RESUMO: O microssistema dos Juizados Especiais foi criado para possibilitar maior acesso à justiça para a população que almeja sua célere resposta em relação aos problemas considerados de pequeno vulto, tanto sob a perspectiva financeira quanto em relação a complexidade jurídica, que não conseguiram resolver na vida em sociedade. Sob a perspectiva da celeridade processual, entretanto, denota-se distante o intuito primordial dos Juizados, vez que a tramitação processual por vezes é tão ou mais lenta do que o da justiça comum. Fruto dessa visão pragmática de solução do problema ante a realidade posta percebe-se o surgimento de novos entendimentos para o almejado alcance dos preceitos dos Juizados Especial. Nesse contexto, discute-se a duração razoável do processo e a busca da celeridade processual nos Juizados Especiais Cíveis, refletindo-se a respeito do enunciado nº 130 do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE), o qual nega a concessão de tutela de urgência em caráter antecedente no microssistema dos Juizados.
Palavras-chave: Juizado Especial; Tutela de Urgência requeridos em caráter antecedente; Enunciado nº 130 FONAJE; Celeridade Processual; inafastabilidade da jurisdição.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Microssistema dos Juizados Especiais. 3. Juizados Especiais após novo Código de Processo Civil. 4. Tutela de Urgência requeridos em caráter antecedente. 5.Conclusão. Referências.
1. Introdução
Com o intuito de discussão a respeito do diálogo entre o microssistema dos Juizados Especiais e do Código de Processo Civil, busca-se a solução sobre a possibilidade ou não de concessão de tutela de urgência em caráter antecedente nos Juizados Especiais.
O processo no sistema dos juizados especiais orienta-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.099/95.
E nesse sentido foi editado o enunciado nº163 do Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE): Os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais (XXXVIII Encontro – Belo Horizonte-MG).
O enunciado acima de certa forma contraria dispositivos constitucionais e processuais gerais e até mesmo anteriores enunciados. Nesse sentido, o artigo pretende discutir a finalidade desse enunciado e suas possíveis consequências.
2. Microssistema dos Juizados Especiais
Os Juizados Especiais Cíveis são órgãos do Poder Judiciário e foram criados para amenizar o volume de processos, possibilitar maior acesso da população à justiça e servem para resolver uma demanda reprimida e diminuir os efeitos gerados de uma litigiosidade contida.
Há o intuito de facilitar ao cidadão comum o acesso rápido à jurisdição, nas denominadas pequenas demandas, a possibilitar maior agilidade, em tempo razoável, de forma mais simples e sempre almejando o consenso entre as partes.
Ademais, a necessidade de representação por advogado só é devida na via recursal ordinária para a Turma Julgadora, que é também restrita, existindo possibilidade de apresentação apenas de um recurso para esse órgão superior, nos termos do parágrafo segundo do art. 41 da Lei nº 9.099/95.
Os princípios dos juizados especiais são, em realidade, o principal foco de interesse da processualística moderna, com bem enfatiza Xavier (2016). A Lei nº 9.099/95 instituiu os juizados especiais de pequenas causas, a partir da experiência americana nos denominados Small Claims Courts do sistema norte-americano.
Segundo Xavier (2016, p. 8 apud BULOS, 2011, p. 1369) a criação dos juizados especiais partiu de uma tentativa de criação de nova mentalidade que está sendo introduzida paulatinamente, vem se implantando aos poucos.
Nossa constituição cidadã impõe a criação dessas cortes especiais, conforme disposto em seu art. 98:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
Como descrito na carta magna a ideia precursora da criação dos juizados especiais é a de possibilitar o verdadeiro acesso à justiça para a promoção com maior celeridade com o fito de deslinde de ações denominadas pela doutrina e própria descrição normativa de causas cíveis de menor complexidade julgamento e infrações penais de menor potencial ofensivo.
Diante do dispositivo constitucional denota-se que o legislador infraconstitucional restou vinculado a criar órgãos e procedimentos jurisdicionais diferenciados para permitir o acesso dos economicamente menos favorecidos à justiça (XAVIER, 2016, p. 8 apud MARINONI, 2008, p. 79).
Xavier (2016, p. 08) ainda complementa que o microssistema dos juizados especiais indicaram uma ruptura total com o modelo jurídico à época de sua criação, pois enfatizaram a composição amigável dos conflitos intersubjetivos, resgatando a simplicidade, celeridade, informalidade, economia processual e oralidade, erigidos como princípios norteadores da atividade jurisdicional, constituindo assim, um divisor de águas no processo civil.
3. Juizados Especiais após novo Código de Processo Civil.
Percebe-se que o intuito da criação dos juizados foi excelente, tanto é que foi afrente ao seu tempo e possibilitou um novo pensar ao direito processual, que a partir da introdução no novo código de processo civil, recheado de preceitos constitucionais, também valoriza a busca da efetividade processual, da solução consensual dos conflitos, a partir de mecanismos alternativos, e aprimoramento da prestação jurisdicional.
Nesse novo direito processual restam dúvidas de qual a extensão do microssistema dos juizados especiais e se o princípio da especialidade enaltece entendimentos tidos como doutrinários como a do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) a ponto de evitar a aplicação das regras gerais descritas no Código de Processo Civil.
A evitar dúvidas o próprio FONAJE publicou o enunciado nº 161:
"ENUNCIADO 161 - Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da lei 9.099/95."
Entretanto entende-se que este enunciado não resolve o problema posto, como bem enfatiza o procurador Fernando Salzer e Silva ao destacar que os enunciados do FONAJE devem ser analisados e interpretados com cautela, vez que possuem natureza de mera recomendação doutrinária, não tendo nenhum conteúdo vinculante, pois são unilaterais, não apresentam contraditório e são dotados de boa dose de parcialidade e viés um tanto corporativista, no encontro anual dos Juízes que atuam no âmbito do Sistema dos Juizados Especiais.
Os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, insertos no art. 2º da lei 9.099/95, também agora são norteadores do novo processo civil, descrito na Lei nº 13.105/2015. Assim, a aplicação de entendimentos do FONAJE não tem o condão de afastar as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes. Havendo conflito entre tais princípios e garantias, realizada a ponderação entre eles, deverá sempre prevalecer a interpretação que dá maior efetividade às garantias constitucionais em detrimento até mesmo da aplicação dos mencionados princípios legais (SILVA, 2017).
Ante a nova visão do processo civil temos que a garantia constitucional do devido processo legal deve prevalecer frente a imposições de enunciados do FONAJE, devendo o magistrado que se encontrar em algum conflito que possa levantar dúvidas frente a atual legislação processual civil, dispor em sua decisão os motivos de seu entendimento, sob pena de nulidade da decisão, conforme previsto no art. 489, §1º, VI e §2º do CPC.
4. Tutela de Urgência requeridos em caráter antecedente nos Juizados Especiais
A partir da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil nova sistemática e divisão surgiu em relação tutelas de urgência, havendo inserção de inéditas regras com apresentação de teses consolidadas na doutrina e jurisprudência.
FLEXA; MACEDO; BASTOS (2015, p. 222 e 223) abordam uma lista de mudanças em relação ao tema, indicando na forma sintetizada abaixo relacionada:
a) Houve a sistematização das tutelas de urgência a partir do atual CPC, que trouxe como gênero a Tutela Provisória, reunidas em um só livro para facilitar estudo e subdivididas em tutela de urgência e tutela de evidência, as quais podem ser antecedentes ou incidentais.
b) O processo autônomo cautelar, assim como as medidas cautelares típicas ou nominadas deixam de existir, sendo agora requeridas no bojo do processo, podendo trazer nova relação jurídica, como a antiga ação cautelar incidental.
c) Não há mais a previsão expressa de fungibilidade entre as tutelas de urgência. A sistematização das medidas estão mais bem definidas.
O procedimento da tutela antecipada antecedente é tratado ao longo dos artigos 303 e 304 do atual CPC:
Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:
I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;
II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334;
III - não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.
§ 2o Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
§ 3o O aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.
§ 4o Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.
§ 5o O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo.
§ 6o Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.
Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
§ 1o No caso previsto no caput, o processo será extinto.
§ 2o Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.
§ 3o A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2o.
§ 4o Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2o, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.
§ 5o O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2o deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1o.
§ 6o A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo.
A concessão da tutela provisória de segurança exige a demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora. FLEXA; MACEDO; BASTOS (2015, p. 239) ensinam que o fumus boni iuris agora é representado pela necessidade da exposição da lide e do direito que se busca realizar, não sendo mais exigido a prova inequívoca da verossimilhança da alegação, se contentando com a mera exposição do direito material da parte.
Continuam esclarecendo que o periculum in mora é representado pelo perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, não sendo mais exigido a demonstração de dano irreparável ou de difícil ou incerta reparação.
No sistema dos juizados especiais percebe-se que são rotineiros os pedidos de tutelas, tendo o Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE) se manifestado por meio de alguns enunciados para pacificação de questões:
ENUNCIADO 22 – A multa cominatória é cabível desde o descumprimento da tutela antecipada, nos casos dos incisos V e VI, do art 52, da Lei 9.099/1995.
ENUNCIADO 26 – São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis (nova redação – XXIV Encontro – Florianópolis/SC).
ENUNCIADO 120 – A multa derivada de descumprimento de antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do trânsito em julgado da sentença (XXI Encontro – Vitória/ES).
ENUNCIADO 163 - Os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais (XXXVIII Encontro – Belo Horizonte-MG).
Da apresentação dos enunciados acima resta evidente a alteração de entendimentos entre os três primeiros mencionados enunciados e o último, que se seguido a risca, em outras palavras determina o indeferimento de tutelas de urgências requeridas em caráter antecedente nos Juizados Especiais, por incompatibilidade aos princípios da celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, descritos no art. 2º da lei 9.099/95.
No conflito de normas a regra processual geral, ditada no código de processo civil só não será aplicada quando contrariar dispositivo expresso do microssistema analisado.
Acredita-se muito abrangente o entendimento externado pelo enunciado nº 163 do FONAJE, de que os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais eis que o próprio Código de Processo Civil atual possui semelhantes preceitos aos dos juizados, como acima mencionado.
Aliás, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos Juizados Especiais é possível, sendo inclusive prevista no art. 27 da Lei nº 12.153/09 que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
O art. 3º da Lei nº 12.153/09 também apresenta que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação.
6. Conclusão
O aprimoramento dos instrumentos existentes com o fito de otimizar os processos judiciais, de dar maior concretude ao deslinde processual, com vistas aos princípios da celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, descritos no art. 2º da lei 9.099/95 não podem se olvidar do devido processo legal e da proteção do cidadão que busca o fácil acesso a jurisdição.
As tutelas antecipadas, por mais que sejam modalidade de tutela jurisdicional, são consideradas como técnicas decisórias para antecipar os efeitos práticos do provimento jurisdicional final, isto é, a tutela jurisdicional definitiva como ensinam FLEXA; MACEDO; BASTOS (2015, p. 223).
Dessa forma, após as dilações acima expostas conclui-se que as tutelas antecipadas antecedentes, previstas no art. 303 do Código de Processo Civil prevalecem sobre a dicção do Enunciado nº163 do FONAJE. Assim, quando se apresentar probabilidade do direito alegado aliado a demonstração de urgência, possível é a concessão liminar do pedido requerido pela parte no âmbito dos Juizados Especiais.
Entendimento diverso, na forma exposta no enunciado nº163 do FONAJE fere premissa intrínseca a garantia processual, com violação constitucional de inafastabilidade da jurisdição prevista no art. 5º, inciso XXXV da CF.
Celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual enfaticamente não podem retirar direitos, sendo inclusive preocupante a edição do Enunciado nº 163 do FONAJE, pois representa o pensamento de juízes que ou se conformaram com a lentidão dos Juizados Especiais e sua ineficiência ou não querem imprimir procedimento realmente unos, com oralidade e outros instrumentos que efetivamente podem possibilitar a duração razoável do processo nesses microssistemas.
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Advogada, graduada em 2002/02 pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Goiás. Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas - PPGDP, nível Mestrado Profissional, da Universidade Federal de Goiás. Assessora jurídica da Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Alice Santos Veloso. Tutela antecipada nos Juizados Especiais Cíveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52065/tutela-antecipada-nos-juizados-especiais-civeis. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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