Resumo: A vigência da Lei n° 13.467/2017 trouxe a obrigatoriedade de fixação de honorários sucumbenciais ao processo do trabalho (art. 791-A, da CLT). A partir deste fato, surgiu a necessidade de analisar os planos de validade e eficácia da lei no tempo. O presente estudo objetiva verificar a constitucionalidade do novo dispositivo sob o prisma dos princípios da finalidade, da inafastabilidade da jurisdição, da isonomia e da gratuidade do acesso à justiça, bem como perquirir acerca da produção imediata dos efeitos (eficácia) do art. 791-A, da CLT aos processos em curso e aos processos iniciados após o advento da reforma trabalhista. O tema é objeto de grande celeuma doutrinária, havendo estudos que se orientam pela constitucionalidade e eficácia imediata aos processos pendentes, outros que realizam interpretação conforme a Constituição e alguns que se direcionam pela inconstitucionalidade do novo instituto. Para fins de solver a problemática proposta, faz-se uso do método da revisão bibliográfica, utilizando-se obras sociológicas e jurídicas, mormente do campo do direito processual do trabalho. Além disso, a problemática é enriquecida com jurisprudência dos tribunais e com interpretação teleológica da reforma trabalhista, a partir de pareceres legislativos.
Palavras-chave: Honorários sucumbenciais; reforma trabalhista; constitucionalidade; eficácia da lei no tempo.
Sumário: 1. Introdução; 2. Da análise do plano de validade do art. 791-A, da CLT; 2.1. Da constitucionalidade dos honorários advocatícios no processo do trabalho a partir da natureza jurídica do instituto; 2.2. Da possível afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição; 2.3. Da possível afronta ao princípio da isonomia; 2.4. Da possível afronta ao princípio da gratuidade do acesso à justiça; 3. O fato gerador dos honorários advocatícios decorrentes do processo e eficácia da lei no tempo; 4. Conclusão; Referências.
1. Introdução
As despesas processuais se referem a todos os valores a que os sujeitos processuais estão submetidos em razão de participarem de determinado processo judicial. Assim, na amplitude ofertada pelo conceito sobredito estão abrangidos os honorários advocatícios, as custas processuais, os honorários periciais e emolumentos. Legalmente, no processo civil, ainda são englobadas a remuneração do assistente técnico, a diária da testemunha e a indenização de viagem (art. 84, caput, do Código de Processo Civil brasileiro – NCPC).
Os honorários advocatícios, no processo do trabalho, são objeto de grande cizânia doutrinária e jurisprudencial, tanto em razão do fato gerador da sua incidência (causalidade ou sucumbência), quanto da sua natureza (sanção ou remuneração) e constitucionalidade, em razão de possível afronta aos princípios da isonomia, acesso à justiça, segurança jurídica, gratuidade do acesso à justiça aos hipossuficientes, valor social do trabalho dentre outros.
A Lei n° 13.467 de 13 de julho de 2017, ao incluir o art. 791-A na Consolidação das Leis do Trabalho (Lei n° 5.452/1943), passou a prever expressamente a incidência dos honorários advocatícios no processo do trabalho, tanto nos créditos resultantes das relações de trabalho latu sensu (em que já eram admitidos), quanto nos resultantes de relações de emprego.
Através de pesquisa bibliográfica, o presente artigo pretende revisitar o estado de arte da produção literária acerca da temática, objetivando ofertar fundamentos jurídicos sólidos aos operadores do direito, além de contribuir na construção do pensamento jurídico sobre uma temática que será resolvida de forma concentrada pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5766, compreendendo-se que a Constituição é um texto plural, cuja interpretação é construída por toda a sociedade.
2. Da Análise do plano de validade do art. 791-A, da CLT
2.1. Da constitucionalidade dos honorários advocatícios no processo do trabalho a partir da natureza jurídica do instituto
O art. 22 da Lei n° 8.906 de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB) dispõe que aos inscritos na OAB são assegurados os honorários convencionados, os arbitrados judicialmente e os de sucumbência.
A partir deste dispositivo, pode-se dizer que existem duas espécies de honorários advocatícios: os decorrentes de um contrato de prestação de serviços e os de sucumbência. Os primeiros podem estar pactuados por contrato expresso ou, em sua ausência, ser arbitrados judicialmente. Os últimos decorrem da existência do processo judicial.
Embora o parágrafo segundo do art. 22 do diploma legal supracitado se refira ao arbitramento dos honorários em “remuneração” compatível com o trabalho prestado, não há clareza quanto a quais honorários se refere a norma: contratuais ou sucumbenciais, o que poderia iluminar a interpretação da natureza jurídica de cada espécie de honorários.
Em âmbito doutrinário, não há divergências quanto à natureza de contraprestação pelos serviços prestados dos honorários contratuais. Contudo, os honorários sucumbenciais são objeto de certa celeuma [1].
Quanto ao tema, o art. 17 do Código de Ética da OAB [2] se refere à fixação dos honorários sucumbenciais em montante proporcional ao trabalho prestado pelo advogado na causa. Ao se referir à proporcionalidade do trabalho prestado e tratar especificamente sobre honorários sucumbenciais, o dispositivo tenciona afastar a natureza de sancionatória dos honorários sucumbenciais. Assim, embora entabulado na categoria das despesas processuais, é duvidosa a natureza penal da verba honorária.
No Código Civil, os artigos 389 e 404 também se referem à necessidade de pagamento dos honorários advocatícios, desta vez por parte do inadimplente da obrigação. Neste caso, o devedor em mora responde por perdas e danos, juros, custas, atualização monetária e honorários advocatícios. Não se trata de honorários decorrentes da sucumbência, pois incidem antes e independentemente da existência de qualquer processo judicial. A causa jurídica da obrigação é o inadimplemento da obrigação e a despesa com os serviços advocatícios. O ressarcimento da despesa não se confunde com uma sanção: visa manter a higidez do patrimônio do credor no estado em que se encontrava antes da lesão.
Apesar do exposto, na fundamentação da inclusão do art. 791-A da CLT, que passou a prever a incidência dos honorários sucumbenciais no processo do trabalho, os legisladores justificaram a inovação com a necessidade de sancionar a proposição de reclamações trabalhistas temerárias, o que denota um desvio de finalidade na previsão legal.
Assim, no Parecer (SF) n. 67, de 28.6.2017 – aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal [3] – foi mencionado que a previsão de custas e honorários sucumbenciais tiveram a finalidade de produzir o uso responsável da ação trabalhista e tornar onerosa a litigância. Expressamente, os autores da reforma trabalhista (Lei n° 13.467/2017) dizem que pretendem diminuir o número de reclamações trabalhistas e utilizar as despesas processuais com cunho sancionatório, contra os empregados que utilizam irresponsavelmente a ação trabalhista.
Nesta linha de pensamento parece haver flagrante inconstitucionalidade. Isso porque há um claro desvio de finalidade (art. 37, caput, CRFB), na medida em que os honorários sucumbenciais não possuem, conforme exposto, natureza de sanção.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a natureza alimentar dos honorários sucumbenciais. Ao dizer que uma parcela tem natureza alimentar, se exclui o pensamento de que ela é paga em razão do cometimento de uma ilicitude.
Tal entendimento do STF culminou, inclusive, na previsão da Súmula Vinculante n° 47, cujo texto está reproduzido abaixo:
“Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.
Nos precedentes que ensejaram a edição da referida súmula [4] e nas decisões surgidas posteriormente a ela [5], com vistas a estabelecer o alcance do comando jurisprudencial, houve divergências sobre a extensão do entendimento aos honorários contratuais, já que o precedente que ensejou a súmula incidiu sobre um substrato fático que tratava, exclusivamente, de requisição de pequeno valor (RPV) decorrente de honorários sucumbenciais. Desta discussão, é possível perceber que a divergência se limitou à possibilidade de destacamento e pagamento dos honorários contratuais através da RPV. Porém, não houve dúvidas de que os honorários sucumbenciais possuem natureza alimentar.
Não existe notícia de que qualquer sanção, na história do Direito, possa ter natureza alimentar. As sanções são indenizatórias. Se os honorários advocatícios retribuem o trabalho do advogado da parte adversa, se tornam instituto de natureza material e não se prestam a sancionar uma conduta ilícita da parte que faz mau uso do direito de ação.
Parece haver, assim, desvio de finalidade na previsão de oneração das partes partindo-se do pressuposto da litigância abusiva de forma generalizada.
Outrossim, não se pode partir do pressuposto de que normalmente o exercício da reclamação trabalhista é abusivo. Primeiro, porque não é isso que se verifica na praxe forense. Segundo, porque não se pode partir da situação excepcional para fundar uma regra de caráter abstrato, genérico e coercitivo a todos, inclusive aos que não utilizam mal a jurisdição. Isso faria punir os que não merecem reprimenda.
Terceiro ponto que merece nota é que o ordenamento jurídico, inclusive a CLT, já possui norma expressa e específica apta a punir o uso abusivo do direito de ação: é a litigância de má-fé, que permite a condenação do litigante de má-fé em despesas processuais e honorários decorrentes do trabalho desnecessariamente gerado à parte que agiu de boa-fé e foi prejudicada. A previsão está contida nos artigos 793-A a 793-D, da CLT.
Em consonância com o pensamento acima, assevera GUIMARÃES [6] que:
[...]. É preciso não esquecer que a Lei n. 13.467/2017 trouxe para o texto da CLT a possibilidade, agora sem controvérsias, de condenação das partes por litigância de má-fé. Esta é a solução legal para as situações em que empregados e empregadores abusam do direito de ação ou de defesa. Esta é a ferramenta que os juízes do trabalho têm ao seu dispor e da qual devem fazer uso, nos termos da lei, para punir os litigantes em razão do seu comportamento abusivo no processo perante o Poder Judiciário, cabendo até mesmo a responsabilização solidária do advogado, como preconiza o art. 32 do EA, quando for o caso.
O fato de o trabalhador postular em juízo, mesmo em se tratando de quantia elevada, e não alcançar êxito, não está entre os preceitos que caracterizam a litigância de má-fé, razão pela qual os honorários de sucumbência trabalhista não podem servir como punição nem como ameaça capaz de evitar ao ajuizamento da ação que a parte entende adequada [...].
A norma que carreia ao processo o instituto da litigância de má-fé prevê a condenação de honorários sucumbenciais, despesas, indenizações e multas ao litigante de má-fé. Em vista disso, permitir que o mesmo fundamento (de litigância abusiva) sirva para punir duplamente o litigante é desproporcional, o que afronta o devido processo legal substantivo (art. 5°, LIV, da CRFB).
As considerações acima denotam que a alteração legislativa aqui estudada expressamente buscou finalidade diversa da anunciada. A busca do fim público deve estar presente em toda a atividade do Estado, não só na função administrativa, como também na função legislativa. Assim, a perseguição de fins diversos do bem comum agride o princípio da impessoalidade, considerando-se que este é uma vertente do princípio da impessoalidade previsto no art. 37, caput, da CRFB.
Logo, pela natureza dos honorários sucumbenciais – que visam ressarcir o trabalho do advogado da parte contrária, é perceptível que, ao partir do pressuposto da natureza sancionatória do instituto, os legisladores agiram com desvio de finalidade na normatização do art. 791-A, da CLT.
2.2. Da possível afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição
Alega-se que a previsão de condenação da parte hipossuficiente, no processo do trabalho, em honorários sucumbenciais violaria o princípio da inafastabilidade da jurisdição expresso no art. 5°, XXXV, da CRFB.
É preciso trazer ao lume que a regra prevista no art. 791-A, caput, da CLT passou a prever, a partir da Lei n° 13.467/2017, que seriam devidos honorários sucumbenciais no processo do trabalho, nos montantes compreendidos entre 5% e 15% sobre o valor resultante da liquidação, do proveito econômico ou sobre o valor atualizado da causa. Além disso, o parágrafo quarto do mencionado artigo determina que as obrigações pecuniárias decorrentes da condenação em honorários ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade pelo prazo de dois anos contados do trânsito em julgado, caso o devedor seja um beneficiário da justiça gratuita. Dentre deste prazo, o credor poderá cobrar o seu crédito de eventuais valores que o beneficiário da justiça gratuita vem a receber no mesmo ou em outro processo.
Há quem sustente que a referida norma não se constituiria como um entrave ao acesso à justiça, pelo fato de que a despesa processual só seria paga ao final e, ainda assim, apenas em caso de existência de crédito em favor do trabalhador. Nesta visão, não se demandaria qualquer valor para fins de ajuizamento da reclamação trabalhista e, portanto, não haveria prejuízo ao acesso à justiça.
Neste sentido, o pensamento de GOES [7]:
[...]. Evidenciaremos aqui porque esta nova obrigação não compromete o acesso à justiça em sentido estrito: nada fora suprimido quanto ao jus postulandi. Ademais, os dispositivos atinentes aos honorários advocatícios não impedem a prestação jurisdicional à parte, uma vez que são arbitrados e exigidos somente ao final do processo.
A bem da verdade, acesso à justiça não implica em gratuidade irrestrita, mas em impedir que a parte seja afastada da prestação jurisdicional por custos incompatíveis com sua realidade e subsistência. Isto é, impedir que custas sejam um obstáculo insuperável para quem precisa provocar o juízo em busca de seus direitos.
Outro argumento que circula em torno do princípio da ubiquidade da justiça (art. 5°, XXXV, CRFB) seria de que, modernamente, o princípio do acesso à justiça é compreendido como acesso à ordem jurídica justa e efetiva. Ante tal fato, o advogado seria indispensável para se obter a paridade de armas, a efetividade da defesa, a celeridade do procedimento e, como resultado, o acesso qualitativo à justiça. Sendo indispensável, os honorários sucumbenciais seriam consequência da necessidade de patrocínio do causídico.
Com o devido respeito, não comungo deste entendimento.
Da norma inserta no art. 133 da CRFB que declara a essencialidade do trabalho do advogado na distribuição da justiça, não se pode inferir a consequência de que a representação por advogado deve ser obrigatória em todo e qualquer processo. Tal conclusão já foi, inclusive, obtida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar constitucional a capacidade postulatória das partes em certos procedimentos, como o sumaríssimo da Lei n° 9.099/95 e no próprio processo do trabalho. Vejamos a ementa do precedente.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO "JUIZADOS ESPECIAIS", EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. II - A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. III - A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. IV - A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante de advogado constitui garantia da inviolabilidade da atuação profissional. A cominação de nulidade da prisão, caso não se faça a comunicação, configura sanção para tornar efetiva a norma. V - A prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público. VI - A administração de estabelecimentos prisionais e congêneres constitui uma prerrogativa indelegável do Estado. VII - A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. VIII - A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional. IX - O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável. X - O controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da Administração forense. XI - A incompatibilidade com o exercício da advocacia não alcança os juízes eleitorais e seus suplentes, em face da composição da Justiça eleitoral estabelecida na Constituição. XII - A requisição de cópias de peças e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório ou órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional pelos Presidentes do Conselho da OAB e das Subseções deve ser motivada, compatível com as finalidades da lei e precedida, ainda, do recolhimento dos respectivos custos, não sendo possível a requisição de documentos cobertos pelo sigilo. XIII - Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (ADI 1127, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2006, DJe-105 DIVULG 10-06-2010 PUBLIC 11-06-2010 EMENT VOL-02405-01 PP-00040 RTJ VOL-00215-01 PP-00528)
Ante tal conclusão, é preciso acrescentar que a Lei n° 13.467/2017 não modificou a norma inserta no art. 791, caput, da CLT. Desta forma, as partes continuam a ter capacidade postulatória no processo do trabalho, com as limitações impostas pela jurisprudência, que visam resguardar a paridade de armas em procedimentos técnicos, como o recurso de revista, a ação rescisória e o mandado de segurança (Súmula n° 425 do Tribunal Superior do Trabalho).
Longe de ferir o princípio da paridade de armas, impor ao reclamante, que se vale da possibilidade de não ser representado por um advogado – com o claro intuito de diminuir os seus custos – o ônus de arcar com honorários de sucumbência não pode ser tido como mecanismo de acesso à ordem jurídica justa.
O acesso à justiça, na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth [8], tem duas vertentes: a qualitativa e a quantitativa. A qualitativa se refere à qualidade da prestação jurisdicional, sua capacidade de realizar a efetiva justiça do caso concreto. Já a quantitativa visa derrubar os obstáculos ao acesso à justiça. Dentre estes obstáculos, os autores acima apontam as despesas processuais (custas e honorários advocatícios) como um dos princípios fatores.
Os referidos autores concluíram que as custas judiciais (mormente, os honorários advocatícios), a morosidade processual, as possibilidades das partes e a carência de proteção aos direitos difusos estariam entre as principais.
Na discussão dos custos judiciais, o que mais interessa ao presente estudo são as considerações acerca dos honorários advocatícios (contratuais e sucumbenciais).
Com efeito, os autores do Projeto de Florença (como é conhecida a obra Acesso à Justiça de Cappelletti e Garth) [9] afirmam que “a penalidade para o vencido em países que adotam o princípio da sucumbência é aproximadamente duas vezes maior – ele pagará os custos de ambas as partes”. Ademais, os custos crescem, proporcionalmente, na medida em que se reduz o valor da causa.
Na lição de Hannah Arendt [10], o direito de ação – erigido a princípio constitucional (art. 5°, XXXV, CRFB) significa o “direito a ter direitos”. Quando o povo tem amplo acesso a obter seus direitos - sejam eles individuais, sociais, econômicos, culturais, coletivos ou outros – é que se efetiva a cidadania. Contudo, em uma sociedade em que o Estado tem o monopólio da força e da jurisdição, há direitos que só se efetivam após a judicialização, em virtude da resistência de outra pessoa. Dessa forma, a construção de obstáculos ao acesso à justiça é, em última análise, uma afronta ao próprio fundamento da cidadania (art. 1°, II, da CRFB). É o impedimento, no caso concreto, de o trabalhador ter acesso aos direitos constitucionais sociais básicos, como os previstos nos arts. 6° e 7° da CRFB.
Assim, a construção de obstáculos – na contramão da tendência de acessibilidade orientada por Cappelletti e Garth – afronta não só o acesso à justiça (art. 5°, XXXV, CRFB), mas também o fundamento da cidadania (art. 1°, II, CRFB).
Para espancar qualquer dúvida acerca dos prognósticos de obstrução do acesso advindos com a reforma trabalhista, nos valemos de pesquisas estatísticas e de notícias já posteriores à vigência da Lei n° 13.467/2017 que informam um decréscimo de quase 50% do número de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho. As informações foram extraídas da Revista LTr, publicada em abril de 2018 [11].
“REFORMA TRABALHISTA - LEI N. 13.467, DE 13.7.17 - PRIMEIROS MESES DE SUA VIGÊNCIA - REDUÇÃO DO NÚMERO DE PROCESSOS TRABALHISTAS
Como já foi noticiado na Revista LTr do mês de agosto de 2017, portanto, a do mês seguinte à publicação da Lei n. 13.467, de 13.7.2017, a preocupação dos congressistas foi com o excesso de demandas na Justiça do Trabalho e que se dava pela falta de onerosidade para se ingressar com uma ação trabalhista, com a ausência da sucumbência onerosa e o grande número de pedidos de justiça gratuita. Essa litigância sem risco acabava por estimular o ajuizamento de reclamações trabalhistas temerárias, conforme foi explicitado no Parecer (SF) n. 67, de 28.6.2017, aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal.
Logo, pode se dizer que o objetivo principal da lei reformista foi de reduzir o número de reclamações trabalhistas em virtude da facilidade do seu ajuizamento e sem qualquer custo para o trabalhador, destacando-se, também, que não havia norma na legislação trabalhista que estabelecesse responsabilidade por dano processual à parte que desse causa a sua ocorrência.
A referida Lei passou a vigorar a partir de 11 de novembro de 2017, e o jornal O Estado de São Paulo, na parte de Economia & Negócios (B1) do dia 1.4.18, traz como destaque que: “A nova lei trabalhista faz desaparecer ações por danos morais e insalubridade”. A jornalista Cleide Silva, responsável pela reportagem, afirma que: “Nos três primeiros meses completos de vigência da reforma trabalhista, o número de novas ações abertas na Justiça caiu à metade em relação ao mesmo período de um ano atrás de 571 mil para 295 mil. Os processos também estão mais enxutos. Pedidos de indenização por dano moral e adicional de insalubridade e periculosidade desapareceram das listas de demanda”.
Na reportagem citada, faz-se também referência da diminuição dos pedidos de adicionais de insalubridade e periculosidade, estes por exigirem perícia para a sua comprovação e, no caso de sucumbência, o trabalhador poderá responder pelos honorários periciais, na forma do art. 790-B, da CLT, que preconiza que: “A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita” (grifei).
O decréscimo no nível do acesso é fato mensurável estatisticamente e comprovado. É fato notório, conhecido até por setores não jurídicos.
O que se pode concluir, então, é que a norma infraconstitucional enfraquece a garantia da inafastabilidade da jurisdição, afronta os princípios da máxima efetividade e da força normativa da Constituição e produz proteção insuficiente do fundamento da cidadania, da garantia do acesso e da consecução dos direitos constitucionais sociais.
Se a necessidade de mecanismos de acesso gratuito à justiça – como a instituição da Defensoria Pública, a justiça gratuita, e a tutela dos direitos metaindividuais – se constituem como ondas de acesso à justiça [12], ou seja, como medidas necessárias a serem tomadas para concretizar o direito ao acesso à justiça, se pode facilmente concluir que as normas que se contraponham a essas ondas são violadoras do direito ao acesso. Se as custas e honorários são entraves ao sobredito princípio, a previsão de seu pagamento em um processo que tutela direitos das pessoas mais desfavorecidas economicamente ainda mais agrava a situação de exclusão e de marginalização social, afrontando, portanto, o art. 3°, da CRFB, que objetiva a redução das desigualdades sociais, a criação de uma sociedade livre, justa e solidária e o combate à pobreza e à marginalização.
Se poderia questionar se o aumento dos custos tornaria, por si só, violado o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Sobre o tema, o STF já se posicionou de forma clara em sentido positivo, quando determinou aos entes públicos a criação de Defensorias Públicas, na medida em que a necessidade de deslocamento dos jurisdicionados para grandes centros – em que instaladas as defensorias públicas – tornava o acesso à justiça custoso àqueles que justamente necessitavam de um acesso desonerado.
Se a ausência de estrutura adequada das Defensorias é capaz de, por si só, afrontar o acesso à justiça, o que dizer, então, da previsão do pagamento de custas e honorários por parte dos beneficiários da Justiça Gratuita?
Tal conclusão consta no voto vista do Min. Edson Fachin, que votou pela procedência da ADI 5766 que discute, em controle concentrado, a inconstitucionalidade do art. 791-A, §4°, da CLT, dentre outros.
Vejamos o precedente citado:
DEFENSORIA PÚBLICA – DIREITO DAS PESSOAS NECESSITADAS AO ATENDIMENTO INTEGRAL, NA COMARCA EM QUE RESIDEM, PELA DEFENSORIA PÚBLICA – PRERROGATIVA FUNDAMENTAL COMPROMETIDA POR RAZÕES ADMINISTRATIVAS QUE IMPÕEM, ÀS PESSOAS CARENTES, NO CASO, A NECESSIDADE DE CUSTOSO DESLOCAMENTO PARA COMARCA PRÓXIMA ONDE A DEFENSORIA PÚBLICA SE ACHA MAIS BEM ESTRUTURADA – ÔNUS FINANCEIRO, RESULTANTE DESSE DESLOCAMENTO, QUE NÃO PODE, NEM DEVE, SER SUPORTADO PELA POPULAÇÃO DESASSISTIDA – IMPRESCINDIBILIDADE DE O ESTADO PROVER A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL COM MELHOR ESTRUTURA ADMINISTRATIVA – MEDIDA QUE SE IMPÕE PARA CONFERIR EFETIVIDADE À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INSCRITA NO ART. 5º, INCISO LXXIV, DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA – OMISSÃO ESTATAL QUE COMPROMETE E FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS NECESSITADAS – SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL – O RECONHECIMENTO, EM FAVOR DE POPULAÇÕES CARENTES E DESASSISTIDAS, POSTAS À MARGEM DO SISTEMA JURÍDICO, DO “DIREITO A TER DIREITOS” COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS DEMAIS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS – INTERVENÇÃO JURISDICIONAL CONCRETIZADORA DE PROGRAMA CONSTITUCIONAL DESTINADO A VIABILIZAR O ACESSO DOS NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART. 5º, INCISO LXXIV, E ART. 134) – LEGITIMIDADE DESSA ATUAÇÃO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE SOBRE A OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES – A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA E A ESSENCIALIDADE DESSA INSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (RE 763667 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 12-12-2013 PUBLIC 13-12-2013)
Além da inegável posição jurisprudencial em favor da tese da inconstitucionalidade, trazemos ainda a doutrina, para ratificar a posição que ora se defende.
“O efetivo acesso à justiça compreende a remoção de obstáculos que possam dificultar ou impedir o interessado de invocar o exercício da jurisdição para a solução de um conflito, o reconhecimento da violação de um direito e a devida reparação. Os custos (despesas em geral) com o processo, inclusive os honorários de sucumbência, sobretudo na esfera trabalhista em que o trabalhador, em geral, está desprovido de recursos até para adiantar honorários ao seu próprio advogado, são notoriamente um desses obstáculos. Nesse sentido, ‘... o direito de ação não pode ser obstaculizado por entraves como o do custo do processo” [13].
Por outro lado, não convence o argumento de que a inexistência de custos e honorários contemporâneos ao ajuizamento da ação não foi previsto pela reforma trabalhista, sendo o pagamento feito apenas ao final do processo, o que, em tese, não inviabilizaria o acesso à justiça. Ora, ao adentrar com uma ação, a parte pondera os riscos – inclusive as pretensas despesas processuais que deverá arcar. O momento processual em que incidirão as despesas é indiferente para gerar a sensação de que poderá, ao final, ter perdido mais que recebido em determinada ação [14].
Isso conduz à discussão da consequência prática da norma do art. 791-A, §4°, da CLT: imaginemos que o reclamante tenha, em determinada reclamação, se sagrado vencedor de créditos de natureza alimentar no montante de R$ 2.000,00. Contudo, havia articulado, em cumulação, mais dois pleitos, sendo um de adicional de insalubridade (no valor anual de R$ 3.600,00) e outro de indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00. Consideremos honorários na média de 10%. Sucumbindo nos pleitos de adicional de insalubridade e de indenização por danos morais, o empregado, apesar de pretensamente ver reconhecido o direito de receber dois mil reais, deverá pagar R$ 2.360,00 de honorários sucumbenciais, além de honorários periciais (art. 790-B, CLT), ainda que seja beneficiário da justiça gratuita.
A consequência prática do exemplo acima é: o empregado perderá tudo o que ganharia naquela demanda e ainda sairá dela devendo o restante de R$ 360,00 de honorários sucumbenciais, além dos honorários periciais.
Agora para tornar trágica a situação, consideremos que o mesmo empregado tenha ganho o valor de R$ 1.500,00 em créditos alimentares em outro processo, contra outro empregador. Pelo texto da Lei n° 13.467/2017, o empregado poderá ver este seu crédito consumido pela cobrança do restante dos honorários sucumbenciais e periciais, isto porque estes são fixados no patamar máximo de R$ 1.000,00, na forma da Resolução n° 66 de 10 de junho de 2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho [15], em caso de beneficiário da justiça gratuita sucumbente no processo.
No final, o que se gera é uma situação em que os créditos alimentares do empregado, oriundos de dois processos, foram totalmente consumidos por despesas processuais, tornando estas superprivilegiadas, desfazendo o manto da impenhorabilidade dos salários. Tal ordem de coisas afronta o valor social do trabalho (art. 1°, IV, CRFB) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CRFB), na medida em que o trabalhador – que sobrevive dos frutos do seu trabalho – estará desprovido dos recursos imprescindíveis à sua própria sobrevivência.
Ainda que se argumente que os honorários sucumbenciais possuem natureza alimentar, como diz o STF, não se permite, na ordem constitucional ou infraconstitucional, que se penhore um salário para beneficiar outro (art. 7°, X, da CRFB; OJ 153 da SBDI-I do C. TST; art. 462 da CLT; art. 7°, VI, da CRFB; art. 833, IV e §2°, do NCPC) – fazendo-se interpretação restritiva deste último dispositivo.
Em vista destas considerações teóricas e práticas, a norma do art. 791-A, §4°, da CLT é inconstitucional, prima facie. Até mesmo a técnica da interpretação conforme a Constituição não seria capaz de salvar a validade da norma, sem subverter o sentido dado pelo próprio legislador.
2.3. Da possível afronta ao princípio da isonomia
A previsão de um regramento mais oneroso para o litigante do processo do trabalho em relação ao litigante do processo civil comum produz, aparentemente, uma situação de afronta ao princípio da isonomia, de maneira absolutamente injustificável. A proteção ao hipossuficiente, quista pelo constituinte nos arts. 1°, IV; 3°; e art. 170, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), se transforma não só em desproteção, mais em perseguição ao hipossuficiente. Isso porque se onera o beneficiário da justiça gratuita simplesmente por ser um empregado. Não fosse empregado – e a causa fosse cível – não teria que utilizar os créditos recebidos em outro processo para adimplir a suposta sucumbência suportada em determinada demanda.
O art. 791-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ignora que não é a existência de crédito em outro processo que modifica a situação de hipossuficiência. A recuperação da capacidade financeira é que produz essa condição e que deve ser comprovada pela parte adversa. É isso que decorre do art. 98, §3°, do Novo Código de Processo Civil – aplicável ao processo do trabalho, por força dos arts. 15 do NCPC e do art. 769 da CLT.
O recebimento de um crédito em outro processo pode decorrer de uma verba de caráter indenizatório ou ressarcitório, o que fará com que apenas seja restaurado o status quo anterior à lesão. Isso não representará qualquer acréscimo patrimonial. Além disso, a percepção de verbas alimentares também deveria ser intangível ao pagamento do referido crédito, como o é no processo civil (art. 833, IV, NCPC).
Vê-se do exposto, pois, que a Lei n° 13.467/2017 criou uma situação de afronta ao princípio da isonomia em seu aspecto formal (art. 5°, caput, CRFB).
Além disso, há afronta ao princípio da isonomia em seu aspecto substancial, na medida em que a lei deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam – na clássica lição de Rui Barbosa. Considerando que o empregado, hipossuficiente, se encontra em posição de vulnerabilidade técnica, econômica e jurídica frente ao seu ex-empregador, tanto materialmente quanto processualmente, a permissão do acesso isento de despesas processuais é manifestação do princípio da isonomia substancial em nível infraconstitucional. Do mesmo modo que a revogação da isenção afronta o sobredito princípio, ante o princípio da progressividade dos direitos (art. 7°, caput, da CRFB; art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
Além de revogar a benesse, o que fez o legislador foi tornar a situação do empregado litigante pior que a do litigante comum (do processo civil comum).
A nova norma celetista ainda inviabiliza ações que normalmente alcançam um valor de causa elevadíssimo, como nos casos de acidente de trabalho, em que se pleiteiam indenização por danos morais, lucros cessantes, indenização por danos materiais, pensão vitalícia, etc. Tais causas normalmente passam da quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) facilmente, em virtude de lesões permanentes e vitalícias. Tais empregados se verão inibidos a pleitearam diante de um alto risco de consumação de créditos obtidos em outros processos.
Sob a ótica da isonomia, o art. 791-A, §4°, da CLT também conflita com a Constituição Federal de 1988.
2.4. Da possível afronta ao princípio da gratuidade do acesso à justiça
O art. 5°, LXXIV, da CRFB determina ao Estado que preste assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
Ao se referir ao Estado, a norma se dirige não apenas ao Estado-Juiz, ou ao Estado-Administrador, mas igualmente ao Estado-Legislador, na medida em que proíbe a previsão de situações de desamparo na assistência jurídica gratuita aos necessitados.
O que faz o art. 791-A, da CLT, é asseverar que os necessitados poderão demandar na justiça do trabalho, mas que o resultado dessa demanda nunca será gratuito.
Não se pode interpretar a norma constitucional a partir da legislação infraconstitucional. Aquela é que é fundamento de validade desta, e não o contrário. Pensar o oposto seria inverter a pirâmide normativa kelseniana [16].
Pela máxima efetividade da norma constitucional e para não enfraquecer sua força normativa, é preciso que se leia a Constituição no sentido de que a gratuidade é tanto na entrada do processo quanto na saída. O necessitado não pode litigar sob o medo e a pressão de que verá seus créditos, inclusive outros já transitados em julgados, serem consumidos por um risco desmedido de ser sucumbente na demanda.
Portanto, sob a ótica do art. 5°, LXXIV, da CRFB a norma do art. 791-A, da CLT parece não encontrar fundamento de validade que a abrigue no texto constitucional brasileiro.
3. O fato gerador dos honorários advocatícios decorrentes do processo e eficácia da lei no tempo
O estudo da eficácia da lei no tempo não prescinde do entendimento do fato gerador dos honorários advocatícios decorrentes do processo.
Na dogmática do Direito, há a indicação de duas teorias sobre o fato gerador dos honorários advocatícios: a teoria da causalidade e a teoria da sucumbência.
Segundo a teoria da causalidade, responde por honorários advocatícios aquele que deu causa ao processo, que provocou a necessidade do processo ao não cumprir a sua obrigação ou dever jurídico.
Já para a teoria da sucumbência, responde por honorários advocatícios aquele que ficou vencido no processo.
Embora a diferença pareça sutil – considerando que em muitos casos o vencido também deu causa ao processo – a diferenciação dos institutos é de suma relevância à definição da eficácia no tempo do art. 791-A, da CLT, isso porque o princípio da sucumbência determina que o direito aos honorários advocatícios surge no momento em que prolatada a sentença.
Ao se seguir a teoria da sucumbência, pode-se inferir que – embora um determinado processo judicial trabalhista tenha se iniciado antes da vigência da Lei n° 13.467/2017, é possível a condenação em honorários sucumbenciais caso a sentença seja prolatada quando já vigente a nova lei.
Causa certa estranheza que a parte ao ajuizar sua demanda não saiba antecipadamente quais os riscos a que estaria sujeita no decorrer do processo, principalmente quando se fala em riscos financeiros. Uma alteração legislativa deveras onerosa poderia levar um dos litigantes à ruina, por exemplo.
No caso dos honorários advocatícios dispostos no art. 791-A, da CLT, a norma reza que os honorários decorrentes do processo podem ser cobrados de qualquer crédito do vencido, inclusive dos que este tenha obtido em outro processo judicial, sem resguardar qualquer direito adquirido, coisa julgada ou ato jurídico perfeito (art. 5°, XXXVI, CRFB).
Não só a previsão legal, mas a adesão à teoria da sucumbência, no processo do trabalho, pode afrontar, em tese, o princípio da segurança jurídica (art. 5°, caput, da CRFB), tendo em vista que este traz ínsita a proteção da confiança e a previsibilidade dos riscos a que o cidadão está sujeito.
Por outro lado, a aplicação da teoria da causalidade possibilita a aplicação da legislação vigente no momento do ajuizamento da demanda, em tema de incidência dos honorários advocatícios, haja vista que a análise do sujeito que deu causa ao processo tem como momento processual o início do processo. Assim, o advento da lei nova não faria incidir honorários advocatícios às ações ajuizadas anteriormente, já que a parte que deu causa ao processo não estava sujeito ao pagamento de honorários quando do ajuizamento da ação. A nova lei se aplicaria apenas processos ajuizados após a vigência da Reforma Trabalhista (Lei n° 13.467/2017).
Um dos segmentos que aderem ao princípio da sucumbência assevera que os honorários sucumbenciais teriam natureza híbrida, material e processual, e, por conta disso, dever-se-ia aplicar o art. 791-A, da CLT apenas aos processos ajuizados após a vigência da Lei n° 13.467/2017.
Bem descreve e discute esse pensamento GUIMARÃES [17]:
[...]. As regras sobre honorários de sucumbência não tratam de matéria processual nem procedimental. Não se vê nelas nada que diga instrumento da realização de direito material reclamado, nem com a forma de procedimento judicial. Apenas que será reconhecida, deferida e arbitrada no bojo do processo e prevista no Código de Processo (No Capítulo Processual, no caso da CLT). Isso não basta para lhe dar natureza processual.
Todavia, ainda que se admita a natureza híbrida dos honorários, processual e material, ainda as- sim não seria possível a sua aplicação ao passado. A parcela material do direito impede a sua aplicação retroativa, posto que é impossível cindir o instituto. Ora, se a natureza é híbrida, porque é híbrida, é direito material e se assim é, impossível a aplicação para apanhar fatos passados.
A parte autora estabelece a sua posição jurídica processual quando do ajuizamento da ação. Se no momento da prática deste ato processual a parte não vislumbrava no ordenamento vigente a possibilidade jurídica da condenação nos honorários de sucumbência, porque inexistente fundamento legal à época, não pode ser surpreendida com tal condenação fundada em lei posterior, sob pena de se caracterizar aí a aplicação retroativa da lei.
Como se vê, seja aos que entendem que a natureza dos honorários advocatícios decorrentes do processo seria híbrida, seja aos que se pautam no princípio da irretroatividade – e, portanto, na segurança jurídica – é certo que não se pode aplicar honorários aos processos que se iniciaram antes da vigência da Lei n° 13.467/2017. Neste mesmo sentido, está o pensamento de BELMONTE [18].
A corrente de pensamento que defende a aplicação imediata dos honorários advocatícios se funda na teoria da sucumbência e no entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que enfrentou tema semelhante na passagem do Código de Processo Civil de 1973 ao Código de Processo Civil de 2015. Todavia, deve-se esclarecer que o CPC/1973 já previa honorários de sucumbência. A mudança ocorreu na forma de cálculo e quanto à fixação dos honorários sucumbenciais recursais. O caso não é idêntico ao que ocorre no processo do trabalho. Neste, havia uma situação de ausência da despesa processual ora estudada. A mudança do quadro fático justifica a solução diversa que se propõe.
A decisão abaixo bem expressa a proeminência do princípio da sucumbência no âmbito do STJ:
[...]. 5. Nos termos do art. 20 do CPC/1973, "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios", devendo a verba honorária, em princípio, ser considerada com base na sucumbência apenas, uma vez que o princípio da causalidade somente se justifica em circunstâncias peculiares, nas quais não se mostra possível falar em vencedor e vencido, como nos casos de extinção do processo sem resolução de mérito, ou outras situações excepcionais. 6. No caso, a ausência de impugnação no âmbito da execução não tem vinculação com a condenação dos honorários advocatícios na ação anulatória, que, no caso, tem por fundamento o fato objetivo da derrota da parte. 7. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1198524/PR, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 26/02/2018) – grifei.
Do julgado acima, se verifica que a referida Corte utiliza o princípio da sucumbência como fato gerador dos honorários advocatícios. Entretanto, há uma confusão entre o fato gerador da referida verba e o momento da sua fixação.
A fixação se faz na decisão judicial, mas isso não quer dizer que a causa dos honorários advocatícios seja o provimento jurisdicional. A teoria da sucumbência não resolve os casos perda do objeto, de extinção sem resolução de mérito (em que não se pode apontar um “vencido”), de improcedência liminar do pedido, de ausência de resistência ao pedido, de conciliação judicial, e nem soluciona a eficácia da lei no tempo, de forma a não afrontar a segurança jurídica.
Acostumou-se o legislador a criar regras excetivas para não abandonar essa má compreensão do princípio da sucumbência. Tanto o legislador quanto os julgadores vêm afirmando que os princípios da sucumbência e da causalidade convivem harmonicamente [19]. Outros julgados acabam por confundir os princípios citados [20].
Na legislação, o art. 85, caput, da Lei n° 13.105 de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil – NCPC) reza que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” (princípio da sucumbência). Já o décimo parágrafo do mesmo dispositivo legal, aduz que “nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo” (princípio da causalidade).
Ainda que os parágrafos do art. 791-A da CLT usa termos como “vencido” e “sucumbência”, não há uma posição inequívoca quanto à teoria adotada, de modo que é possível a incidência do princípio da causalidade. Assim, a parte que deu causa ao processo deve arcar com os honorários advocatícios previstos no art. 791-A, da CLT. E, observe-se que nem sempre a parte que deu causa é vencida no processo.
Identificando o mesmo erro de compreensão dogmática aqui expresso, está o pensamento de Renan Marcelino Andrade [21], abaixo transcrito:
[...]. O principal argumento utilizado para admitir a conde- nação em honorários advocatícios em feitos pendentes se baseia na noção de que adviriam da sucumbência, que é definida apenas em sentença. Ocorre que os honorários advocatícios em questão não decorrem da sucumbência, mas sim da existência do processo. São custos do processo, arcados apenas usualmente pelo sucumbente. Responde pelos custos apenas porque, tendo perdido, entende-se presumidamente que deu causa ao processo. Mas é a causalidade que enseja a obrigação de pagar os honorários.
A imperfeita expressão “honorários de sucumbência” acabou induzindo muitos profissionais do Direito a erro quanto à obrigação aos honorários advocatícios jurisdicionais, entendendo que os mesmos decorreriam da derrota. Foi o que acabou decidindo inclusive o STJ, no REsp 1.465.535/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21.06.2016, DJe 22.08.2016: a despeito de consignar que “em homenagem à natureza processual material e com o escopo de preservar-se o direito adquirido, as normas sobre honorários advocatícios não são alcançadas por lei nova”, concluiu que “a sentença, como ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios, deve ser considerada o marco temporal para a aplicação das regras fixadas pelo CPC/2015” [...].
A sentença não é constitutiva do direito aos honorários advocatícios, mas condenatória. A previsão dos artigos 389 e 404 do Código Civil demonstram que esse direito surge a partir do momento em que o credor é lesado e tem a necessidade de ajuizar uma demanda para satisfazer seu direito.
No processo do trabalho, portanto, deve imperar o princípio da causalidade, único apto a resguardar o princípio da segurança jurídica e resolver os conflitos da lei no tempo, mormente quanto aos efeitos pendentes dos processos judiciais já em tramitação.
A partir deste critério, se válida, a Lei n° 13.467/2017 se aplicaria apenas aos processos ajuizados após sua vigência. Aos processos findos ou em tramitação, antes da vigência da Reforma Trabalhista, não se aplicariam honorários sucumbenciais, exceto nos casos já consolidados pela Súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
4. Conclusões
A vigência da Lei n° 13.467/2017 trouxe a necessidade de estudo dos seus dispositivos – dentre eles, o art. 791-A, da CLT – no que concerne aos planos de validade e eficácia.
Há relevante e crescente divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da validade e eficácia da lei no tempo quanto à aplicação dos honorários advocatícios decorrentes do processo (sucumbência) no processo do trabalho, seja aos processos já ajuizados, seja quanto aos processos iniciados após a Reforma Trabalhista, tendo sido instaurada inclusive a jurisdição constitucional concentrada no Supremo Tribunal Federal, através da ADI 5766 (pendente de resolução).
A natureza não sancionatória dos honorários sucumbenciais ilumina a compreensão do seu plano de validade, no que concerne à finalidade pretendida pelo legislador. Ao buscar a penalização da litigância abusiva, prevendo honorários sucumbenciais a todos os jurisdicionados, no processo do trabalho, o legislador produziu norma inválida, por inconstitucionalidade decorrente do desvio de finalidade da norma.
A previsão de maior oneração do processo do trabalho, inclusive aos beneficiários da justiça gratuita, caminha na contramão das ondas de acesso à justiça, inibindo a plena efetivação do princípio da inafastabilidade da jurisdição em sua vertente quantitativa e destoa de todo os estudos jurídicos e sociológicos da espécie, tornando-se inválida sob o ponto de vista do art. 5°, XXXV, da CRFB.
Além disso, a inovação legislativa oriunda do art. 791-A, da CLT, ao prever regime jurídico mais gravoso ao beneficiário da justiça gratuita – que deve pagar os honorários sucumbenciais inclusive com créditos obtidos em outro processo, a qualquer tempo pretérito – em relação à sistemática existente no Código de Processo Civil, trouxe ao ordenamento jurídico discriminação processual injustificável, afronta o princípio da isonomia (art. 5°, caput, CRFB) em suas acepções formal e substancial.
A possibilidade de oneração do beneficiário da justiça gratuita com despesas processuais incidentes até mesmo sobre créditos de natureza alimentar acaba por afrontar o princípio da gratuidade do acesso à justiça aos necessitados (art. 5°, LXXIV, da CRFB), enfraquecendo a eficácia normativa do preceito constitucional por norma a ele subordinada.
No que concerne ao plano de eficácia do art. 791-A, da CLT, o correto entendimento e incidência do princípio da causalidade no processo do trabalho conduz à conclusão de que o novo dispositivo só poderá ser aplicado, caso válido, aos processos iniciados após a vigência da Lei n° 13.467/2017, sob pena de afrontar os princípios da segurança jurídica (na vertente da não surpresa) e da irretroatividade da lei nova.
Ante a lacuna do art. 791-A, da CLT quanto à adoção da teoria da causalidade ou da sucumbência, é preciso que intérprete faça incidir, no processo do trabalho, o principio da causalidade para fins harmonizar o texto infralegal à Constituição, ao menos no que toca ao plano de validade.
Referências
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Senado Federal. Parecer (SF) n° 67, de 2017. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5375790&disposition=inline. Acesso em 24jun.2018
[1] Vide o pensamento de Maurício Godinho Delgado, para que: “os honorários de sucumbência do advogado empregado (art. 21, Lei n. 8.906/94) são outra modalidade de parcela paga ao empregado por terceiros, e não pelo empregador. Tais honorários, contudo, guardam significativa diferenciação jurídica perante a figura das gorjetas (e das gueltas). Uma das diferenças mais substanciais que apresentam com relação às gorjetas e gueltas é o fato de serem pagos em decorrência de um trabalho prestado contra os interesses do devedor dos honorários de sucumbência, e não em seu benefício. Neste quadro, se a origem da verba (externa ao empregador) já compromete sua natureza salarial (à luz do modelo celetista), seu caráter não contraprestativo com respeito ao devedor da parcela também lançaria dúvidas no tocante a seu posicionamento classificatório no grupo das verbas trabalhistas de natureza estritamente remuneratória (caso se considere que a CLT criou, de fato, um tipo legal específico, identificado sob o epíteto de remuneração)” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. ver. atual. ampl. – São Paulo: LTr, 2018, p. 868).
[2] Código de Ética e Disciplina da OAB. Disponível em: file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Packages/Microsoft.MicrosoftEdge_8wekyb3d8bbwe/TempState/Downloads/CODIGO%20DE%20ÉTICA%20CED.pdf. Acesso em 24jun.2018.
[3] (...). “Em relação às normas processuais contidas no PLC nº 38, de 2017, deve-se ressaltar que um dos problemas relacionados ao excesso de demandas na Justiça do Trabalho é a falta de onerosidade para se ingressar com uma ação, com a ausência da sucumbência onerosa e o grande número de pedidos de justiça gratuita. Essa litigância sem risco acaba por estimular o ajuizamento de reclamações trabalhistas temerárias”. (...) (Senado Federal. Parecer (SF) n° 67, de 2017. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5375790&disposition=inline. Acesso em 24jun.2018).
[4] ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. [RE 564.132, rel. min. Eros Grau, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, P, j. 30-10-2014, DJE 27 de 10-2-2015, Tema 18.] (Aplicação das Súmulas no STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=2504. Acesso em 24jun.2018).
A finalidade do preceito acrescentado pela EC 37/2002 (art. 100, § 4º) ao texto da CF/1988 é a de evitar que o exequente se valha simultaneamente, mediante o fracionamento, repartição ou quebra do valor da dívida, de dois sistemas de satisfação de crédito: o do precatório para uma parte dela e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra. 23. Daí que a regra constitucional apenas se aplica a situações nas quais o crédito seja atribuído a um mesmo titular. E isso de sorte que, a verba honorária não se confundindo com o principal, o preceito não se aplica quando o titular do crédito decorrente de honorários pleiteie o seu recebimento. Ele não sendo titular de dois créditos não incide, no caso, o disposto no art. 100, § 4º, da Constituição do Brasil. 24. A verba honorária consubstancia direito autônomo, podendo mesmo ser executada em separado. Não se confundindo com o crédito principal que cabe à parte, o advogado tem o direito de executar seu crédito nos termos do disposto nos arts. 86 e 87 do ADCT. 25. A única exigência a ser, no caso, observada é a de que o fracionamento da execução ocorra antes da expedição do ofício requisitório, sob pena de quebra da ordem cronológica dos precatórios. [RE 564.132, voto do rel. min. Eros Grau, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, P, j. 30-10-2014, DJE 27 de 10-2-2015, Tema 18.] (Aplicação das Súmulas no STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=2504. Acesso em 24jun.2018).
[5] Agravo regimental no recurso extraordinário. Processual Civil. Honorários advocatícios contratuais. Fracionamento para pagamento por RPV ou precatório. Impossibilidade. Súmula Vinculante nº 47. Inaplicabilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a Súmula Vinculante nº 47 não alcança os honorários contratuais resultantes do contrato firmado entre advogado e cliente, não abrangendo aquele que não fez parte do acordo. 2. O Supremo Tribunal Federal já assentou a inviabilidade de expedição de RPV ou de precatório para pagamento de honorários contratuais dissociados do principal a ser requisitado, à luz do art. 100, § 8º, da Constituição Federal. 3. Agravo regimental não provido. 4. Inaplicável o art. 85, 11, do CPC, pois não houve prévia fixação de honorários advocatícios na causa. [RE 1.094.439 AgR, rel. min. Dias Toffoli, 2ª T, j. 2-3-2018, DJE 52 de 19-03-2018.] (Aplicação das Súmulas no STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=2504. Acesso em 24jun.2018).
A proposta de edição da Súmula Vinculante nº 47 (PSV 85), de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil, fundamentou-se nos arts. 22, § 4º, e 23, da Lei nº 8.906/1994, que tratam, respectivamente, dos honorários contratuais e dos incluídos na condenação por sucumbência ou arbitramento. Nos debates que antecederam a aprovação da súmula, não foi acolhida sugestão para que seu texto contivesse limitação expressa aos honorários incluídos na condenação (art. 23 da Lei nº 8.906/1994). Parte do texto aprovado para a súmula parece, ainda, remeter ao § 4º do art. 22 da Lei nº 8.906/1994 ('Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza'). Adotando essas razões, inicialmente concluí que os honorários contratuais eram alcançados pela Súmula Vinculante nº 47. 8. Posteriormente, ambas as turmas desta Corte afirmaram, em precedentes unânimes, a inaplicabilidade da Súmula Vinculante nº 47 aos honorários advocatícios contratuais. A jurisprudência desta Corte tem apontado inexistir relação de estrita aderência entre decisões sobre o fracionamento de execução contra a Fazenda Pública, para o pagamento de honorários contratuais, e a Súmula Vinculante nº 47:(...). [Rcl 26.840 AgR, rel. min. Roberto Barroso, dec. monocrática, j. 23-11-2017, DJE 268 de 27-11-2017.] (Aplicação das Súmulas no STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=2504. Acesso em 24jun.2018).
[6] GUIMARÃES, Marcelo Wanderley. Honorários de sucumbência trabalhista: em busca de uma interpretação conforme a Constituição. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março de 2018, p. 329-338. Em sentido contrário, defendendo a posição do uso das despesas processuais como instrumento de conteúdo da litigância abusiva, vide o que diz Alfredo Góes: “(...). Entretanto, como ressalta a jurisprudência, por diversas vezes nos deparamos com a lide temerária, formulada em pedidos absurdos e fantasiosos com intuito de enriquecimento ilícito. Neste sentido, “prepondera universalmente a onerosidade do processo para as partes, porque a gratuidade generalizada seria um incentivo à litigância irresponsável, a dano desse serviço público que é a jurisdição” (24). Assim, o recolhimento das custas processuais seria requisito processual objetivo de validade”. (GOES, Alfredo. A responsabilidade processual do beneficiário da justiça gratuita sobre os honorários advocatícios e a garantia do acesso à justiça. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março de 2018, p. 312-319).
[7] GOES, Alfredo. A responsabilidade processual do beneficiário da justiça gratuita sobre os honorários advocatícios e a garantia do acesso à justiça. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março de 2018, p. 312-319.
[8] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
[9] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.17-19.
[10] ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. Das Letras, 1989, p.330
[11] REFORMA TRABALHISTA - LEI N. 13.467, DE 13.7.17 - PRIMEIROS MESES DE SUA VIGÊNCIA - REDUÇÃO DO NÚMERO DE PROCESSOS TRABALHISTAS. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 04, abril, 2018. p.5-6.
[12] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.31-49.
[13] MARINONI, Luiz Guilherme apud GUIMARÃES, Marcelo Wanderley. A responsabilidade processual do beneficiário da justiça gratuita sobre os honorários advocatícios e a garantia do acesso à justiça. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março de 2018, p.333-334.
[14] Neste mesmo sentido defendido no texto, encontra-se o pensamento de GUIMARÃES, Marcelo Wanderley. Honorários de sucumbência trabalhista: em busca de uma interpretação conforme a Constituição. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março de 2018, p. 329-338.
[15] CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Resolução n° 66 de 10 de junho de 2010. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/7231/2010_res0066_csjt_rep01.pdf?sequence=15&isAllowed=y. Acesso em 25jun.2018).
[16] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. – 19ª ed. ver. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015, p.419.
[17] GUIMARÃES, Marcelo Wanderley. Honorários de sucumbência trabalhista: em busca de uma interpretação conforme a Constituição. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março de 2018, p. 329-338.
[18] Alexandre Agra Belmonte afirma que “ (...) se a ação foi aforada antes da lei que estabelece condenação em honorários, esta não poderá ocorrer, inclusive pela ausência de debate em relação à questão. Em sede processual, além da LINDB, os princípios do contraditório, do devido processo legal e da segurança jurídica devem ser observados, de forma que a parte não se veja surpreendida” (BELMONTE, Alexandre Agra. Impacto da Reforma Trabalhista nos contratos vigentes e ações judiciais pendentes – Direito intertermporal. Revista LTr, São Paulo, Ano 82, n° 03, março, 2018. p.268). No campo do Direito do Trabalho, mas sustentando a tese da eficácia imediata sobre os efeitos pendentes dos contratos em curso, vide o pensamento de Gustavo Filipe Garcia, com a ressalva da irredutibilidade salarial, para que “no caso da relação jurídica de emprego, como a sua execução prolonga-se no tempo, a nova lei deve incidir de forma imediata, ou seja, quanto às situações em curso, aplicando-se aos fatos, condutas e mesmo relativamente aos efeitos a serem produzidos posteriormente à modificação normativa, mas sem prejudicar as situações já consumadas. A posição defendida também é confirmada pelo art. 2.035, caput, do Código Civil de 2002, ao prever que a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituí- dos antes da entrada em vigor desse Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência desse Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Apesar do exposto, a eficácia imediata da Lei n. 13.467/2017 deve respeitar a norma constitucional que proíbe a redução salarial. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Eficácia no tempo das normas de Direito do Trabalho. In: Reforma Trabalhista: reflexos e críticas/Nelson Mannrich, coordenador. – São Paulo: LTr, 2018. p.194-199.
[19] Entendendo pela convivência dos princípios da causalidade e da sucumbência: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÕES SUCESSIVAS POSTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E PENHORA DO BEM. TERCEIRO DE BOA-FÉ. FRAUDE À EXECUÇÃO AFASTADA. VERBA HONORÁRIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Embora a constrição tenha ocorrido antes do registro da alienação, o exequente tomou ciência da transmissão do bem quando do ajuizamento dos embargos de terceiro e ofereceu contestação, impondo resistência aos fundamentos da embargante, a fim de manter a penhora sobre o bem cujo domínio foi transferido, de modo que lhe é imputável o ônus da sucumbência. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, prevaleceria o princípio da causalidade se o exequente, diante da propositura dos embargos de terceiro, não tivesse contestado o feito, quando seria, então, sustentável a tese da condenação da embargante na verba honorária. 3. Ao revés, aplica-se o princípio da sucumbência, mostrando-se viável a condenação do embargado nos ônus sucumbenciais, quando configurada pretensão resistida nos embargos de terceiro, ou seja, quando for contestada a ação pelo credor embargado que insiste na manutenção da penhora. Nesse sentido: AgInt no AREsp 782.290/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe de 13/09/2017; AgRg no REsp 827.791/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ de 17/8/2007; REsp 441.790/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, DJ de 1º/8/2006. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1278007/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 09/02/2018).
[20] Ilustrando a confusão entre os princípios: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. DISTRIBUIÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. 2. "É admissível a oposição de Embargos de Terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que desprovido do registro" (Súmula 84/STJ). 3. A sucumbência, para fins de arbitramento dos honorários advocatícios, tem por norte a aplicação do princípio da causalidade. Nesse sentido, a Súmula 303/STJ dispôs especificamente: "Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios". (...) (REsp 1452840/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 05/10/2016). Em outro precedente, a confusão segue sendo reproduzida: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. REEXAME DE FATOS. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. "Pela aplicação dos princípios da sucumbência e da causalidade em ações cautelares administrativas, para haver condenação a honorários advocatícios pela sucumbência no feito, deve estar caracterizada nos autos a resistência à exibição dos documentos pleiteados" (REsp 1077000/PR, Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, T6 - SEXTA TURMA, DJe 08/09/2009). (...) (AgInt no AREsp 1174549/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 08/03/2018). Diferentemente do que alega o STJ, o princípio da sucumbência não parte do pressuposto da resistência.
[21] ANDRADE, Renan Marcelino. Eficácia no tempo das normas de direito processual do trabalho. In: Reforma Trabalhista: reflexos e críticas/Nelson Mannrich, coordenador. – São Paulo: LTr, 2018. p.200-214.
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Direito Processual Civil pelo IBDP e Universidade Anhanguera - SP. Advogado licenciado. Assessor Jurídico do 3° Ofício da Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Hantony Cassio Ferreira da. Honorários Advocatícios no processo do trabalho após a vigência da Lei 13.467/2017 - constitucionalidade e eficácia da lei no tempo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51787/honorarios-advocaticios-no-processo-do-trabalho-apos-a-vigencia-da-lei-13-467-2017-constitucionalidade-e-eficacia-da-lei-no-tempo. Acesso em: 22 nov 2024.
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