RESUMO: O sistema constitucional oferece os litigantes o direito fundamental à prova, entre eles destacando-se o devido processo legal, contraditório substancial e vedação a prova ilícita. Por meio da prova as partes tencionam o convencimento do magistrado sobre a verdade dos fatos. É neste diapasão que surge a possibilidade de os litigantes no processo do trabalho empregarem a interceptação telefônica e a gravação clandestina. Portanto, surge a necessidade de perquirir na jurisprudência e na doutrina a licitude ou ilicitude destes meios de prova.
Palavras-chave: Processo do Trabalho; Convencimento do Magistrado; Verdade dos Fatos; Direito Fundamental à Prova; Prova Ilícita; Interceptação Telefônica; Gravação Clandestina.
Sumário: 1. Introdução – 2. Conceito de Prova – 3. Objeto da Prova – 4. Princípios Constitucionais Ligados a Prova: 4.1 Princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa; 4.2 Princípios da Proibição da Prova Ilícita; 4.3 Princípio da Proporcionalidade – 5. Princípios Correlacionados a Prova no Processo do Trabalho: 5.1 Princípios da Necessidade, da Oralidade, da Imediaticidade e da Aquisição Processual ou Comunhão da Prova; 5.2 Princípio da Verdade Real e da Persuasão Racional; 5.3 Princípio da Boa-fé Objetiva, Cooperação e Lealdade Processual – 6. Admissibilidade da Prova Ilícita – 7. Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados – 8. Gravação Clandestina e Interceptação Telefônica no Processo do Trabalho – 9. Conclusão – 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos humanos deitam raízes históricas na doutrina Cristã, com a ideia que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus, bem como que Deus assumiu a condição humana para redimi-la.
Entretanto, é no iluminismo que os direitos humanos recrudesceram, sobremaneira através da concepção de constituições formais.
Na verdade, sempre houve, em todas as sociedades, uma constituição material, que era plasmada no modo de ser de uma comunidade, ou seja, elencava valores subjacentes, a organização e a identidade de um povo.
Todavia, a sistematização racional da comunidade política por meio de um documento escrito supralegal, em que se fixa direitos e garantias fundamentais, além da limitação de poder com a necessária organização e estruturação do Estado, surge apenas com a constituição formal, que, inegavelmente, é fruto do constitucionalismo americano e francês.
Dentre estes direitos, destaca-se o devido processo legal, que remonta a Carta de 1215 do Rei João-Sem-Terra.
É diáfano que o que suso direito não apresenta a feição do passado.
Hoje, ele possui uma faceta material e formal, constituindo um sobreprincípio, porquanto, consoante Uadi Lammëgo Bullos[1], fundamenta todos os demais direitos.
Neste contexto, surge a proibição da prova ilícita, como um de seus corolários.
Pode ocorrer mácula ao direito material na formação ou instrução da prova, nascendo a prova ilícita, que conspurca o direito material e encontra-se vedada no art. 5º, inciso LVI, Constituição Federal de 1988.
É assaz estimulante o estudo do fenômeno jurídico em testilha, mormente em face da compreensão da busca da verdade real como ponto de justiça e efetividade no processo do trabalho.
Enfim, o presente trabalho tem o fito, sem a mínima pretensão de esgotar a matéria, de contribuir singelamente para o debate doutrinário, apresentando as soluções possíveis acerca do uso da interceptação telefônica e da gravação clandestina no processo do trabalho.
2. CONCEITO DE PROVA
O art. 369 do Código de Processo Civil preleciona que as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no CPC, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Percebe-se que o sistema jurídico exprime que há duas espécies de prova.
A primeira é a prova típica, ou seja, aquela especificada no Código de Processo Civil ou em qualquer outra lei extravagante.
A segunda é a prova atípica, que não é delineada em lei. Esta, no entanto, desde que moralmente legítima e não afronte o sistema jurídico, é plenamente possível sua recepção, uma vez que a prova tarifada é exceção no sistema.
Nelson Nery Júnior[2] afirma que as provas são meio processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e verificação de um fato jurídico.
Assim, em idiossincrasia, crê-se que prova é um fato jurídico consubstanciado em qualquer meio legal ou moral, utilizado no processo, apto a demonstrar a veracidade e autenticidade dos fatos alegados em juízo, levando certeza, exatidão à mente do magistrado e contribuindo para a formação do contraditório substancial.
Como Carnelutti enalteceu, as provas são o coração do processo, propiciando, ao magistrado, proferir uma decisão com acuidade e argúcia, fulcrada em uma perquirição dos fatos e argumentos probatórios encartados no processo.
3. OBJETO DA PROVAAs provas têm como objeto fatos controvertidos, pertinentes e relevantes a elucidação do processo.
Nesta esteira, o art. 374 da CLT preceitua que não dependem de provas os fatos notórios, afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, admitidos como incontroversos e em cujo favor milita presunção legal
Como a Consolidação das Leis do Trabalho não possui regra própria, aplica-se o artigo mencionado, em um diálogo de fontes, com base no art. 769 da CLT.
Realce-se que a presunção juris et de juris não admite prova em contrário, conquanto a juris tantum aceite.
O Tribunal Superior do Trabalho está pejado de presunções jurisprudenciais, como se percebe das súmulas 12[3], 16[4], 43[5], 212[6] e 443[7].
Por sua vez, é despicienda a comprovação do direito, que, em tese, é de domínio do magistrado, em razão do princípio do iura novit curia.
Nada obstante, quando requerido pelo juiz, excepcionalmente, é necessária a comprovação do direito quando se relacionar com direitos municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, regulamentos empresariais, acordos e convenções coletivas e usos e costumes.
4.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIGADOS A PROVA4.1 Princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa
O sobre princípio do due process of law é um manancial de princípios constitucionais que luta contra o arbítrio daqueles que têm o poder e encontra-se positivado na nossa Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos dos Homens.
Por todos, cite-se Calmon de Passos que detalha o devido processo leal com precisão cirúrgica, veja-se:
Devido processo constitucional jurisdicional, cumpre esclarecer, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm o poder de decidir. Exige-se, sem que seja admissível qualquer exceção, a prévia instituição e definição da competência daquele a quem se atribua o poder de decidir o caso concreto (juiz natural), a bilateridade da audiência (ninguém pode sofrer restrição em seu patrimônio ou em sua liberdade sem previamente ser ouvido e ter o direito de oferecer suas razões), a publicidade (eliminação de todo procedimento secreto e da inacessibilidade ao público interessado de todos os atos praticados no processo), a fundamentação das decisões (para se permitir a avaliação objetiva e crítica da atuação do decisor) e o controle dessa decisão (possibilitando-se, sempre, a correção da ilegalidade praticada pelo decisor e sua responsabilização pelos inescusáveis que cometer).
Dispensar ou restringir qualquer dessas garantias não é simplificar, deformalizar, agilizar o procedimento privilegiando a efetividade da tutela, sim favorecer o arbítrio em benefício do desafogo de juízos e tribunais. Favorece-se o poder, não os cidadãos, dilata-se o espaço dos governantes e restringi-se o dos governados. E isso se me afigura a mais escancarada anti-democracia que se pode imaginar.[8]
O devido processo legal tem índole essencialmente processualista, como se depreende da velha Inglaterra e, depois, da quinta e décima quarta Emendas dos Estados Unidos.
Esta visão do procedural due process não buscava um questionamento de substância ou do conteúdo dos atos do Poder Público, o que viria a acontecer mais tarde com o substantive due process.
Importante realçar que o devido processo substantivo é diferente do princípio da proporcionalidade, que deita suas raízes no direito alemão.
Enquanto este busca um modelo de sociedade com base na carga valorativa de cada intérprete, aquele trabalha com a hermenêutica-argumentativa.
Mesmo sendo despiciendo, a Lei Magna de 1988 faz menção ao contraditório e a ampla defesa, precipuamente com o escopo de evitar distorções na hermenêutica do devido processo legal, pois o Brasil é um país de tradição legalista.
Assim, bastaria a cláusula geral do devido processo legal para que decorressem todos os efeitos processuais que trouxessem aos litigantes o direito a um processo e uma sentença equânime, uma vez que a ampla defesa e o contraditório são corolários do devido processo legal.
A ampla defesa e o contraditório são instrumentos pelos quais o ordenamento jurídico permite a parte provar cabalmente os fatos alvo da lide, esclarecendo a verdade, através do livre debate e produção de provas.
O princípio do contraditório estimula a dialética processual, se consubstancia em um postulado lógico do princípio da ampla defesa e possibilita a parte à efetivação da sua defesa quando de uma alegação, contradizendo-a.
Sem contraditório seria impossível falar de ampla defesa.
Realce-se que, hodiernamente, predomina uma visão do contraditório substancial, pois não basta a mera possibilidade de alegação, mas os fatos articulados pela parte devem influenciar o convencimento do magistrado, conforme se alinha dos artigos 7º, 10, 486, §1º, e 489 do Código de Processo Civil.
4.2 Princípio da Proibição da Prova Ilícita
O direito à prova é um direito fundamental que não está expressamente previsto na Constituição Federal.
Entretanto, sua existência é insofismável, pois encontra arrimo no princípio da inafastabilidade da jurisdição, encetado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, bem como em tratados internacionais incorporados pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
É através deste que se garante o efetivo exercício do devido processo legal, primacialmente o contraditório.
Conforme Didier[9], ele é composto das seguintes situações jurídicas: a) direito à adequada oportunidade de requerer provas; b) direito de produzir provas; c) direito de participar da produção da prova; d) direito de manifestar-se sobre a prova produzida; e) direito ao exame, pelo órgão julgador, da prova produzida.
Todavia, este direito não é absoluto, uma vez que a obtenção da verdade não é um fim em si mesmo, em que seja permitido um estratagema sem regras, devendo-se, sempre, respeitar o fair play do jogo democrático.
Aplica-se, aqui, a teoria dos jogos, que tem o grande mérito de demonstrar como as coisas devem ocorrer caso tenhamos agentes racionais no jogo real, não descartando a possibilidade irracional das pressões e das emoções comparecerem no ato processual[10], inclusive no procedimento probatório.
No jogo, na linha de Tárek Moysés Moussalém[11], é como se cada qual efetivamente habitasse uma linguagem e jogasse, de acordo com determinadas regras, com os demais que também a coabitam.
Neste diapasão, a caracterização da prova depende dos métodos aceitos pelo jogo.
Por outro lado, na esteira de um sistema autopoiético, que implementa certeza e segurança jurídica, para entrar no sistema jurídico, o fato passa por uma espécie de filtro, que seleciona quais propriedades que entram e quais ficam de fora.
Ao descrever os modos de escolha de elementos, o direito positivo brasileiro veda reconhecimento às provas obtidas ilicitamente em qualquer espécie de processo.
Na verdade, as provas em si não são ilícitas, mas o meio de sua obtenção.
O art. 30 da Lei de Processo Administrativo Federal estabelece que são inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meio ilícito.
Na mesma vereda, o art. 157 do Código de Processo Penal estatui que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação as normas constitucionais ou legais.
No mesmo dispositivo normativo, os parágrafos primeiro e segundo preceituam que são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras, quando, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, sejam capazes de conduzir ao fato objeto da prova.
O CPP, por ser mais detalhista, deve ser aplicado por analogia ao CPC, conforme preconiza o enunciado 301 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
Este princípio é tão importante para a manutenção da segurança jurídica, que o legislador constituinte decidiu enceta-lo na sessão de direitos e garantias fundamentais, mais especificamente no art. 5 º, inciso LVI.
Os congressistas constituintes negaram peremptoriamente a utilização de provas ilegais no bojo do induvidoso direito fundamental à prova.
Como provar a legitimidade de um fato e de um direito com a violação de outra norma? Seria um paradoxo da parte do legislador apoiar a tese de que para descobrir a verdade vale tudo.
Além dos meios convencionais de obtenção da prova ilícita, o avanço tecnológico, sem dúvidas, mormente pelo uso descontrolado associado a falta de fiscalização da internet, alavanca a proliferação de provas ilícitas, devido às facilidades e a celeridade proporcionada pela tecnologia, precipuamente no uso de ferramentas que aviltam a dignidade da pessoa humana e intimidade.
Assim, cabe ao Magistrado negar a eficácia e desentranhar a prova obtida ilicitamente dos autos do processo em questão.
Adverte-se que o Supremo Tribunal Federal[12] entendeu que no que concerne as peças do processo que fazem referência a essa prova, estas não devem ser desentranhadas e substituídas.
Cândido Rangel Dinamarco[13], por sua vez, refuta a opção do legislador constituinte, preconizando que “exigir que o juiz finja não conhecer de fatos seguramente comprovados, só por causa da origem da prova: a parte, que nem sempre será o sujeito responsável pela ilicitude (mas ainda quando o fosse), suportará invariavelmente essa restrição ao seu direito à prova, ao julgamento segundo a verdade e à tutela jurisdicional a que eventualmente tivesse direito.”.
Outra questão assaz pertinente, é a relacionada à validade ou não das provas derivadas das provas ilícitas.
Há duas teorias.
A primeira orienta que as provas oriundas das provas ilícitas são válidas, enquanto a Fruits of the Poisonous Tree Doctrine defende a proibição do uso de provas derivadas das ilícitas, em que pese existir alguns temperamentos.
Quanto as provas ilegítimas, estas podem permanecer nos autos, mas devem ser declaradas nulas.
Por derradeiro, é de bom alvitre asseverar que a vedação do uso de provas ilícitas está imbricada com vários direitos fundamentais, pois tal regra prioriza as liberdades públicas, o respeito da dignidade da pessoa humana e a seriedade da atividade persecutória do Estado.
Assim, em algumas ocasiões, através do princípio da proporcionalidade, pode ocorrer a exclusão da ilicitude da prova.
4.3 Princípio da Proporcionalidade
Como dito em alhures, os direitos fundamentais são relativos e a vedação à prova ilícita pode sofrer um abrandamento em determinadas situações que serão estudadas de forma detalhada ao longo do nosso trabalho monográfico.
Ademais, o princípio da proporcionalidade brota com a ideia limitadora do poder, visando à defesa de outros princípios e regras merecedoras da tutela do Estado-juiz.
Com o princípio da proporcionalidade, o julgador realiza o sopesamento e a ponderação das regras em colisão, com o fito de perquirir se o meio adotado está em razoável proporção com a finalidade perscrutada.
O magistrado, a todo custo, intentará a correção de distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos excepcionais, através da análise dos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
5. PRINCÍPIOS CORRELACIONADOS A PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO5.1 Princípios da Necessidade, da Oralidade, da Imediaticidade e da Aquisição Processual ou Comunhão da Prova
É imprescindível, além da exposição dos fatos, a comprovação destes.
Em decorrência, surge o princípio da escrituração ou escritura, que exige a consubstanciação dos fatos, sob a coima do magistrado desconsiderá-los, com base no brocardo quod non est in actis non est in mundo.
Contudo, em razão da penetração do mundo eletrônico, este princípio deve ser relativizado.
O magistrado pode, por exemplo, através da internet, ou seja, fora dos autos, buscar a verdade através de fatos publicizados na rede mundial de computadores.
Neste diapasão, surge o princípio da conexão, em que há uma simbiose entre os mundos real e virtual.
De outra banda, o princípio da oralidade nasceu no processo civil, mas se consagrou no processo do trabalho.
Certamente em função da informalidade deste, como se deflui da reclamação verbal, da defesa oral, das razões finais, do protesto, entre outros.
O princípio da oralidade se divide em três subprincípios, quais sejam, a identidade física do juiz, a concentração e a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias.
A identidade física do juiz preconiza que o juiz administre o processo do início até o julgamento
Tinha como fonte normativa o art. 132 do CPC de 1973. Contudo, o novel CPC não o positivou, levando, assim, a conclusão de que o TST adequará a jurisprudência a esta conjuntura.
O standard da concentração, por sua vez, prevê que os atos processuais devam ser executados em poucas ou numa única audiência.
O princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, por sua vez, possibilita uma maior celeridade do processo trabalhista.
A súmula 214[14] do Tribunal Superior do Trabalho engendrou três ressalvas, a saber: recurso imediato de decisão de Tribunal Regional do Trabalho contrária à súmula ou orientação jurisprudencial; impugnação por recurso para o mesmo Tribunal; acatamento de exceção de incompetência territorial, com envio dos autos para outro Tribunal Regional do Trabalho.
Há que se falar, também, do princípio da imediaticidade, conforme lição de Jorge Luiz Souto Maior[15], como a necessidade de que a realização dos atos instrutórios ocorra perante a pessoa do juiz, que assim poderá formar melhor seu convencimento, utilizando-se, também, de impressões obtidas das circunstâncias nas quais as provas se realizam.
Para Goldschmidt[16], o aludido princípio pode ser apreendido sob duas faces: em um cariz objetivo, em que as provas estarão o mais perto possível da percepção sensorial do magistrado e das partes; em sentido subjetivo, ocasionando a necessidade de o julgador possuir o tato com a produção de provas.
Por fim, a prova não pertence a nenhum dos atores processuais, pois, quando realizada, passa a pertencer ao conjunto probatório, independentemente de avariar ou beneficiar as pretensões do seu produtor, conforme se percebe do art. 371 do CPC.
Nesta senda, Didier[17] afirma que o responsável pela prova, após a sua produção, não pode retirá-la do processo ou impedir que o juiz a considere na formação de seu convencimento, sob o argumento de que seu resultado lhe é prejudicial, por não ser o dono da prova. Consolida-se, assim, o princípio da aquisição processual ou da comunhão da prova e a homogeneidade da eficácia probatória, pois deve ser atribuída um só valor à prova que, como tal, repercutirá na esfera do seu produtor e de todos os outros sujeitos do processo.
5.2 Princípio da Verdade Real e da Persuasão Racional
O processo do trabalho não se contenta apenas com a verdade formal, pois não prescinde da verdade real, em razão do princípio da primazia da realidade, estatuído no art. 765 da CLT.
Todavia, há autores, cujo raciocínio pode ser trespassado para o processo do trabalho, que defendem uma verdade lógico-semântica.
Fabiana Del Padre Tomé[18] diz ser irrelevante a diferença entre verdade formal e real, considerando o caráter autossuficiente da linguagem. Toda a verdade passaria a ser formal, quer dizer, verdade dentro de um sistema linguístico.
Na mesma linha, Paulo de Barros Carvalho[19], afirma que para o alcance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico para a constituição do fato jurídico, pouco importante se o acontecimento efetivamente ocorreu ou não.
Destarte, toda verdade jurídica seria lógico-semântica e não formal ou material, dando-se o fato como verdadeiro se concebido na linguagem própria do direito.
Mas não é só. Faz-se mister discorrer sobre persuasão racional do juiz.
Há o sistema da prova legal, em que esta já vem fixada em norma legal, com o fato sendo provado apenas por esta.
Neste contexto, caberia apenas ao juiz analisar se a prova foi realizada na consonância do que a lei preceituava.
Em contraposição, criou-se o livre convencimento ou persuasão íntima, em que a liberdade do juiz no cotejo probatório é ampla e livre, pecando, pois, pela atribuição de um plexo de poderes ilimitados ao magistrado.
De outra banda, em que pese a divergência doutrinária, o atual Código de Processo Civil, tal como o anterior, implantou o sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional.
O julgador não está preso ao jugo de uma hierarquia entre as provas. Entretanto, o juiz não é totalmente livre, pois deve, racionalmente, motivar a sua apreciação, obliterando-se, assim, subjetivismos.
Nesta seara, Didier[20] enuncia que não se admite decisão fundada em critérios de fé, baseada em concepções religiosas ou místicas. Não se permite, desta feita, como exemplo, o reconhecimento de carga probatória a uma carta psicografada, que seria pejada pela ilicitude.
Contudo, há algumas exceções no processo do trabalho que corporificam o uso da prova legal, como a exigência de prova documental para pagamento dos salários (art. 464 da CLT), concessão de descanso da gestante (art. 392 da CLT), concessão ou pagamento das férias (artigos 135 e 145, parágrafo único, da CLT) e acordo de prorrogação de jornada (art. 59 da CLT).
5.3 Princípio da Boa-fé Objetiva, Cooperação e Lealdade Processual
A doutrina, o Superior Tribunal de Justiça[21][22], o Supremo Tribunal Federal[23] e a jurisprudência trabalhista[24], desde interregno que antecede o novel CPC, já trabalhavam com o fair trial, como uma das facetas do devido processo legal.
O saudoso Carlos Alberto Alvaro Oliveira[25], em interstício anterior ao CPC vigente, em seu formalismo-valorativo, já pregava que a lealdade e a boa-fé, que devem ser apanágios de todos os sujeitos do processo, não só das partes, impõem a cooperação do órgão judicial com as partes e destas com aquele. Conforme Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, este aspecto seria por demais relevante no Estado Democrático de Direito, que é tributário do bom uso do juiz de seus poderes, cada mais vez mais incrementados pelo fenômeno da incerteza e complexidade da sociedade atual e da inflação legislativa, com aumento das regras de equidade e aplicação dos princípios. Exatamente a lealdade no emprego dessa liberdade nova atribuída ao órgão judicial é que poderia justificar a confiança atribuída ao juiz na aplicação do direito justo. Ora, tanto a boa-fé quanto a lealdade do órgão judicial seriam flagrantemente desrespeitadas sem um esforço efeito para salvar o instrumento dos vícios formais. Em arremate, Carlos Alberto Alvaro Oliveira explica que do mesmo modo, dentro dessa visão cooperativa, impõe-se ao juiz, já na vigência do CPC de 1973, mandar suprir, por exemplo, falha na formação do instrumento que acompanha o recurso de agravo, quando se trate de peça não obrigatória, embora necessária para o julgamento.
Atualmente, os artigos art. 5º, 378 e 379 do CPC positivaram expressamente os princípios da boa-fé e da lealdade processual, o que atrai um diálogo de fontes com o processo do trabalho.
Todos aqueles que de qualquer forma participem do processo devem comportar-se de acordo com a lealdade e boa-fé processual, sendo desnecessária a análise da culpa e das boas ou más intenções da parte.
Os demandantes, também, não devem se eximir de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, desde que preservado o safeguard constitucional do nemo tenetur se detegere.
Neste contexto, é indubitável que o processo civil e do trabalho se utilizam dos conceitos parcelares da boa-fé, como a supressio, surrectio, tu quoque e duty to mitigate the loss.
O art. 6º, por sua vez, informa que todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Daniel Amorim Assumpção Neves[26] alvitra que a doutrina nacional divide o princípio da cooperação em três vertentes, entendidos como verdadeiros deveres do juiz na condução do processo: (i) dever de esclarecimento, consubstanciado na atividade do juiz de requerer às nulidades e a equivocada interpretação do juiz a respeito de uma conduta assumida pela parte; (ii) dever de consultar, exigindo que o juiz sempre consulte as partes antes de proferir decisão, em tema já tratado quanto ao conhecimento das matérias e questões de ofício; (iii) dever de prevenir, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material.
6. ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITAEm regra, a prova ilícita é proibida.
Como orienta Marcelo Neves[27], a vigência das expectativas normativas não é determinada imediatamente por interesses econômicos, critérios políticos, representações éticas, nem mesmo por proposições científicas, sendo dependente, pois, de processos seletivos de filtragem conceitual no interior do sistema jurídico.
Assim, a nossa Constituição Federal, abaixo apenas da norma hipotética-fundamental na pirâmide de Kelsen, veda que elementos probatórios obtidos por meios ilícitos passem por aquele filtro, adentrando no sistema do direito posto.
Contudo, o Constituinte Originário elegeu outros direitos e garantias imprescindíveis à manutenção da ordem pública e segurança jurídica.
A jurisprudência e a doutrina majoritárias utilizam o princípio da proporcionalidade com a finalidade de amenizar o rigor da redação do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, pois há outros valores constitucionais com igual ou maior importância.
Alexandre de Moraes, em síntese apertada, explica o princípio da proporcionalidade e a vedação da prova ilícita:
Salienta-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando a corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no princípio da proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização. Desta forma, repita-se que a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, que só excepcionalmente serão admitidas em juízo, em respeitos às liberdades públicas e ao princípio da dignidade da pessoa humana na colheita de provas e na própria persecução penal do Estado.[28]
Não discorda Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, com base na teoria da exclusão da ilicitude da prova, veja-se:
Imaginemos que o réu tenha que praticar conduta típica, como a violação de domicílio, prevista legalmente como crime (art. 150 do CP), para produzir prova fundamental em favor de sua inocência. Estaria suprimindo um bem jurídico alheio (tutela domiciliar), para salvaguardar outro bem jurídico (liberdade), em face um perigo atual (a existência de persecução penal), ao qual não deu causa, e cujo sacrifício não era razoável exigir. Está em verdadeiro estado de necessidade, que vai excluir a ilicitude da conduta. A prova é lícita, válida, valorável em qualquer sentido.[29]
No bojo do processo do trabalho, Carlos Henrique Bezerra Leite[30] pronuncia-se no sentido que as partes têm o dever de agir com lealdade em todos os atos processuais, mormente na produção de provas. O princípio da licitude da prova encontra residência no art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Esse princípio tem sido mitigado por outro: o princípio da proporcionalidade, segundo o qual não se deve chegar ao extremo de negar validade a toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos, como, por exemplo, quando na revista dos pertences do empregado não há tutela a intimidade e dignidade do trabalhador.
Mauro Schiavi[31], por sua vez, traça um roteiro seguro que deve direcionar o juiz do trabalho na ponderação entre a prova ilícita e outro valor constitucional de igual ou maior importância, por meio do meta princípio da proporcionalidade: a) verificar se a prova do fato poderá ser obtida por outro meio lícito ou moralmente legítimo de prova, sem precisar recorrer à prova ilícita; b) sopesar a lealdade e a boa-fé da parte que pretende a produção da prova ilícita; c) observar a seriedade e verossimilhança da alegação; d) avaliar o custo-benefício na produção da prova; e) avaliar o princípio da proporcionalidade, prestigiando o direito que merece maior proteção; f) observar a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana; g) valorar não só o interesse da parte, mas também o interesse público.
Há dois pontos que necessitam de uma meditação.
O primeiro ocorre quando o direito de maior importância for transgredido. Neste caso, é mister do Poder Judiciário protegê-lo e, sequencialmente, a prova ilícita não será acatada.
O segundo acontece quando no momento em que o direito brotado da prova ilícita possuir maior relevância que o direito violado pela ilicitude na colheita da prova. Neste caso, a prova ilícita será eficaz e aceita.
Assim, é insofismável que o princípio da proporcionalidade exige o sopesamento do interesse e o direito posto em questão, predominando o de maior relevância.
Em sentido oposto, Luís Roberto Barroso[32] defende que a Constituição Brasileira, por disposição expressa, retirou a matéria da discricionariedade do julgador e vedou a possibilidade de ponderação de bens e valores em jogo, elegendo, ela própria, o valor mais elevado, ou seja, a segurança nas relações sociais pela proscrição da prova ilícita.
Assim, consoante a tese defendida pelo exímio jurista, é inadmissível que a prova obtida por meio ilícito, em qualquer ocasião, pouco importando o direito em debate. Este pensamento apoia-se no fato de que a prova ilícita deve ser sempre rejeitada e descartada.
Inclusive, o Supremo Tribunal Federal[33] já decidiu nesta senda.
Uma terceira via doutrinária, que discrepamos com veemência, prega a admissibilidade, em qualquer ocasião, de prova ilícita.
Ante o explanado, crê-se que, dentre as opções explicitadas, a primeira é que guarda mais consonância com a dogmática constitucional, pois se utiliza da ponderação e da proporcionalidade, seguindo, pois, o caminho enveredado pelo Supremo Tribunal Federal, consoante se percebe do HC 96.056[34], HC 91.883[35], HC 94.164[36], HC 93.748[37], HC 80.949[38], HC 79.512[39], entre outros.
A vedação da prova ilícita é um direito fundamental não dotado de expressa previsão de restrição, não indicando um posicionamento percuto acerca da sua limitabilidade.
Então, quando este direito fundamental colidir com outro, é imperioso que o julgador pondere e sopese os bens postos em litígio, julgando da maneira menos abstrata e mais equânime, através de uma racionalidade prática.
Nada obstante, reconhece-se uma maior qualidade jurídica da perspectiva do direito à luz da integridade e adequabilidade de Ronald Dworkin, em razão de tolher o indesejável subjetivismo dos magistrados.
Por fim, em regra, conforme dispõe jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se observa nos RE 201.819[40], Inq. 731[41] e HC 79.191[42], a vedação da prova ilícita não cabe apenas ao Estado, mas também ao réu, em face da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e ao substrato ético que deve nortear as relações jurídicas.
Contudo, quando seja usada para embasar sua defesa, a prova ilícita poderá ser usada pelo interessado, com o Supremo[43] admitindo o seu uso em estado de necessidade ou legítima defesa, que são causas excludentes da antijuridicidade da conduta.
7.TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOSA prova ilícita, como é sabido, não contamina o fato polemizado no processo, pois nada tolhe que o fato seja provado com provas desvinculadas da prova obtida ilicitamente.
Entretanto, pode ter conexão com outras provas constantes dos autos e, consequentemente, contaminando-as.
Neste diapasão, a doutrina Luiz Guilherme Marinoni, in verbis:
Pouca coisa diz a afirmação da conhecida teoria da árvore dos frutos da árvore envenenada – criada pela Suprema Corte com o título de “the fruit of the poisonous tree” – quando entendida no sentido de que as provas derivadas das provas ilícitas também devem ser reputada ilícitas. Ora, isso é óbvio. O problema é saber quando uma prova está ligada à outra de modo a se contaminar por sua ilicitude.
Deixa-se claro, antes de mais nada, que a ilicitude da prova não contamina o fato a ser esclarecido, podendo se ligar, no máximo, a outras provas. Porém, uma prova ilícita não contamina, como é lógico, todo o material probatório, pois nada impede que um fato seja provado através de provas lícitas que nada tenham haver com a prova ilícita.[44]
A jurisprudência americana, a partir do caso Silverthorne Lumber v. United States, criou a teoria da árvore dos frutos envenenados preconizadora da ilicitude das provas derivadas das provas ilícitas.
A atual composição do Supremo Tribunal Federal[45] pacificou o posicionamento em sentido favorável a the fruits of the poisonous tree, a partir do julgamento do caso Collor.
Recentemente, o Supremo[46] repisou este entendimento ao robustecer que é competente para processar e julgar litígio penal em que figure Senador da República, sendo imperiosa a remessa imediata dos autos à Corte, sob pena de violação ao princípio do juiz natural e invalidade das provas diretamente relacionadas as interceptações telefônicas efetuadas pelo juízo de primeiro grau.
A jurisprudência trabalhista[47][48] também caminha neste diapasão.
Contudo, tal teoria pode ser relativizada, evitando que se crie um quadro de impunidade, quando a prova for absolutamente independente, se o vínculo for tênue e se o fato inevitavelmente seria descoberto.
Neste sentido, o art. 157, §1º e 2º, do CPP preceitua que deve ser desentranhado do processo as chamadas provas ilícitas por derivação, salvo quando não há nexo causal entre as provas ilícitas e as derivadas ou quando estas últimas puderem ser obtidas de forma independente das primeiras.
Se houverem outras provas no processo, desvinculadas da prova ilícita produzida, não há contaminação ou incidência dos frutos da árvore envenenada, conforme posicionou-se o Supremo[49].
Quanto ao inevitable discovery exception, Marinoni discorre com percuciência:
Isso pode ocorrer particulamente no âmbito do processo penal. A Suprema Corte Americana, ao que parece, apontou pela primeira vez para essa questão em 1984, quando do julgamento do caso Nix contra Willians. Nesse caso, a polícia obteve uma confissão mediante violação dos direitos fundamentais, através da qual foi relatado o local que estava o cadáver da vítima. Acontece que a polícia já presumia que o cadáver poderia estar nesse local, tanto é que aí trabalhavam vários policiais e voluntários. Como o corpo seria encontrado cedo ou mais tarde – fosse através da atuação dos próprios policiais, fosse em virtude da colaboração de algum voluntário, - entendeu a Suprema Corte que a prova derivada deveria produzir efeitos processuais, uma vez que o cadáver seria naturalmente descoberto independentemente da ilicitude.[50]
No concernente a conexão atenuada, realce-se que é possível que a relação entre a prova ilícita e a derivada seja tão superficial que não ocorra a contaminação
Pele exposto, infere-se que as provas obtidas por meios escusos, exceto quando da aplicação do princípio da proporcionalidade, do descobrimento inevitável e da prova autônoma, são inadmissíveis e podem ser desentranhadas dos autos por meio de habeas corpus, recursos cíveis, bem como ocorrer a rescindibilidade através de ação rescisória ou revisão criminal.
8. GRAVAÇÃO CLANDESTINA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA NO PROCESSO DO TRABALHOA priori, faz-se mister, definir interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina.
A gravação clandestina é concebida quando há o registro de conversa telefônica por um dos interlocutores, sem o consentimento do outro participante, ou seja, sem a intervenção de terceiros.
Na interceptação telefônica strictu sensu, um terceiro se imiscui, registrando e gravando a comunicação telefônica sem o conhecimento dos demais interlocutores.
A escuta telefônica, por sua vez, é a captação por um terceiro, em que um dos interlocutores tem o conhecimento da gravação. Consequentemente, a escuta telefônica é uma espécie de interceptação.
O Supremo Tribunal Federal[51], através de repercussão geral, unificou o entendimento no sentido de ser lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, ainda que com a ajuda de terceiros, como repórteres.
O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, parametrizou a sua jurisprudência com a da Corte Excelsa, fixando o silogismo da licitude da gravação ambiental, distinguindo-a da interceptação telefônica, como se depreende do RR 20100-06.2007.5.03.0136[52], RR 162600-35.2006.5.06.0011[53], AIRR 387-39.2011.5.04.0601[54], AIRR 1174-90.2010.5.12.0048[55], AIRR 1424-04.2014.5.06.0161[56].
Apenas a título exemplificativo, cita-se que o Tribunal Superior do Trabalho[57] considerou lícita captação de áudio sem autorização da parte adversa, em que o gerente que estava no carro com a empregada ativou o viva-voz do celular, com ciência desta.
No concernente a interceptação telefônica, o art. 5º, XII, da Constituição Federal, típica reserva legal qualificada, veda a interceptação de comunicações telefônicas, ressalvadas as hipóteses e na forma que a legislação infraconstitucional estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que com pedido devidamente motivado, uma vez que não basta alusão ao “requerimento” do Parquet ou da autoridade policial para legitimar a quebra de sigilo telefônico.
O Supremo Tribunal Federal definiu, inclusive, como no HC 81.154[58] e HC 74.116[59], que a prova colhida antes da vigência da Lei 9.296/96 seria ilícita.
Destarte, as referências às escutas telefônicas empreendidas sem autorização judicial, por ilícitas, devem ser desentranhadas dos autos, na esteira do que determina o inciso LVI do art. 5º da Constituição da República, embora eventuais deficiências qualitativas na tradução do material degravado não invalidem a prova regularmente colhida, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no HC 106.244[60] e HC 82.862[61].
Note-se que a Constituição Federal restringiu a possibilidade de utilização do procedimento interceptatório à esfera penal, tanto na fase de investigação, quanto no curso da ação penal, sendo rejeitada a prova quando deficiente a fundamentação da decisão que a autorizou, não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, a prova puder ser feita por outros meios disponíveis e o fato investigado for infração penal punida no máximo com detenção.
Assim, como a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar matéria penal, conforme o disposto na ADI 3684[62], a conclusão mais óbvia seria a de que ela não poderia fazer uso deste instrumento processual.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça[63] permitiu, inusitadamente, a intercepção telefônica em um processo cível de competência da vara da infância e da juventude, com o argumento de que a conduta também era criminosa.
Assim, crê-se que há, excepcionalmente, a opção do magistrado trabalhista decretar a intercepção telefônica, com a condição de que o fato também seja abstratamente tipificado como crime.
De outra banda, questão intrigante diz respeito da utilização como prova emprestada em processo trabalhista de interceptação telefônica colhida de processo criminal.
O art. 372 do Código de Processo Civil preceitua que o juiz poderá admitir a utilização da prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Não bastasse, o Supremo Tribunal Federal[64] e o Superior Tribunal de Justiça[65] defendem que os dados obtidos em interceptação telefônica e escuta ambiental, judicialmente autorizadas para a produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usadas, por exemplo, em outros processos, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outras cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita desta prova.
Em sede doutrinária, Mauro Schiavi[66] tem a opinião de que há algumas provas que somente podem ser produzidas na esfera criminal, como a interceptação telefônica. Desse modo, o juiz do trabalho não pode determinar uma interceptação telefônica. Entretanto, caso a interceptação tenha sido feita pelo juiz criminal, esta prova pode ser trasladada ao processo do trabalho. O fato do juiz trabalhista não poder colher a prova, não significa que não possa importa-la do processo criminal em razão do caráter publicista do trabalho e da busca da verdade real. Assim, por exemplo, se em um processo trabalhista estiver sendo discutida uma justa causa por ato de improbidade do empregado e, na esfera criminal, em razão do mesmo fato, o empregado estiver sendo acusado de apropriação indébita, uma interceptação telefônica, determinada pelo juiz de direito, preenchendo os requisitos legais e constitucionais que comprove o fato, pode ser utilizada no processo do trabalho. Vale destacar, nos termos do art. 935 do Código Civil a responsabilidade civil é independente da criminal, entretanto, não se pode mais questionar a existência do fato ou quem seja o seu autor se estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
A jurisprudência trabalhista[67] também é partidária da admissibilidade da prova emprestada de processo criminal.
Assim, pelo exposto, infere-se, ante os princípios da proporcionalidade, instrumentalidade, efetividade processual e busca da verdade real, a possibilidade plena do uso de interceptação telefônica no processo do trabalho nos casos acima encetados.
CONCLUSÃONo gozo de seu direito fundamental à prova, os litigantes trabalhistas devem obedecer ao jogo processual delineados por normas constitucionais.
Não é possível o uso da prova ilícita, exceto em situações pontuais.
O emprego de gravação clandestina é plenamente possível, conforme vasta e pacífica construção jurisprudencial da Corte Excelsa e do Tribunal Superior do Trabalho.
Quanto a interceptação telefônica, típica reserva legal, em que a Constituição reservou apenas as investigações e processuais criminais, em regra seria vedado no processo do trabalho.
Entretanto, obtempera-se que há situações devem ser ponderadas cum granu de salis.
Para Chaim Perelman[68], uma norma só é feita para um período ou um regime determinado. Adapta-se as circunstâncias que a motivaram e não pode ir além. Ela só concebe em função de sua necessidade ou de sua utilidade. Assim, uma boa norma não deve ser intangível. A lei, obra essencialmente prática, aplica-se apenas a situações essencialmente concretas. Explica-se assim que, embora a jurisprudência possa estender a aplicação de um texto, há limites a esta extensão, que são atingidos toda vez que a situação prevista pelo autor da lei venha a ser substituída por outras fora de suas previsões.
Nesta conjuntura, defende-se que as interceptações telefônicas poderão ser usadas por meio de provas emprestadas de processos criminais e em situações em que o objeto debatido no litígio trabalhista também seja crime.
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[1] BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 527.
[2] NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 611.
[3] TST. Súmula 12: As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção “juris et de jure”, mas apenas “juris tantum”.
[4] TST. Súmula 16: Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito horas) depois de sua postagem. O seu não recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo.
[5] TST. Súmula 43: Presume-se abusiva a transferência de que trata o parágrafo primeiro do art. 469 da CLT, sem comprovação da necessidade de serviço.
[6] TST. Súmula 212: O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
[7] TST. Súmula 443: Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador de HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceiot. Inválido o ato, o empreado tem direito à reintegração no emprego.
[8] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, Poder Justiça e Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.69-70.
[9] DIDIER Jr. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA. Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, v.2, 10 ed., 2015, p. 41.
[10] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Procedimentos e Nulidades no Jogo Processual Penal. Florianópolis: Emais. 2018.
[11] MOUSSALÉM, Tárek Moysses. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 31.
[12] STF. RHC 137.368/PR. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 29/11/2016.
[13]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2002, v. 3, p. 50.
[14] TST. Súmula 214: Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, §1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária a Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para o Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, §2º, da CLT.
[15] SOUTO MAIOR. Jorge Luiz apud SCHIAVI, Mauro. Provas no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 42.
[16] GOLDSCHMIDT, James. Derecho procesal civil. Tradução de Leonardo Prieto Castro. Barcelona: Labor, 1936, p. 87rovas no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 42.
[17] DIDIER Jr. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA. Carta Psicografada como Fonte de Prova no Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2014, p. 234.
[18] TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed., São Paulo: Noeses, 2012, p. 26.
[19] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 357.
[20] DIDIER Jr. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA. Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, v.2, 10 ed., 2015, p. 41.
[21] STJ. AgRg na PET no ARESP 204.145/SP. Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. em 29/06/2015.
[22] STJ. RESP 1.502.989/RJ. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 13/10/2015.
[23] STF. RE 464.963/GO. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 14/02/2006.
[24] STF. TRT1. AgPet 00849007620085010067. Décima Turma. Rel. Des. Marcelo Antero de Carvalho, j. em 03/09/2014.
[25] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O Formalismo-valorativo no Confronto com o Formalismo excessivo. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 26, 2006, p. 81.
[26] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. Salvador: Juspodivm, v.2, 1. ed., 2016, p. 15.
[27] NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 120-121.
[28] MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.126.
[29] TÁVORA, Nestor; ANTONINNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 342.
[30] LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 3. ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 415.
[31] SCHIAVI. Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 10. ed., São Paulo: LTr, 2016, p. 716-717.
[32] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.346.
[33] STF. HC 80.949/RJ. Primeira Turma. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 30/10/2001.
[34] STF. HC 96.056/PE. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 28/06/2011.
[35] STF. HC 91.883/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Elen Gracie, j. em 24/06/2008.
[36] STF. HC 94.164/RS. Primeira Turma. Rel. Min. Menezes Direito, j. em 17/06/2008.
[37] STF. HC 93.748/SP. Primeira Turma. Rel. Min. Carmen Lúcia, j. em 01/04/2008.
[38] STF. HC 80.949/RJ. Primeira Turma. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 30/10/2001.
[39] STF. HC 79.512/RJ. Tribunal Pleno. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 16/12/1999.
[40] STF. RE 201.819/RJ. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 11/10/2005.
[41] STF. Inq. 731/DF. Tribunal Pleno. Rel. Néri da Silveira, j. em 22/05/1996.
[42] STF. HC 79.191/SP. Primeira Turma. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 04/05/1999.
[43] STF. HC 74.678/SP. Primeira Turma. Rel. Min. Moreira Alves, j. em 10/06/1997.
[44] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.390.
[45] STF. AP 307/DF. Segunda Turma. Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 13/12/1994.
[46] STF. RHC 135.683/GO. Segunda Turma. Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 25/10/2016.
[47] TRT13. RO 0014500-42.2012.5.13.0009. Segunda Turma. Rel. Des. Edvaldo de Andrade, j. em 24/09/2013.
[48] TRT2. RO 00009344720145020046. Quarta Turma. Rel. Des. Ivani Contini Bramante, j. em 18/08/2015.
[49] STF. HC 82.139/SP. Primeira Turma. Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 03/12/21996.
[50] MARINONI, op.cit., p.392-393.
[51] STF. RE 583.937/RJ. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19/11/2009.
[52] TST. RR 20100-06.2007.5.03.0136. 3 Turma. Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. em 07/06/2013.
[53] TST. RR 162600-35.2006.5.06.0011. 3 Turma. Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, j. em 09/02/2011.
[54] TST. AIRR 387-39.2011.5.04.0601. 2 Turma. Rel. Des. Conv. Cláudio Armando Couce de Menezes, j. em 28/08/2015.
[55] TST. AIRR 1174-90.2010.5.12.0048. 6 Turma. Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, j. em 06/06/2014.
[56] TST. AIRR 1424-04.2014.5.06.0161. 6 Turma. Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. em 10/08/2016.
[57] TST. ARR 62-83.2015.5.03.0138. 6 Turma. Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, j. em 14/09/2016.
[58] STF. HC 81.154/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 02/10/2001.
[59] STF. HC 74.116/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 05/11/1996.
[60] STF. HC 106.244/RJ. Primeira Turma. Rel. Min. Carmen Lúcia, j. em 17/05/2011.
[61] STF. HC 82.862/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19/02/2008.
[62] STF. ADI-MC/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 01/02/2007.
[63] STJ. HC 203.405/MS. Terceira Turma. Rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 28/06/2011.
[64] STF. Inq. 3305/RJ. Primeira Turma. Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 23/02/2016.
[65] STJ. Súmula 591: É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizado pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.
[66] SCHIAVI, Mauro. Aspectos Polêmicos da Prova Emprestada no Processo do Trabalho. In:http://cursos.lacier.com.br/artigos/periodicos/Aspectos%20Polemicos%20da%20Prova%20Emprestada%20no%
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[67] TRT2. RO 19990441149 ac. 20000541086. Oitava Turma. Rel. Des. Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, j. em 16/01/2001.
[68] PERELMAN. Chaim. Lógica Jurídica. Trad. Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 105.
Vinculado a OAB Paraíba. Advogado.Graduado pela Unipê. Pós-graduado em Direito Constitucional pela UNISUL. Pós-graduado em Direito Público pela UNISUL.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, André Luís Macedo Pereira da. Interceptação telefônica e gravação clandestina no Processo do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51687/interceptacao-telefonica-e-gravacao-clandestina-no-processo-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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