RESUMO: É irracional crer que após o envolvimento em algum conflito armado, todos os pilares do Estado Democrático de Direito se encontrem intactos. Partindo dessa premissa, medidas são necessariamente adotadas em prol da reconstrução de um desses pilares: a educação. Finda uma guerra, o país, fragmentado em seus setores, precisa definir diretrizes de retorno às atividades escolares, para a solidificação de uma paz duradoura. Nessa empreitada, são notáveis as influências externas nas definições de novas políticas educacionais, principalmente por parte dos países ocupantes, mediante a momentânea fragilidade da comunidade a ser reconstruída. É a dupla face do processo de peacebuilding[1]: Intervencionismo e Soberania. A proposta para a realização dessa análise é uma pesquisa bibliográfica crítica que caracterize as concepções existentes sobre o assunto, além dos estudos de casos do pós-Segunda Guerra Mundial de Alemanha e Japão como modelos de percepção das mudanças na metodologia educacional pós-guerra. Afinal, quais alterações são passíveis de observação no método de ensino/aprendizagem de um país após seu envolvimento em conflitos bélicos?
Palavras-chave: educação, reforma educacional, Direito Fundamental, conflito armado, peacebuilding, Intervencionismo, Soberania, paz liberal, Japão pós-guerra, Alemanha pós-guerra.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A crise educacional pós-guerra. 2.1. O peacebuilding education. 2.2. A fragilidade no peacebuilding. 2.3. O intervencionismo e a Soberania nacional. 3. Case studies de exemplos internacionais. 3.1. A reforma educacional japonesa. 3.2. A reforma educacional alemã. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O período de ocorrência de um conflito armado é sempre caracterizado pela extrema instabilidade da comunidade envolvida. A economia do país entra em crise, a política é difusa e ineficiente devido à divergência de opiniões acerca de um posicionamento ideal a ser tomado e a sociedade civil se encontra extremamente confusa e insegura até de sua integridade física. Nesse meio, é altamente improvável que os cidadãos continuem com suas atividades cotidianas com normalidade. A instabilidade é inquestionável e as discussões acerca de violações dos Direitos Fundamentais são frequentes. Deflagra-se, entre muitas outras, a crise do sistema educacional.
Com o fim do conflito, é necessária uma reestruturação das mais diversas facetas que constituem um Estado. Assim, muitas organizações internacionais, benfeitores particulares, e figuras nacionais protetoras dos Direitos Humanos se unem na missão de reconstruir os alicerces da sociedade. No presente paper, o alicerce analisado é a educação e a sua forma de propagação como instrumento de efetivação de direitos fundamentais. A relevância dessa vertente para o desenvolvimento das demais faz com que se reúnam interesses políticos diversos em sua reconstrução.
A influência externa nas políticas educacionais é cristalizada em organizações mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), criadora do Peacebuilding commission (PBC)[2], associação que apoia projetos de estruturação da paz duradoura e sustentável em países saídos de conflitos e é de extrema contribuição para a agenda da paz da ONU. É insofismável o argumento de que uma estrutura politicamente fragilizada atrai diversas doutrinas que enxergam uma possibilidade de expansão de seus ideais em um terreno enfraquecido. Após o período das Guerras Mundiais, e.g., percebeu-se uma expansão exponencial do capitalismo e do seu modo de produção. A Teoria Keynesiana de um Estado planificador é, então, criada e altamente difundida e adotada como saída de uma situação de crise. É a manifestação quase universal do Estado de Bem-estar Social (BIANCHETTI, 2001).
Assim, organismos internacionais se unem em torno de um objetivo: a reforma metodológica do sistema educacional como forma de efetivação desse direito fundamental, contando com múltiplas interferências externas, com a intervenção estatal[3] e ainda com interesses de particulares. A palavra reforma, sempre presente no vocabulário educacional, é definida em âmbito internacional como “uma iniciativa do Estado que estabelece objetivos e critérios claros e ambiciosos, recorre a todas as instâncias políticas para apoiá-la, estimulando iniciativas no nível das escolas e mobilizando recursos humanos e financeiros para sustentar as mudanças propostas” (TIMPANE; WHITE, 1998). A reforma metodológica educacional pós-guerra se configura, portanto, como uma combinação de influências com as mais diversas motivações correspondentes à nova situação do país.
2. A CRISE EDUCACIONAL PÓS-GUERRA
2.1. O PEACEBUILDING EDUCATION
O peacebuilding education é uma das esferas do peacebuilding, termo utilizado pelo Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO) na elaboração da Capstone Douctrine (2008). Nessa doutrina, o peacebuilding é apontado como uma das cinco atividades de paz e segurança da instituição, a saber: Conflict prevention, peacemaking, peacekeeping, peace enforcement e peacebuilding (BRUGNOLLI, 2012). Nesse contexto, o órgão responsável por organizar tal atividade é o Peacebuilding Commission (PBC).
O PBC atua na reconstrução de países que passaram por um conflito armado e precisam ter sua estrutura reformada de maneira a prevenir novos conflitos. Assim, são desenhados os rascunhos e parâmetros do peacebuilding education. Esse projeto caracteriza-se por introduzir conceitos na rotina educacional dos cidadãos, tais como: mediação, habilidades de negociação, administração de conflitos, diálogo não competitivo, entre outros. A partir daí, é fundamental o estímulo de toda a população para que se engaje no projeto, reduzindo ao máximo a possibilidade de deflagração de um novo conflito (BUSH, SALTARELLI, 2000, p.23).
Para a obtenção dos resultados desejados, a reforma no método de ensino pelo peacebuilding education deve ocorrer nos mais diversos sentidos e abarcar a maior quantidade de setores tanto sociais, quanto governamentais. A reforma da educação é então entendida em seus mais diversos sentidos: formal e informal; conteudista e metodológico; artístico e científico; infantil e adulto. É importante que se ressalte que o objetivo do projeto não é homogeneizar a educação mundial, mas promover um ambiente em que o estudante possa se adaptar e se acomodar ao ambiente social e cultural próprio no qual se insere (BUSH, SALTARELLI, 2000, p.23). O projeto requer ainda o uso de narrativas compartilhadas, em detrimento de narrativas que classicamente levam a alienação e divisão (POSTMAN, 1996).
“Peacebuilding education - assim como o próprio peacebuilding - é um processo orientado mais de cima para baixo do que de baixo para cima, em vez de orientado pelas comunidades devastadas pela guerra si, seria fundado sobre as suas experiências e capacidades. Sua proposta é ser firmemente enraizado em realidades imediatas, não em ideias abstratas ou teorias. Ele seria aplicado, imediata e relevantemente, o que significa que não pode ser restrito à sala de aula.” (BUSH, SALTARELLI, 2000, p.23)
A reforma do sistema educacional após um período de confronto bélico transcende a administração do conflito. Trata-se de uma possibilidade de completa reestruturação dos moldes sociais e culturais tradicionalmente em vigor na sociedade em questão. Um abalo na estrutura do Estado pode significar uma lacuna propícia para a entrada de novas ideologias e concepções. Contudo, devem ser analisadas as duas faces dessa moeda. A lacuna aberta nesse contexto de crise pode simbolizar a ascensão de grupos minoritários para o contexto de lideranças de movimentos para a paz e participação política, como é o caso de várias mulheres que se sobressaem na luta pela paz desde Sirilanka e Somália até conflitos no Peru. Por outro lado, a fragilidade dos diversos setores de um país pode servir de atrativo para a interferência de outros países ou grupos que busquem o domínio, a exploração ou a expansão de ideais particularmente favoráveis às suas políticas.
2.2. A FRAGILIDADE NO PEACEBUILDING
É natural que com a proposta do peacebuilding education, atores internacionais assumam papéis de apoiadores e facilitadores do desenvolvimento dos países afetados. Para isso, as diretrizes do peacebuilding determinam que interferências externas devem ocorrer exclusivamente no sentido de promover o desenvolvimento do país e auxiliar a administração local a retomar o controle tanto na esfera pública quanto na privada (BUSH, SALTARELLI, 2000, p.27). Ou seja, a fragilidade do país não deve ser vista como uma oportunidade de dominação ou propagação de ideias particulares. Assim, a caracterização do papel dos “doadores” externos possui requisitos: (i) trata-se de um processo e não de um produto; (ii) é uma medida de longo prazo; (iii) baseia-se em insumos e recursos locais, em detrimento de externos; e (iv) objetiva criar oportunidades ao invés de criar soluções.
“Se estes são aceitos como guias de premissas do peacebuilding education, as vozes internas devem conduzir o processo na extremidade dianteira, não apenas para a formulação do quadro de necessidades e abordagens, não apenas para a implementação de soluções de atores externos.” (BUSH, SALTARELLI, 2000, p.27)
Todavia, essa abordagem se mostra um modelo utópico da reconstrução educacional. Na realidade, inúmeras críticas podem ser desenvolvidas ao modelo do peacebuilding. A partir do fim da década de 1990, as falhas das operações cada vez mais ambiciosas de peacebuilding da ONU se somaram à pressão internacional contra violações de Direitos Humanos, injustiças e desigualdades sociais. Entre as mais diversas e heterogêneas vozes críticas, aponta-se, de modo mais geral, a tentativa de institucionalização da paz liberal[4] como a principal causa do fracasso (SILVA, 2012, p.54).
Os críticos podem ser divididos em dois grupos principais de acordo com a natureza de sua crítica. Para um primeiro grupo, o problema está na imposição da democratização e da liberalização imediatas, muito dissonantes da realidade não-liberal local, seja essa realidade decorrente de um regime autoritário ou de um sistema econômico fechado (SILVA, 2012, p.55). Para os autores dessa primeira corrente, as mudanças devem ser aplicadas de forma gradual: “construindo uma fundação de instituições políticas e econômicas efetivas, antecedendo a implementação extensiva de reformas liberalizantes” (PARIS, 2004, p.235).
A segunda visão afirma que o fracasso dessas missões se dá pelo fato de os pacificadores ignorarem o “local ownership”[5] e implementarem a reconstrução segundo premissas intervencionistas que desconsideram valores locais. Nesses casos, a reconstrução deve ocorrer não com a mera participação dos locais, mas por sua iniciativa, com assistência internacional.
Resume-se das críticas a necessidade de observação das características culturais e valores da nação a ser reconstruída. A não consideração na definição do modelo de reconstrução conduzirá a conflitos e ao fracasso, como se tem observado desde a Segunda Guerra Mundial, em especial na África e no Oriente Médio. É inaceitável que a reconstrução do país, baseando-se na educação de seus cidadãos trate-se de uma fantasia, uma fábrica de ilusões acerca da paz que não passa de uma subordinação aos preceitos impostos por influências externas.
2.3. O INTERVENCIONISMO E A SOBERANIA NACIONAL
O Peacebuilding education é pensado para constituir uma forma de assegurar o Direito Humano à Educação, determinado no artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A educação é um meio de garantir a dignidade e a liberdade humanas e constitui uma concepção muito cara aos ordenamentos jurídicos nacionais. É esse um impulso fundamental para as atividades intervencionistas que afirmam defender direitos universais ainda nessa empreitada transcendam as fronteiras da autoridade do Estado. A verdade é que as fronteiras Estatais encontram-se embaçadas quando deflagrado o conflito, situação de ultraje da própria humanidade.
Contudo, é essencial que se reafirme a Força Soberana do Estado que não deve estar alheia ao processo de reconstrução da educação no país. A unidade, a indivisibilidade, a inalienabilidade e a imprescritibilidade de uma Soberania são indiscutíveis e, no caso da reconstrução educacional, ela deve trabalhar numa relação dialogal e respeitosa com as intervenções externas em prol da otimização da garantia do Direito à educação.
“A soberania não é elemento distinto: ela é atributo da ordem jurídica, do sistema de autoridade, ou mais simplesmente do terceiro elemento, o governo, visto este como síntese do segundo – a dimensão pessoal do Estado –, e projetando-se sobre seu suporte físico, o território. O reconhecimento dos demais Estados, por seu turno, não é constitutivo, mas meramente declaratório da qualidade estatal. Ele é importante, sem dúvida, na medida em que indispensável a que o Estado se relacione com seus pares, e integre, em sentido próprio, a comunidade internacional.” (REZEK, 2010, p.237)
Logo após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, alguns Estados, em 1943, durante reunião em Moscou, elaboraram as pioneiras ideias de constituição de um órgão mundialmente humanitário. Era o rascunho da ONU. Como principal instituição mundial na proteção dos Direitos Humanos, ela atua também na reconstrução dos países pós-guerra em todos os seus setores, a atividade de peacebuilding e a sua vertente voltada para a educação. Deveria, no entanto ser realizada em conjunto com a autoridade nacional, não impondo princípios julgados ideais pelos países líderes, mas levando em conta o costume local.
Prática diferente se traduz em realidade. Os países ocupantes ressaltam que a ausência de Instituições reguladoras consideradas ideais, conduz a divergências internas que extrapolam o cenário nacional e, portanto, força-os, após sua derrota, a adotarem uma política liberal (GOMES, 2013). Para a estruturação dessa ideologia, denominada paz liberal, os ocupantes vitoriosos iniciam por introduzi-la já na educação: presentam esse tipo de relação como ideal para o desenvolvimento do país e estimulam sua adoção, em desconsideração ao caminho que o governo local julga adequado para a reestruturação.
3. CASE STUDIES DE EXEMPLOS INTERNACIONAIS
3.1. A REFORMA EDUCACIONAL JAPONESA
Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o Japão encontrava-se fortemente influenciado pelo militarismo e sua economia nas mãos do zaibatsu, o “sindicato” dos grandes grupos econômicos. Durante o período do conflito, a educação militarista e ultranacionalista teve seu auge. Porém, com o envolvimento na Guerra, a situação se transformou e o país se viu profundamente abalado após o ataque das bombas de Hiroshima e Nagasaki sobre seu território.
“A guerra custou ao Japão cerca de 3 milhões de vidas humanas, deixando o país completamente devastado e desmoralizado. A população de Tóquio reduziu-se em mais da metade e cerca de setenta mil prédios desapareceram em segundos. Quem se encontrava a um quilômetro do hipocentro da explosão morreu na hora e alguns tiveram seus corpos desintegrados. O calor intenso levou a roupa e a pele de quase todas as vítimas da bomba. Mais de seis mil crianças tornaram-se órfãos de repente.” (MELLO, 2003, p.2)
A partir do fim da Guerra iniciou-se o chamado período de democratização com a ocupação militar dos Aliados no Japão. Os Estados Unidos enviou missões ao Japão a fim de reformar o sistema educacional. A nação reergueu escolas debaixo de um forte inverno, depois de 3000 terem sido destruídas. As salas foram construídas às pressas e com carência material, sem janelas e com goteiras que obrigavam alunos a fazerem uso de guarda-chuvas. Segundo Tshuchimochi[6], o método recomendado pelos ocupantes era baseado na memorização e na conformidade.
O regime educacional japonês antes da guerra era rigidamente controlado. Era dito aos professores exatamente como se portar em sala de aula e como transmitir o conhecimento. Eles recebiam instruções claras acerca de o que e como ensinar, por meio dos livros-textos. Eram ainda designados inspetores para acompanhar e fiscalizar as atividades. A Reforma Constitucional significou uma guinada muito acentuada nesse contexto (MELLO, 2003, p.4). Elaborada no final de 1945 pelos países ocupantes, ela foi promulgada pela Dieta (o Congresso) e é, para muitos, sinônimo de uma revolução na educação dos japoneses, que passaram a sonhar “o sonho americano”.
“A Reforma educacional realizada após a guerra teve por objetivo eliminar a educação militarista e ultranacionalista, que estava no seu auge durante o período do conflito, e estabelecer a democracia e ideais de liberdade e igualdade na educação, tais como o desenvolvimento do caráter, respeito para com o indivíduo e oportunidades iguais para todos.” (TSHUCHIMOCHI, 1993, p.214)
3.2. A REFORMA EDUCACIONAL ALEMÃ
O sistema educacional na Alemanha vigora como tal há cerca de 65 anos. O período da República de Weimar foi responsável por introduzir a Grundschule (Escola Básica ou Primária), como parte da então existente Volksschule (Escola do Povo), de oito anos. Essa fase possibilitava que os estudantes prosseguissem para a Hauptschule (Escola Principal) e o Gymnasium (Liceu), de seis anos. Já as crianças que frequentavam o Realschule (Colégio de Ensino Geral) ou o Gymnasium, no sistema pré-guerra, tinham que pagar taxas, o que foi fruto de inúmeras críticas por parte dos países ocupantes contra a consagração de desigualdades de tratamento e de oportunidades (CAPDEVILLE, 1994).
Por estes e outros motivos, após a Segunda Guerra, os países que ocupavam a Alemanha passaram a interferir em sua dinâmica interna e “sugerir” inúmeras reformas de seu sistema educacional. No ano de 1964, uma comissão americana sobre educação apresentou um projeto de reforma radical das escolas alemãs, para que fossem asseguradas igualdades de oportunidades educacionais, com uma escola obrigatória em tempo integral para todas as crianças entre 6 e 15 anos, e o desaparecimento da grande variedade de tipos de escolas (CAPDEVILLE, 1994).
Contudo, a grande maioria das estruturas educacionais alemãs foram mantidas ainda com a política intervencionista dos países ocupantes. Isso se deu devido à resistência das autoridades alemãs em absorver princípios estrangeiros em seu território.[7] As autoridades americanas chegaram a retratar o empreendimento com um “big failure”[8]. Esse tipo de reação por parte das elites[9] é consequência de um complexo plano de fundo com aspecto histórico e sociológico. O pensamento dessa classe é influenciado pela coesão do grupo, visão acerca de valores estrangeiros e sua consistência ideológica (SHIBATA, 2005).
Aspecto relevante é que o sistema educacional alemão pré-guerra, demostrava excelência na formação de técnicos e cientistas qualificados, o que auxiliou a reestruturação da nação após a derrota. Tradicionalmente, as Universidades e as Universidades Técnicas constituíram o centro do sistema de Educação Superior na Alemanha, fornecendo além da pesquisa e do treinamento de profissionais, habilitações e cursos de doutoramento. Ademais, esse processo de rápida recuperação da Alemanha se deve também à alta qualificação dos docentes porquanto é solicitado, desde professores de ensino básico, certificado fornecido pela Pädagogische Hochschule (faculdade de educação) (CAPDEVILLE,1994).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As operações de peacebuilding education, incentivadas por órgãos supranacionais, são absolutamente fundamentais para a reedificação do processo de ensino/aprendizagem de países afetados por uma situação de emergência complexa como a de conflito armado. É indiscutível a necessidade de uma intervenção com o propósito de combinar as mais diversas influências, objetivos, motivações e demandas.
É necessário, no entanto, respeitar os princípios culturais, sociais, políticos e econômicos locais vigentes na comunidade. A Soberania do Estado deve ser respeitada e harmonizada com as influências que buscam assegurar os direitos humanos. O objetivo com a reestruturação não é, de forma alguma, homogeneizar a educação e os métodos de transmissão de conhecimento, segundo moldes pré-estabelecidos por um país ocupante ou por uma instituição. A intervenção deve ocorrer em conjunto com a autoridade local, uma vez que a imposição desmedida de intervenções é incapaz de levar a uma paz estável. Levar em conta a realidade local é o único caminho para a construção de uma paz sustentável e duradoura, porquanto esta apenas se apresenta possível quando é inclusiva, auto-reflexiva e participativa.
Com a análise de eventos ocorridos no cenário de pós-Segunda Guerra Mundial no Japão e na Alemanha, percebe-se que a imposição de métodos de ensino foi bastante intensa. No Japão, a absorção e aceitação das doutrinas apresentadas por influências externas, enquanto na Alemanha, a resistência das elites foi maior e o que prevaleceu foram os ideais locais em detrimento dos apontamentos estrangeiros.
A educação, principalmente das parcelas mais jovens das sociedades devastadas, é de fundamental importância para a criação da paz liberal e de seus ideais democráticos, mas esses, nem sempre dialogam com as ideologias já existentes no país. Assim, no modelo idealizado, as Intervenções externas e a Soberania trabalhariam em cooperação para a reconstrução educacional voltada para a manutenção da paz, modelo esse, ainda utópico.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIANCHETTI, R. G Modelo Neoliberal e Políticas Educacionais. 3.ed. São Paulo, Cortez, 2001. 119p.
BRUGNOLLI, Hanna L.. As Operações de Peacekeeping das Nações Unidas do Século XXI pós o Relatório Brahimi. 2012.
BUSH, Kenneth D.; SALTARELLI, Diana. The two faces of education in ethnic conflict: Towards a Peacebuilding Education for Children Edited by UNICEF, August 2000 *
CAPDEVILLE, Guy. Os sistemas escolares alemão, inglês e francês e a formação de seus professores. Brasília, 1994
CLARKE, John; NEWMAN, Janet. The managerial state: power, politics and ideology in the remaking of social welfare. London: Sage, 1997.
GOMES, Aureo de Toledo. Da paz liberal à virada local: avaliando a literatura crítica sobre peacebuilding. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v.2. n.3,jul./dez.,2013. Disponível em: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/2988/1691> Acesso em 21 de junho de 2015
MELLO, Valéria M. S. Pós-segunda guerra – Japão e Brasil na contramão? ANPUH – XXII Simpósio Nacional de História João Pessoa, 2003.
PARIS, Roland. At War's End: Building Peace After Civil Conflict. Cambridge, U.K.; New York, NY: Cambridge University Press, 2004
POSTMAN, N., The End of Education: Redefining the Value of School. Vintage Books, New York, 1996.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – Curso elementar. São Paulo: Saraiva, 2010.
SHIBATA, Masako. Japan and Germany Under the U.S. Occupation: A Comparative Analysis of Post-war Education Reform. Lexington Books, Lanham, Md.,2005
SILVA, Francine Rossone. A paz liberal nas operações de peacebuilding: O ‘local’ e os limites da crítica. Dissertação de Mestrado (PUC-Rio): Rio de Janeiro, 2012
TIMPANE, M. e WHITE, L.S. (eds.). Reforming science, mathematics and technology education. Higher education and school reform. San Francisco, Jossey – Bass publishers, 1998.
TSUCHIMOCHI, Gary H. Education reform in postwar Japan – The 1946 U.S. Education mission, Japan: University of Tokyo Press, 1993, 376p *
[1] Termo usado para designar uma intervenção com o objetivo de reconstruir a paz pós-conflito em complemento ao peacekeeping (manutenção da paz). É estimulado e financiado principalmente pela ONU com o Peacebuilding Fund.
[2] Atualmente atua em Burundi, Serra Leoa, Guiné, Guiné Bissau, Libéria e República Africana Central, abarcados pela agenda.
[3] A noção de intervenção estatal quase não tem sido empregada desde quando passou a se disseminar um novo tipo de referencial teórico e normativo das políticas públicas baseado em postulados neoliberais. (CLARKE; NEWMAN, 1997; JOBERT, 1994).
[5] Uso de suas particularidades locais, seus valores, necessidades e entendimentos de bem-estar e de paz na construção de seu próprio Estado.
[6] No livro Education Reform in Postwar Japan.
[7] Diferentemente do que ocorreu no território japonês, em que os métodos educacionais estrangeiros foram recebidos com entusiasmo.
[8] G. Ziemer in “Our educational failure in Germany”, American Mercury. June, 1946, p.726.
[9] Elite é entendida aqui como grupo de excelência qualquer que seja a área.
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARUSO, Vitória da Costa. A influência externa do peacebuilding education na reforma do sistema educacional como direito fundamental nas comunidades internacionais pós-guerra Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jul 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52028/a-influencia-externa-do-peacebuilding-education-na-reforma-do-sistema-educacional-como-direito-fundamental-nas-comunidades-internacionais-pos-guerra. Acesso em: 22 nov 2024.
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