RESUMO: O presente trabalho tem como finalidade apresentar uma visão crítica sobre o descriterioso uso expressão “cobertor curto” para justificar a ausência de políticas públicas em determinados setores. Tem-se percebido que, em muitas das vezes, a expressão é utilizada como forma de dissimular as verdadeiras causas do não atendimento do interesse público: ineficiência estatal; falta de vontade política pura e simples; e corrupção.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Políticas Públicas. Princípio da eficiência. Corrupção.
SUMÁRIO: Introdução; Corrigindo a míope utilização da expressão; Conclusão
Introdução
Não é de hoje que a doutrina utiliza a expressão “o cobertor é curto”[1] para justificar a impossibilidade do atendimento de muitos direitos reclamados pela sociedade em razão de uma alegada escassez de recursos. No entanto, é perceptível que tal expressão é utilizada quase que como um coringa na manga para justificar, na verdade, políticas públicas desinteressadas ou a conhecida ineficiência estatal.
Não se quer defender a tese de que o “cobertor é gigante” e que o Estado deveria proporcionar aos cidadãos todas as comodidades almejadas, sob a ilusória crença de que o “dinheiro dá em árvores”. Tem-se a convicção de que, em sistema de trocas como o capitalista, os recursos são efetiva e numericamente limitados, não havendo bem que seja infindável, por mais abundante que seja na natureza[2].
Concorda-se, sim, quando é afirmado que “as decisões precisam ser eficientes e considerar elementos externos ao direito para a efetiva proteção dos direitos em jogo”[3], mas acredita-se também que a mesma premissa argumentativa deve ser considerada pelo Administrador antes de alegar uma indiscutida pequenez do “cobertor” para negar direitos fundamentais ou cedê-los de outra forma menos eficiente do que a esperada.
Corrigindo a míope utilização da expressão
Diante da elevada carga tributária imposta à população por todas as esferas de governo, tem-se que o ligeiro argumento de que o “o cobertor é curto” acaba não convencendo quanto à impossibilidade de Municípios, Estados e União entregarem serviços públicos adequados e eficientes à comunidade brasileira.
Um recente exemplo na história brasileira que pode ser usado como subsídio para o que aqui se defende é a ocorrência de vultuosos eventos esportivos nos anos de 2013, 2014 e 2016, respectivamente, Copa das Confederações FIFA, Copa do Mundo FIFA e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.
Não é incomum ser “agredido” por notícias que revelam que muitas obras que foram iniciadas em função dos referidos eventos e que dragaram uma quantidade assustadora de recursos públicos encontram-se inacabadas até hoje[4], sem qualquer notícia de que serão um dia entregues à população, mas com uma comunidade política absolutamente apática, preocupada tão somente com as próximas eleições. Não será espantoso se, nas próximas eleições, surgirem candidatos que explorem essa questão apenas com a finalidade de ganhar votos.
Com esse simples e impactante, mas não único, exemplo, pode-se aferir que ainda que tenham sido gastos mais de R$ 25,5 bilhões com a Copa do Mundo no Brasil[5], essa vultuosa quantia não fui suficiente para entregar tudo pronto, acabado e em prefeitas condições de uso pela população brasileira. Isso sem contar com os equipamentos públicos que estão inoperantes[6] ou deixaram de existir pela incompetência dos seus construtores, como no caso do viaduto que desabou na cidade de Belo Horizonte (MG)[7]. Um perfeito caso de que foi usado um “cobertor gigante”, mas a ineficiência estatal impediu que melhores resultados fossem gerados.
A corrupção, tema que tem aparecido os jornais com frequência maior do que as notícias do tempo, também é um claro caso de que o “coberto” pode até ser “curto”, mas não é do pequenino tamanho que se tenta pregar quando o argumento é convenientemente utilizado.
Ainda que não exista um cálculo que estratifique com precisão o quantum que é subtraído dos cofres públicos (há quem tente)[8], é inegável que, diante de tantas descobertas de esquemas corruptos, a conclusão é uma só: muito, mas muito dinheiro público é esbulhado por criminosos que ocupam os mais elevados cargos na Administração Pública brasileira.
Não é por outro motivo que, infelizmente, segundo o Índice de Percepção da Corrupção 2017, gerado pela Transparência Internacional, o Brasil caiu da 79ª para a 96ª posição no ranking mundial[9], ficando atrás de países como Guiana, Sri Lanka, Timor Leste, Marrocos, Suriname, Burkina Faso, Namíbia, Ruanda, Arábia Saudita, São Tomé e Príncipe, entre outros.
Lamentavelmente, ainda que o Brasil ocupe a nona posição na lista de maiores economias do mundo[10], percebe-se que o seu poder de gerar renda e trocas comerciais é revertido em prol da sua população, por meio de eficientes serviços públicos, sendo diariamente extorquida pela alta carga tributária[11]. Segundo estudos da FIRJAN, em 2016, a carga tributária incidente sobre o setor de indústria de informação chegou a 44,8% do total arrecadado. O Estado acaba sendo o sócio mais inoperante que se tem notícia no ramo empresarial: leva quase metade do arrecadado e pouco devolve à população.
Conclusão
Assim, para bem longe de desmerecer qualquer trabalho acadêmico que cite a expressão “o cobertor é curto” para justificar impossibilidades financeiras do Estado, o que se pretende é o uso crítico e cuidadoso da expressão, já que, exemplos não faltam para revelar que, quando é politicamente conveniente, há recursos para tirar projetos do papel. Logo, vê-se que o “cobertor” só é “curto” quando convém.
Então, com o cuidado de que se deve ter para que a expressão não seja usada como uma falácia vazia e inespecífica, caindo quase que numa “petição de princípio”[12], propõe-se o seu uso responsável. Com a difusão dos meios de informação, a população tem encontrado muitas formas de chegar a informações que, no mínimo, colocam em xeque o discurso de que não há dinheiro.
A impressão que se fica é que: há dinheiro (e muito), sim, mas ele é usado de forma ineficiente e, em muitas oportunidades, tem parcela considerável glosada pelos corruptos. Em outras palavras, o “cobertor” pode até não ser tão grande para “esquentar” tudo aquilo que é infligido pelo “frio”, mas ele está muito longe de ser pequeno quando convenientemente interessa sugerir, sendo usado apenas de forma ineficiente e para “esquentar” interesses pessoais espúrios.
[1] CYRINO. André Rodrigues. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA: Interdisciplinaridade, análise econômica e método no direito administrativo brasileiro. P. 7.
[2] https://nacoesunidas.org/escassez-de-agua-pode-limitar-crescimento-economico-nas-proximas-decadas-diz-onu/
[3] CYRINO. André Rodrigues. Op. Cit. P. 7.
[4] https://g1.globo.com/economia/noticia/quatro-anos-depois-ainda-ha-obras-prometidas-para-copa-no-brasil-inacabadas-em-11-das-12-cidades-sede.ghtml
[5] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-12/tcu-contabiliza-r-255-bilhoes-de-gastos-com-copa-do-mundo
[6] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40226673
[7] http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/07/viaduto-desaba-sobre-caminhoes-carro-e-micro-onibus-em-bh.html
[8] https://istoe.com.br/brasil-perde-cerca-de-r-200-bilhoes-por-ano-com-corrupcao-diz-mpf/
[9] https://www.ipc.transparenciainternacional.org.br/
[10] http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/o-ipri/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo-em-pib-e-pib-ppp
[11] https://www.valor.com.br/brasil/5377687/carga-tributaria-sobe-e-atinge-336-do-pib
[12] Adota-se como conceito de “Petição de princípio” a noção de que se trata de figura de sofística que consiste em dar implicitamente por demonstrado aquilo mesmo que se pretende demonstrar. SCHOPENHAUER. Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas. Tradução de Daniela Caldas e Olavo de Carvalho. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. P.152
Pós-graduando em Direito do Estado pela UERJ (2018-); Pós-graduado em Direito Administrativo Empresarial na UCAM-RJ (2010); Graduado em Direito pela UCAM-RJ (2008).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Felipe de Sousa. "O cobertor é mesmo tão curto como se propaga por ai?" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52063/quot-o-cobertor-e-mesmo-tao-curto-como-se-propaga-por-ai-quot. Acesso em: 22 nov 2024.
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