, direitos e atividades, enquanto a polícia judiciária atua sobre as pessoas; ambas exercendo função administrativa, ou seja, buscando o interesse público e o bem da coletividade.
A polícia judiciária tem como finalidade auxiliar o Poder Judiciário na aplicação da lei ao caso concreto, em cumprimento de sua função jurisdicional. Tal polícia visa investigar os delitos ocorridos, cumprindo seu papel de amparar a atuação judicial. Assim, a polícia judiciária atua, em regra, repressivamente na perseguição e prisão dos que infringem as leis, cometendo delitos penais. Entretanto, apesar da predominância repressiva, a atividade da polícia judiciária também pode ser preventiva, como por exemplo, policiar regiões de risco. A própria ideia de efetuar prisões tem relação com a prevenção, uma vez que se o infrator for preso, não mais cometerá crimes.
Como diferença entre as duas polícias, cabe destacar que se o ilícito for somente administrativo, sendo ele preventivo ou repressivo, trata-se de polícia administrativa; entretanto, se o ilícito for penal, a polícia judiciária deverá agir no caso.
Atributos do Poder de Polícia
A doutrina brasileira, em regra, apresenta três atributos característicos do exercício do poder de polícia, tais como: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.
1. Discricionariedade
Nota-se, que a lei acaba deixando margem de liberdade de apreciação quanto ao motivo ou o objeto do ato de poder de polícia. Assim, cabe a Administração decidir qual o melhor momento de agir, o meio de ação adequado ou a sanção cabível. Nesse sentido, a Administração realizará análise própria, decidindo qual o melhor meio, momento e sanção aplicável para a situação.
Na maior parte das medidas de polícia, é possível encontrar a discricionariedade. Logo, no que se refere à discricionariedade e à vinculação, pode-se afirmar que, na maioria das vezes, o poder de polícia é discricionário; entretanto, existe possibilidade de que tal poder seja vinculado. A discricionariedade ocorre quando a lei deixa margem de liberdade para certas situações, isso deve-se a impossibilidade do legislador prever todas as hipóteses possíveis para cada caso.
Assim, existem situações nas quais a Administração Pública terá que decidir qual o melhor procedimento para o caso, caracterizando a discricionariedade do poder de polícia. Porém, quando a lei estabelecer que a Administração siga soluções já determinadas, sem discricionariedade, estar-se-á diante do poder vinculado.
2- Autoexecutoriedade
No que se refere a autoexecutoriedade, esta relaciona-se a possibilidade da administração praticar atos, que serão colocados em imediata execução, não havendo necessidade de manifestação judicial. Assim, a autoexecutoriedade refere-se ao fato da Administração, através de seus próprios meios, ser capaz de executar suas decisões sem necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário previamente.
Parte da doutrina divide a autoexecutoriedade em: exigibilidade e executoriedade. Com relação a exigibilidade, tem-se que a Administração é capaz de tomar decisões executórias, independente da concordância do particular, através do uso de meios indiretos de coação; um exemplo de exigibilidade poderia ser a multa por infração de trânsito. A executoriedade relaciona-se a possibilidade de se proceder a execução forçada, com utilização de força pública, se necessário.
Diante o exposto, observa-se que a exigibilidade relaciona-se aos meios indiretos de coação, como por exemplo à multa; e a executoriedade refere-se aos diretos de coação, tais como apreensão de mercadorias.
Dessa forma, percebe-se que a própria Administração impõe as medidas ou sanções de polícia administrativa. É ato de agir da Administração com os próprios meios, executando suas decisões sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
A decisão da Administração Pública é imposta ao particular mesmo contra sua vontade. Nesse contexto, o meio que o particular possui para se opor à decisão tomada pela Administração é o Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV da CF, uma vez que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Dessa forma, não se deve confundir a dispensa de manifestação do judiciário nos atos que são próprios da Administração Pública, com restrição ao acesso ao poder judiciário em caso de ameaça ou lesão a direito.
A própria Administração pode recorrer, previamente, ao judiciário quando visa a prática de atos que possam gerar resistência por parte dos particulares envolvidos. Como exemplo, pode-se citar a demolição de edificações irregulares.
3- Coercibilidade
A coercibilidade é indissociável da autoexecutoriedade. A ideia de coercibilidade relaciona-se ao fato da Administração Pública poder adotar medidas a serem impostas coativamente ao administrado, podendo, inclusive, haver a utilização de força.
Assim, havendo resistência de um particular ao ato de polícia, a Administração poderá se valer da imperatividade para garantir o seu cumprimento. Tal medida possui força coercitiva, sendo classificada como poder de polícia com atividade negativa ou positiva. Majoritariamente, as atividades realizadas pela administração pública em face dos administrados são negativas, uma vez que os particulares sofrem uma limitação em sua liberdade (obrigação de não fazer), imposta pela própria Administração.
A coercibilidade ressalta o grau de imperatividade dos atos de polícia. Tal poder obriga os particulares a seguirem as diretrizes e os limites administrativos. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, no que se refere a coercibilidade, tem-se que a polícia administrativa, como é natural, não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Assim, se a atividade configurar um poder, proveniente do ius imperii estatal, tal atividade será desempenhada de forma a obrigar todos a observarem os seus comandos.[2]
A imposição coercitiva dos atos de polícia independe de prévia autorização judicial, estando sujeita, entretanto, assim como ocorre com qualquer ato administrativo, a verificação posterior por parte do judiciário, que analisará a ilegalidade, que de acordo com o caso concreto, podendo levar a anulação do ato e a reparação ou indenização ao particular pelos danos que por ventura venham a sofrer.
Possibilidade de Delegação
Devido a importância do poder de polícia, a doutrina majoritária tem entendido pela impossibilidade de delegação, uma vez que permitir que particulares desenvolvessem tais atividades poderia levar a uma supressão do interesse público que acabaria submetido ao privado, desvirtuando, assim, a própria ideia do poder de polícia que é a preservação do bem-estar coletivo e do interesse público. Entretanto, a doutrina afirma ser possível a delegação de atividades preparatórias ou mesmo atividades posteriores ao poder de polícia.
Assim, tem-se que, doutrinariamente, há diferenciação entre o poder de polícia originário e o poder de polícia derivado. O poder de polícia originário é exercido pela administração direta, enquanto o poder de polícia delegado é exercido pela administração pública indireta.
Com relação as pessoas jurídicas de direito público, é possível a delegação das atividades fiscalizadoras e de consentimento. Assim, entre os ciclos do poder de polícia, quais sejam: a) ordem (criação de normas jurídicas de caráter geral e abstrato, limitando os direitos particulares), b) fiscalização (atividade de vigilância para averiguar se as normas administrativas estão sendo respeitadas), c) consentimento (atividade de verificação quanto a possibilidade de o particular desempenhar determinada atividade, através de autorização, permissão e licença) e d) sanção (poder de coagir os particulares); apenas a fiscalização e o consentimento podem ser objeto de delegação.
Os particulares podem praticar atos de execução sem poder decisório, sendo tais atos, apenas, suporte às atividades da polícia administrativa. Assim, não existe poder decisório e sim prática de atos operacionais anteriores ou sucessores ao poder de polícia.
Não há nisto atribuição alguma de poder que invista os contratados em qualquer supremacia engendradora de desequilíbrio entre os administrados, afirma Celso Antônio bandeira de Melo, uma vez que, não está aí envolvida expedição de sanção administrativa e nem mesmo a decisão sobre se houve ou não violação de norma de trânsito, mas mera constatação objetiva de um fato”. [3]
Segundo a posição do STJ, essas atividades de fiscalização e consentimento poderiam ate mesmo serem delegadas a pessoa jurídica de direito privado integrante da Administração Pública Indireta. Porém, no que se refere aos particulares de modo geral, pessoa física ou jurídica sem vínculo com a Administração Pública, a doutrina majoritariamente entende pela indelegabilidade.
O STF se coaduna com tal entendimento, uma vez que a atividade do poder polícia é atividade típica de Estado, devendo ser exercida pelo Poder Público, visando sempre o interesse público.
Referências
CARVALHO Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[1] CARVALHO Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, pag. 76.
[2] CARVALHO Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p 83.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 827.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti (2017)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESTANA, Barbara Mota. O poder de Polícia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51436/o-poder-de-policia. Acesso em: 22 nov 2024.
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